30/05/09

O que é o socratismo

Com a devida vénia posta-se aqui, na íntegra, um comment que li no site do Expresso a propósito do caso do licenciamento do aterro da Cova da Beira. Assina Alfredino Cunha, não faço a mínima ideia de quem é, mas o comentário fala por si. A imagem é um velho quadro de Brueghel. Faz-me lembrar o estado do país, sei lá... Aí vai disto:


«O que é o Socratismo, por Alfredino Cunha
Na Universidade Independente, Sócrates fez cinco disciplinas num único ano lectivo.

Quatro foram ministradas pelo mesmo professor, António Morais, e a última. Inglês Técnico, foi da responsabilidade de Luís Arouca, reitor da instituição, que por sinal não era professor da cadeira.

Para ser avaliado em Inglês Técnico, Sócrates fez um trabalho de duas páginas e meia dactilografadas em inglês com 19 erros graves, tendo, não obstante, sido aprovado, sem dificuldade, com elevada classificação.

Quem também aparece como licenciado pela Universidade Independente é Armando Vara, amigo e cúmplice político de Sócrates. Sabe-se que antes de se meter na política, Armando Vara era empregado de balcão da Caixa Geral de Depósitos e tinha o nono ano. Surge agora como licenciado e administrador do banco do Estado.

Mas quem é António Morais, o homem que num só ano ministrou quatro cadeiras a Sócrates? Quando, em 1995, Sócrates se inscreve na Independente, António Morais é chamado para o gabinete de Armando Vara, então Secretário de Estado da Administração Interna.

Em Março de 1996, transita, ainda pela mão de Armando Vara, para a chefia do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações da Administração Interna (GEPI). Deixa este gabinete quando uma auditoria detecta irregularidades na adjudicação de empreitadas do Ministério.

No entanto, quando, em 2005, o PS volta ao poder, é nomeado por Sócrates e Alberto Costa para presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça. Questionado por jornalistas sobre os seus professores na Universidade Independente, Sócrates disse não se lembrar dos nomes, nem mesmo do deste que lhe ministrara quatro cadeiras. Em entrevista dada na RTP afirmou não se lembrar de o ter nomeado Presidente do citado Instituto, pois que nomeia muita gente e não se pode lembrar de toda.

Quando António Morais era director do GEPI, o então Secretário de Estado do Ambiente, nada menos que José Sócrates, lançou um concurso para a execução da obra e exploração do aterro sanitário da Cova da Beira. Devido a denúncias de favorecimento e corrupção na adjudicação do aterro sanitário à empresa Conegil do grupo HLC, António Morais, o professor, e Silvino Alves, seu assistente, são hoje arguidos em processo judicial.

António Morais era, por esta altura, além de professor da Universidade Independente e director do GEPI, consultor do grupo HCL, o tal a quem fora adjudicada a obra do aterro sanitário da Cova da Beira, através da sua empresa Conegil.

A Conegil tinha ligações a uma outra empresa, a Constrope, que construiu a vivenda de Armando Vara em Montemor-o-Novo e cujo projecto foi elaborado por uma empresa do famoso professor da Universidade Independente, António Morais, o tal que ministrou quatro cadeiras diferentes a Sócrates no mesmo ano.

Não sei porquê, mas tenho a impressão de que isto anda tudo ligado: a vivenda de Armando Vara, a licenciatura de José Sócrates, o aterro sanitário da Cova da Beira, o professor António Morais, o grupo HCL, o Secretário de Estado do Ambiente, a adjudicação à empresa Conegil, o director do GEPI, quatro cadeiras diferente dadas num só ano pelo mesmo professor, 19 erros e uma bela classificação em Inglês Técnico, os esquecimentos de Sócrates, o administrador Armando Vara da Caixa Geral de Depósitos, uma auditoria que detecta irregularidades e dois arguidos em processo de favorecimento e corrupção.

Não acho que seja importante ser-se licenciado para se ser um bom primeiro ministro. Mas não é isso que está em questão nesta opereta. Como diz Marques Mendes, e bem, o problema é de caracter.» (http://aeiou.expresso.pt/tudo-sobre-o-processo-em-que-socrates-vai-depor=f517533)

27/05/09

Barça e Messi, Olé, por Gabi Alves dos Cantos

O Barcelona acaba de ganhar mais uma Champions League mas quem saiu a ganhar foi o futebol. Eu até sou mais do Real Madrid mas esta equipa do Barça á a reedição para melhor do velho dream team construído por Cruijjf nos anos 80. O Barça 2009 é uma das realizações mais plenas da velha escola do futebol espectáculo, uma equipa que sucede com inteira dignidade às grandes equipas do Brasil de Pelé e de Zico, ao Real Madrid de Figo e Zidane e à escola do Ajax que é a sua grande inspiração tática.

