29/03/08

Aleluia, Aleluia, Eis o Senhor!, por Arcanjo Dourado

Nesta quadra pascal assistimos a mais uma conversão milagrosa, desta vez de uma personagem de cuja santidade já suspeitávamos. Trata-se do sr. Pinto da Costa. Pronunciado pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto por crime de corrupção activa desportiva, revelou o impoluto dirigente desportivo, segundo citação da Bola, o seguinte:

«Acredito, pelo menos, na justiça divina e quando soube que fui pronunciado pedi a Deus que se prove a inocência de quem estiver a falar verdade.» Quanto aos mentirosos que o acusam, deseja, o sr pinto da costa que «lhe caiam em cima as maiores desgraças e que nunca mais durma com descanso(...). Não quer castigos, mas sim o tormento de não dormirem coma consciência de saberem que estão a fazer uma coisa que é falsa».(sic)

Ao longo dos anos já vimos pinto da costa representar muito papel. Mas desta vez parece que ele fala do fundo do seu tocado coração: este homem viu a Luz e apela à ultima réstea de esperança que é o desígio do Senhor. Curiosamente, desta vez em que se sente os calos apertados, não o vimos a responder às perguntas dos media «com a sua habitual ironia» como dizem os jornais. Não. Desta vez falou a sério. Falou mais que a sério, invocou a Justiça do Altíssimo. A Mudança teológica é surpreendente...

A mim parece-me que qualquer coisa não soa bem em toda esta conversão. Mas enquanto este senhor andar a encomendar aos Céus noites de insónias aos seus inimigos, está tudo bem. Praí poderão eles dormir descansadinhos, porque não é crível que os Céus lhe concedam tal ventura. Cá por mim, só não dormiria descansado se a encomenda fosse aos da Terra.

26/03/08

Watchmen, por Graphic John

As Graphic Novels são o estado da arte dos comics, BD norte-americana para leitores maduros e sofisticados, uma expressão superior dos universos clássicos de editoras como a Marvel ou a DC Comics. Trata-se de um conceito que se foi delineando ao longo do século XX, até surgir com esta exacta designação (novelas ou romances gráficos) nos anos 70. A história das Graphic Novels está toda aqui bem explicada, mas foi sobretudo a partir dos anos 80 e da aposta dos gigantes editoriais referidos em públicos mais exigentes, que o estilo floresceu.

E floresceu com versões negras e de maior densidade psicológica e narrativa de heróis tradicionais como Batman (em obras como a série “Batman: Ano Um” ou o”O Regresso do Cavaleiro das Trevas”, ambas de Frank Miller, um dos expoentes do estilo), mas também com o surgimento de novos personagens e enredos, bem mais bizarros e desviantes do que os habitualmente lineares, previsíveis e moralistas super-heróis-modelo-dos-jovens, sempre com uma tirada pomposa ou patriótica nos dentes.

Os novos heróis das Graphic Novels são bem mais humanos, se assim se pode dizer. E uma das obras maiores desta especialidade artística, Watchmen, é exemplar dessa mesma tendência: Todos os heróis deste mundo cinzento à beira de uma guerra nuclear são, nesse aspecto, muito mais humanos; aliás, são até demasiado humanos, se isso existe…

Trata-se de um livro a todos os títulos excepcional, comparável a expoentes da banda desenhada contemporânea norte-americana como Maus, de Art Spigelman. Alan Moore escreveu e Dave Gibbons desenhou esta rebuscada aventura.

Apesar de Nova Iorque (a “mega-urbe” mitológica) ser também um dos cenários principais deste drama desenhado, Watchmen não será uma obra tão sórdida como Sin City, por exemplo. O facto é que são livros incomparáveis. Watchmen, além de ser a cores, o que faz muita diferença, adopta um esquema narrativo mais convencional e joga sobretudo com um olhar irónico e amargo sobre o próprio universo fantástico dos super-heróis. Os super-heróis de Watchmen subvertem a tradição de super-heróis maiores do que a vida. Estes são homens e mulheres ultrapassados, gastos, amargurados, violentos, traumatizados, megalómanos ou mesmo psicopatas sebentos, como é o caso de um dos personagens icónicos do livro, Roscharch.

Só para situar, refira-se que Watchmen, além de outras distinções, foi até agora a única graphic novel a receber um prémio Hugo, um dos mais prestigiados galardões para ficção científica e fantasia; e é também a única graphic presente, em 2005, na lista da Time das 100 melhores novelas (ou romances, “novels”) em inglês desde 1923 (in wikipedia).

Mas para quem não conheça, o melhor é mesmo ler o livro e chega de conversa. E vem isto a propósito de dar conta de um filme que só tem estreia prevista para exactamente daqui a um ano, e que é precisamente a adaptação de Watchmen.

Curiosamente, o parto do filme tem sido também uma pequena saga atormentada. Desde 1986, data do lançamento do livro, que se trabalha na possível versão cinematográfica da obra, a Warner e a 20th Century Fox pegaram na ideia, e o produtor Joel Silver começou a juntar as peças. Terry Gilliam foi o primeiro realizador envolvido neste projecto. E também foi dos primeiros a sair do barco, alegando que a história era “infilmável” (o mesmo Gilliam que fez Brazil, por exemplo…). E o projecto morreu na praia.

Já no século XXI, foi a Universal e a Paramount que se juntaram para levar a cabo a tarefa. Paul Grengrass foi o realizador escolhido, mas também não teve sorte. O filme acabou por ser cancelado devido a questões orçamentais.

Finalmente, em 2006, a Warner volta a pegar na ideia e colocou o realizador Zack Snyder (o mesmo de 300, outra adaptação de uma graphic novel) à frente do projecto. Este último, por seu turno, parece ser homem para grandes desafios, já que prepara também a rodagem de outra obra icónica da literatura fantástica, o clássico O Homem Ilustrado, de Bradbury. Mas agora o que interessa é que a coisa está a andar e ara para dar conta disto para marcarem na agenda: Março de 2009. Pronto.

As Múscias do Porco: The Rolling Stones - Starfucker, por Dandelion

Inspirado pelo novo blog porno, Jardim das Delícias (publicidade aqui mesmo em baixo), resolvi fazer este postezito sobre a música mais pornográfica dos Rolling Stones, a canção maldita de Goat`s Head Soup, Starfucker. Starfucker é o nome não oficial da música. No álbum de origem o nome da canção é Star Star e é essa a sua designação oficial. No entanto o seu nome de baptismo é Starfucker e é assim que é conhecida pelos indefectíveis.


