28/08/07

Uruguayos, Paraguayos, Bélgicos e Outras Aves de Arribação, por Zé Maminha

O Ministro da Saúde, impotente para travar a falta de médicos, veio anunciar que já se fez um acordo e que vem a caminho um contingente de médicos uruguayos. Ao que parece o colosso da faculdade de Medicina de Coimbra teima em deixar entrar apenas 50 ou 60 novos caloiros por ano e as duas novas faculdades de medicina das berças, vão pró mesmo. Assim, as novas fornadas da malta do estetoscópio, nem para substituir os que se reformam dão. Daí os uruguayos. Mas porquê uruguayos?


Em primeiro, acho desde logo uma discriminação selvática em relação ao paraguayos. Será porque estes estão para lá do guayo, do rio? Tá mal. E porque não Cubanitos? Assim coma assim, são mais baratos ainda, o voo sempre demora menos e de certeza que traziam umas sacadas de puros. E se é por falarem espanhol, porque não os nuestros hermanos? Sempre se provavam umas tapas entre uma paelha e outra.


Mas, prontos tá decidido, tá decidido, venham de lá os uruguayos. Agora, importa não esquecer a falta crónica de canalizadores. E pra isso nada melhor que importar um contingente de Bolivieiros. É malta do buraco e do cano, que trabalha duro e por poucos tostões. Canalizações e sítios escuros, merdunças e gases, é lá com eles. Venham Bolivieiros. E mais, o português embora dê coça no percebe e no crico, descura por completo o mexilhão, que é bicho abundante, bom e barato e que o portuga, em regra, estraga. Para resolver este problema muito grave, nada melhor que um bom e abundante contingente de Bélgicos. Esses sim, é malta que respeita o mexilhão e sabe fazer-lhe a barba e a caçarola. Venham de lá os Bélgicos!


E por último importa não esquecer a falta crónica de bons coçadores de tomates. Um gajo quer e não tem. Tem que coçar ele mesmo, o que está mal, e não há necessidade. Contudo, e prá coçagem tomateira não é fácil escolher o contingente. Temos à partida que excluir os Arábicos quer é malta que limpa o cu com uma mão e come com a outra. Ora, a falta de higiene não combina com um tomate bem coçado. Por outro lado também temos que excluir os Africaneiros em geral. É malta do pó e da selva, e com a colhoeira todo o cuidado é pouco. Um grão de pó e uma erva urtigueira e o tomate fica com a pele irritada por uma semana. Neo Zelandeiros e Australopitecos também não. Eles não abdicam da sua ovelhita e já se sabe que a lã grossa não combina com a fina pele de um tomate rosado e delicado.


Lembrei-me assim dos Gronelândios. Isso sim, era governo e competência, um grande contigente de gronelândios para nos coçarem os tomates. É malta limpinha, habituada a coçar a macia pele de foca e que vindos do frio e do gelo, tem sempre as mãos fresquinhas. Haverá coisa melhor para a coçagem? Venham eles!

27/08/07

Night and Day, por Leviatã


Morre-se e já não há mais vida mas inverso não é verdadeiro. Pode-se morrer tantas vezes no decurso de uma só vida... Cabe tanta morte no tempo de uma só vida.

Pic - Hopper, Hotel Room, 1931

26/08/07

Till the Morning Comes, por Nelo Jovem

After the Gold Rush é o disco mais triste do mundo. As melodias são as mais melancólicas que alguma vez alguém se lembrou de compor. A voz de Neil Young, bela, angelical, quase débil mas de uma debilidade comovente, neste disco parece chorar. E as composições são despojadas, divinamente simples. Porque é que gosto e ouço tanto um disco como este? Porque a tristeza pode ser redentora. E às vezes só nos basta a tristeza.

24/08/07

Deus Existe? por Leviatã

A TSF divulgou: Madre Teresa de Calcutá tinha dúvidas de Fé. Possivelmente esta notícia vai passar despercebida, atulhada em mais uma torrente de tricas politiqueiras e lesões de jogadores de futebol. Para mim é a notícia do ano.

Um livro a publicar em breve nos Estados Unidos dá conta da correspondência pessoal de Madre Teresa de Calcutá em que esta confessa sérias dúvidas sobre a existência de Deus. Esta crise de fé terá durado cerca de 50 anos – todo tempo passado na Índia. Nestas cartas a Missionária escreve coisas como:

«(Os) condenados ao inferno sofrem um castigo eterno porque perderam Deus. Na minha própria alma sinto uma dor enorme com esta perda, sinto que Deus não me quer, que Deus não é Deus e que, na realidade, não existe».

Noutros passos confessa o martírio e suplício que foi a sua vida e o sofrimento dos que acompanhou.

Madre Teresa de Calcutá pareceu-me sempre um exemplo de serenidade: Pareceu-me notável o seu exemplo prático enquanto resposta a uma das perguntas mais prfundas da humanidade: como conciliar Deus, a sua Bondade e Omnipotência, com a existência da morte, do Mal e do sofrimento?A imagem que tínhamos dela mostrava ser possível manter a crença em Deus mesmo no meio do mais absoluto desespero e do horror mais tenebroso que possam existir. Agora, estas cartas permitem-nos olhá-la segundo um novo ângulo, nem por isso menos nobre. Afinal, ela duvidava, embora mantivesse uma imagem pública de heroína da fé, por amor aos outros, sem dúvida. Não comento mais. Chega-me. As afirmações da santa são a notícia do ano.

foto de Joel-Peter Witkin

23/08/07

UNOBUNTU, por Truta Salmonada

"Um Amor em África", é o título que não entendi adaptado para Português de um filme com o título original Country of My Skull (também apelidado de In My Country), realizado por John Boorman, em 2004, baseado na obra do escritor Sul Africano Antjie Krog.

Mas entendi algo que me impressionou profundamente: a presença e actuação dentro do conceito africano UNOBUNTU – designando a pessoa generosa e compassiva, a compaixão e o perdão, dentro da justiça africana, termo ligado ao termo UBUNTU – a significar que estamos todos ligados, o que afecta um afecta o outro e a toda a gente.
Mais claramente como diz Archibishop Desmond Tutu:

"A person with ubuntu is welcoming, hospitable, warm and generous, willing to share. Such people are open and available to others, willing to be vulnerable, affirming of others, do not feel threatened that others are able and good, for they have a proper self-assurance that comes from knowing that they belong in a greater whole. They know that they are humiliated, diminished when others are oppressed, diminished when others are treated as if they were less than who they are. The quality of ubuntu gives people resilience, enabling them to survive and emerge still human despite all efforts to dehumanize them.
You know when ubuntu is there, and it is obvious when it is absent. It has to do with what it means to be truly human, to know that you are bound up with others in the bundle of life...When we Africans want to give high praise to someone, we say, 'Yu, unobuntu': 'Hey, so-and-so has ubuntu.' A person is a person because he recognizes others as persons."


Conceitos extremados na temática desse filme de forma extremamente tocante e inspiradora, face a situações trágicas, fenómenos de perversão e mediocridade humana (quase) incompreensíveis. O frente a frente de vítimas ou familiares de vítimas falecidas do Apartheid, com o seu vitimador, numa confissão detalhada do horror vivido na 1ª pessoa e do horror perpetrado também na 1ª pessoa, na presença da Truth and Reconciliation Commission, permite ao protagonista do horror ser amnistiado, assim como diminuir ou aliviar raivas e culpas. Isto manifesta-nos de facto um nível humano elevado e louvável, que aconteceu e nos ensina muito sobre o perdão, sobre a capacidade de aceitar o outro limitado e sobre o acreditar na mudança. Obviamente que este entusiasmo não nos torna assim tão ingénuos ao ponto de pensar que todos os frente a frente ocorridos foram autênticos no seu pretenso arrependimento e não só no desejo de perdão legalizado, mas decerto que alguns o foram e que alguns foram surpreendidos pelo efeito do confronto e de serem perdoados pelas suas vitimas. Para além disso há o efeito e ensinamento que nos abalroa enquanto público, espectador e aparentemente inofensivos europeus com a nossa degradação e desrespeito de vida urbana aparentemente civilizada.

Estereótipos à parte, situações e interpretações cinematográficas utilizadas para funcionar enquanto filme mais comercializável postas de lado, aqui interessa-nos essencialmente a temática pós-mandeliana, com intervenções a repetir incansavelmente, o que o torna num filme a ver,, especificamente pela inspiração UNOBUNTU.

19/08/07

Os Esgalgarados Do Rissól, por Zé Critério


Já uma vez aqui se analisou esse animal nojento que é o Comedor de Tartexes. Mas na fauna dos tascos, há um outro animal muito mais perigoso, falo obviamente do Esgalgarado do Rissól. O Comedor de Tartexes é um simples idiota com falta de imaginação, que vai ali comer aquela merdunça pela simples razão que nunca ninguém lhe mandou um berro a dizer que naquilo não se toca. A partir daí o Comedor de Tartexes amocha e controla-se.