O jogo de hoje com o Manchester não deixou dúvidas a ninguém: foi a vitória da melhor equipa e o Barça dominou em todos os capítulos do jogo. 2-0 em golos mas muito mais em capacidade técnica, em inteligência tática, em carácter e classe individual. O jogo foi a confirmação - como se fosse preciso! - de Messi como o melhor jogador do mundo. Foi um balde de água fria para os mitómanos de serviço que ainda acham comparável a qualidade indesmentível do Ronaldo com a classe insuperável de Messi. É evidente e não era preciso o jogo de hoje: Ronaldo é um bom jogador, um grande atleta que, em forma, pode resolver jogos. Mas Messi é de outra galáxia! Ronaldo concorre para o prémio do melhor jogador da época - o que não é pouco, convenhamos; mas Messi é candidato ao título de um dos melhores de sempre. É por isso que eu acho que nos devíamos deixar de chauvinismos bacocos de portugas e deixar de comparar o Ronaldo com o Messi. É chato tanto para um como para outro.

Além de Messi destacaram-se mais alguns jogadores «culés»: Iniesta, o melhor jogador ibérico de momento, um primor de técnica em velocidade; Xavi, considerado o melhor jogador do último europeu, um craque no qual nunca apostei (mea culpa!). Xavi não passa a bola, envia mísseis teleguiados o que é completamente diferente. Puyol, um jogador pézudo, considerado antes da partida um dos pontos fracos do Barça, até porque estava a substituir o galáctico Daniel Alves e que deu uma lição a toda a gente. Puyol pode não ser grande espingarda do ponto de vista estritamente técncico; mas corre como ninguém e luta como se estivesse nas trincheiras da grande guerra. Se todos jogassem com a garra dele, o futebol seria mais perigoso que as corridas de Fórmula 1. Eto`o uma gazela à solta, sempre com os olhos na baliza. Notável o golo que marcou e a forma como partiu os rins a um super defesa com a qualidade de Vidic. E uma palavra final para dois jogadores que me surpreenderam: Touré pela polivalência e o puto Busquets, mais um médio feito à imagem e semelhança da última excelente fornada da cantera blaugrana (Xavi, Iniesta, Fabregas, mas também, Silva, praticamente o meio campo da selecção campeã da Europa). Veremos se para o ano aparece alguma equipa capaz de bater este novo dream team. Não está fácil...

25/05/09

Saudades de Mr. Spock, por Franck Da Vinci


O que é mais interessante em Star Trek é o facto da série se basear na inteligência pura e simples dos seu autores. Star Trek tem a ambição de nos transportar para o futuro das viagens siderais com meios muito parcos. A série debateu-se desde o início com orçamentos apertados. Não podia viver de arrojados efeitos especiais, de mega-cenários e big bangs endinheirados. Neste aspecto a série de Gene Roddenberry é o contrário da saga Star Wars da dupla made in Hollywood Spielberg/Lukas. Enquanto esta vive de um orçamento fabuloso e rebenta com os óscars em matéria de efeitos especiais, a série original de Star Trek sempre preferiu ou foi obrigada a preferir a imaginação. Digamos que esta é, em princípio, muito mais barata.

Note-se que quando me refiro a Star Trek penso na série original, na primeira geração de mr Spock, do capitão Kirk, do dr. Mccoy e de mr. Sulu e não nos seus sucedâneos (Next Generation) que nunca aconsegui ver e, muito menos, nos filmes já marcados pelo estilo mega-produção. Considero até algo chocante, para um purista, ver como Star Trek cedeu à logica dos special effects. Não, não foi por aí que o capitão Kirk e a nave Enterprise conquistaram a sua fama.

Por exemplo, ainda há pouco tempo revi dois dos primeiros episódios - Charlie X e The Man Trap - e voltei a admirar-me com aquilo. Inteligência em estado puro! O cenário é o mais minimalista possível, o guarda roupa é lacónico e até um pouco ridículo, mas os pormenores - por exemplo, em 1966 a série antecipa o uso de telemóveis - são fantásticos. Charlie X é quase uma peça de teatro com 6 ou 7 personagens que nunca saem de um único cenário: o interior da nave Enterprise. A quem é que passa pela cabeça fazer um episódio de ficção científica sobre viagens siderais, completamente passado a bordo da nave? Charlie ataca a tripulação da Enterprise com simples força da energia mental e não é necessária nenhuma super maquinaria nem armas especias nem explosõs diabólicas... Onde os outros aproveitariam para cenas de 20 minutos de lutas galácticas, Roddenberry limita-se a comunicar-nos que uma nave inimiga foi destruída. E no entanto a qualidade do argumento e a imaginação prodigiosa chegam para nos transportarem para o ano 2025 algures numa galáxia longínqua.

Ao contrário do que pensam aqueles que apenas conhecem de Star Trek a cedência à lógica hollywoodesca dos filmes e das sequência híbridas, a grandeza da série não está nos meios. Está sim, na inteligência pura: é ela que nos transporta autenticamente para outros mundo situados a anos luz do nosso. The Next generation? The Movie? Não me lixem... Quando penso em Star Trek penso na naividade da saga inicial e na fabulosas encarnações de Leonard Nimoy e de William Shattner. Devolvam-nos o nosso Spok, é o que me apetece dizer...

22/05/09

João Bénard da Costa, 1935-2009, por Mangas




















"They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream."
in Vitae Summa Brevis, de Ernest Dowson


Adeus, Mestre.