Starfucker fala-nos de uma groupie. Para quem não sabe, groupies era o nome dado nos anos 60-70 à legião de garinas que andavam literalmente atrás das suas bandas preferidas na esperança de vir a papar alguma das suas estrelas preferidas. Ainda as há, claro, só que ninguém as conhece assim. Agora são simplesmente «fãs» que é uma palavra andrógina que tanto dá para macho como para fêmea. Goupie não, groupie era gaja mesmo. Ser groupie era uma forma de vida, uma espécie de devoção religiosa («Adoram mais os Rolling Stones que a Deus», dizia um pastor de uma seita antes do mítico concerto de Julho 82 em Madrid). O ponto mais alto da vida de uma groupie era ir para a cama com uma das estrelas da sua banda de preferência, quando não era com a banda inteira... Sendo os Stones o grupo mais popular dos anos 70, compreende-se que tivessem uma enorme multidão de groupies que os perseguia por todo o lado. Como testemunhava Bobby Keys, o saxofonista que ainda hoje acompanha os Stones: «Groupies? Oh yeah, man. In the early seventies? Like flies.» O filme Cocksucker Blues, realizado pelo famoso fotógrafo Robert Frank, documenta esse ambiente - orgias a bordo de um avião, chutos de heroína, sniffs de cocaína, Bianca Jagger, o back stage decadente… Os Stones impedem ainda hoje a difusão pública do filme por o considerarem nefasto para a sua imagem (imagine-se!) mas como é óbvio ninguém trava o you tube (voltarei a Cocksucker Blues um destes dias).


Pamela des Barres é o nome da groupie retratada em Starfucker. Pamela coleccionava stars. No seu livro I`m With the Band, de 1985, gabava-se de ter papado, entre outros, dois Zeps, Page e Moon, Waylon Jennings e muitas outras estrelas do Rock`n`Roll. Mas segundo a própria, Mick Jagger tinha sido a sua coroa de glória, o apogeu da sua vida de devota. Compreende-se assim que os Stones lhe tenham dedicado, amavelmente, diria eu, uma músicazinha e que lhe tenham chamado, justamente, Starfucker. É a pressão da editora a Atlantic Records que leva à censura do título original para o insipiente Star Star e que faz com que a banda altere o refrão de Starfucker para um inócuo Starbucker (Depois de let`s Spend the night together ter passado a Let`s Spend Some time together, ainda nos anos 60 num Ed Sullivan Show, santa hipocrisia).


Com era típico da época, a canção trouxe problemas com uns clientes habituais das embirrações com os Stones, as organizações feministas (mas também os problemas com as feministas sempre foram uma constante na banda, desde os primórdios, até aos covers, esses sim, deliberadamente provocatórios, de Its Only Rock and Roll (1974) e de Some Girls (1978). As feministas acharam que Starfucker era uma canção machista, uma visão degradante da mulher ao que Jagger respondeu e muito bem que não, que a canção era sobre uma pessoa, uma mulher em concreto e não um juízo de valor sobre as mulheres em geral.


Starfucker é uma peça do reportório clássico dos Stones, uma típica canção de Rock´n`Roll a fazer lembrar o estilo de Chuck Berry com citações mais ou menos claras de Johny B. Good. É interessante quando se fala em clássicos stonianos porque algumas das suas melhores e mais conhecidas músicas – Angie, Simpathy for the Devil, You Can`t Always Get…, Ruby Tuesday, etc - não são verdadeiros clássicos no sentido em que não se enquadram no estilo mais rokeiro que haveria de os celebrizar. Neste sentido, clássicos stonianos são, por exemplo, Star me Up, Brown Sugar, Sway, Tumbing Dice ou o imortal Jumpin Jack Flash. É nesta linha, neste estilo musical puro e duro, que enquadro Starfucker, um dos maiores clássicos de sempre dos Rolling Stones.


Star Star fechava o lado B de Goat`s Head Soup. Juntamente com Angie, que fechava o lado A, é a música mais badalada do disco, mas devido a todas as polémicas que evolveram o seu lançamento acabou por se tornar numa canção maldita (como Under My Thumb, por exemplo ou, no fim dos anos 60, Simpathy for the Devil). Foi recuperada em 76 aquando da entrada de Ron Wood nos Stones. Na última digressão (a Bigger Bang) os Stones chegaram mesmo a tocá-la, mas infelizmente não em Portugal. Apesar de excelente, a melhor versão não é a original de 73, mas a espantosa versão de Love You Live, gravada em Paris no Abbatoirs em 1976. Podem ver/ouvir esta versão no you tube sacada directamente do mítico concerto dos Abbatoirs com Keith Richards num dos mais empolgantes solos de que tenho memória. É estrondoso: metam as colunas no máximo e que se lixem os vizinhos.

Aqui: http://www.youtube.com/watch?v=kAil7WQ9dms.

25/03/08

Um blog novo saiu do armário, por Jardineiro

Desde há cerca de dois meses que tenho alimentado um blog porno. Bem, para ser preciso, não é bem porno. Para os genuinos pornógrafos, aquilo é uma pieguice pegada. É mais, como lá digo, um blog porno-erótico. A ideia, basicamente, é ganhar mais uns trocos com um hobby de estimação, os blogs e um tema que me apaixona há muito tempo: Sexo e sucedâneos afins.

E, sim, já agora, antes que perguntem, é possível ganhar trocos com blogs, chamam-lhe ser-se problogger e, sobretudo nos Estados Unidos ou na Inglaterra, há muita a gente a fazer muitos, mas mesmo muitos, trocos a bloggar. Em Portugal ainda é tudo muito pequenino e anacrónico, por isso é ainda prática rara e incipiente. Mas já há alguns a dedicarem-se a isso e com muita qualidade e relativo bom retorno financeiro, devo dizer. O facto é que os blogs, antes de mais uma revolucionária ferramenta editorial, têm um fantástico potencial comercial que por aqui toda a gente desperdiça. Olimpicamente. Alguns, aliás, aqueles a que se poderá chamar “puristas” de uma certa forma de blogar, tradicionalistas reaccionários, diria eu, nem querem ouvir falar de rentabilizar um blog. Vade retro nossa senhora! E invocam os mais disparatados argumentos, nomeadamente o da independência do blogger. Como se a independência do director do Público, por exemplo, estivesse em causa porque o jornal traz anúncios…

É óbvio que um blog não é o Público. É outra forma, bem diferente, de editar e publicar. Mas não tem necessariamente de ser menos séria que um média convencional (e vê-se para ai tanto jornal e revista merdosa sem seriedade nenhuma…). Além disso, qualquer problogger que escancare a sua dependência para com os anunciantes, tal como um jornal, não vai durar muito. Desde logo porque os leitores (pelo menos muitos) não são estúpidos. E percebem perfeitamente quando algo é ou não “independente”. Se não percebem logo, mais cedo ou mais tarde chegam lá e é a morte do artista.

