23/06/04

Entrevista ao Nosso Primeiro (exclusivo mundial do Porco)

O Grande Chefe confessa: «Eu acho que sim»

Por Jocta Silva das Neves i Mendez Arrazabal Supino i Joselito Antunes (com ajudantes)

Numa altura de conjuntura internacional, o Nosso Primeiro Ministro de Portugal acedeu a conversar connosco, três anos depois de solicitada a entrevista. Tivemos sorte com o timing porque calha em cima do Campeonato Europeu da Bola que, como todos alegadamente sabemos, se realiza no nosso País. Sem papas na língua, cárie nos dentes ou escorbuto nos lábios, o governante falou connosco e para o gravador no seu gabinete de trabalho, com cortinas beje debruadas a folhos azul celeste. E foi assim que aconteceu:

Pergunta: Bem, estamos aqui com o Nosso Primeiro numa entrevista exclusiva, em termos mundiais, para o Tapornumporco. Bom dia, Senhor Primeiro, o que é que acha?
Resposta: Eu acho que sim. Estou perfeitamente convicto que sim.
P: Sim senhor, estamos a gostar da sua frontalidade. Então e sobre o Europeu da Bola? O que é que pensa?
R: Bem, sobre essa matéria, já pedi aos meus assessores que estudassem aprofundadamente o dossier e estou à espera das conclusões. Sabe que estas coisas são muito demoradas.
P: Pois muito bem. E qual é a sua opinião pessoal?
R: Sobre essa matéria penso que temos possibilidades de lá chegar, e a minha mulher concorda comigo. Mas, lá está, também há possibilidades de não termos, por isso há que ser cauteloso nos prognósticos. E é como digo, quando tiver nas mãos o estudo aprofundado poderei responder com outra profundidade. Sabe que estas coisas requerem muito estudo, mas há que ser optimista, temos de ter fé, não é? Pois, eu também acho que sim. De resto, fui ontem à pastelaria ali ao lado do Governo tomar a bica e um pastelinho, e sai de lá convencidíssimo que sim, reforcei esta convicção.
P: Porquê?
R: Fundamentalmente porque o senhor do balcão, cidadão anónimo e como tal insuspeito, concordou comigo. É o pulsar do povo.
P: Concordou consigo em quê, sôtor Primeiro?
R: Nisso, precisamente, que temos todas as possibilidades de lá chegar se tivermos fé.
P: E força na verga?
R: Sim claro, isso também é fundamental.
P: Sim senhor, muito bem. Então e o que é que achou da eliminação da Bulgária?
R: Pois, lá está, são coisas da vida dos búlgaros. Mas estou a gostar muito, está a ser uma festa bonita e estou convicto que podemos lá chegar.
P: Chegar onde?
R: Lá está, é a esse tipo de questões que o estudo deve responder, mas espere aí um bocadinho… Ó Isabel, mande chamar o Chico, se faz favor…
P: Quem é o Chico?
R: É um dos meus assessores… Ó Chico, desculpe lá, vocês já chegaram à parte do Para Onde Vamos?
Chico (assessor): Já senhor Primeiro, por acaso foi logo das primeiras coisas que analisámos, a seguir ao primeiro capítulo, que tratava do De Onde Viemos. E chegámos a conclusão que devíamos ir até onde pudéssemos.
R: Está a ver? Está tudo previsto. Vamos até onde for possível. Não acha que é um bom objectivo?
P: Quem faz as perguntas sou eu. Então e quanto ao país? O que é que acha?
R: O mesmo. Que sim.
P: Que sim o quê?
R: Então, o que é que havia de ser? O mesmo, fé, força na verga e havemos de lá chegar. Não é assim Chico?
Chico (assessor): Exactamente, é precisamente isso que os nossos estudos indicam.
P: E o défice público?