21/05/09

Isto Deve Ser no Planeta Zorg...

Acredite se quiser

Notícias surpreendentes lá de fora: o primeiro-ministro belga, Yves Leterme, propôs hoje (19/12/08) a demissão de todo o Governo, na sequência de acusações de alegadas (alegadas, imagine-se!) pressões sobre a justiça. Leterme nega qualquer pressão sobre o poder judiciário e apenas admite ter feito "contactos"; Michael Martin, presidente da Câmara dos Comuns, anunciou hoje (19/05/09) a demissão, após acusações de alegadamente (alegadamente, pasme-se) ter consentido alegados (só alegados) abusos nas despesas de representação de alguns deputados; dois membros da Câmara dos Lordes foram hoje (20/05/09) suspensos (suspensos, a democracia inglesa está maluca!) por alegadamente (outra vez só alegadamente) terem aceitado dinheiro para votar projectos de lei.

Nenhum deles foi, pasme-se de novo, condenado por sentença transitada em julgado, e mesmo assim, pasme-se ainda mais, tiraram consequências políticas de alegações fundamentadas que os visavam. Então e aquela coisa da "presunção de inocência"? As democracias belga e inglesa têm que comer muita papa Maizena para chegarem aos calcanhares da nossa..

Manuel António Pina, in Jornal de Notícias de hoje

19/05/09

A Luta Continua, Pá!, por Guerreiro Profundo de Shaolin

Confesso que, embora apreciando alguns autores da chamada música de intervenção que explodiu no pós 25 de Abril, nunca fui um grande fã do género. Na altura aquilo estava demasiado politizado e não se conseguia ouvir o Zé Mário Branco, o Fausto ou o Adriano, até o Sérgio Godinho e o Zeca Afonso, sem os ligar imediatamente aos comunas. Eu era então um puto, mas fiquei para sempre com a sensação de que aquela overdose de música de intervenção acabou por ser contraproducente para a causa. Não havia pachorra para tanta preocupação social, para tanta letra panfletária, para tanto apelo à revolução. Enfastiava-me o GAAC e a aquela canção da Cantiga é uma Arma..

Nos anos 80, contudo, descobri a música de intervenção portuguesa por intermédio do Sérgio Godinho que comecei a ouvir sem parar. Álbuns como Os Sobreviventes, De Pequenino se Torce o Destino, Pré-Histórias e À Queima Roupa fizeram-me descobrir os Dylans portugueses numa altura em que a agitação política dos anos do Prec ia longe e já não funcionava como ruído. Através do Sérgio descobri aquele que é o maior génio da música popular portuguesa depois da Sra Amália Rodrigues: Zeca Afonso. Os discos e as canções do Zeca foram a minha segunda epifania musical nesta área. Depois, por conexão natural, vieram o Fausto e o seu excepcional Madrugada dos Trapeiros e o Zé Mário Branco (que haveria de editar, em meados dos anos 80 o excelente Ser Solidário para rivalizar com essa outra obra prima do Fausto, Por Este Rio Acima). Na altura o ruído político tinha-se esbatido. Até um pessoa como a Lena, uma meteórica amiga do Liceu que perdi de vista para sempre, e que era assumidamente do partido mais à direita do pós 25 de Abril, o MIRN de Kaúlza de Arriaga, confessava, meio irritada, que adorava o Zeca, o Fausto e «esse cabrão do Sérgio Godinho tão genial como comuna» (sic).

Depois deixei-me ir na onda dos Clash, dos Pistols, dos Stranglers e da New wave, mas mantive sempre o contacto com a música portuguesa de intervenção. Esta também mudou, não fui só eu. O Sérgio Godinho, por exemplo, tornou-se cantor romântico - ainda fez excelentes álbuns como o Pano Cru e o Campolide, mas nunca mais foi o escritor cruamente político do 25 de Abril que me tinha aberto os olhos para a música popular portuguesa - foi pena! E não me falem em híbridos como os Trovante e o Rui Veloso que me tiram do sério...

Bom, a música portuguesa nunca mais foi, para mim, a mesma coisa até que agora, subitamente, eis-me a re-descobrir e a gostar da música de intervenção de antanho, mesmo daquela que na altura eu achei excessiva. Subitamente dou por mim a ouvir o FMI do Zé Mário, o Uns Vão Bem e Outros Mal do Fausto, O Charlatão da dupla Sérgio/Zé Mário ou Os Vampiros do Zeca. De repente ouço letras como a de Um Tractor ou a de Organização Popular - das coisas mais prec do Sérgio - , até A Cantiga é uma Arma que eu dantes detestava e, olha, batem-me... Porque é que agora, precisamente agora, a velha música de intervenção portuguesa ganha tanta actualidade?