O Esgalgarado dos Rissóis não. Nunca. Não se vai lá com berros ou patadas na manita. É um bicho muito mais perigoso, feroz mesmo. E actua em matilha. Em manada. São como bisontes em tropel sob planície de erva fresca. À desfilada e incontroláveis. A maltosa da restauração já estudou bem este tipo de diabo da tasmânia mal-cheiroso e a primeira coisa que faz é picar o animal com travessitas de rissóis, croquetes e queijinhos. Obviamente, merdunça que nas makros se vendem em pacotes de 50 kg e que deitam a fritar em óleo seboso com plástico e tudo.

Dirão alguns, coitado do animalzinho, xi pi ti ti ti, que é tão engraçadinho e vem esgalgaradinho de fome. Qual qué!? É à mocada no toutiço. Com força e a doer. Atão um gajo vem de casa do caralho mais velho, alambazar especialidades de derreter o anacoreta mais empedernido, e vai ter que aturar e pagar os desmandos dos Esgalgarados do Rissol? Eu fico piurso, fodido mesmo! E é de zagalote em cima de tal matilha!

E da próxima não pago! Os cabrões dos rissós, croquetes, queijinhos, chamucinhas e coisas terminadas em inhas, como por exemplo uma grande caganeira que lhes desse todos e logo ali, pois essas merdunças, terão que vir discriminados numa continha à parte e a pagar só pela matilha esgalgarada.

Vem a isto a propósito da jornada alambazeira de ontem. Rumámos ao Camelo de Santa Marta de Portuzelo. Um ícone da gastronomia nacional e que faltava no nosso cadastro cobiçoso. E com seis mastigantes a salivar, há que mandar vir Arroz de Sarrabulho à moda do Minho pra dois, Pazinha de Anho no forno com batatinhas douradas, também pra dois e por fim Naco de vitela no forno, acompanhada por migas de hortaliça, e pra dois como se impunha. Com isto, e mais pudim Abade Priscos e Rabanadas à moda da casa com pinhões e nozes, cada comensal saía de lá com uma conta de 15€ cada um e com a pança cheia.

E perguntarão vocês, assim foi? Não, claro que não! Saiu-se de pança cheia, mas com uma conta idiota de 18€ cada um! E isto, porque dois ou três Esgalgarados do Rissol entenderam que não podiam esperar mais 5 minutos pela janta (rapidíssima aliás!) e logo ali e apesar da acesa refrega, lançaram as manápulas sujas ao encontro do rissol, do croquete e da chamuça. Rissol a preço de caviar!

E termino com chave de ouro. Eu não toquei na rissolada e enchi a pança de anho, sarrabulho e vitela. Tudo muito bem feito. Os outros esgalgarados também. Encheram o bandulho até quererem. Mas acontece que faltou espaço estomacal e no final cresceu comida como é evidente. Na mesa, ficou quase metade da caçoila de arroz de sarrabulho, boa parte das carnes da matança acompanhantes, metade do excelente arroz da vitela e um bom naco de anho em estado de perfeição. Ah, mas a rissolada levou uma abada que até as migalhas foram rapadas. Malditos! Gajos que deixam de comer anho para comerem rissol. Era só cum pau, mas tinha que ter um prego na ponta!

17/08/07

Nem Vou Ali Nem De Lá Venho, por Centurião

Fui e voltei. Aterrei em Lisboa e tentei vir para Coimbra. Nas férias nem sequer me chateei com coisas sérias tais como se o governo vai ou não construir o novo aeroporto ou se vai construir a linha do TGV e outras prioridades da pátria.

No regresso reparei que a bagagem deve ter feito escala em Faro ou Porto porque demorou mais de quarenta minutos a chegar. Entretanto sabia que o único meio de transporte que qualquer cidadão que aterre em Lisboa depois das 20h tem para vir para o Norte é às 24h 15m o expresso da Rodoviária que vai até Braga. Comboio só às 06h 15m da madrugada. Táxi? 230 Euros, no mínimo, de Lisboa a Coimbra!!

Aterrei às 22h e 30. Pelas 22h40 estava junto à passadeira das bagagens. Pelas 23h 30m chegou a minha primeira mala. Pelas 2345 estava dentro do Táxi a berrar ao condutor para carregar no acelerador que queria vir para Coimbra no expresso das 24h 15m. Fiz a viagem até Sete Rios em condução de meter pirraça ao Markku Allen (quem se lembra??) e em dez minutos estava na bilheteira. Com simpática resignação, de quem já é a trigésima ou quadragésima vez que diz o mesmo em dez minutos, informou-me o funcionário que não havia bilhetes para Coimbra, estavam esgotados.

Pensei, bom, Agosto, Lisboa, fim de semana, e perguntei ingenuamente: mas há um desdobramento ou outra viatura? Resposta: “não é a única, mais só amanhã”. Enquanto negociava com um “Taxista” o preço para vir para Coimbra vejo alguém que ia sofrer o mesmo desgosto que eu, a prima do Contra-Mestre que saiu do Táxi a correr para as bilheteiras convicta de que vinha para Coimbra…e a seguir mais um casal… Enfim, pelo menos em cinco minutos eram doze pessoas a olhar para o relógio e para a carteira, e eu por causa desta neguei-me a vir de Táxi.

Contas à vida toca a ir dormir a cada de um amigo, afinal para que servem os amigos nem que seja à uma da manhã. No dia seguinte vou para a estação da CP, queria vir no comboio das 11h 40m. Na bilheteira pelas 11h 15m fui informado que se queria vir para Coimbra tinha de ser em 1ª classe porque a 2ª classe estava esgotada. A primeira classe vem à mesma velocidade da segunda e por isso tive tempo para pensar, coisa que de longe em longe faço, mas que os nossos governantes devem ter abolido da sua cabeça com qualquer programa simplex.

Vejamos: O comboio e os transportes colectivos em geral estão a ser incentivados em toda a Europa por várias razões mas sobretudo por razões ambientais. Em Portugal não temos já comboios “regionais” a percorrer o país. Todos os meses fecha mais uma linha de comboio por falta de rentabilidade. De quando em quando suprimem-se composições porque circulam a horas “indecentes”. Temos comboios com 1ª e 2ª classe destinando-se aquela a garantir que quem chega com trinta minutos de antecedência talvez consiga viajar pagando bem mais caro, e motivando as pessoas a andar de automóvel.

Os comboios que temos não chegam para os passageiros que neles pretendem viajar.
Qualquer comum mortal sabe que no Verão a procura de viagens de comboio aumenta, mas as composições não, deve ser pecado. O Aeroporto de Lisboa é o principal do País e como tal deveria ser servido por uma boa rede de transportes, mas a verdade é que não há nenhum comboio de Lisboa para o Norte a partir das 20h da tarde!!!! O único Expresso da Rodoviária a partir dessa hora é às 24h 15 m, mas tanto faz haver mais cinquenta pessoas ou uma dúzia para viajar pois se encher já não há mais.

Depois de tudo isto ainda leio diariamente artigos e informações sobre o TGV e as vantagens e por ai adiante, e penso que só atrasados mentais ou criminosos podem ter tais ideias. Ora, se o sistema normal de circulação ferroviária não funciona nem contenta a população nem serve qualquer politica ambiental que se impõe que seja preservada, para quê o TGV???????

Foda-se, custa tanto olhar para a Suiça, onde não há primeira nem segunda classe, os comboios são iguais para todos, andam a horas, são suficientes para a população e existem em quantidade? A igualdade pressupõe que não se tabele pela miséria mas sim pela qualidade. Para quê o TGV se nós nem sequer temos quem governe com decência o sistema normal? Para quê gastar milhões se com metade o país ficava servido com qualidade e quantidade exigível a quem paga impostos de sobra?

16/08/07

Um Dia De Trabalho E O Gajo Que Já Viu Comer Faisão, por Capitão Nemo

Ontem foi dia de trabalho. Como tal impunha-se por o corpo a mexer produtivamente, razão que nos levou a rumar ao interior, nomeadamente ao verde serrano. Chegados ao terreno, verificou-se que chovia bem. Mas a malta de trabalho não desiste à primeira. E pôs-se a mão à labuta. Um balde de bolas batidas e a chuva não amainava. Em Montebelo chovia demais para o nosso gosto. Autêntica cheia. Assim, não há trabalhador nem boa vontade que resistam. Após discussão violenta (o Nini não largava o ferro quatro), foi decidido largar o campo de Montebelo e rumar ao campo do Martelo. O Nini borregava e não queria. Teve que ser arrastado pelas orelhas, com um chinfrim do catano.