R: Também há-de lá chegar, também há-de lá chegar, temos de ser pacientes. Como dizia o Custer, um bom défice é um défice morto.
P: Isso não é um bocado radical?
R: Talvez, mas eu também não sou o Custer. Seja como for, gosto mais de pastéis.
P: Ah, isso é interessante. E quais prefere?
R: Os de bacalhau.
P: Isso é bom, sim senhor. Então e filmes? Tem ido ao cinema?
R: Epá, não tenho tido tempo nenhum para essas coisas. Pergunte-me outra coisa.
P: Está bem. Já foi infiel à sua mulher? Já alguma secretária lhe fez um broche no seu gabinete?
R: Sabia que a infidelidade é um estado de espírito? Li anteontem numa revista. Quanto aos broches, não, nem pensar nisso, nego tudo, as minhas secretárias não são pagas para isso. Para tratar dessas matérias tenho assessores extremamente competentes. E quando eles estão muito ocupados com os estudos, a minha mulher faz o favor de vir cá ao gabinete de vez em quando, quando é preciso.
P: Sim senhor. E quanto ao aquecimento global?
R: Isso já acho muito mal.
P: Mas o Governo tem feito alguma coisa?
R: Então não tem?!... Muita coisa… Ó Chico, responda aqui ao senhor jornalista.
Chico (assessor): A última medida nesse sentido foi lançar um concurso público internacional para modernizar os aparelhos de ar condicionado nos gabinetes do Governo.
P: Há quem diga, no entanto, que os ares condicionados ainda estragam mais a camada de ozono. O que é que tem a responder aos críticos?
R: Quem é que diz isso? É uma calúnia infame! Ó Chico, tem de ver quem é que anda a dizer essas coisas, devem ser os sindicatos, de certeza. É só fumaça. Aliás, a prova é que ainda há pouco tempo demos um subsídio, substancial, devo sublinhar, à camada de ozono. Basta ver o PIDDAC, vem lá tudo, tim-tim por tim-tim.
P: Desvaloriza, então, as críticas.
R: Eu acho que sim.
P: Gosta de enchidos?
R: Boa pergunta. Olhe, gosto de alheiras.
P: Só?
R: De momento sim. Mas em solteiro gostava muito de chouriço de sangue.
P: E de azeitonas, gosta?
R: Claro, daquelas amargas, muito curadas, sabem?
P: Sabemos. E o que acha das dez mil visitas ao porco?
R: Ah, uma maravilha! Ainda ontem à noite comentei isso com a minha mulher e ela até comentou: "Ó Zé, mas isso é maravilhoso!". Nós concordamos em muita coisa. Eu acho que sim, definitivamente.
P: Obrigado, senhor Nosso Primeiro pela entrevista que nos concedeu. E parabéns pelas cortinas.
R: Obrigado eu.
P: De nada.
R: Ora essa.
P: Por quem sois.
R: Ó Chico, acompanhe estes senhores à porta.
P: Está então optimista?
R: Então mas isto já não acabou?
P: Sim, mas está-se aqui tão bem que pensámos que podíamos ficar mais um bocadinho a conversar consigo. Assim tipo off the record, conversa fiada e tal.
R: Ah, está bem. Ó Chico traga uns tintos aqui para estes senhores, se faz favor, daquele maduro que trouxemos do congresso.
P: Um leitãozito também marchava, se não fosse pedir muito.
R: Ora essa.
P: Por quem sois… A sua secretária é que é boa como o milho. Trata-se bem, o Nosso Primeiro! AhAhAh!
R: Foi a minha mulher que escolheu, se quiserem sirvam-se. Só não faz é broches, que a minha mulher é ciumenta.
P: Vidaço!
R: Tem que ser, é assim a vida. Então mas essa merda ainda está a gravar?
P: Não!!!
P: Então que luzinha é essa?
R: É das pilhas.
P: Ah, é que eu queria contar umas anedotas e com isso ligado não posso, não é? Ficava mal. O que é que tu achas ó Chico?
Chico (assessor): Eu acho que sim Nosso Senhor Primeiro.