É que os versos destas e de outras músicas ganharam um inesperado sentido... Os aldrabões, os charlatães, os vampiros, os sem vergonha, os fascistas, velhas personagens abstractas da nossa canção popular, estão aí de novo. E vivos! Acontece que a sociedade portuguesa bateu no fundo como nunca antes vimos. Estamos no lodo com as cambalhotas e os cambalachos, estamos fartos de tanta aldrabice e de tanto troca-tintas. Vivemos num estado latente de revolta que faz lembrar a tensão dos anos da brasa de Abril. E é por isso que as canções de Abril ganham hoje um novo e inesperado sentido. Até os velhos Xutos, Rockers herdeiros de outras paragens estéticas, sentiram o clima e já nos deixaram um novo hino a juntar aos clássicos da velha música de intervenção... Sente-se no ar: há um cheiro pestilento a corrupção e a decadência. Subitamente o Zeca volta a fazer sentido: digam-me lá que esta música não foi feita de encomenda para os dias que vivemos: http://www.youtube.com/watch?v=ZUEeBhhuUos&feature=related

17/05/09

Anunciação, por Arcanjo Gabriel


Segundo consta, para o ano lá vamos ter que gramar o Jesus no Glorioso. O Jorge, claro, não o Outro, era bom era, bem precisamos... Com o aumento exponencial do tempo de antena que este verdadeiro mestre da bola na chincha pasará a ter no Glorioso, prevejo. desde já, uma óptima safra de tiradas ao seu melhor estilo. Tipo: «Não temos nenhum problema com os nossos estrangeiros. Estamos a tratar da neutralização deles» (sic) ou «Não comento. Esse é um assunto do forno interno do clube»(sic). Jesus promete milagres...

Quanto à formação do plantel, está-se mesmo a ver. Jesus leva com ele para a Luz as seguintes aquisições, algumas compradas directamente ao Braga, seu actual clube e ilustre representante da Cidade dos Arcebispos: Moisés, Mateus. Também está a pensar em recuperar Lucas para o futebol e o antigo guardião Tomé, ex-Vitória de Setúbal. O júnior do Benfica David Simão subirá ao plantel sénior, claro, e Di Maria é para manter a todo o custo. Já nomes como César Peixoto ou Paulo César, manifestamente pagãos, serão descartados apesar de oferecidos ao Benfica por uma quantia irrisória.

Um dos efeitos mais previsíveis da chegada de Jesus ao Benfica é a explosão de títulos bíblicos mais ou menos execráveis. Como os jornalistas da Bola e do Record vão andar numa roda viva para os inventarem, o Porco deixa já aqui uma lista de sugestões para lhes facilitar o trabalaho. E escusam de aagradece. Amar o próximo como a ti mesmo, é o nosso lema:

- Início da época. Anunciada a contratação de Jesus pelo Benfica: «Ecce Homo!» (parece que já o estou a ver de braços abertos a chegar à Luz).
- Benfica cede empate no fim do jogo com golo de Sidney na própria baliza: «Aquele que nunca pecou que lhe atire a primeira pedra» ou «Não crucifiquemos o jogador».
- Cardozo falha penalti decisivo:«Lavo daí as minhas mãos».
- Jesus considera no fim de um jogo que o Benfica merecia ganhar por 5 apesar de ter perdido por 2: «Felizes, os infelizes pois deles será o reino dos céus».
- Mais uma arbitragem escandaloso de xistra contra o Glorioso: «Expulsemos os vendilhões do Templo».
- Jesus vaiado pelos adeptos após derrota em casa: «Perdoai-lhes Senhor porque não sabem o que fazem».
- O Benfica de Jesus está em 4º lugar a duas jornadas do fim: «O meu reino não é deste mundo».
- Luís Filipe Vieira retira confiança a Jesus: «Pai, porque me abandonaste?».
- Jesus abandona o cemitério de treinadores em que se tornou o clube da Luz: «Levanta-te e anda».

A minha previsão para o benfica da Nova Era Jesus aqui fica feita. Oxalá me engane e aconteçam antes boé de títulos a falarem da forma como S. Jorge derrotou o dragão...

14/05/09

Eu, Europeu, por Cão

Sou pela profissionalização dos peregrinos a Fátima. Também sou pela obrigatoriedade da certificação da qualidade dos carros-vassoura de apoio aos peregrinos e aos ciclistas da Volta a Portugal. Sou pela informatização das bancas de cereja, nêspera, pêssego e laranja de beira-estrada. Sou pelo policiamento da alma e pela cardealpatriarcação do sexo e pela pasteurização dos sonhos e pela dobragem em brasilês da corrupção angolana. Alinho na transcrição dos telejornais para livros de texto da escolaridade mínima com vista a uma ignorância máxima. Subscrevo a beatificação em vida de Manoel de Oliveira e de José Hermano Saraiva. Fervo de sossegada indignação quanto ao que for preciso, como o pilhão, perdão, milhão-de-votos do Manuel Alegre, o empate técnico Caso Maddie – Casa Pia, as gémeas Salgado, o rabo-de-cavalo da porta-voz da PSP para os telejornais, as nóvòportunidades, o Vital Zita Seabra Moreira, a Baixa Geral de Depósitos, o Cancro Português de Negócios, o Cancro Privado Português, o Jorge Jesus no Benfica, a profissionalização das grávidas, a hermanjosénização do Gato Fedorento, a gatofedorentização da Assembleia da República, o Poder Local em geral e o local em particular, o 10 de Junho em Santarém e o day-after no resto do País, coisas assim.
Acho que aquilo no Bairro da Bela Vista era deixar arder. Sou pela profissionalização das noivas ciganas, mas só até aos onze anos. Também sou pela profissionalização do Bernardino Soares e dos dadores de sangue. Sou pelo casamento dos manos Portas com as gémeas Salgado. Acho que, ya!, Os Lusíadas em hip-hop era bué da Bairro da Bela Vista. Sou pela atribuição da Bandeira Azul aos cafés de não-fumadores e ao Presidente-Sombra da República, o professor Marcelo.
Sou, sou.