O novo campo, prometia com fair way largo e alto. As mãos já aqueciam e mal tivemos tempo para olhar o “green fee” quando a recepcionista nos disse que o campo estava em más “condições de higiene”. O Nini continuava a grunhir e marrar com tudo e todos.

Falhada esta tentativa seguimos para o campo da Póvoa do Dão, a contra gosto do Nini, que tudo disse de mal para evitar tal campo, desde o mau sabor do relvado ao preço do green fee, passando mesmo por criticar ferozmente as canelas da funcionária, que tinha avistado quando lá tinha ido há um século.

Enfim, foi difícil para mim e para o Mau suportar tanta maldizência, e pior mesmo só o Astérix a reclamar da falta de Romanos na floresta. Ultrapassada a teimosia do Nini entrámos mesmo no campo da Póvoa do Dão.

Olhámos para o green fee e escolhemos entrada de requeijão com doce de abóbora, carapauzinhos fritos com arroz de tomate, bacalhau com broa e lagarada de lombinhos, para sobremesa gelado de frutos silvestres da casa e, claro, mousse para o pica miolos.

Terminado o jogo e com os braços doridos apreciámos a lagarada de lombinhos com bom azeite, farto de alho e com boa batata a murro, e os carapauzinhos fritos, estes com falta de sal, e reprovámos o bacalhau. A entrada satisfez e o gelado notava-se não ser da Olá, tinha bom sabor a leite e estava ainda bem coberto de frutos silvestres em compota madura. Acompanhou-se a refrega com um Quinta do Cerrado, Encruzado, 2006. O fee ficou-se pelos dezanove euros a cada jogador. Cabe aqui realçar a beleza rústica do campo com paredes de granito espessas e bem decorado, salvo as cadeiras da Moviflor a destoar. O serviço foi bom tendo em conta que chegámos às 16h 15m.

Depois do jogo o Nini atirou comentário seco e positivo sobre a generalidade da prova e do campo. Estranhando a mudança de humor o Mau perguntou-lhe o que tinha comido da “outra vez”, ao que o animal de carga respondeu que tinha lá ido mas não tinha comido, foi só para ver e mal tinha entrado. Ainda agarrei na travessa vazia para lha enfiar na cornadura mas como isso iria aumentar o preço do fee evitei o acto ficando-me por um rol de impropérios ao solípede de serviço.

No fim fiquei a pensar naquela história do menino pobre que diz à professora que faisão é um bom petisco, e esta admirada com a diferença entre a miséria do puto e o preço do faisão lhe pergunta quando comeu o prato, aí este responde que nunca comeu, mas já viu comer.

13/08/07

Ciência Ca Fé, por Aquele Que Já Foi Jovem

«O senhor padre não me dá coceira, o que eu penso é que o senhor padre, como todos os padres arvorados em cientistas (sobretudo cientistas sociais), têm valor na medida em que permite conhecer qual é a perspectiva de determinada religião acerca de um assunto, mas é material para analisar com pinças e particular criticismo, já que são análises contaminadas do real; contaminadas por uma certa e muito determinada visão (no caso, cristã) do mundo. Ou, por outras palavras, não são homens abertos a todas as possibilidades, mas apenas às possibilidades coincidentes com os preceitos (teológicos, morais, culturais, etc.) do seu credo (…).»

Escrevi isto num dos últimos debates do tapor. Para muita gente, uma afirmação destas é liminarmente absurda. Sobretudo para os crentes, para quem será até ofensiva. Como se aquele formulado de certa forma implicasse menos inteligência ou menor capacidade de objectividade, distanciamento e abertura. De certa forma, é verdade, implica essas menores capacidades, já que quanto a mim é assente que uma condição religiosa/supersticiosa implica uma mundividência codificada (numa grande ou pequena Explicação) e esta obviamente condiciona acções e opiniões. Pelo contrário, um não-crente tende para uma cosmovisão e uma procura de explicação naturalista, baseada nos sentidos e na razão (preferencialmente, digo eu, crítica): na experiência física e mental.
Além disso, ou sobretudo, admitem a dúvida, facto que os torna efectivamente "abertos a todas as possibilidades". É um pouco como a diferença entre um teólogo e um filósofo, uma questão de extensão dos respectivos campos de investigação e de questionamento. Um teólogo não está aberto à impossibilidade de deus e só labora nos limites dos cânones da sua crença, ao passo que para um filósofo essa, a possibilidade de deus, é uma entre incontáveis hipóteses e todas são admissíveis e todas são questionáveis.
Mas não tem, definitivamente, muito a ver com a inteligência. Esta sim uma conversa que não leva a lado nenhum.
Por outro lado uma fé só é verdadeira para os respectivos crentes;
para um crente de outra confissão, essa fé já é falsa. Isto no domínio da moral. No domínio da teologia e da verdade profunda existencial de um crente, todos eles estão unidos pela mesma mundivisão, a do abraço da fé e da crença, a da admissão de uma explicação (mais ou menos) precisa e sobre-natural para os enigmas da vida e da morte. E na ciência essa postura existencial faz de facto a diferença: a verdadeira ciência não se compadece com respostas feitas ou explicações irracionais e não comprováveis. São formas de ver o mundo muito diferentes, a religião e a ciência, ambas respeitáveis e ambas fascinantes. Mas quase antagónicas. E o "quase" também é fascinante.
Se não deixa de ser verdade que muitos dos grandes cientistas da
história da humanidade, ou pelo menos do mundo ocidental, de Galileu a Newton ou Descartes, eram homens religiosos, não é menos verdade que após o advento da liberdade religiosa - coincidente com a explosão da ciência no século XVIII e, antes, com o advento do Protestantismo – e quando não se ser crente deixou de ser socialmente reprovável, quase todos os grandes cientistas são não-crentes: Por alturas de 1998, apenas cerca de 10 por cento dos membros da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos acreditavam em deus ou na imortalidade, percentagem que baixava para 5 por cento com os biólogos em particular. Há nem cem anos a média era a inversa. A tendência, de há décadas é realmente para diminuir, o número de cientistas confessadamente crentes. Sinais da secularização profunda da sociedade, que tiram o sono aos cardeais.
O facto é que, tirando alguns alquimistas e místicos exóticos, durante séculos, que a religião abafa o progresso científico. As excepções são algumas aves raras desviantes absolutamente geniais e como tal incontornáveis, como Galileu, Leonardo ou Copérnico, já nos alvores da Renascença. A forma como a religião ainda condiciona a ciência constata-se em exemplos flagrantes como a investigação estaminal, zona de choque com a moral cristã.
Abafada e perseguida porquê? Desde logo, porque há a noção arreigada de que o mundo não precisa de ser explicado, muito menos mudado: Já está tudo decifrado e definido nos livros sagrados. Mais do que isso é heresia, ponto final. A ciência explodiu quando o saber, liberto dos grilhões da fé e das verdades definitivas sobre tudo, pôde começar a
abrir-se ao mundo natural e a perceber os mecanismos da vida sem a muleta do grande relojoeiro criador., sem o constrangimento de não poder fazer perguntas incómodas à ortodoxia. A religião não procura respostas, a religião oferece respostas.
Também haveria que destrinçar aqui o que é "ser-se religioso". Einstein, por exemplo, era agnóstico, mas até tendia para uma certa visão deísta da existência, isto é, não acreditava num deus pessoal ou do deus representado pelas religiões tradicionais teistas, mas acreditava num mistério transcendente ao actual conhecimento humano, algo que poderá estar, eventualmente, ao alcance da ciência no futuro.
A Teoria da Relatividade e os desenvolvimentos na mecânica quântica deram um impulso enorme nesse sentido e nunca a ciência esteve tão perto de deslindar os mistérios do cosmos e do átomo. Outra coisa bem diferente é ser-se religioso no sentido de engajado numa determinada religião e moral. E é isso que são por exemplo, Manuel Antunes ou Sedas Nunes (que apesar de tudo não era sacerdote, como o primeiro). Estes dois, porém, são casos cada vez mais raros, nomeadamente pela seriedade intelectual e grandeza do seu trabalho.
Nos Estados Unidos, por exemplo, esta polémica da ciência versus religião tem estado ao rubro há algum tempo (e tem sido extremamente interessante de acompanhar), mormente devido à ascensão de um poderoso lobby criacionista, de raiz cristã, que defende o que dizem ser a leitura literal da Bíblia e combatem com unhas e dentes a evolução natural e as teses de Darwin. Mais cedo ou mais tarde, vai chegar aqui em força este debate (em blogs como o de rerum natura já se constata, aliás, a emergência desta discussão entre nós). E o facto é que surgem "cientistas", homens profundamente religiosos, que saiem a terreiro a confirmar que "sim senhor, a terra tem seis mil anos e o homem foi parido de um milagre e não de uma macaca".
Não sou radical nesta dicotomia. Haverá muitos outros casos, como disse, em que o desenvolvimento científico se deveu e deve a gente religiosa (o caso presente deste senhor, por exemplo), há e haverá realmente sempre gente que se transcende; mas não deixam de viver e trabalhar submetidos a um voluntário e teórico entendimento prévio do real. E isso pode "contaminar" a produção intelectual e científica, não necessariamente no sentido de tornar falsas ou erradas as suas conclusões e os seus processos, também não é uma questão apenas de honestidade, que pode não estar em causa, mas eventualmente no sentido de as tornar tendencialmente incompletas (porque nem toda a matéria é matéria de análise) ou pré-condicionadas.
Da mesma forma que um médico convictamente católico apostólico romano exerce o seu ofício de forma limitada à moral da sua religião. Se algo com que se confronte na sua profissão fere a sua ética pessoal católica, esse médico pode, como pode um pacifista, invocar objecção de consciência para se afastar, por exemplo.
Condiciona na medida em que o mundo para eles não é uma "tábua rasa" cheia de mistérios à espera de serem desvendados, como para qualquer cientista não-crente, mas sim uma maquete muito bem explicadinha com livro de instruções, que quanto muito carece de ter as peças todas no sítio. E quando algo radicalmente novo aparece, é fácil: foi deus na sua infinita sabedoria que nos pôs mais uma charada, um sinal ou um desafio ao caminho… Mas o facto irremediável é que a comunidade científica tem cada vez menos gente religiosa no seu seio.
Galileo, Copérnico ou Newton são, mesmo assim, casos raros. Entre outras coisas, porque foram revolucionários no contexto da sua religião, tiveram a coragem de ir mais alto do que os telhados do seu dogma, de questionar os próprios fundamentos da cosmovisão cristã.
Pagaram duro por isso, mas a razão prevaleceu. Ora, nem todos os cientistas católicos ou muçulmanos ou hindus estão dispostos a dar esse passo, seja por cobardia seja por não quererem pura e simplesmente pôr em causa verdades supostamente inabaláveis. E esse facto, obviamente, é limitador, constrange o livre desenvolvimento da ciência. Não é, de resto, por acaso que os avanços científicos nas sociedades muçulmanas seja pouco mais do que zero (quantos nóbeis islâmicos é que existem?) de há dez séculos para cá. Porquê? Porque a religião já oferece as respostas: Não é preciso perguntar?!...