20/06/04

O melhor desporto do Mundo, por Triger Woods

Aqui há uns anos, o Mau, vindo lá das Espanhas, pôs-nos a jogar golf. A malta olhou para o gajo desconfiada. Aqui neste fim de Mundo, andávamos mais habituados à malha e à bola no adro da igreja, no recreio da escola e no meio da rua. Essa merda do golf era coisa de ingleses velhos, ricos e barrigudos. Quando, pela primeira vez pegámos num taco, segurávamos como se fosse uma enxada, denunciando na rudeza do gesto séculos e séculos de apego à terra. O Mau, persistente, lá nos foi ensinando, com a paciência com que os enciclopedistas franceses do século XVIII tentavam ilustrar estes rudes campónios e com a abnegação com que S. Francisco Xavier evangelizava os gentios do Oriente. Ensinou-nos a pegar no taco, a posicionar os pés, a rodar a anca, o swing, o ombro, o punho, o back-swing, o cotovelo, o polegar, puta que pariu! Mas o Mau não desistia:
- Non pongas forza, coño, swinga soft, pasa los brazos....
E a malta lá foi, recalcando os modos da enxada e iniciando-se nos segredos do swing. A pouco e pouco, estes brutos foram-se civilizando. O Mau ensinou-nos a etiqueta, que não devíamos mandar o parceiro pó caralho, que não se chama filha da puta à bola, que não se grita golo, não se diz ao adversário para nos chupar nos colhões quando lhe ganhamos um buraco, etc. Fomo-nos civilizando. Agora, não é que sejamos uns sires britânicos, mas já estamos mais parecidos com aqueles Bijagós das missões a posar prà fotografia com a carapinha domesticada de risco ao meio, fato e gravata e olhar espantado. Estamos mais perto da civilização. E este desporto - o golf - já não é coisa de barrigudos ingleses. É o melhor desporto do Mundo. Não há árbitros, não há desculpas, evolui-se sempre, pode-se jogar com qualquer pessoa que o objectivo nunca é humilhar o parceiro. Uma vez que se entra no espírito do jogo, a coisa entranha-se. Tem qualquer coisa de opiácio, não se consegue abandonar e quanto melhor se joga em pior conta nos temos, a mais nos exigimos, mais tempo a ele dedicamos e entramos numa espiral ascensional da qual não se pode sair. Há gajos que sofrem dores horríveis com hérnias discais e, apesar de todas as contraindicações, não só não abandonam o golf como inventam argumentos espantosos para se convencerem que o swing faz bem à hérnia!
Hoje tive o meu momento de glória. Fui bater umas bolas para o range. Depois, fui dar uma volta ao pitch & put. A coisa corria bem. O campo tem 9 buracos e eu comecei do buraco 3. Chegado ao 8, já levava 2 abaixo do par. No buraco 8, à beira de um muro alto que separa o campo da estrada, eu ensaio o swing e disparo a bola. Atrás de mim, no buraco 4, dois ingleses hospedados no hotel empenhavam-se em confirmar aquela ideia antiga de que isto é um desporto de velhos barrigudos. A minha bola sobe, sobe bem, sobe muito bem. Não me espanto muito, pois sentira o swing solto e largara bem os braços. Aquele barulho quando o taco bate na bola confirmava que havia sido um bom shot. O tempo estava calmo, sem vento, e a bola desce bem. Desce mesmo muito bem. A direcção é perfeita. Eu levanto o pescoço. Começo a sentir um formigueiro no cimo da alma. A bola bate no green levemente, como uma folha seca apoiada pela brisa outonal. O formigueiro da alma alastra ao estômago e a bola rebola devagarinho. Aproxima-se do buraco e o formigueiro desce do estômago até aos colhões. Quando eu tenho formigueiro nos colhões é sinal de que alguma coisa de grandioso está para acontecer. Há gajos que lhes dói o dedo grande do pé quando está para chover. Eu é formigueiro nos colhões. A bola encontra uma linha perfeita na direcção do buraco e desliza como uma top model na passarelle. Aí vai ela. Devagarinho, rola, rola e...... ploc! Ploc? Hole-in-one! Eu lanço o taco ao chão, e meto-me de joelhos na relva com os dois punhos cerrados em movimentos oscilatórios para cima e para baixo e a berrar «golo»! Nestes momentos, estala o verniz e vêm ao de cima os nossos modos rudes e primitivos que, afinal, não desapareceram. Foram apenas enclausurados. Mas agora, soltam as amarras e libertam-se. E lá continuo eu aos pulos:
- Mambó, caralho! Foda-se! Chupa-mos! Pimba!
Lá atrás, no buraco 4, os ingleses, sem entenderem as minhas imprecações, assistiam a tudo e batiam palmas. Eu ouço-os. Começo a descer à realidade e apercebo-me então que, do outro lado do muro, aquele autocarro que a Câmara Municipal arranjou para passear os turistas, descapotável e de dois andares, passava na estrada. No andar de cima do autocarro, uma dúzia de turistas assistira a tudo e aplaudia de pé. Foi o meu momento de glória. É como um golo no estádio da Luz cheio. Vos garanto: um hole-in-one é melhor que foder. Quem acha que não, nunca fez nenhum!