Rosário Breve - 103 - in O Ribatejo

13/05/09

Um Dia de Cólera de Arturo Pérez-Reverte, por Manolete




Um Dia de Cólera (2007), o último romance de Arturo Pérez-Reverte publicado entre nós é o seu melhor livro, de todos os que dele li até agora. Dele li o Hussardo (primeira obra de 1989 que me parece, agora, um prenúncio deste mais recente), O Pintor de Batalhas, O Cemitério dos Barcos Sem Nome, O Mestre de esgrima e, da saga capitão Alatriste, li O Capitão Alatriste, Limpeza de sangue e O Sol de Breda.

Este mais recente Um Dia de Cólera retrata os trágicos acontecimentos do dia 2 de Maio de 1808, ocorridos em Madrid por altura da ocupação da cidade e de toda a Espanha pelas forças imperiais de Napoleão Bonaparte. Reverte começa pelas horas de tensão acumulada que antecedem os primeiros motins até à explosão de violência brutal que dura todo o 2 de Maio.

Mas o modo que escolheu para construir este romance não deve nada ao facilitismo. Reverte fez uma pesquisa aturada, baseada nos relatos da época das multidões de anónimos espanhóis que morreram durante esse dia em luta contra os gabachos (nome pelo qual nuestros hermanos tratavam os franceses. Embora o termo «gavacho» tenha outras raízes aqui inexploradas que se prendem com questões mais esotéricas). Assim o livro é um desfile de centenas de anónimos, de curtas vidas que passam como cometas pelas páginas do livro. Há personagens que aparecem e desaparecem numa frase ou num parágrafo; muitas vezes é uma simples referência ao nome, morada, profissão e naturalidade das vítimas; noutros passos as personagens são mais permanentes. O grande pintor dos acontecimentos dessa noite, o magnífico Goya pintor dos Fuzilados do 2 de Maio e da Carga dos Mamelucos merece uma página inteira… Mas há dois heróis, as personagens centrais da narrativa, que percorrem todo o livro: os capitães do exército espanhol, Pedro Velarde e Luiz Daoiz. Presumo que sejam personagens conhecidas pelo espanhol comum, se não são deviam ser e Reverte faz-lhes aqui uma justa e sentida homenagem.

Foram estes dois oficiais que levaram a sua divisão à subvelação contra os gabachos na esperança vã de que outras unidades militares madrilenhas se lhes juntassem. Velarde e Daoiz simplesmente não aguentaram o sentimento de humilhação nem a cobardia de ficarem a assistir à chacina dos seus compatriotas populares às mãos dos franceses. Enganaram-se quando pensaram que o seu exemplo de coragem levaria o exército espanhol a sair para as ruas de Madrid em apoio da revolta popular. Morreram em luta contra os franceses mas o seu exemplo havia de perdurar no levantamento de toda a Espanha.

09/05/09

Campanha Cor de Rosa. por Armanito

A nova revista i deu a noticia: o Primeiro Ministro de Portugal tem o seu nome na porta de uma loja de roupa de luxo de, imaginem, Beverly Hills... Uma daquelas onde, segundo a mesma fonte, «só entra um cliente de cada vez, com hora marcada e todo o staff de empregados à sua disposição». Um mimo! Que o sr ingenheiro seja parolo é lá com ele, é uma questão de gosto, ele pode achar o máximo de finesse, nada a dizer. Certamente que com os seus altos rendimentos,não tem que se contentar com o fatito à Maconde. Agora que o nome do Primeiro Ministro de Portugal em exercício seja usado para publicidade a uma empresa é simplesmente vergonhoso! Não sei se é legal esta utilização, mas é certamente imoral.

Repare-se no pormenor da identificação da personagem: do ponto de vista do impacto publicitário o nome de sócrates não interessa ao menino Jesus. Ser identificado como José Sócrates ou como Zé da Silva ou como Tó do Pipo é rigorosamente a mesma coisa para uma empresa de Beverly Hills. O que interessa, realmente, é a designação que vem a seguir à identificação do indivíduo: o título de «Prime Minister of Portugal». É por causa do seu cargo institucional e não pelos seus méritos de desenhador projectista da câmara da covilhã, engenheiro, corredor de jogging matinal ou estudante de Coimbra, que o homem interessa do ponto de vista publicitário. O indivíduo é, do ponto de vista publicitário, um Joe Nobody. É por isso que ao nome da personagem acresce o título de Primeiro Ministro de Portugal. Porque é que não o identificaram como Engenheiro pela Universidade Independente? Não vejo problema nenhum nesse caso, mas a empresa é capaz de ver, não?