Nada disto implica a menoridade da espiritualidade perante a ciência, são duas respeitáveis e poderosas esferas da experiência humana. Mas cada esfera em su sitio.

Moral da História: Não saber é fantástico, não há problema nenhum em não saber, nem é preciso saber tudo. Aliás, o que há de mais maravilhoso na vida, como dizia Einstein, é o mistério, é precisamente não saber: procurar respostas. Se calhar é, tão só, esse o sentido da vida para o homem: procurar(-se).

12/08/07

A Rainha, por Frik Olá

«A “nova política” levada a cabo pelo PS tem como fio condutor comum a tentativa de desprestígio do papel do Estado (…) Ao tomar posse em condições de poder inéditas à esquerda, José Sócrates inicia a concretização de um programa político de influência ideológica neoliberal que tem como objectivo desestruturar o papel social do Estado tal como foi construído no pós-guerra (em Portugal, após o 25 de Abril), não só na vertente de garante de direitos democráticos, mas também na da redistribuição de riqueza, numa pressão inédita, numa luta de classes invertida, por forma a retirar poder de compra e qualidade de vida a quem trabalha, a favor do mercado, do capital e da classe dominante que o representa, as elites de gestores e empresários. O resultado tem sido o dumping social dos últimos dois anos.

Esta "contra-revolução neoliberal", como a designou Milton Friedman, que leva à precarização das relações de trabalho, à desregularização social, à informalização da política, está em marcha desde os anos 70 e domina, entretanto, os critérios de orientação da União Europeia. Chega agora a Portugal e é concretizada com um conjunto de medidas políticas, que têm como fio condutor comum a tentativa de desprestígio do papel do Estado e de criação de um novo modelo social em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres aumentam, em relação aos níveis de vida de há algumas décadas. Isto porque, apesar do bolo da riqueza aumentar, as fatias de uns aumentaram de tal forma que as que sobram para os outros são forçosamente mais pequenas.»

São José Almeida («Dois anos da “nova política”», Público, 17/03/07)


Por estes dias vi, finalmente, A Rainha. O filme, aparentemente simples mas complexo e minimamente profundo, não defraudou as expectativas, nem em relação a Helen Mirren (simplesmente fabulosa e merecedora de todos os prémios e mais alguns), nem em relação a Frears, realizador que continua a não defraudar desde que o descobri numa memorável bela lavandaria, há uns bons 20 anos atrás. Cinema britânico de grande público no seu melhor.

Mais do que um filme escorreito e irrepreensível aos mais diversos títulos artísticos, onde todos os actores fazem um trabalho soberbo, com destaque para Michael Sheen no papel de Tony Blair, e onde ressalta o texto magnifico de Peter Morgan (argumentista do também aclamado “O último rei da Escócia”, outra abordagem às questões do poder), A Rainha é um excelente e realista ensaio de ciência política, reflectindo sobre a natureza do poder, sobre as encruzilhadas das novas tendências de organização política democrática e sobre o papel e o poder dos média nos dias de hoje.

Li algures uma comparação entre A Rainha e o igualmente superlativo “All the president’s men”, filme norte-americano dos anos 70, de Allan J. Pakula, em torno do tristemente célebre episódio do Water Gate, que levaria à demissão do presidente Nixon. A analogia é de todo pertinente, mormente no registo realista. A grande diferença, segundo creio, reside precisamente no papel dos média. Se no filme de Pakula o jornalismo serve propósitos nobres, de desmistificação do poder político e dos seus métodos obscuros, enquanto contra-poder clarificador, na obra de Frears surge como principal motor e bandeira de uma histeria colectiva, explorando até à última gota o sangue do cadáver daquela que foi um dos mais curiosos epifenómenos mediáticos das últimas décadas, para efeitos de tiragem em sucessivas edições demagógicas e panfletárias.

Partindo da realidade particular e de certa forma peculiar do sistema político britânico, e centrando-se no episódio da morte de Diana Spencer (a acção da obra decorre quase toda na semana entre o acidente em Paris e o funeral), em 1997, Frears reflecte, num tom quase documental e de um rigor fantástico (fazendo inclusive uso abundante de imagens de arquivo reais) em torno da “contra-revolução liberal”, que a jornalista do Público acima transcrita menciona, citando Milton Friedman. E em torno da forma como essa “contra-revolução” afecta (e degrada) as tradicionais estruturas e instituições de poder político. No caso, da instituição monárquica, corporizada na figura dramática da rainha Isabel II, mas também da instituição executiva, governativa, que se (pre)ocupa sobretudo da reeleição e dos índices de popularidade.

Tony Blair, recorde-se, acabara de ser eleito pela primeira vez e trazia consigo a aura de grande reformador, mentor e rosto do chamado "new labour”, a famigerada “terceira via” do socialismo tradicional, que a Portugal chegaria algo timidamente com António Guterres e, mais tarde, em todo o seu visível esplendor com o presente Sócrates. É disso que fala São José Almeida. É disso que fala também Frears em “A Rainha”.

Blair entretanto caiu em desgraça (precisamente como a personagem de Mirren previra no final do filme, na última reunião entre o primeiro-ministro britânico e a monarca), mas em 1997, sobretudo com a golpada de mestre de marketing político que constituiu a frase “a princesa do povo”, estava em absoluto estado de graça, capitalizando o sentimento popular negativo em relação à família real e à Rainha de Inglaterra que, ao contrário do populista Blair (cuja simpatia solidária, em privado, para com a Rainha não teve o correspondente reflexo público), tentou resistir ao volátil ditame emocional das massas, privilegiando a dignidade e a estabilidade da instituição secular de poder que representa.

De um lado, Blair em representação da referida “informalização da política” (espelhada, por exemplo, claramente na insistência com que, como realça Frears, pedia a todos que o tratassem por tu), do outro Isabel II em representação dos valores tradicionais da seriedade de Estado, tentando ingloriamente resistir à influência de uns média crescentemente tabloidizados, primários e sensacionalistas. Os média, a comunicação social, de resto, constituem o terceiro vértice do filme e, em última análise, desta “contra-revolução neoliberal”, dominada pela chamada sociedade do espectáculo, “imediática”, a que Isabel II resistiu a adaptar-se, revelando-se tragicamente inadaptada e anacrónica.