17/06/04

Deco, por Trigue da Malásia

Há quem pense que o racismo se manifesta quando se define uma discriminação com base na cor da pele. É errado. O preconceito com base na cor é recente, remonta ao tempo em que foi necessário justificar a escravatura dos negros. Antes, o factor discriminador era a fé. O modelo era a hegemonização com base na fé. Cristianizar. Os cristianizadores julgavam-se portadores da verdade. Este é o equívoco sobre o qual assentam todas as atitudes discriminatórias. Cristianizou-se à força, pois a força, sendo verdadeira, era libertadora do forçado. Os judeus foram as principais vítimas. Eram deicidas. Muitos fugiram, outros converteram-se, com sinceridade ou não. Ainda assim, estabeleceu-se uma distinção infame entre cristãos-novos e cristãos velhos. A Inquisição definia as regras para considerar o sangue limpo de judaísmo. A ideia de Igualdade ainda não triunfara. Com o advento da contemporaneidade e o triunfo do conceito de cidadania, iniciou-se um longo caminho para abolir as diferenciações com base na religião, no sexo ou na raça. Não é mais admissível distinguirem-se os cidadãos com critérios que não dependam do mérito e das qualidades individuais. Não há privilégios de nascimento, nem se aceita qualquer predeterminação legitimada em verdades reveladas. No entanto, levantava-se um problema: o que une então os portugueses? O que faz de nós um povo? Esta é a grande questão do nacionalismo romântico em toda a Europa. Estuda-se a alma nacional, os costumes, crenças, tradições, com o objectivo de definir o que é ser português. O curioso é que esta nova sociedade, dessacralizada e racionalizada, não aboliu o critério da Verdade para fundamentar o sentido da pertença do indivíduo na comunidade. Pelo contrário, no lugar da verdade religiosa colocou uma verdade científica. Para falar apenas no caso português, houve quem valorizasse um eventual substrato étnico. Fosse céltico, latino, germânico ou até moçárabe, na teoria estapafúrdia de Teófilo Braga que mereceu o escárnio imediato de Oliveira Martins e que foi logo enjeitada. Outros, buscaram na geografia o elemento definidor da nacionalidade. Haveria uma pretensa individualidade geográfica que exerceria uma influência irrecusável sobre as gentes que ocupam o território, moldando-lhes o carácter e definindo os contornos da identidade nacional. Teve os seus arautos, esta tese. Hoje é por todos considerada risível! O que define então a cidadania é a vontade de pertencer a uma determinada comunidade que partilha um território, uma memória, uma cultura, um conjunto de valores. A comunhão total é impossível e indesejável, mas admitamos que há-de haver um conjunto mínimo de valores essenciais, sem o que não se admite a existência de uma identidade supraindividual. Esses valores partilhados não são específicos, nem exclusivos, nem inacessíveis a quem os quiser partilhar. Esse estatuto não está subordinado a factores naturais ou sobrenaturais, indiscutíveis. Agora, é a lei civil, já não o ditame religioso ou a antropologia física, que regulamenta o modo de aceder à cidadania e à nacionalidade. A lei é aprovada por órgãos soberanos com legitimidade democrática. Uma vez adquirida a cidadania, ela não pode ser diminuída sob nenhuma forma. O novo conceito já não é homogeneizador. Admite a pluralidade, o convívio da diferença, a multiculturalidade, o ecumenismo, a diversidade. Esta é a primeira e mais importante característica da pós-modernidade. Encerra um risco, aquilo a que estudiosos anglo-saxónicos, como John Solomos ou Les Black, já chamam «o novo racismo cultural». Nesta nova concepção, que supera a diferenciação com base na fé e na pigmentação da pele, processa-a agora a partir de um certo particularismo cultural inconcretizável e indefinível. Dispensa-se qualquer necessidade de argumentação, pois se afirma a cultura como adquirida naturalmente através de um longo processo cujos contornos são impossíveis de circunscrever, mas que uma vez concluído, faz com que seja impossível escapar ou aceder a esse particularismo cultural que se define pseudobiologicamente. Ou seja, uma vez português, português para sempre. Não sendo português quando atingida a maturação, jamais se poderá aceder ao verdaeiro sentido da portucalidade a não ser formalmente. Diz-se então coisas como »não sentem o hino como nós», «não vibram como nós», não sofrem, etc. Isso permite aos arautos desta nova mutação da ideologia racista, prosseguir numa estratégia discriminatória que, segundo os autores já citados, lhes confere a base teórica para circunscrever o conceito de nação a partir desse particularismo cultural, definindo os excluídos como sendo aqueles que não podem comungar deste estatuto.
Ora, neste contexto, as afirmações de Figo acerca da naturalização de Deco assumem uma particular gravidade que merece ser severamente contestada. Afirmou o jogador do Real Madrid, reiterada e reflectidamente, que discordava que jogadores naturalizados pudessem jogar na selecção. Ao arrepio do que se faz noutras selecções europeias, e mesmo nas selecções portuguesas de todas as modalidades incluindo o futebol. Sem nunca o citar, Figo tinha um alvo: Deco. Esta opinião do Figo supõe um preconceito racista na medida em que coloca como condição para representar a selecção algo que não depende do mérito, nem da vontade de um cidadão português. E o homem que anda a vender bandeiras pelos hipermercados, em poses patrioteiras deveria ao menos justificar a sua disparatada opinião. Mas não o faz. Porque essa opinião não é defensável! Pede que respeitem a sua tola opinião. Justamente o que, em nome dos direitos de cidadania não se pode fazer. Dado o estatuto, o impacte e o alcance das afirmações de Figo, ele mereceria repreensão pronta e ríspida. Poucos o fizeram e foram mais os que concordaram, mostrando uma impunidade consentida pelos idólatras de um país que não consegue separar a admiração devida ao desportista da repreensão que merecem as suas afirmações. O Deco adquiriu a nacionalidade portuguesa, nos termos da lei e da constituição. Ponto final! Os direitos de cidadania, uma vez adquiridos, não podem ser ofendidos ou sequer levemente beliscados por opiniões subjectivas que ferem, nem que seja muito levemente, o pleno usufruto da cidadania! O Deco é cidadão de pleno direito e ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de colocar em causa os seus direitos de cidadania,seja sob que forma for, incluindo a opinião pessoal. Quando é o Figo a proferir essa opinião, dada a sua popularidade e o cargo que desempenha como membro oficial de uma selecção nacional, deveria estar consciente das implicações da sua opinião e não se refugiar nesta desculpa: é a minha opinião, tenho direito a a vê-la respeitada. Não, não tem, porque é uma opinião idiota, que coloca em causa o estatuto de um seu companheiro que foi obtido nos termos da lei e da Constituição e que está exactamente ao mesmo nível de direitos e deveres que ele próprio. O que a opinião disparatada do Figo supõe é que ele se considera mais cidadão do que o Deco. E não é. Como se houvesse uma categoria para cidadãos-novos e outra para cidadãos-velhos!