Isto é mau de mais para ser verdade. Será que o primeiro ministro tem consciência desta utiização abusiva de referência ao cargo que provisoriamente ocupa? Certamente, uma vez que a notícia circula livremente na Internet... Mas então terá dado o seu aval a isto? Ou não? Terá sido a empresa a abusar,usando o seu nome e a menção ao cargo que ocupa sem o seu consentimento? Mas, neste caso, ninguém a chama - à loja - à pedra? Ah, tou a ver: ninguém tem culpa, claro.

Se a moda pega vai ser bonito. Imaginem-se as campanhas possíveis: «Restaurante Ódelino: Aníbal Silva, o Presidente da República de Portugal também é cliente dos nossos pézinhos de coentrada»; «Vinho tinto DaCepa - o preferido de António Costa, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa»; «Alberto Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira prefere a qualidade dos nossos materiais. Sanitas Dilúvio»; «Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República de Portugal, já decidiu. Decida também. Slipes Tebe». And so on... Quer-me parecer que isto não está bem. Mas neste país de «patos bravos» até que bate certo...

08/05/09

Bananas, por Plátano

As Bananas quando chegaram à Europa vindas dos trópicos, constituíam à mesa dos europeus o máximo de requinte e exotismo, um símbolo absoluto de riqueza. E ao contrário do que muita gente pensa, a banana não é originária da América, mas sim da Ásia. Só que devido à grande facilidade de cultivo da planta herbácea que a dá, a coisa expandiu-se por mais de 130 países, sendo que a América é por natureza o expoente máximo da produção bananeira. Foram os portugueses que levaram a banana da Ásia para o Brasil, de onde se americanizou.

Aí na América Central e Caraíbas reinam os grandes impérios multinacionais americanos da Chiquita, Dole, Fyffes e da Del Monte que produzem e exportam o bananame em quantidade tal, que a coisa desde há décadas que se vende por aqui ao preço da uva mijona.

Gabriel Garcia Marquez revoltou-se com as bananas e berrou bem alto a miséria da exploração bananeira. O Cem Anos de Solidão bebe muito da escravidão amarela. E o Pablo Neruda nunca perdoou também aos impérios bananeiros. Embora não deixe de ser esquisito que ao ler o Canto Geral se tropece num poema intitulado United Fruits Corporation. Garcia-Marquez, Neruda, Angel Astúrias, Fuentes e outros deram-lhes com força tal, que algumas multinacionais tiveram vergonha na cara e foram obrigadas a mudar de nome. Assim onde lerem em Neruda ou Garcia-Marquez, a referência à ignóbil United Fruits, saibam que é a mesma das bananas Chiquita que vocês comem hoje.

A Banana, entre os muitos símbolos iconográficos de que se foi imbuindo ao longo dos anos, teve um que foi esquisito, que é o de estar associada à queda do muro de Berlim. Por incrível que possa parecer, a banana foi um dos factores dessa mesma queda. Os alemães de leste que à sorrelfa e com perigo de vida, viam a televisão da Alemanha Ocidental estranhavam a abundância de bananas na sociedade capitalista. Na RDA e no Leste em geral não havia bananas, a não ser à mesa do “aparelho”, da casta superior (há sempre uns porcos que são mais iguais que outros). Apesar de esclarecidos pela propaganda de leste que aquilo era pura propaganda do oeste, certo é que a malta perdia por completo o norte com a abundância de bananas vindas do sul.

Quando caiu o vergonhoso muro, a Alemanha Ocidental resolveu dar uma oferta de boas-vindas a todos os irmãos da RDA na forma de um pequeno valor em capital da ordem dos 100 a 150€ pessoa. E foi ver as gentes do leste a correrem às frutarias e supermercados e a afogarem-se em bananas. Para eles, era a ascensão ao Olimpo, ao néctar dos deuses que lhes estava a ser negado à décadas. Haja bananas, haja fartura.

E termino com uma coisa verdadeira. E digo verdadeira, porque de tão esquisita que é, vocês podem pensar que é galga. Não é. É verdade, verdadinha e quem não acreditar que diga, que eu vendo bilhetes. É que eu tenho um amigo que tira o caroço às bananas! Já era mau e vinham as empregadas todas ver, quando ele armado em cirurgião tirava as espinhas aos peixinhos do rio torrados, pior ainda quando insistia e insiste em descascar os morangos com faca e garfo, mas o cúmulo do requinte circense é com as bananas. Quando vem o caroço bananeiro para a mesa, o verdadeiro artista pega de faca e garfo e longitudinalmente corta o bicho em quatro partes, e em cruz, com o centro virado para cima. Depois segurando com o garfo o talo tenrinho, o cirurgião corta com a faca e retira para o lado a película de 2 ou três milímetros que a banana tem no centro. Aquela coisinha mais escura com grainhas microscópicas. É um espectáculo digno de reis. E eu tenho bilhetes.

07/05/09

Abóboras & Melancias, por Britannicus & Cormac McCarthy

Abóboras-Meninas, por Britannicus, in Groinks do Tapornumporco:

>Deixai-me agora falar do fruto que me fascina. Nada menos nada mais do que da abóbora-menina.