Em relação ao filme em si, tem ainda outra virtude, esquecida no turbilhão mediático avassalador e altamente dramatizado que rodeou a morte (e a vida) de Diana: a de lembrar que todas as histórias têm mais do que uma versão. E a de que as versões simplistas raramente são as mais correctas. Finalmente, com esta obra magnífica de Frears (insuspeito, dada a sua pública antipatia pela monarquia do seu país), pudemos rever algumas ideias feitas e preconceitos e ter um vislumbre do que se passou nos bastidores “do outro lado”, do lado da Rainha, aqui humanizada e quase “reabilitada”, que sempre persistiu no recato da sua real posição, assente na assumpção histórica do seu papel de estadista e garante da unidade da nação britânica.

Imperdível.

10/08/07

60's, por Frik Olé

Não gosto de simplismos. É por isso que todos dizem, sobretudo em casa, que sou um tipo muito complicado. Num anterior post, a propósito de Manuel Antunes, o jesuíta que se debruçou sobre a revolucionária década de 60, o postador, à boleia do senhor padre, veicula uma certa ideia de anos 60, com a qual não concordo e à qual gostaria de dar réplica.
Transmite, desde logo, e quase como principal fenómeno daquela década, uma certa ideia ligada ao papel dos jovens na sociedade, enquanto factores de ruptura com um alegado desígnio milenar, reflectindo uma determinada visão do tempo histórico, o tempo histórico cristão, determinista, imutável e progressivo, marcada pela tal ideia de «prospectividade redentora».
E os jovens dos anos 60, sobretudo de facto no contexto anglo-saxónico ou francês – ou em maior rigor, na generalidade dos países que emergiram democráticos e liberais da II Guerra Mundial –, efectivamente introduziram decisivos grãos de areia na engrenagem do sistema teleológico ocidental, como diz o autor anónimo do anterior post (que, não obstante, está de parabéns). Grãos que, ao contrário do que se poderia perceber do texto, não se volatizaram com o reumatismo dos hippies, mas deixaram marcas profundas e duradouras nos tecidos sociais, culturais, económicos, etc, dessas mesmas sociedades. Que ainda hoje perduram e continuam a multiplicar-se em novos sentidos.
Foi precisamente por alturas dessa década, de facto, que os jovens começaram a ter voz, que começaram a perceber o seu poder enquanto grupo com uma consciência identitária colectiva, mesmo que fragmentada em facções, cultos ou modas (precisamente como no mundo dos "adultos"). Nasce uma consciência comum de poder e influência. Enfim: nasceram Os Jovens! E logo na altura lhes chamaram rascos, hábito que persiste. Os tumultos universitários em Portugal deram-se precisamente nessa década e não foi por acaso. A liberdade já passava por ali. Vagamente, porque realmente o epicentro da revolução situava-se em sítios como a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos.
Com a sua irreverência e a sua capacidade conquistada de dizer “Não” ou “Make Love, Not War”, os jovens dos anos 60 conseguiram para os jovens vindouros não só visibilidade mas direitos, como o de expressão, criação ou associação de que os actuais jovens beneficiam, além de meios, métodos e logística para fazer ouvir a sua voz incómoda e rebelde. Até a economia se rendeu aos jovens.
Os anos 60, no final de uma fase de crescimento económico e demográfico (pós-guerra) inusitado na história da humanidade, foram tempos assombrosos, de facto, não só pelos novos paradigmas culturais que trouxeram, como este da entrada em cena da cultura “jovem”, paralela à entrada em cena em grande da televisão massificada (uma janela para o mundo…), mas também em termos políticos, científicos ou mesmo religiosos. Neste último aspecto, por exemplo, creio serem de destacar dois acontecimentos igualmente fracturantes: O Concílio Vaticano II, no seio da imensa comunidade católica e não só, e a descoberta pelas massas ocidentais das religiões, cultos e filosofias asiáticas, mormente o Budismo ou o Taoismo, a partir das primeiras peregrinações de artistas europeus à Índia ou ao Nepal – tantos anos depois de Schoppenhauer ou Herman Hesse, o ocidente descobriu o oriente.
São apenas dois casos de movimentos geradores de consequências de fundo e duradouras nas sociedades.
Em termos de arte e criação cultural, então, nem vale a pena falar. Muito menos acerca dos impactos que esses jovens revolucionários ainda hoje têm na música que se faz, no cinema que se faz ou nas artes plásticas que se fazem. Os sixties não morreram com os sixties, nem desapareceram num buraco negro com o envelhecimento dos jovens de então. Os sixties estão muito mais vivos do que eventualmente gostaria o senhor padre.
Reduzir os movimentos jovens da década de 60 a pouco mais do que um bando de cultores do hedonismo e da anarquia é também pouco sensato. Esses movimentos jovens tiveram um papel determinante nas grandes causas cívicas ou culturais que dominaram esses anos. Basta olhar para os filmes de arquivo dos campus das universidades norte-americanas e ver a quantidade de jovens empenhados em causas e movimentos cívicos ou políticos, a participar activamente na contestação, não só a uma guerra (a do Vietname, no caso), mas também a vacas sagradas do “establishment”, do sistema - dos senhores engravatados que propõem O “caminho” e engendram destinos históricos para gáudio do rebanho - reclamando mais paz, mais justiça e mais liberdade. E mais prazer, também, porque não?
Acho, nesse sentido, um pouco disparatada essa ênfase na questão do prazer e do sexo, na “utopia clitoriana”, que alegadamente terá marcado a vivência “dos jovens” dos anos 60… É pura e simplesmente errado tirar uma radiografia a Woodstock para ver as entranhas da revolta dos “jovens”. Se calhar até lá estava, nessa radiografia o espírito daquele tempo, aliás, eu vejo os vídeos no You Tube e consigo ver, também lá está essa revolução cultural global. Mas não é bem no sentido clitoriano ou sexualmente devasso e pecaminoso em que o autor do post insiste. É mais no sentido de uma liberdade, de uma mensagem, de um discurso, de uma ética, de uma estética, de qualquer coisa a ganhar raízes, de um vírus a contaminar irremediavelmente o sistema e a “tradição”. Sim, afinal, também lá está tudo.
Os sixties foram realmente anos de espanto. Em Portugal ainda tivemos um pouco desse perfume, em meados dos anos 70, mas também rapidamente aqui a coisa “normalizou” e a revolução saiu de palco e passou a trabalhar nos bastidores, depois de absorvida pelo sistema. Mas, tal como lá fora depois da revolução juvenil, também cá nada ficou na mesma. Lampedusa, no seu “O Leopardo” põe um personagem a certo ponto a dizer qualquer coisa como “é preciso que algo mude, para que tudo fique na mesma”. Não creio que este caso se aplique. E nós hoje beneficiamos dessas mudanças.
Acenar com os percursos de pessoas como Cohn Bendit ou Mick Jagger é pouco mais do que demagógico, quanto a mim. Nisso sou muito adepto do “só não mudam os burros”. O que me faz confusão não são as Zitas Seabras, pelo contrário, são os Cunhais e os Jerónimos deste mundo, gente dogmática e imbuída de uma missão histórica. Cohn Bendit e Jagger, esses, são um excelente exemplo a contrário do que o autor pretende: É que esses dois já foram protagonistas de uma revolução, já mudaram o mundo, já fizeram o seu trabalho, já plantaram as raízes. Fizeram a festa e depois foram à sua vida, muito naturalmente, usufruir das benesses do seu plantio. Com inteira liberdade para amadurecer e mudar hábitos, convicções ou sentimentos.
A diferença entre o comunismo e os sixties é que o primeiro implodiu e os segundos rebentaram espalhando radiação por todo o lado, tipo “bomba suja”. E ainda cá anda, a radiação.

09/08/07

Amo-te Benfica!, por George Maxime

Tem passado despercebido o mega sucesso das camisolas rosas do Glorioso. Trata-se de um verdadeiro case study no âmbito do marketing e das estratégias de comunicação em Portugal que merece a atenção do Porco.

A operação era delicada: como convencer um mercado tremendamente marialva e machista a vestir uma camisola cor de rosa? Se dissessem ao adepto comum do Benfica, que o clube ia equipar de cor de rosa há uns meses atrás, a reacção mais previsível, era praí uma apoplexia. Relembro que o clube, ainda que involuntariamente, esteve sempre ligado a alguns dos ditos históricos do marialvismo luso: «quem não é do Benfica não é bom chefe de família» ou «quando o Benfica perde, a mulher é que apanha» são duas das pérolas que agora me ocorrem.

E no entanto, a actual estratégia da Adidas/Benfica é um verdadeiro sucesso. Alguém sonhou ver um dia o Jorge Máximo ou o Barbas a vestirem camisolas cor de rosa? Nem eles, mas eu vi-os na sic Radical. A própria Adidas ficou estupefacta com o êxito desta operação, ainda por cima, tendo em conta a ortodoxia do target latino, tipicamente fechado nestas coisas das simbologias. A primeira edição das camisolas esgotou rapidamente, segundo um porta voz da Adidas três vezes mais depressa do que as previsões mais optimistas. Os stocks estão absolutamente esgotados e resta aos fanáticos cor de rosa esperarem pelos próximos. Como é que se explica este verdadeiro fenómeno?