16/06/04

Um milagre simples, por Cão

A realidade é uma coisa inventada pela televisão, paginada pelos jornais e repetida pelos parolos que se abstêm ao domingo para dizer mal dela à segunda-feira. “Basicamente é assim”, concordaria comigo um parolo qualquer como eu.
Acontece que descobri a solução para os males da realidade: basta não deixar que Junho acabe. Dois jogos de bola por dia, um morto ilustre por semana e milhares de bandeiras nacionais flamejando varanda sim popó também. E está feito. É um milagre simples.
Se Junho não acabar, Victoria Beckham fica entre nós e põe os filhos a estudar no ensino público. Se Julho não entrar, Marco de Canavezes, a Madeira, Felgueiras, Pombal e Matosinhos passarão também a fazer parte da realidade, já que da normalidade não é possível.
Se conseguirmos ficar em Junho para sempre, os incêndios de Agosto nem começam. Também fica resolvida a questão da limitação dos mandatos com a mandatação dos limites. O crédito bonificado não subirá a partir de 1 de Julho porque não vai haver 1 de Julho algum. E ainda há tempo para antecipar outra vez o Bodo.
Só vejo vantagens. Não envelheceremos mais que isto. Tony Carreira pode dar-nos um concerto eterno. Guterres, esse outro Tony, não vai ter tempo para voltar. Álvaro Cunhal permanecerá firme na luta contra o grande capital em defesa das conquistas de Junho, perdão, de Abril. As multas da Pombal Viva poderão ser pagas no mês que vem. O Portas não chega a receber os submarinos de brinquedo. O défice fica como está. A abstenção nunca mais vai subir. Melhor que tudo, temos tudo para ainda dar a volta ao 1-2 contra a Grécia. Com a realidade suspensa, podemos tomar a nuvem por Junho, além de uma cerveja geladamente estúpida. As três empresas que ainda pagam o subsídio de férias podem sempre declarar falência retroactiva a 1143, ano em que a realidade se começou a estragar.