Quem, na estiagem, nunca comeu uma abóbora-menina perlada de orvalho, varada ainda pelo frescor do madrugar, não sabe o que é subtrair toda a sensualidade que ao peso da fruta se pode subtrair!

Ia o rapazio para o campo esbandeirar o milho e, entrementes, quando o estio fazia rechinar a bandeira, escafediamo-nos à sorrelfa pelo milheiral adentro. Encontrávamos uma abóbora-menina incauta, abríamos o canivete capa-grilos,fazíamos um incisura circular na carnação laranja e zás… varávamos a tumidez da fruta.Era um ver se te avias a aboborar a laustríbia! Tirado o cabaço à abóbora-menina e gozado a fresquidão da curcubitácia, repunhamo-lo por fim com desvelo digital de cirurgião estético a reconstituir hímens e íamos à nossa vida

Nunca nenhum ecologista, poeta bucolista, neo-rural ou místico franciscano sentiu tanto amor unitivo, estético e extático pela natureza. Ainda hoje tenho visões com abóboras-meninas mas, descobri no domingo a ler um cartapácio de botânica, é só porque elas têm licopeno que é um elemento essencial à visão, e eu, rapaziada, comi muita, muita…


Melancias, por Cormac McCarthy, em Suttree:

>“Ajoelhou-se na terra fértil e fumegante, o cheiro avinhado das melancias rebentadas a invadir-lhes as narinas. Aproximou-se sorrateiramente dos frutos ali esparramados, a mão a afagar as formas quentes e maduras, o canivete aberto. Ergueu um do chão, fazendo surgir um ventre em tons pálidos de jade. Puxou-o para si entalando-o entre os joelhos, e enterrou a lâmina da navalha no extremo inferior. Soltou as alças das jardineiras. As pernas alvacentas a ajoelharem- se numa poça de ganga.”

(…)

“Dois pares de chancas percorreram as fiadas de melancias.

Não vais acreditar nisto.

Sabendo o mentiroso nato que tu és, é bem provável que não.

Alguém anda-me a foder as melancias.

O quê?

Eu disse que alguém anda a ….

Não. Não. Não, raios partam. Diabos te levem se não tens uma mente retorcida.

‘Tou – te a dizer…

Não quero ouvir mais nada.

Olha aqui.

E aqui.

Percorreram a fiada exterior do melancial. Ele parou para tocar numa das melancias com a biqueira do sapato. Vespas zumbiram, iradas, em volta dos sucos que embebiam a terra. Alguns frutos já estavam destruídos há bastante tempo e jaziam amolecidos pela podridão, engelhados pelo colapso que não tardaria.

Tem mesmo ar disso, não tem?

‘Tou-te a dizer que vi o fulano. Nem percebi que raio de história era esta quando ele baixou as ceroulas. Depois, quando viu o que ele ‘tava a fazer, continuei a não acreditar nos meus olhos. Mas cá ‘tão elas, e não mentem.

O qué que tencionas fazer?

Raios, não sei. È demasiado tarde para fazer seja o que for, a bem dizer.

O tipo fornicou-me as melancias todas, ou quase. Não percebo porqué que não se agarrou só a uma. Ou a umas poucochinhas.

Bom, se calhar o tipo acha-se um pinga-amor. Assim a modos que um marujo numa casa de passe.”

(…)

“A roubar melancias, hem? Disse Suttree.

Harrogate sorriu, embaraçado. Tentaram-me acusar de besta, besta…

Bestialidade?

Pois, só que o meu advogado disse a eles que uma melancia não era bicho nenhum. O filho da mãe era bem esperto.”