Creio que é a força da marca Benfica que torna isto possível. O desafio que enfrentaram as equipas da Adidas foi o de saber até onde vai a paixão clubística pelo Benfica. Até onde vai a paixão de qualquer pessoa pelo seu objecto de desejo? É um clássico aquela coisa do apaixonado que diz à sua amada que faria tudo por ela, até morrer. Esse é um limite extremo. Há aqueles que são capazes de se endividar para alimentar a sua paixão. Há os que não receiam o ridículo e que dizem – ao menos dizem – que alugam um megafone e vão a gritar para a rua «amo-te Hermengarda!». É comum deixar-se de usar um estilo de roupa para passar a usar outra em nome da paixão. Há gajos que sempre usaram jeans que passam a usar fato quando mudam de namorada. E o inverso.

Pois bem, foi este o desafio dos criadores desta campanha: até onde vão eles, os adeptos do Glorioso? Foi fácil levá-los a usar uma camisola cinzenta, mas o sucesso foi mediano, porque vestir uma camisola cinzenta não é indicador de uma paixão muito intensa. Branca, então, nem vale a pena. Roxa? Já seria um desafio à altura, mas ainda assim moderado (o Barcelona tem o roxo como cor alternativa, por exemplo). Daí que o rosa, qualisigno supremo do simbolismo gay, constituísse um verdadeiro desafio radical! Apostaram forte numa espécie de ou vai ou racha comunicativo.

A coisa resultou, ficando assim provado à saciedade a imensa força da marca Benfica e a incomensurabilidade da paixão dos seus adeptos. Quando os Barbas e os Máximos da nação vermelha ostentam,orgulhosos, a camisola rosa é como se nos dissessem: «vejam. Gosto tanto, tanto do Benfica que até sou capaz de usar uma camisola desta cor». É um indicador absoluto de paixão. Uma tatuagem, uma «amo-te mãe» ao fundo das costas… Num país como a Holanda ou a Dinamarca, por exemplo, o sucesso não poderia ser tão esmagador. Era mesmo necessário um país como Portugal, um pais tão homofóbico e marialva como o nosso, para que o sucesso fosse tão estrondoso como foi. Só num contexto em que o rosa é choque é que o seu uso tem um valor de afirmação tão gigantesco.

Ao mesmo tempo esta campanha é um verdadeiro serviço publico. Ela faz mais contra a homofobia ao enfrentar o tabu do rosa, num país como o nosso, que dezenas de campanhas contra a discriminação sexual. Ser do Benfica é um sentimento tão forte que chegamos a este ponto. Quando se ama é-se capaz de tudo. Tem lá alguma coisa a ver com o amarelo- alface alternativo dos lagartos ou com o cinzento-burocrata dos tripeiros? Não, pois não?...

Do not Disturb, por Paquete Oliveira

Penso que foi há dois anos, mas não estou bem certo. Nesse ano o país ardeu. O fogo chegou às portas de Coimbra e foi uma verdadeira calamidade nacional. Sua Excelência, o primeiro-ministro da república, sr. pinto de sousa, encontrava-se de férias. O país em chamas exigiu o regresso imediato de sua excelência, quanto mais não fosse por razões simbólicas, porque é verdade que quanto mais longe de Portugal aquele indivíduo andar, melhor para os portugueses…

Que não, disse ele e os amestrados adjuntos por ele. Que não valia a pena incomodar o repouso de sua excelência, que o país estava bem entregue aos que faziam dele por ele. Em suma: quiseram convencer-nos que é a coisa mais normal do mundo que, ocorrida uma calamidade, o primeiro-ministro de um país deva continuar de papo pró ar num safari qualquer. Imagine-se que Pombal seguia a mesma filosofia e estava de férias à data do terremoto…

Este verão Tenerife ardeu. O primeiro-ministro espanhol, Zapatero, interrompeu imediatamente as férias e voou para lá. Foi um exemplo. Agora, em Inglaterra, surto de vírus no interior. O primeiro-ministro britânico, interrompeu o repouso estival e ala pra lá que se faz tarde. Nem um nem outro, nem o espanhol nem o inglês, fizeram mais do que o seu dever. Mas, para quem está atento, este alienígena sentimento de solidariedade e do dever, até parece mal. Porque é que estes exemplos são sempre contra nós? No fundo, no fundo, cada país tem o pinto de sousa que merece…

08/08/07

Metamorfose, por Metamorfo

Era uma vez um Jorge que estava deitado na praia. De barriga para baixo. Ao lado, sentada numa cadeirinha de lona com encosto, era uma vez a mulher do Jorge que não parava de falar. Não se calava, aparentemente indiferente às debaldadas tentativas de explicita indiferença do Jorge.
Não sei o que é que hei-de fazer para o jantar e não sei se já reparaste que a tenda tem um buraco no tecto da sala este ano não gosto nada dos vizinhos parece que são do Norte ouviu-os ontem a discutir e parece-me gente reles é pena os Tavares não terem vindo este ano ao que parece foram para Torremolinos numa promoção da agência disse-me a Clara que mora lá perto deles e este ano ficou no parque ao pé das casas de banho e trouxeram uma caravana nova e não te esqueças de arranjar o buraco olha para aqueles dois que figura tão ridícula há gente que não tem vergonha nenhuma acho que vou passar ainda no supermercado para comprar peixe está-me a apetecer peixe vais ver que vais gostar daquele pequenino frito com escabeche olha aqui na revista diz que a Alexandra Lencastre foi de férias com um namorado novo.
O Jorge procurava distrair-se com despidos corpos adolescentes na praia e não conseguia. Tentou dormir, fechou os olhos e fez um esforço titânico para pensar em carneiros a saltar barreiras. Concentrou-se e imaginou-se a flutuar dali para fora. Nada. A voz não havia maneira de se ir embora.
Amanhã tenho de ir ver aquela loja dos saldos sabes aquela com aquelas sandálias giríssimas que devem vir de Marrocos ou lá o que é este ano está menos gente na praia parece-me o tempo também não ajuda nada já não se percebe nada disto e não me admirava que chovesse e lá tínhamos as férias estragadas bem disse o Afonso lá da repartição que o clima andava todo baralhado deve ser do buraco do ozono ou lá o que é e já reparaste nos vizinhos da tenda amarela mas que coisas tão pindéricas e depois têm aqueles filhos irritantes a guinchar todo o santo dia não há pachorra.
Ao mexer na areia com os dedos aborrecidos, o Jorge encontrou um comprimido. Amarelo e achatado, ainda dentro de um invólucro de plástico transparente não identificado.
Acho que te esqueceste de trazer as acendalhas para o grelhador eu já sabia agora temos de comprar um pacote novo quando temos tantas em casa olha para o chapéu daquela mas que coisa tão horrível isto há mesmo gente sem gosto nenhum usam cada coisa agora que é de meter medo ao susto parece o chapéu da minha avó que deus a tenha por falar nisso temos de ligar à minha cunhada por causa do terreno que ela deixou porque as extremas não estão bem e a culpa é do cabrão do meu irmão que tem a mania que é esperto mas eu já lhe digo como é olha vem ai o homem dos gelados.
O Jorge hesitou e levou o comprimido à boca. E esperou, enquanto ao lado a mulher prosseguia no seu entretém verbal. Alguns minutos depois, a voz começou a ficar distante e o Jorge deixou-se embalar pela estranheza quente que lhe percorria a pele por dentro. Inspirou profundamente o perfume do oceano, com intenso prazer, um prazer que nunca sentira e, aos poucos, foi crescendo penas, foi mudando suavemente de forma e metamorfoseou-se em gaivota. Finalmente, com o que parecia um sorriso no bico, deu três passos trôpegos na areia e voou em direcção ao mar dali para fora.

Análise mensal da clientela, por Analista de Clientes


Mais um apanhado do que querem os nossos clientes, para perceber ao que vêm e para atrair mais clientela, para assim chegarmos mais rapidamente ao milhão e ganhar a taça:

PUTAS DE PRIMEIRA
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alexandra lencastre com mamas e cona a mostra
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carros mortuários
lua remedios vermes cachorros
"gritar jerônimo" altura

07/08/07

Nota Oficiosa

Este Blog foi identificado por fonte segura e anónima, como o autor do desmando que por aí grassa, de tratar Sua Excelência o Sr Primeiro Ministro de Portugal Sr Engenheiro José Sócrates, por Pinto de Sousa. Tal irresponsabilidade não pode continuar. Tem de ser atalhada e a bem da Nação.

Este Blog anda desalinhado! Ainda não percebeu a dificuldade da construção do novo português, que não se coadugna com desalinhamentos! A persistência no tratamento de Sua Excelência o Sr Primeiro Ministro de Portugal Sr Engenheiro José Sócrates, por Pinto de Sousa, revela uma má-fé e uma acintosidade que raia a traição à Pátria. A investigar e à atenção de quem de direito.