Seja como for, há muitas formas de rentabilizar um blog (tal como um site), entretanto tenho-me especializado nessa matéria e a única que eu conheço que possa comprometer minimamente a liberdade do autor é a dos chamados posts pagos. É um sistema utilizado por milhões de bloggers e nem sempre implica que o autor minta em relação ao objecto da sua escrita, até pode estar a escrever uma opinião sincera, seja como for tem de ter sempre indicação que é post patrocinado. Além disso, não gosto nem utilizo esse sistema. Os meus posts são, naturalmente, livres. Assim como é livre o meu blog-porno-erótico-didáctico-libertino.

O meu blog chama-se O Jardim das Delicias. Chamei-lhe assim porque é sugestivo e remete para duas obras homónimas de charneira na cultura erótica: O triptico de Bosh e a obra seminal do tunisino sheik Nefzaui, traduzida no Brasil como O Jardim Perfumado, por volta dos anos 1349 e 1433 (há quem fale em séc. XVI), que é uma espécie de compêndio árabe (do tempo em que o Islão era uma cultura civilizada e interessante) para as delícias do amor e do prazer. O blog também reflecte uma postura filosófica pessoal próxima do ideal libertino, cujo expoente máximo será, sem dúvida, o gigante Marquês de Sade. Em Portugal, talvez Luis Pacheco e Bocage sejam as figuras mais proeminentes desse “sistema” de pensamento libertário, algo anarquista e profundamente humanista.

Seja como for, não tendo a coragem ou sequer a vontade para viver o libertinismo com tamanha intensidade e entrega, admiro a postura livre e ajo em consequência com muitos dos princípios destes homens. O blog é uma expressão dessa filiação filosófica, digamos assim. Pretende celebrar, basicamente, o corpo, o prazer e o eros. E contrariar o puritanismo hipócrita dominante, adstrito a uma moral judaico-cristã supostamente consensual.

As religiões do livro desenvolveram um pavor e um nojo irracionais ao prazer e ao corpo e essa aversão acabou por se disseminar pela sociedade. Disseminando também a dissimulação e a beatice: Continuamos todos ao mesmo, só que o fazemos às escondidas. E ainda por cima com problemas de consciência… A questão da prostituição, que tem sido ultimamente um dos meus temas de reflexão no jardim, a propósito da escandaleira do governador de Nova York, é outra manifestação evidente dessa hipocrisia generalizada, que leva a que permaneça uma actividade clandestina e à margem do sistema, muito mais vulnerável a situações de risco como tráfico humano ou violações.

Nos domínios do sexo e do erotismo, como em tantos outros, impera para mim a Lei, não a moral de uma qualquer organização religiosa, por muitos adeptos e anos de vida que esta tenha. Simplesmente não sou crente e essa moralidade não me vincula. Além disso, a própria Lei já está suficientemente contaminada por essa moral.

É por estas e por outras que acho importante que o sexo saia definitivamente do armário. E enfim, serve esta para apresentar então o meu Jardim ao povo, juntando o útil de garantir mais tráfego por via de referência em tão concorrido blog e o agradável de passar eventualmente a ter tão ilustres leitores. E colaboradores, se quiserem colaborar com alguma coisinha que tenha a ver com aquelas temáticas – a propósito, entretanto estou a tentar resolver um problema com os comentários, que estão inoperacionais.

Ainda a propósito, serve esta também para anunciar que, neste contexto, foi celebrado ontem um protocolo entre as chefias dos dois blogs, a pocilga e o jardim, no sentido de serem neste último republicados os posts do porco da série porno e afins, material do mais alto gabarito que muito abrilhantará o meu humilde jardim.

24/03/08

Cinema e Política - II, por Mangas

Robert Rossen escreveu argumentos, foi produtor, chegou a estar na lista negra do Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas em pleno McCarthismo, primeiro negou, depois bufou para salvar a pele. Fiquemo-nos por aqui. Como ponto alto da sua carreira de realizador, adaptou ao cinema o livro de Robert Penn Warren, All The King`s Men (Prémio Pulitzer, 1946). O romance é inspirado na vida e obra de Huey P. Long que foi comparado por Roosevelt a Hitler e Mussolini. Em privado, Roosevelt terá até confidenciado que a par do General MacArthur, considerava Long um dos dois homens mais perigosos da América. Foi Governador do Louisiana entre 1928-1932 e Senador entre 1932-35 e deixou um legado para a História no Estado que o viu nascer para política. Morreu assassinado com chumbo à queima-roupa em 1935 por um dos muito inimigos que criou durante esse trajecto.

O Poder da Corrupção (Oscar Melhor Filme, 1949), é um filme inteligente, com diálogos perspicazes e raros momentos acusatórios que descerram o pano sob as mil máscaras da mentira, da revelação, da esperança, da traição, da queda, e da subjugação. Ali se contam duas histórias centrais, dois protagonistas cujos destinos dependem intrinsecamente um do outro – a ascensão e queda de Willie Starks (interpretação genial que valeu também a estatueta a Broderick Crawford), e a jornada de Jack Burden, o jornalista, pelas vicissitudes da ilusão e do engano em busca de si mesmo, do seu lugar neste mundo.

Nesta altura importa trazer à lembrança Mr. Smith Goes to Washigton e dele recuperar Jim Taylor, o homem-sombra que mexe as cordas nos bastidores da política e que efectivamente é quem detém o poder, ordenando segundo as suas conveniências a decisão política dos Senadores eleitos pelo povo. Em O Poder da Corrupção, é Tiny Duffy quem dirige a orquestra, nomeia os cargos, impõe pela força ou pelo dinheiro as local politics. Todavia, e contrariamente a Mr. Smith Goes to Washington, no filme de Rossen a desintegração deste processo nunca é posta em risco, pelo contrário, cristaliza-se na prepotência ditatorial de Willie Starks quando é eleito Governador do Estado – apercebendo-se que vai ser um candidato fantoche, carne para canhão na dispersão de votos, decide atacar, trocar as voltas ao discurso e falar à consciência dos homens lembrando-lhes a penúria nos bolsos. Uma vez eleito, e fazendo recurso à chantagem e golpadas selectivas, Starks nunca olhou a meios para atingir os fins e nunca se escondeu de negociar com o Diabo. Do Mal vem o Bem, justificará. Mas dele nunca se poderá dizer que foi um homem incapaz de cumprir promessas. Sangrou as bolsas dos ricos, construiu estradas, libertou os custos de produção dos agricultores, edificou pontes e hospitais, varreu o Estado com medidas de desenvolvimento e reformou o sistema pela centralização do poder na sua pessoa, pelo branqueamento de capitais, pela compra de amigos e adversários que, sem escrúpulos e hesitações, transformou em inimigos. Fascinante percurso o deste campónio iletrado que se agarrou ao curso de Direito por correspondência e alcançou o diploma de chico-esperto Governador Todo-Poderoso.