06/05/09

MANGAS, por MANGAS

“Vinha passar os fins de semana a casa. Todas os sábados, às três da manhã, ele acordava com a garganta seca, levantava-se, caminhava pelo corredor escuro em direcção à cozinha e descascava uma manga sumarenta. Senti-a escorregar nas mãos, cortava-a às fatias e chupava o caroço. Depois, dirigia-se outra vez para o quarto, deitava-se com o cabeça no colo dela, besuntava-lhe o sexo com o sumo de manga, chupava-o delicadamente e só então, vinte e quatro horas depois de ter chegado, é que lhe enterrava o pénis nos lábios frutuosos. Ela, durante muito tempo, pensou que havia uma relação metafísica entre as mangas e a felicidade de uma boa foda e que, por qualquer motivo, cada homem encontraria, eventualmente, um sabor estimulante no seu fruto de eleição. O do marido, descobrira por mera casualidade, era a manga. Por esse motivo, nunca deixou que faltassem mangas lá em casa durante todo o ano. Havia subtileza naquela cumplicidade. Nunca falhava. Era troca por troca. Lavava a loiça depois do jantar, fazia-lhe companhia em frente à televisão, duas ou três perguntas triviais e outros gestos de rotina a que se habituaram à falta de melhor, apercebia-se bem que tão depressa podiam pisar a mesma terra que os separava como levantar voo um dia destes em direcções opostas, quando menos se podia supor. Retirava-se para o quarto com um beijo, despia a roupa, enfiava-se dentro do robe transparente, esperava por ele acordada, esperava o fecho da emissão, esperava o tempo que fosse necessário, adivinhava-lhe os passos na escuridão a caminho do frigorífico, pressentia o gume afiado da faca a deslizar na manga, e sentia-se a escorrer enquanto pensava naquelas coisas que iriam fazer quando ele se enfiasse na cama. Uma transacção de sabores com consentimento mútuo de ambas as partes. Ela dispunha-se a encher o frigorífico de mangas frescas e ele retribuía-lhe com estocadas sumarentas em cima e fora da cama, até ela se fartar. A fixação dele, pelos frutos, era recíproca nela pela vontade em se desarticular todos os sábados de madrugada numa espargata insaciável, deixar-se atropelar contra o soalho do chão e acordar no dia seguinte com nódoas negras por todo o corpo.
Algum meses mais tarde, fazia precisamente nesse sábado duas semanas que ela começara a ter lições de piano lá em casa, com um professor italiano, para ocupar o tempo, (incentivara-a o marido no sofá da sala sem desviar o olhar da Big Show Sic), ela foi deitar-se mais cedo do que o costume sem se despedir com o beijo habitual. Ele estranhou esta quebra no protocolo, foi espreitá-la e estranhou outra vez quando a viu adormecida. Profundamente adormecida e sossegada como não se lembrava de a ver desde que casaram. Sem perceber muito bem o que se estava a passar, dirigiu-se à cozinha, tacteou a porta do frigorífico, a luz acendeu-se e na prateleira onde habitualmente encontrava as mangas com a pele verde sarapintada de pontinhos castanhos, encontrou uma boa meia dúzia de maçãs avermelhas e carnudas.”

04/05/09

Maçãs, por Big Apple

De toda a fruta a maçã é a mais ambivalente. Para mim, a maçã é a antítese simbólica da cereja. A cereja é o fruto mais positivo de todos, o mais intenso e forte, o que tem o vermelho mais vivo da natureza. Mas como todas as paixões dura pouco, uma primavera, se tanto, e definha.


A maçã não. É uma fruta híbrida que tanto é amarelada, como avermelhada, como esverdeada. Note-se o pormenor: amarelada, esverdeada, avermelhada, digo bem. Verdadeiramente não há maçãs amarelas, nem verdes nem vermelhas. É uma fruta assim, uma aproximação a uma cor ou a um sabor, quando muito. Há umas maçãs que até têm umas pintinhas castanhas como se fosse sardas do tempo. Não sei porque raio é que um fruto como este não é cinzento que é a única cor que merecia ter.

Ao contrário da cereja que é breve e intensa, a maçã é sensaborona e dura o ano todo. De Janeiro a Dezembro, há sempre maçãs nas prateleiras da fruta dos hiper mercados. Ao pé das cerejas que têm o melhor sabor que pode ter um fruto, as maçãs sabem a coisa nenhuma.

Fico lixado quando penso em maçãs porque quando era pequeno o meu pai tinha uma pequena horta no quintal onde se entretinha a plantar umas árvores. Eu sempre quis ter uma cerejeira ou umas nespereiras, até uma simples romãzeira, mas não, o meu pai embicou que havia de ter um pequeno pomar de macieiras. Tivemos. Durante anos verguei a mola a apanhar as putas das maçãs e foi assim que me tornei um bom aluno, porque o meu pai só me dispensava da apanha da maçã se eu dissesse que tinha que estudar. Estudei, pois. Mas fiquei a odiar maçãs para sempre. Um dia deu-lhes o míldio e o pomar foi todo a vida, graças a Deus. O meu pai não voltou a plantar macieiras no quintal lá de casa, mas também nunca plantou nenhuma cerejeira. Mas vá lá, ainda ganhei uma pequena estufa de morangos, que é da fruta que mais se parece com as cerejas.

Por mistérios insondáveis, a Bíblia fez desta fruta o símbolo do pecado e da tentação. Não faz qualquer sentido. O símbolo do pecado devia ser a cereja. Ou, quando muito, a manga, como muito bem explica o Mangas, uns posts mais abaixo. Adão e Eva deviam ser uns patetas – não há ser humano que, no seu perfeito juízo, arriscasse o Jardim das Delícias, onde devia haver boés de cerejas, possivelmente durante todo o ano, por uma dentada numa miserável maçã. Ainda por cima oferecida por uma serpente. Burros! Foram expulsos e bem expulsos…

Seja como for, daí em diante a maçã ficou sempre associada à desgraça. Os Beatles, por exemplo, afundaram-se completamente quando resolveram deixar a Parlophone e fundar a Apple Records. A editora foi um fracasso, houve conflitos entre os membros da banda que nunca mais recuperou. Para nosso castigo tivemos que aturar décadas de Paul Mcartney a solo e a cantar com os Wings. Um horror! Quando penso na porcaria das maçãs e no mal que causaram aos Fab Four e a nós todos que ficámos impedidos de curtir os Beatles durante mais tempo, ainda fico possesso. Já nem digo que até comia umas cerejas, mas ao menos uns morangos. Sim, uns morangos. Strawberry Fields Forever.