11/06/04

THE 39 KILLER, by Lewis Monster Dick

Dedico esta merda desta história porno a todos os que elogiam o Tapor, considerando-o uma mistura de sexo e merda. Agradecemos e retribuímos com esta cagada em tempos divulgada via e-mail entre os membros do Tapor e agora resgatada ao fundo do baú da memória.



THE 39 KILLER
A SHORT TALE FROM THE DEPRESSION DAYS
by Lewis Monster Dick


A puta da grande depressão tinha dado cabo do meu negócio. Eu tinha uma loja de flores na avenida 45, mas agora já ninguém oferecia flores antes de foder e eu estava a ir à falência. Quando se fode sem antes oferecer flores, isso é sinal de depressão económica. Não é que a malta tenha deixado de foder, deixaram foi de oferecer flores antes e eu é que me fodi. Tive que fechar a loja e despedir a Harriet que era uma ruiva boa como o caralho com uma peida de enlouquecer e um clítoris grande e muito sensível. De cada vez que lhe dava uma lambidela ficava a baloiçar durante 3 segundos, parecia o badalo do sino da igreja de St. Andrews. E gemia que parecia uma ambulância engasgada. Ela era a única gaja que se aguentava comigo, já vão perceber porquê, e por isso eu tinha que conservá-la. Se querem que vos diga eu até me estava a cagar para o negócio, isso era um pretexto para foder a Harriet. Tenho saudades do tempo em que chegava à loja de manhãzinha cedo, a miúda já estava atrás do balcão e eu estalava os dedos. Ela já sabia como é que era: amochava e fazia ali logo uma mamada enquanto eu atendia os clientes. Depois, quando eu ouvia aquele «slurp» já sabia que o serviço estava pronto. Naquele tempo eu só acordava depois do «slurp», era o meu despertador. Ela levantava-se, limpava a beiça com um lencinho branco rendado e perfumado e eu ia tomar o pequeno almoço ao bar do Joe na esquina com a 46. Isto sim, isto era vida. Eu até me estava a cagar para o negócio. A vida corria-me bem, até que, com a puta da depressão, tive que fechar a loja e despedir a Harriet que foi mamar para um escritório de advogados especializados em falências. Tive pena de a perder. Os ricos andavam-se todos a matar e as viúvas dos suicidários tinham vontade de morrer mas não sabiam como. Eu também não me atrapalhei e segui o meu lema: «fode quando estás por cima e foge quando 'tás por baixo». Fechei a loja e pensei instalar-me num novo negócio. Comprei uma Magnum 38 e instalei-me como detective. Eu usava a Magnum no lado direito das calças porque, desde pequenino me habituara a virar o 39 para o lado esquerdo. Assim, as coisas ficavam equilibradas. Não fui eu que lhe chamei 39, foram elas. Eu só descobri a razão da alcunha no dia em que vi pela primeira vez uma fita métrica. Foi então que descobri que não era como os outros. Fiquei um bocadinho preocupado e fui ao consultório do Dr. Goldberg. Quando o gajo me viu exclamou:
- Foda-se! 39!!!