O lugar de Jack Burden na trama do filme é de uma relevância central, quer como narrador e catalisador da trajectória fulgurante de Starks, quer na relação que estabelece entre dois mundos, duas classes sociais diametralmente opostas: as sua origens na nobre tradição do smoking ao jantar em Burden`s Landing onde vivia uma sonata imperfeita, e as ruas empoeiradas de Kanoma City esquecida nas entranhas do Sul profundo. O cordão umbilical e a crueza da privação. A ilha isolada e os pecados dos homens. Como ponte estes dois universos, Burden modifica-os e abala as suas estruturas de forma inequívoca, muitas vezes ultrapassado pelo evoluir das circunstâncias. Essa revisitação do passado/presente em Burdens Landing, essa fuga para um mundo ao qual pertencia por afinidade, mas com o qual já não se identificava, terá os dias contados. A seu tempo chegará a destruição dessa Camelot com o suicídio do Juiz e, com ele, Burden terá a percepção clara que o retorno é irreversível. Brutal. Drama em estado puro. Filmado a várias vozes e à dimensão trágica de preço alto que ambos tiveram de pagar. Nada voltará a ser como dantes. Para o bem e para o mal, Starks será o cordeiro sacrificial que irá consumar a revolta dos oprimidos e instituir o absolutismo, Jack Burden foi o instrumento que lhe deu voz e que no final, perdeu Ann a amada que também não resistiu ao magnetismo de Starks com o qual se enrolou em políticas de alcova.

À semelhança de outros lideres, a suspeição do quanto este poderia trilhar terrenos pantanosos foi-nos logo sugerida no plano de abertura do filme que mostra o meio corpo de um personagem de costas, a discursar sem voz num palanque para a multidão. Três pormenores se retiram deste momento fascista e que provam como uma imagem em cinema estruturado consegue alcançar a mais eloquente expressão dos sentidos e do drama que se anuncia: os gestos, o transe e o fogo que arde em cada palavra, em cada expressão atirada à chusma incendiada: Starks conhecia-lhes de cor a linguagem pois era um deles. E tal como com Lincoln, também a morte acompanha o seu trajecto – sortilégio retorcido pois desta vez é a morte de crianças pelo desmoronar da Escola que lhe dará o impulso e a notoriedade que precisava. Repare-se nos seus olhos surpresos e agraciados no momento do funeral quando é felicitado pelo esforço que fez em embargar a construção da Escola o que teria evitado a tragédia - não há ali luto nem pesar, há ali oportunidade vislumbrada! E é esta subtileza encoberta que nos remete para o homem: Willie Starks era genuinamente um homem que não prestava. O próprio pai lho dirá a certa altura. Pela colagem do personagem ao verdadeiro Huey P. Long no qual é baseado, poder-se-ia estabelecer uma discussão dos princípios morais e questionar Rousseau sobre o estado de natureza e a corrupção através da sociedade. Em O Poder da Corrupção a duvida subsistirá sempre: tirano para uns, Messias para outros, salvador ou carrasco, déspota ou homem do povo, Willie Starks foi um homem que reinou, que podia ter chegado a Presidente e acabou assassinado às mãos da vingança e do ódio que sempre fabricou. They say he is a honest man. O ciclo completa-se. A fábula, porém, mantém-se contemporânea.

23/03/08

Um Livro :Phillip Roth – Todo o Mundo, por Conselheiro Acácio

É um livro sobre a obsolescência do corpo, sobre a decadência física, a solidão, a velhice e a presença constante e concreta da morte. Roth dá-nos páginas e páginas de reflexões feitas pela personagem principal, um homem de 70 anos, acerca do incómodo que é usar pacemakers, do risco de usar medicamentos que tiram a dor insuportável mas que podem provocar um AVC, de como é triste ver a vida a passar, sentir que nascemos para viver e que, contudo, morremos… Como é possível que eu tenha gostado de um livro como este? E no entanto gostei. Gostei mesmo muito…

Espanha - 14 000 - Portugal - 0, por Santa Joana

Hoje, às 2.30, para variar, lá estávamos nós todos a beber o café no Ranhoso. Passámos a agenda da semana a pente fino e o tema do dia foi, obviamente, a agressão da jovem aluna grande e bruta à desgraçada de uma professora pequenina e indefesa. Nuestro hermano, o D. Mau, já vinha preparado e trazia uma notícia do El País lá deles. Em Sevilha, num caso semelhante a este, um tribunal condenou os pais de um estudante agressor de um colega a pagar 14 000 euros de multa. Eu repito de uma forma minimalista para se perceber bem: um caso de agressão de um aluno a um colega em espanha deu 14 000 - catorze mil - euros de multa aos pais do agressor! 14 000!!!

Entretanto, por cá, o valter - marco- paulo- lemos e a sinistra ministra da educação continuam a achar que a agressão na Escola carolina Michaelis a uma professora é só um caso excepcional. Não é: o you tube está cheio de vídeos semelhentes. Este blog, por exemplo, chega mesmo a fazer uma singela compilação destas atrocidades, aqui http://democraciaemportugal.blogspot.com/. Agressões como esta são apenas a pequeníssima parte visível de um tenebroso iceberg. As estatísticas tão queridas deste governo de pseudo-cientistas dizem tudo: no último ano houve 185 agressões a professores! 185 denunciadas, porque as que nem chegam a saber-se - por medo ou por vergonha dos profs completamente desprotegidos por uma legislação elaborada, sem dúvida, por palermas que devem ter armado em jovens irreverrentes quando andaram na escola sem se aperceberem que os tempos, agora, são outros - as que nem chegam a saber-se, dizia, serão concerteza muitas mais. Ora, num ano lectivo de 180 dias, temos mais que uma agressão em média por dia! Mas a sinistra ministra e sus valteres de estimação acham isto «normal» e «irrelevante» e preferem denegrir e desproteger os safardanas dos professores, o que é muito mais fácil, muito mais barato e, sobretudo, dá muitos votos num país que cultiva o ódio psicanalítico ao prof.

Só para se ter uma ideia do ponto a que isto chegou neste país da treta, basta pensar-se que a medida mais grave de coacção prevista pela actual legislação para casos deste género é a... mudança de escola!!! O menino agride o prof? Geralmente não acontece nada ou, quando acontece, o menino leva com o preenchimento de umas fichas de auto-formação elaboradas pelo professor-vítima ou vai fazer um trabalho de auto-educação para a biblioteca, etc, etc. Quando o assunto rebenta na comunicação como, excepcionalmente, foi este caso, é provável - apenas provável - que a menina ou menino sejam obrigados a mudar de escola! É de estarrecer ou não é? Entretanto o prof que ature o próximo energúmeno e aguente a humilhação porque passou junto da turma que lá fica... Edificante! Ganda Sinistra! Ganda valter! Ganda Pedreira! Ganda Socas! É em frente, é malhar-lhes...