Note-se que Ilustres Magistrados independentes do Ministério Público já concluíram com a devida isenção, e em Inquérito rigoroso, que o Sr Engenheiro José Sócrates até foi prejudicado na Universidade Independente, havendo outros colegas que tiveram ainda maiores facilidades.

Haja assim respeito e pare-se com toda esta sandice. Até porque connosco, quem dá, leva!

Do seu, Grunfo

Pedro Juan Gutiérrez, Puro Habano!, por Grunfo



Tenho os livros do Pedro Juan Gutiérrez há anos em casa e nunca li nenhum. Em resultado de algumas recensões elogiosas na crítica nacional, optei por ir comprando os seus livros à medida que neles tropeçava na feira da pulga cá do burgo. Mas nunca li. De alguma maneira e sabendo que o escritor continua a viver em Cuba e sem ser preso, concluí que devia ser mais um homem do aparelho e que aquilo deviam ser mais umas novelas delicodoces com algum sabor a caribe. Enfim um charuto manhoso.

Qual quê! Aquilo é um Montecristo Puro Habano. Alta qualidade e um autêntico murro no estômago. Ao fim de quatro ou cinco páginas do Trilogia Suja de Havana tive que parar e ir à net investigar como é que raio é que o Fidel permitia aquilo. Pedro Juan não lhas perdoa. Atira a matar e revela-nos um lado sórdido, miserável e facínora que jamais imaginaríamos no paraíso cubano supostamente modesto mas contentinho. Contentinho o caralho! Leiam Pedro Juan e ficarão com outra Cuba na cabeça.

O Regime diz que é um escritor exagerado e declara-o proscrito. Não lhe edita uma linha e o escriba permanece incógnito e inócuo em Cuba. Mas devido aos prémios, à projecção e às vendas internacionais também não se atreve a tocar-lhe. Pedro Juan permanece em Cuba na sua açoteia arruinada e continua a escrever. À mão, que o regime não lhe facilita sequer um computador.

Quando foi feita a primeira edição do Trilogia Suja de Havana em Espanha e em 1998, Pedro Juan foi demitido de jornalista da revista onde trabalhava e desde então foi-lhe negada a possibilidade de qualquer outro trabalho na escrita em Cuba. Consegue viver apenas dos direitos de autor das edições internacionais.

Na sua escrita notam-se traços autobiográficos muito fortes. O pensamento político está arredado, mas a realidade cubana de miséria humana e material torna-o incontornável na cabeça do leitor. Há sexo farto e escabroso, num registo tipo Buckovsky e muitas referências literárias. De livro para livro nota-se alguma repetição, mas apesar de tudo a leitura é agradável, uma vez que as personagens de Pedro Juan lutam, resistem e raramente perdem a alegria de viver. Alegria de viver e sentido de humor, única forma de sobreviver num regime idiota que teima em negar a escrita a um escritor poderoso.

O homem continua a escrever e continua a editar cá fora. Acredita que o regime não lhe tocará. Acho que se engana. No mesmo que ele acreditavam, desde 1999, os 76 subscritores do Projecto Varela que defendia a liberdade de expressão. Em 2003 Fidel achou que era tempo de acabar com os brincalhões e os “terroristas” gramaram com 20, 30 e 40 anos de prisão maior e restrita. Na sua maioria escritores e jornalistas, estes desgraçados não podem sequer conservar os lápis e blocos de apontamentos que a família lhes traz. Mesmo presos e controlados não podem escrever. O regime sabe que a escrita é uma arma perigosa.

06/08/07

5 Dias, 5 Campos, por Camarada Tiago

Concluí ontem à noite a minha maratona golfística. A ideia inicial era realizar uma peregrinação pedestre a Santiago de Compostela. No entanto, todas as ideias evoluem e no processo de adaptação à realidade têm que se ajustar às circunstâncias. Assim, a pouco e pouco, e à medida que a ideia foi ganhando corpo, fui introduzindo algumas alterações. Primeiro, decidi ir de carro. Depois, decidi levar o guia 2007 do «Boa Cama, Boa Mesa». É certo que comprei uma tenda e um saco-cama mas, já que levava o roteiro actualizado dos hotéis e restaurantes, achei contraditório usar a tenda e o saco-cama pelo que regressaram como partiram: intactos. Não se pode ter tudo, até as boas ideias têm que se adaptar à realidade.

Já que ia de carro, achei por bem levar os tacos e o restante material de golfe e, já que levava os tacos, o melhor era visitar o campo de Amarante. Nos últimos dias de Julho parti então para Amarante. Foi um prólogo, como na volta à França. O campo de Amarante é um campo curto. É um par 68, típico campo de montanha, com desníveis e declives muito íngremes. É muito exigente fisicamente, dificuldade que se agrava no Verão com o calor. Naquele dia estavam mais de 35 graus C. Eu fiz o campo a pé, pelo que a grande dificuldade foi física, pois que o handicap de campo é mais baixo que o handicap do jogador. Acho que não me portei mal. Recordo o buraco do tee 3, um par 3 com 156 metros no cimo da serra. Umas vistas espectaculares no tee de saída, com o green ao fundo aos nossos pés, 20 ou 30 metros abaixo, pelo que podemos observar o voo da bola de cima, vendo-a aterrar no green. Não é muito difícil, exige um shot preciso, com cuidado para não ir à esquerda, onde estão os limites do campo. Fiz 32 pontos, o que me satisfez. Regressei a casa com paragem em Gaia para tapear no bar de tapas do Corte Inglés.

No dia 2 iniciou-se então a maratona. Comecei pelo campo da Estela, que já conhecia, pois é um destino que começa a ser habitual. O campo é magnífico. Estava um dia excelente de praia, com algum vento, como é habitual naquelas paragens, mas não com as rajadas intensas que tínhamos experimentado quando lá estiveramos no dia 4 de Julho. Joguei com um sócio do clube local. A companhia foi muito agradável e a conversa animada. No final, bebemos uma cerveja na magnífica esplanada virada para o mar, gozando um fim de tarde esplendoroso.

Nesse dia, parti para Ponte de Lima, onde fui jantar ao restaurante A Tulha. A vila de Ponte de Lima está cada vez mais bonita e cuidada, tão limpa, tão limpa que nem parece portuguesa. Os jardins estão fantásticos, as margens do rio arranjadíssimas e as casas todas restauradas. Comi uns salmonetes grelhados, recomendação da casa, com legumes variados. Estava bom, sem deslumbrar. O vinho verde da adega local é que não me agradou muito. Deveria ter recusado a recomendação. Não se trata assim um peregrino. Não gostei da pinga.

No outro dia, manhã cedo, ainda não eram 9:00, lá estava eu no campo de golfe local, o Axis Golfe. Os primeiros 9 buracos são temíveis. Sempre a subir e a descer, com declives muito acentuados, com grande distância entre os greens e os tees de saída. O Sanita Dourada, um conhecedor do campo e da região, já me havia avisado. Mas é bonito, o campo, muito bonito. Quando cheguei à recepção, aconselharam-me um buggy, mas eu recusei, afinal era um peregrino de Santiago e andava em penitência. As penitências não se cumprem de buggy. Nunca vi um peregrino de buggy! Fui a pé, e portei-me como um homenzinho, aproveitando o fresquinho da manhã para fazer os 9 buracos mais difíceis. O ex-libris do campo é o fantástico buraco 3: um par 5 com mais de 600 metros! Nunca mais lá chegava. É preciso um drive comprido e madeiras de fairway, ou híbrido, sem errar, pois que a primeira metade é estreita e com pinhal de ambos os lados. Qualquer erro é fatal. Foi o que me aconteceu: furei o buraco.

Os segundos 9 buracos são mais suaves, jogados no vale em terreno pouco acidentado. A dificuldade agora era o calor. Joguei bem, joguei muito bem, e acabei o campo, um par 71, com 39 pontos, por volta das 15:00.

Quando pensava dirigir-me para Vigo, última paragem antes da etapa final até Santiago de Compostela, onde planeava experimentar o campo local, lanço um desafio que me obriga a regressar a Coimbra. Aqui cheguei ao fim da tarde. Jantei, dormi, mudei de cuecas e zarpei para o campo do Montado com o Mau. Santiago ficou para trás, pois tínhamos que aproveitar a promoção de Verão deste campo, nas proximidades de Palmela. As primeiras impressões foram negativas, pois os acessos são muito difíceis e, ao chegarmos ao campo, está tudo muito desleixado, com ar de abandono e obras inconcluídas. Mas o campo é fantástico e estava muito bem tratado. O Mau jogou de caralho, fez shots incríveis. Nunca o tinha visto jogar tão bem, ainda por cima num campo desconhecido e com um calor a rondar os 40 graus C. Fez 39 pontos com um handicap 11!