O doutor ficou tão espantado que a enfermeira do gajo se assustou e entrou de rompante pela sala de observação. Bem, a moça ficou tão passada que se atirou logo ali. Agarrou uma bola em cada mão de forma tão delicada e embevecida que parecia que se aprontava para me embalsamar os colhões. O cabrão do Goldberg fugiu e eu fiquei ali com ela. Aproveitei para lhe arrancar as cuecas à dentada. A moça ficou extasiada. Estava tão húmida que até me pingou o dedo grande do pé. Depois foi uma fartura. A moça ficou com os olhos revirados, entrou em coma e morreu com uma hemorragia interna e um sorriso nos lábios. Foi a minha primeira vítima. Aquela merda afinal era perigosa. Fiquei a saber que tinha uma arma letal. Quando comprei a 38 fiquei com duas armas letais. Abri um escritório de detective. Aluguei um dos muitos que vagaram numa perpendicular de Wall Street. Os homens de negócios, correctores, contabilistas e o caralho andavam a suicidar-se em série, por isso as rendas estavam baratas e eu aproveitei. Mandei gravar uma placa: «Monster Dick. Private Detective» A merda é que ninguém aparecia. Nem uma puta duma cliente. Ali estava eu às moscas com o dinheiro a acabar. Estava deprimido e por isso saí para a rua. Recordo-me perfeitamente. Naquela noite chovia a potes. Estava um vento frio comó caralho. Peguei no meu velho Chevy e andei às voltas. Andei tanto que já não sabia onde estava, até que vi ao longe o letreiro de um motel e fui para lá. Toquei à campaínha enquanto desapertava os botões da gabardine e me sacudia da água gelada da chuva. Nisto, apareceu a recepcionista: uma velha para aí de 70 anos a fumar um cigarro sem filtro. A mulher fixou os olhos no 39, eu esqueci-me que não devo desapertar os botões da gabardine porque ando sempre com tusa. E ficou maluca. Bom a velha estava um bocado enferrujada, mas levou uma enrabadela como já não levava desde o tempo da guerra hispano-americana. A gaja gania que parecia doidinha. Os hóspedes dos quartos próximos apareceram a pensar que a estavam a assaltar. Entraram na recepção e quando viram aquilo primeiro indignaram-se, depois espantaram-se, depois despiram-se e juntaram-se à festa. Tive que mandar um maricas embora. Mas as outras gajas marcharam. Fizémos um bacanal interessante. Eram cinco gajas, sem contar com a velha que ficou com falta de ar e morreu asfixiada (foi a minha segunda vítima). Aquilo foi à canzana, à dentada, à dedada e à punhada. No fim, o balanço deu:
- Uma gaja ficou histérica e nunca mais disse coisa com coisa. Os médicos diagnosticaram-lhe esquizofrenia e internaram-na.
- Outra ficou com o nervo ciático rebentado e passou a andar de cadeira de rodas. Especializou-se em sexo oral e foi fazer filmes para Miami.
- Duas ficaram gagas.
- A última ficou incontinente urinária porque lhe rebentei com a bexiga. Passou a mijar com uma algália, foi para um convento e abalou prás missões na Tanzânia. Nunca mais cedeu à tentação da carne.
Isto sem contar com a velha. Enfim, um massacre. Fui-me deitar e no dia seguinte comprei o Wall Street Journal. Lá estava em letras enormes a dizer que a vaga de suicídios continuava. Os contabilistas mandavam-se dos arranha-céus abaixo e as mulheres ficavam viúvas. Os gajos até entrevistaram uma viúva fina que dizia que só tinha vontade de morrer. Faltava-lhe era coragem e não sabia como se matar. Foi então que tive uma ideia brilhante. Pus-me no Chevy e acelerei até ao escritório. Arranquei a placa e, onde estava «Private Detective» risquei e a coisa ficou assim: «Monster Dick. Die with a smile on your face» O negócio prosperou, eu recuperei a Harriet. Quando a vi disse-lhe:
- Here we are, babe, back to our slurppy days!