Volto à notícia do El País que o nosso amigo espanhol brandia hoje no Ranhoso como se fosse - e é - um estandarte do desenvolvimento cívico do seu povo. Em Portugal um aluno agride uma professora e a culpa é dos professores; em Espanha um aluno agride um colega e responsabilizam-se os pais do aluno. É por estas e por outras que eles estão 20 anos à nossa frente. É por isso que eles são um povo verdadeiramente desenvolvido e nós não passamos de uma nação raptada, refém de uma chusma de iletrados que são indignos do enorme lastro histórico do nosso país. E é nestas alturas que eu penso, com uma imensa tristeza é certo, que deve ser muito bom ser Espanhol...

20/03/08

As Música do Porco - Discos que já Ninguém Ouve Mas que São Excelentes, por Juke Box

Ginno Vanelli – A Pauper in Paradise. Vannelli é quase piroso em certas músicas. Mas A Pauper in Paradise com uma Face A orquestral e uma Face B Pop concilia, como poucos, o erudito e o popular. E aquela maneira de cantar, talvez demasiado personalizada e teatral, é um traço afirmativo deste cantor italiano de formação clássica. Gosta-se ou detesta-se. Este é o disco de Surest Things Can Change, banda sonora das minhas conversas mais pessimistas com o A.C..

18/03/08

We Could Be Heroes, por Peter Parker

Já se tem defendido aqui no Porco que a Série Televisiva é um novo género artístico. Assim como a fotografia, o cinema ou a Banda Desenhada tiveram que lutar para serem considerados géneros artísticos por excelência, não hão-de vir longe os tempos em que à Série televisiva também será reconhecido idêntico estatuto. Há entre nós verdadeiros cultores do género, o mais eminente dos quais, o nosso Grão. Ele é assim como que uma espécie de xamã que vai adivinhando o que de mais importante acontece neste mundo, para depois nos passar a Palavra (e não só – geralmente, a Palavra vem acompanhada de um amável dvd com os episódios para gáudio dos fiéis).

Há entre nós fãs das mais variadas séries: o Mangas continua a falar de Reviver o Passado em Bridshead como uma peça sagrada; O Grão é um incondicional dos Sopranos, de Seinfeld, do mais recente Dexter e da Maya a mítica personagem do Espaço 1999 que tinha o mais espantoso poder que já alguma vez foi concebido por qualquer tarado… Temos um consumidor do House em versão cassete pirata, e incondicionais de Star Treck, de Easy Larry e de The Sex and the City.

Pois bem, recentemente, descobri a nova coqueluche, o case study mundial e objecto de culto de metade da população civilizada do globo – Heroes (só para se ter uma ideia veja-se este blog brasileiro, um entre milhares, inteiramente dedicado à série: http://heroesbrasil.blogspot.com/). Pára tudo – Heroes é a série mais genial de todos os tempos! Tenho cá em casa as 18 horas correspondentes à 1ª temporada e confirmo a sua absoluta genialidade. O difícil é parar de ver, aquilo torna-se um vício pior que a droga e substitui a própria vida real. Durante uns tempo julguei que cada episódio demorava apenas meia hora. Recentemente fui chamado à atenção – dura 50 minutos e eu estava a ver aos 3 e 4 episódios por noite!

Tim Kring é o autor da série que estreou na NBC no dia 25 de Setembro de 2006 e conta com o imenso Stan Lee entre os seus colaboradores. Génesis, o primeiro episódio, parte da intuição darwiniana: o destino das espécies é a evolução. As mais poderosas são as que sobrevivem e o processo de selecção natural não está concluído, mas é um processo dinâmico. Temos tendência a pensar que a espécie humana é um produto definitivo, mas realmente não é assim. Nenhuma é. A nossa espécie continua a desenvolver-se e há já entre nós humanos que desenvolveram capacidades e poderes que mal podemos imaginar. Mas essa nova vaga de super-homens pode tornar-se um perigo e há uma estranha organização, assim como vários personagens (Sylar, Mr Lindermann e mais alguns outros) que tentam acabar com eles, ou para lhes absorver os poderes ou por razões que ainda não descortinei totalmente, pelo menos, depois de ter passado cerca de 16 horas a ver os episódios até hoje. A missão destes heróis é muito simples: salvar o mundo.

O universo de referência de tudo isto é a BD. Muitos destas personagens são alter-egos dos clássicos da Marvel, da DC Comics e da ficção científica em geral: Jessica/Niki é, no fundo, o esquizofrénico Hulk; Claire é Plastic-Man; há o Homem-Invisível; Flash; o Tocha Humana em versão nuclear; há pré-cogs extraídos directamente do universo SCI-Fi de Phillip Dick; Tele-cinésicos que remetem para Matrix; há um telepata que ouve os pensamentos, há poderes de Super-Man à solta, dispersos por vários personagens (super-audição, super-velocidade, capacidade de controlar o fluxo espacio-temporal, etc), enfim, Heroes sintetiza décadas e décadas do melhor que as culturas Comics e Science-Fiction conseguiram criar.

A própria estrutura narrativa segue o esquema das primeiras tiras publicadas nos jornais de origem da Banda Desenhada. Cada episódio começa com uma reconstituição dos anteriores, no estilo mais puro e redundante do velho Lee Falk, o criador de Mandrake, e de Fantasma. Mas à medida que os episódios se acumulam torna-se tudo num complicado puzzle cujas peças vamos conseguindo juntar, a pouco e pouco. Quem chegar a meio depara-se com um enredo intricado e pode até ter alguma dificuldade em ligar todas as pistas que vão surgindo. Só para se ter uma ideia: na série o fluxo temporal não é respeitado e os personagens lutam entre si em tempos diferentes. Podemos estar a ver um episódio em que Ando está no futuro, apesar de sabermos que ele já morreu no passado; podemos assistir à morte em directo de Mendez às mãos de Sylar, no entanto no episódio seguinte ele volta a aparecer no passado, quando ainda estava vivo. E dá-se até o caso de Hiro se encontrar com ele próprio no futuro, passando o seu ego-futuro a colaborar directamente com o seu ego-passado. Em Heroes não sabemos, sequer, exactamente, quem são os principais vilões e os próprios personagens podem ter um papel positivo num determinado segmento temporal – como Parkman no presente – e negativo noutro – como o mesmo Parkman no futuro. Confusos? Ainda não viram nada… Depois de gramarem com as 18 horas (só me faltam duas) correspondentes à primeira temporada, garanto-vos que nunca mais conseguirão olhar para um estranho sem desconfiarem que tipo de poder especial é que ele possui. Ainda me falta toda a segunda e a terceira temporada que, há quem garanta, são ainda melhores que a primeira. Não acredito - se for verdade, ainda me vou tornar no Homem da Noite...