Nesse dia fomos jantar a Setúbal, ao famoso Grelhador das Docas. Entrámos com um queijinho de Azeitão, muito bom, logo seguido de umas ameijoas à Bulhão Pato, enquanto esperávamos por um pregado de 1,5 Kg! A carta de vinhos até era boa, só que não tinha os vinhos que a gente pedia. Acabámos a beber um branco da Fundação Eugénio de Almeida que, apesar de não surpreender, era bastante agradável e estava muito fresco. Paguei eu, pois tal foi a aposta: quem perdesse em Montado pagava o vinho. Claro que paguei eu, como pagaria no dia seguinte, em Tróia, quando insisti com a mesma aposta!

No dia seguinte, fizémos a travessia de ferry para Tróia e, às 9:00 já estávamos no campo. É um magnífico link, muito bem tratado, com um enquadramento paisagístico excelente que eu já conhecia do ano anterior. As condições eram as ideais: sol, sem vento, mas com uma brisa marítima que impedia os calores excessivos da véspera. O Mau jogou de caralho, mais uma vez, e fez 40 pontos! E, no fim, ainda estava insatisfeito porque houve dois shots que lhe sairam mal! Eu fui regular, sem rasgos, com muita asneira, mas sem comprometer. Fiz 31 pontos.

Regressámos a casa com paragem em Alcochete. A ideia era provar o sushi do restaurante japonês do Freeport, mas estava fechado. Acabámos a tapear.

Quando regressei a Coimbra tinha no papo 5 campos, 4 dos quais em 4 dias consecutivos, desde Ponte de Lima até Tróia. É certo que não fui a Santiago, não cumpri a promessa, mas o santo perdoa-me, de certeza, dada a dimensão da proeza.


04/08/07

Em Roma sê romano

Este post já é um bocado tardio, mas eu só ontem soube do episódio porque tenho estado fora em serviço (golfe na Estela e Ponte de Lima) e daqui a pouco saio novamente em serviço (golfe no Montado e em Tróia).
Entre as duas comissões de serviço, lendo os jornais atrasados na internet, vi no DN uma peça sobre uma entrevista que a jornalista Márica Rodrigues, da RTP, fez no passado dia 27 de Julho com o embaixador iraniano em Lisboa. Não acreditei nem nas palavras do jornal, nem nas fotos. Fui ao You Tube e vi então o que me recusava a acreditar.
A "jornalista" ganhou direito às aspas. A minha alma ficou parva. Não aguentei a ira, a indignação e a revolta. a "jornalista" vestia-se a rigor, de acordo com as imposições islâmicas fundamentalistas para entrevistar o embaixador do Irão em LISBOA! Toda de negro, com véu e luvas! Incrível! maquilhage discreta, ar reverente e submisso. Inaceitável!
É certo que em Roma devemos ser romanos. Mas porra, estamos em Lisboa! Ainda podia aceitar que, em Teerão, e por razões de força maior, se pudesse aceitar uma imposição desta ordem, tendo em vista um interesse superior que seria o de ouvir uma personalidade importante, sobre um tema de grande interesse num momento certo. Mas porra, estamos em Lisboa e o senhor embaixador não disse mais do que palvras de circunstância e aproveitou o tempo de antena para propaganda gratuita.
A "jornalista" prestou um mau serviço ao Jornalismo, a Portugal, à União Europeia, à presidência portuguesa da União Europeia, às mulheres iranianas e a todas as mulheres submetidas à tirania e à prepotência tradicionalista dos fundamentalistas islâmicos.
Eu considero que a maior conquista da Humanidade é a instituição civilizacional do princípio da igualdade. Todos somos iguais em direitos e dignidade, independentemente da cor, da força física, da fé, da idade, da opção sexual e do sexo. Uma das maiores realizações do Homem é a aceitação da paridade estatutária entre os sexos. Milénios de discriminação, opressão, violência, humilhação e segregação dos homens sobre as mulheres ainda não foram inteiramente superados. Há ainda, mesmo entre as sociedades ocidentais, muito caminho a percorrer. Um dos pontos em que as sociedades fundamentalistas islâmicas revelam precisamente a sua faceta mais desumana, bárbara, arrogante e prepotente é no modo como tratam as mulheres. Há um grande caminho a percorrer no sentido de oferecer a milhões e milhões de mulheres islâmicas aquilo a que têm direito: DIGNIDADE e IGUALDADE.
Márcia Rodrigues está do outro lado, está do lado dos fanáticos islâmicos. Em Lisboa sejamos livres, tal como em Roma, em Londres, em Paris, em Nova Iorque, em Sidney, em Brasília, em Toronto e onde quer que calhe no mundo ocidental. Já que em Teerão não é possível. Por enquanto.

01/08/07

Agostonia, por Cão

Lamento, mas nunca gostei de Agosto. Prefiro-lhe Junho e Setembro, gémeos iniciais e terminais, cada um à sua maneira, de outra ilustração.

Agosto é gordo e grosseiro. É um penico de ânsias. É o mais cansativo dos falsos repousos. E é trauliteiro, pauliteiro e paliteiro. Digo eu, que nada sei mas tudo sinto.

Em agosto, nada se aprende. Pés feios afloram de sebosas sandálias de couro plástico. Mulheraças encarnadas como lagostins-do-rio e desconjuntadas como carroças passam o mês a ralhar com as crias concebidas em outros agostos iguaizinhos a este. Derrubados em esplanadas de baquelite, homenzarrões pequeninos, entalados em camisoletas de cavas, expõem os tufos pilosos dos sovacos, de que emana um vinagrete em decomposição absolutamente mortífero para a pituitária individual e idem para a esperança colectiva neste País.

Depois, há ainda o problema dos ranchos. Pelos parques merendeiros, a gaitada acordeónica mescla-se à gordura da sardinhagem que estraleja de pimentões em fumo carbónico. Reco-recos e carcaças de suíno são indissociáveis, a par da fervura vínica e das sestas ressonadas a compasso binário à sombra de pinheiros que só não arderam ainda por momentânea indisposição do maluco local. Para piorar a conjuntura, os ministros da República surgem sem gravata na televisão, seus pescoços e rostos bronzeados ao limite pela vocação afro-atlântica das viagens pagas por nós.

Isso – e as férias dos actores e dos pivôs de telejornais, tão parecidos connosco, afinal, excepto no terem férias de revista de luxo rentes a piscinas globalizadas pelo nojo ao mar.

Já o Brasil, país que vive um Agosto perpétuo de carnavais, futebol-de-praia e meninos-de-rua, continua todo amontoado cá na militante e peregrina esperança de que Fevereiro chegue a todo o gás, tal que o mulherio se dispa de preconceitos e os preconceitos se dispam de gays.

Não, não posso gostar de Agosto. É em agonia que redijo esta crónica: por ser dia 1, chamo-lhe “agostonia”. Concedo que tais (des)considerações sejam menos imputáveis ao corrente mês (afinal abstracto e inocente degrau da calendária escadaria) do que à minha propensão vitalícia para uma espécie de melancolia que só se permite suavizar quando chove. Quando chove ou quando neva.

E é a maldade que, cada Agosto, me faz desejar que neve. Mas que neve assim muito, tanto, que, ao menos pelo frio, nos possamos disfarçar de evoluídos e civilizados como a Noruega.

No País dos acordeões e das cascas de melão, perdi já toda a esperança. Mas na neve em Agosto, ainda não.

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Berardo em Belém

Joe Berardo conquistou a imortalidade possível. A partir do momento em que a sua colecção de arte contemporânea ocupou o Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, é possível visitar a Praça do Império em Lisboa sem ir aos Jerónimos e sem ver o túmulo de Camões. Assim fiz. Berardo entrou directamente e emvida para o coração simbólico da lusitanidade. Tal é o poder da arte, não só, ou nem tanto, de quem a produz, mas de quem a detém e exibe. A única coisa que eu lamento é que o Estado português não tenha entendido a importância de construir uma colecção de arte contemporânea. Devemos ser o único país ocidental que não curou dessa tarefa fundamental, pelo que ficamos agora reféns de Berardo. Serralves, e agora a colecção Berardo, são de iniciativa de fundações privadas, tal como o Centro Gulbenkian. A coisa mais contemporânea que o Estado português tem é o Museu do Chiado! Incrível! O Ministério da Cultura negociou assim em posição de fraqueza e necessidade. Berardo, naturalmente, avantajou-se, tirando partido da situação. Claro que, em face do sucesso, quando chegar o dia de o Estado exercer o direito de opção para a aquisição da colecção, vai ter que se sujeitar às condições impostas por Berardo.

Na foto, um óleo de Eric Fischl datado de 1984, intitulado Mather and Daughter, pertencente à colecção Berardo.