THE END

07/06/04

Champ !, por Porco Fascista

O professor Mário Pinto, no «Público» de hoje, traz um artigo de opinião muito interessante sobre a fundação Champallimaud. O falecido foi um capitalista frio, inteligente, calculista, reservado, polémico. Chamaram-lhe de tudo. Acusaram-no de tudo. Defendeu-se de tudo. Ganhou a todos, incluindo aos familiares mais próximos, e morreu sozinho. Não o admiro particularmente. Os meus modelos são de outras latitudes. O que me traz aqui, porém, é o que Mário Pinto insinua diplomaticamente. A Fundação que Champallimaud deixou em testamento não leva o seu nome pessoal, destina-se à investigação médica e ao benefício de todos e será realizada integralmente com capitais ganhos pelo próprio. O colunista estabelece a comparação com outras fundações privadas realizadas com capitais públicos e que perseguem fins laudatórios dos próprios patronos, beneficiam de favores políticos e de decisões de familiares que desempenham funções públicas e que deveriam defender os interesses da República mas visam o engrandecimento de uma memória pessoal e familiar. O colunista é diplomático e não refere o nome da Fundação Mário Soares. No entanto, nós aqui no «Tapor» não somos diplomáticos e eu afirmo-o com todas as letras: vai sendo tempo de abandonar o politicamente correcto e afirmar categoricamente que o país deve muito a Champallimaud. O capitalista podia ter mau feitio, mas deu ao país uma siderurgia que nunca tinha tido, uma indústria de cimentos, bancos, companhias seguradoras, um grupo financeiro que gerou uma das maiores fortunas mundiais. No fim da vida, sem alardes, discretamente, sem espírito de vingança nem vaidades, legou grande parte dos seus milhões para a constituição de uma fundação de utilidade pública. O Mário Soares pode querer escrever a história da maneira mais conveniente, convocando para tanto os escribas da Nação agregados em torno da sua fundação. Não discutimos, naturalmente, o papel que teve na fundação da democracia, mas também não sonegamos as responsabilidades que teve na maior tragédia da história portuguesa: a descolonização! A Fundação que criou está, antes do mais, a concretizar um impulso burguês, já tardio e herdeiro do liberalismo individualista, que vê na realização do indivíduo o fim supremo do Estado. Aquela Fundação é o corolário desta orientação. A Liberdade, para esta gente, é uma coisa sagrada e exprime-se pelos feitos individuais. Por isso, os burgueses esforçam-se por legarem o seu exemplo aos vindouros, agindo sobre a memória colectiva. Fazem-se pintar, fotografar e esculpir. São amigos de pintores e fotógrafos, arrogam-se amantes das artes, têm os seus escribas oficiais, organizam arquivos pessoais, dão o nome a ruas, publicam as memórias em que publicitam o seu quotidiano, os seus gostos pessoais e a sua intimidade, convencidos que tal se reveste de uma importância enorme. São regiamente magnânimos, mostram-nos a mulher, os filhos, os netos, os amigos e partilham connosco a sala de estar. O futuro conservá-los-á na memória, essa é a imortalidade que eles ambicionam e para isso se empenham no presente. Champallimaud nunca foi nada disto. Ele pertence àquela casta de homens saídos do Antigo Regime anterior à afirmação dos ideias burgueses e individualistas que, em Portugal, teve em Pombal o seu melhor exemplo e em Salazar a sua versão anacrónica , provinciana e beata. Estes buscam o bem comum dos povos e encaram o Estado como uma realização suprema que despreza os interesses particulares. Propõem uma ética do sacrifício e da austeridade. Erguem uma barreira intransponível entre o privado e o público. Desprezam a crítica porque se acham convictos do seu rumo e da validade das suas opções, como se estivessem dotados de uma certeza escatológica. Não temem a morte e acham que os vindouros lhes reconhecerão o valor e a obra. Nunca no imediato, mas num futuro longínquo. Por isso, não valorizam as adversidades do presente que encaram como passageiras. Eu acho, sinceramente, que o futuro não contemplará nenhuma das concepções: nem a superlativização do Estado, nem a canonização do «Eu» burguês. A pós-modernidade decretará a falência do Estado Absoluto, seja fundado na Luz da razão, na vontade da Providência, na soberania popular ou na sacralização dos direitos individuais. Mas, para já, devo dizer que Champallimaud, do fundo do seu corporativismo pré-liberal, lançou uma bofetada póstuma nas bochechas republicanas, laicas, socialistas, burguesas, individualistas e egocêntricas de Mário Soares. Os vindouros poderão lembrar-se de Soares mas, se tudo correr bem, beneficiarão mais com o altruísmo de Champallimaud.