14/03/08

A Cidade - I, por Mangas


Um homem caminha na direcção do cais, a mão direita no bolso do casaco, a esquerda segura três balões presos por fios uns palmos acima da cabeça. Está um chinês sentado junto à margem com um macaco nos ombros. O macaco come diospiros. Nunca vi nenhum chinês usar óculos quadrados. São sempre redondos como os diospiros.

Matulões escanzelados que vendem recuerdos aldrabados, sorvetes remelosos, cadeiras ao sol, mercenários armados de Ray-Ban modelo aviador-sem-asas. Domingo à tarde no parque com as famílias são convenientes para sacudir o jejum dos sapatos. Perseguem os putos divertidos fingindo que são monstros quando passam o resto da semana a fingir que o não são. Um negro infectado por um trompete murmura o voo das aves migratórias quando sopra. Delicadas improvisações de mágoa e furor. A minha missão é traduzir esses acordes para decifrar o silêncio que pressinto em meu redor, em redor das gentes cujas paixões os fragiliza e faz deles criaturas nuas e crentes. Abrir as portas do sol, é incitar as formigas a rastejar.

Um tipo a cair de bêbado aproxima-se do pontão sobre o oceano e começa a mijar. Explica em voz alta que mija para as cinzas da mulher que foram lançadas ao mar. É como se mijasse para a sua campa. Solta uma gargalhada. Sai dali, move-se entre os passos e o bar mais próximo. Se lhe meterem um pepino nas mãos, transforma-se em pickle.

Um fio dourado de luz reflecte o castanho das árvores abandonadas. Algumas andorinhas sobre as quais o Zeca Afonso tropeça os olhos como no voo de uma gaivota. Há uma harmonia superior e imprevisível no meio disto tudo que me aplaca o cinismo. Aproximo-me do tipo dos balões e proponho-lhe comprar um. Que não. Que o perdoasse, mas não estavam à venda. Confessou-me que os segurava apenas para que o mantivessem de pé, na vertical.

Eu também nunca disse que não acreditava em Deus. Acredito apenas que Ele não existe, nem nunca existiu. Esta deve ser a minha confissão, mas eu não peço perdão.
Foto: Rodney Smith

13/03/08

O Emblema!, por Boca Aberta

Enquanto o sinistro governo do Ingenheiro está a ser acossado por todos os lados, o principal partido da oposição está entretido a discutir... o emblema. Primeiro houve bronca no PSD por causa de uma questão de pagamento de cotas que ninguém percebe. Não contentes deicidiram inventar mais uma magna questão que está a preocupar o país: se o emblema deve ter uma, duas ou três setas, se as mesmas devem ser cor de laranja ou azuis, magras ou gordas! Fónix, peçam emprestado o emblema ao Benfica, carago! Com 6 milhões de adeptos deixava de haver discussões e tínhamos oposição ao governo. Digo eu...

11/03/08

Evolução das Explicações Dadas Pelo Governo Acerca da Contestação dos Professores, por Telescópio Hubble

No princípio, vivia o sr. Ingenheiro o seu estado de graça e ainda podia fazer tudo o que entendesse que não se ouvia um ai na comunicação social, a estratégia ainda podia ser a da negação. Total, despudorada e absoluta: «Não existe contestação», dizia, então, o valter, curiosamente agora muito caladito...

Depois começou-se a perceber que sim, que existia, que até havia gente a fazer barulho quando o Ingenheiro ou a Sinistra Ministra apareciam, por acaso, numa escola. E a explicação mudou: «Afinal existe contestação. Mas são uma minoria; a maioria dos professores está connosco e apoia a política de educação do ministério.»

Mas as coisas tornaram-se cada vez mais feias. E a versão mudou para: «A contestação existe mas não passam de sindicalistas.»

Infelizmente para o governo começou a ser demasiado claro que era cada vez mais gente a contestar, para serem só sindicalistas. E seguiu a nova versão, Forças do Demo Alargadas: «São os comunistas…» Cruzes credo, t`arrenego Satanás!

Até que a coisa se tornou tão óbvia, mas mesmo tão óbvia, foram tantos e tantos milhares a protestar que já nem a Sinistra Ministra conseguia negar que tinha os professores unidos contra ela, contra o seu ministério e contra o governo do Ingenheiro. E disse a senhora: «Tá bem. A maioria dos profes está contra nós. Mas é porque estão mal informados…» Pasme-se: agora os profs estão mal informados, haja Deus! E concluiu com chave de ouro: «Se fosse prof não sei se não estava lá também…»

No sábado levou com 100 mil em cima numa jornada histórica da vida democrática portuguesa. Os pê-esses já não disseram que eram os sindicalistas nem os comunistas. Já não foram capazes de negar que quem ali esteve foi a esmagadora maioria dos profs destes país. Limitaram-se a voltar à estratégia da avestruz e teimam em berrar que não cedem. Este governo mete os pés pelas mãos e já não sabe o que diz em matéria de educação, como nas outras. São fraquinhos e teimosos.

É óbvio que a sinistra ministra não tem qualquer margem para continuar: só lhe resta um caminho, como ao Ingenheiro e a todo o executivo pê-esse: demitam-se, pá! Aquela manif – e as outras todas, já agora – era mesmo pra vocês. Não era pró Camacho que nem precisou de 100 mil na Avenida, chegou-lhe 20 mil no Estádio da Luz.

pic extraído de http://sixhat.net/2008/03/09/marcha-da-indignacao/

06/03/08

Olhares-Voodoo, por Caixa de Óculos

Esta questão deu-me que pensar: quando se faz um retrarto de alguém é mais fácil se conhecemos ou até se seomos amigos dessa pessoa ou se ela é, para nós, um perfeito desconhecido?
Quando se faz um retrato de alguém - que não tem que ser uma foto, pode ser escrever sobre essa pessoa, por exemplo, pode ser filmá-la, etc - o que é que pretendemos? Apanhar-lhe um bocado da alma? A arte do retrato - escrito, falado ou pintado- será uma espécie de sucedâneo do Voodoo? É pelo menos assim que pensa aquela gente dos países africanos ou árabes que não se deixam fotografar. Literalmente, receiam que lhes aprisionemos a alma, que lhes roubemos um pouco deles.


A questão segue esta linha de entendimento, parece-me. É natural que quem conhece muito bem a pessoa fotografada fique com a ideia de que o retrato nunca é fiel, de que a «alma» daquela pessoa nunca está ali naquele bocado de papel. Quando não conhecemos a pessoa retratada essa sensação não existe, simplesmente, porque não temos a sensação de que a conhecemos bem para podermos confrontar a imagem fotográfica com a imagem que temos dessa pessoa. Por isso o retrato de um desconhecido parece-me sempre mais fácil, deste ponto de vista: ela nunca é ensombrado pelo meu «conhecimento» da pessoa. O desconhecido pode ser o cliché, aquela rapariga magra e alta pode ser a Angelina Jolie se eu não a conheço; pelo contrário sei sempre que a minha amiga Antónia não é a AJ, ainda que se possa parecer com ela. Daí a sensação de que a dificuldade é maior quando conhefcemos a pessoa. No fundo o eu-fotógrafo percebo, nese caso, que, ao contrário do que pensam os árabes e os africanos que me fogem da câmara, nunca lhes apanho a alma.


Mas esta questão só seria mais completamente respondida se se pronunciassem os modelos. E eles? Que ideia têm, estão em maior «risco» perante o fotógrafo conhecido ou desconhecido? Eis o que seria interessante saber... Sabemos todos porque já todos fomos e somos fotografados que há uma espécie de pudor em saber que a nossa imagem é pertença de olhos desconhecidos. Não me faz impressão a foto em que pareço um sapo quando ela não sai de um restrito núcleo familiar - eles já sabem que eu sou um sapo, em certos momentos da minha vida, e eu também. Mas se essa foto em que eu sou um sapo sai desse núcleo restrito, esse facto perturba-me, como se essa verdade da minha alma fosse de repente posta a nu perante olhos impuros,como se fosse surpreendido na retrete. A net é um bom exemplo disso: os hi 5 misturam desgraçadamente o registo privado/íntimo com o registo público e o resultado é a sensação de devassa. Os hi 5 Porcas/os exploram essa ambiguidade: a foto que num registo privado e restrito era sexy torna-se, subitamente, ridícula, obscena, quando não pornográfica.

Eis-nos assim chegados à velha questão do olhar: o olhar do outro rouba-nos sempre aquilo que somos, dizia o velho míope Jean-Paul Sartre. Sartre foi o filósofo que melhor tratou este tema. No seu monumental L' Être et le Néant chega a comparar esse terrível poder do olhar alheio ao olhar de Medusa que nenhum ser vivo podia suportar sem ficar petrificado. O Inferno são, pois, os outros, como dizia o filósofo. O inferno não é um mundo de labaredas e monstros inomináveis a torturarem pecadores mas um simples quarto de hotel onde eu estou fechado sem remissão para toda a eternidade com mais algumas pessoas cujo olhar não controlo e que têm o poder de me perscrutar eterna e fatalmente.

05/03/08

And The Winner is..., por Poupas

A lista dos 10 futebolistas mais bem pagos do mundo em 2007 segundo a Futebol Finance é a seguinte:

1.º Kaká (AC Milan) – 750.000€/mês
2.º Ronaldinho Gaúcho (Barcelona) – 741.000€
3.º Frank Lampard (Chelsea) – 680.000€
4.º John Terry (Chelsea) – 680.000€

5.º Fernando Torres (Liverpool) – 660.000€
6.º Andriy Shevchenko (Chelsea) – 650.000€
7.º
Michael Ballack (Chelsea) – 650.000€
8.º Cristiano Ronaldo (Manchester United) – 640.000€ (que com o novo contrato passará para primeiro brevemente)
9.º Therry Henry (Barcelona) – 640.000€
10.º Steven Gerrard (Liverpool) – 640.000€

Nos 50 mais bem pagos entram ainda mais quatro Blues: Drogba (7,3 milhões ano), Essien (5 milhões ano), Joe Cole (4,6 milhões ano ) e Cech (4,3 milhões ano).

Serve esta estatística para recuperar um post que escrevi aqui há uns tempos atrás em que dizia uma coisa muito simples: em função dos brutais investimentos que fazem a equipa de Abramovich descolar, em termos orçamentais, de todos os seus rivais, a passagem no «nosso Zé» Mourinho pelo Chelsea foi um fracasso. Disse e redigo!

Na altura houve malta que se indignou. Agora aí estão os números em toda a sua crueza e esplendor: nos 10 primeiros estão 4-quatro– 4do Chelsea; e nos 50 + estão mais 4. Ou seja, dos titulares apenas 3-três-3 jogadores não estão no top 50 e mesmo assim, penso que por desactualização dos valores do contrato (não esqueçamos que só o Ricardo carvalho quem nem aparece custou 30 milhões).

Voltando ao Top 10 veja-se como só Liverpool e Barcelona repetem dois jogadores cada qual, mais ninguém tem capacidade para meter dois, quanto mais quatro jogadores no top 10. Veja-se como o Real Madrid com uma política exactamente inversa à do Chelsea, reduzindo despesas e sem jogadores no top 10, ganha um título, vai a caminho do segundo e está na Champions. E note-se ainda o exemplo do Arsenal que pratica o melhor futebol actual com uma política correcta de investimento em jogadores jovens. Isso sim: há muita diferença entre ser-se um grande treinador e rentabilizar o dinheiro do clube ou, simplesmente, estoirar os milhões dos outros com resultados medíocres em face do investimento feito.

02/03/08

Cinema e Política - I, por Mangas

Se Nancy Hanks regressasse como um fantasma,
Procurando notícias do que mais amou,
Começaria por perguntar:
“Onde está o meu filho?
O que aconteceu ao Abe?
Que fez ele?
Não sabem do meu filho?
Tornou-se num homem alto?
Divertiu-se?
Aprendeu a ler?
Foi para a cidade?
Sabem o seu nome?
E deu-se bem? “
in, Nancy Hanks, de Rosemary Benet.


Mais do que um manifesto biográfico, Young Mr. Lincoln, (A Grande Esperança, 1939), é a homenagem de Ford a Abraham Lincoln antes de tornar Presidente. O filme não vai trilhar os aspectos amplamente conhecidos do público, mas antes centrar a sua atenção na espinha dorsal de um homem que, a seu tempo, foi primus inter pares, bem como evidenciar todas essas características de personalidade que forjaram o líder: a serenidade e a irreverência, a rectidão e a tolerância, os primeiros passos e o emergente sentido político no compromisso que o jovem advogado assume com a justiça. Lincoln como bastião moral do princípio incontornável de justice for all, definitivamente, o passado embrionário de uma dos maiores mitos da História americana. Um Lincoln que foi também um lambão de tartes de pêssego, um exímio rachador de troncos e um batoteiro no jogo da corda. Apaixonado por livros e pelo Direito, do “…direito sobre a vida, reputação e liberdade...” na referência explicita ao Blackstones Commentaries, Lincoln visto como a luz que aponta o caminho e rasga as trevas da ignorância em seu redor. A interpretação de Henry Fonda é enorme! Na candura do olhar, na transgressão do andar, ou quando se ergue no alpendre, aquele rosto granítico em forma de caveira, as sombras em volta dos olhos, os braços que estorvam à procura de um poiso seguro e, timidamente, coloca na voz o improviso do seu discurso de campanha: “As minhas políticas são breves e doces. Sou a favor de um Banco Nacional, de um sistema interno de melhoramentos e de uma tarifa altamente protectora. São estes os meus sentimentos e os meus princípios políticos. Senão tudo continuará na mesma.”

Em Mr. Smith Goes to Washington, (Peço a Palavra, 1939), Frank Capra desenvolve um brilhante argumento de histórias cruzadas onde mais uma vez, como em tantas outras da sua filmografia, o herói anónimo, o cidadão comum fiel representante dos sonhos e expectativas das grandes massas ganha destaque e se transcende, batendo-se até à exaustão pelo ideal em que acredita. É o Povo e a força das suas convicções que ali jamais serão silenciadas! O filme de Capra é uma obra que toca os extremos da filiação do homem perante o sistema – de um lado da barricada o despojamento altruísta de Jefferson Smith o escuteiro que se põe em sentido na presença do Governador, recolhe miúdos abandonados e gatos vadios e cita Lincoln de cor, e no outro lado, o poder esmagador dos Senadores corrompidos, a ganância dos tubarões de Washington que mexem os cordelinhos na sombra em defesa do establishment, das influências e do proveito pessoal. O Yankee Doodle encontra o Star Spangled Banquet. A colisão será fatal!

Embora muito mais politico do que A Grande Esperança – atente-se à sequência propagandista após a chegada de Smith ao Capitólio onde as palavras são suprimidas e em seu lugar se elevam os símbolos da Nação, da bandeira à águia, da Declaração de Independência ao lugar do imenso Lincoln perpetuado no mármore - as semelhanças formais entre A Grande Esperança e Peço a Palavra são evidentes. É interessante perceber a proveniência comum de Abe Lincoln e Jeff Smith: o meio rural como pasto de valores, impoluto de vícios e corrupção, a formação de caracteres e personalidades alicerçada nos tradicionais valores de honra, justeza e solidariedade. É na América rural, por oposição à grande cidade alienada e escravizada pelo Poder que a sustenta, que as páginas da Constituição ganham forma e chegam mais alto - “that government of the people, by the people, for the people...”. E se por um lado Smith é um pacóvio obstinado, um purista que transporta consigo e contra o Poder instituído, o poder da Razão que faz valer disparando em todas as direcções, o jovem Abraham Lincoln é uma personagem vertical, um corpo erguido pela câmara de Ford a um sentido de elevação esquálida, sem artifícios nem alinhamentos rebuscados. Une-os a mesma inocência, o mesmo acreditar, a mesma convicção na Democracia ou algo semelhante a um estado de pureza ideológica; os mesmos modos de gente do campo, os passos longos, firmes de Lincoln com o tronco inclinado para a frente desafiando a gravidade, ou os malabarismos desconfortáveis de Smith com o chapéu na presença de Susan magistralmente captados à socapa e ao pormenor pela câmara de Capra. Lincoln como defensor dos mais fracos, Smith como defensor das causas perdidas – “ I guess this is just another lost cause, Mr. Paine. All you people don't know about lost causes. Mr. Paine does. He said once they were the only causes worth fighting for.”

O jovem Lincoln interpõe-se à justiça de linchamento que a horda anseia por executar. A recusa de Smith em servir de capacho e lamber as botas do Senador que admira como um pai, é a mais cruel das ironias de um destino que foi escolhido para votar leis e que agora quer fazer aprovar uma. Sobre ambos paira o espectro da morte. A morte física de Lincoln num tempo que ainda está por chegar, (veja-se a profética subida da colina na sequência final do filme, quando caminha de rosto destemido em direcção à tempestade que ameaça o horizonte carregado), e a morte política de Smith pela recusa em mascarar a palavra dada, a palavra pedida.

Ford, o republicano e Capra, o democrata, evocam a memória e a natureza do homem num registo apartidário da sétima arte. Independentemente de todos as linhas condutoras em que se move, Peço a Palavra é na sua génese o clássico confronto do Bem contra o Mal elevado à dimensão política de uma Nação comprometida, mas desperta. A Grande Esperança é como um rendilhado solto de sucessivos momentos a tocar a perfeição. De subtilezas e lampejos de enorme beleza, de uma contemplação inesgotável. Não me arriscaria a dizer em que estilo ou género se enquadra. O biográfico e o ficcional são por demais evidentes, o humor e a tragédia estão sempre presentes, o drama e as grandes sequências de tribunal conferem-lhe uma marca de água única. Perceba-se uma coisa: para mim o cinema é sobre contar histórias. Câmara, fotografia e direcção artística são outro assunto. Hitchcock utilizava as câmara para manobrar a adrenalina do espectador, Kubrick era um mestre de lentes, Eisenstein revolucionou a montagem, Orson Welles fazia tudo isso de olhos fechados, saía-lhe como respirava – era um génio. Mas, A Grande Esperança e Peço a Palavra, foram duas das melhores histórias que já me foram contadas.


Sim, Nancy Hanks,
Dar-te-emos notícias
Do teu Abe
A quem tu tanto amaste.
Perguntaste primeiro,
“Onde está o meu filho?”
Ele vive no coração
De todos nós.
in, Uma Resposta a Nancy Hanks, de Julius Silberger.

01/03/08

Retrato do regime, por Niilista

Se ainda havia dúvidas sobre o estado de solidão a que chegou a ministra da educação, bastava ver as imagens dos telejornais de hoje. A ministra falava no fim de um encontro com associações de pais realizado em... Gondomar. Não ouvi o que ela disse, mas reparei no cenário de fundo: atrás dela, como se fossem um décor assassino, lá estavam o sr. Albino Almeida - um caso sério de depresssão e trauma profundos - e a nova Sumidade Em Educação, o arguido dourado, Valentim Loureiro. E mais umas caras, como dizer, hã, pouco intelectuais, a rirem-se muito, muito, muito satisfeitos antes do jantar.
Mas não há melhor que isto? A ministra não consegue arranjar apoiantes mais credíveis que estes? Só faltou o Valter Lemos, com a sua cabeleira à Marco Paulo e as suas camisas garridas para compôr o ramalhete - teríamos então um friso fiel da qualidade intelectual dos ideólogos da educação do governo. Maria de Lurdes Rodrigues, Valter Lemos, Albino Almeida e Valentim Loureiro-e-sus muchachos - ei um óptimo retrato do estado a que chegou o pensamento educativo do regime.