30/06/09

Michael Jackson: a Tragédia Ciborgue, por Ódelino

Enquanto foi vivo o que mais me interessou nele foi a tentativa patética de forçar a natureza, de torcê-la até ao limiar da ficção científica. Michael Jakson recusou a natureza e mudou: a pigmentação da pele, a forma do rosto, o nariz, os lábios, o cabelo. Por mais que diga que apenas fez duas operações plásticas ao rosto, a verdade é que todos pensamos que fez muitas mais. Nos anos 90 chegou mesmo a processar o tablóide inglês Daily Mirror que publicara um grande plano do seu rosto com as sequelas das operações que tinham corrido mal. Já então se prenunciava a tragédia. Como Marilyn, como Elvis, havia em Jackson uma sombra funesta, uma espécie de agoiro a fazer adivinhar uma tragédia à espera de ser representada. A reconstrução ciborgue de jackson já era, em vida, um drama; agora, a sua morte precoce, torna-o ainda pior.

O seu combate desesperado contra natureza estava à partida condenado ao fracasso. Porcurou mudar o rosto e o tom da pele e transformou-se num zombie. Dormia numa cama especial situada num invólucro com oxigénio puro para viver mais tempo, usava máscaras para não respirar os micróbios dos outros e luvas para se manter ainda mais asséptico. Sabíamos da inutilidade de tudo isso. O esforço de Michael chegava a ser patético: a morte havia de chegar - chegou muito mais cedo do que se esperava - e a natureza venceu a tecnologia que já o havia transformado num ciborgue.

Há uma ironia profunda no facto daquele que mais tentou vencer os Deuses ter sido levado por eles tão cedo. Michael recorreu ao imenso arsenal da ciência, da medicina e da tecnologia para vencer os deuses do Hades. Mas estes venceram, levaram-no cruelmente muito antes de nós todos, simples mortais que pouco mais fazemos que resignar-mo-nos às nossas imperfeições. A morte de Michael representa o fracasso da ciência na sua luta incessante contra morte. É como se os Deuses nos dissessem que o nosso destino não depende de nós nem de toda a nossa tecnologia. Não é irónico que o velho e decadente Keith Richards, carcaça carcomida por uma vida de consumo de drogas duras e álcool, ainda esteja aí para as curvas e que o ciborgue Jackson se tenha ido? As rugas de Richards, cicatrizes da força inexorável de Cronos, são o oposto da face plástica de Jackson. Mas há nesta morte uma tragédia que nos toca - a da vacuidade dos esforços humanos contra as forças ancestrais que nos fazem,a todos, irmãos perante a morte, o mal e o sofrimento. E por isso, sim, a morte de Michael Jackson comoveu-me! Nos seus esforços patéticos, exagerados, pueris, ele representou uma tragédia comum, a nossa tragédia, a tragédia ancestral de toda a humanidade.


P.S. Sobre o artista: embora a maior parte dos seus discos me seja praticamente indiferente, não posso esquecer que ele foi o autor de Thriller. E Thriller foi um dos discos mais importantes da história da música Pop. O que não é dizer pouco... Como esquecer Billie Jean, Beat it, The Girl is Mine, Wanna Be Startin Something, Thriller, bem o disco todo que é composto por excelentes músicas? Nem o grande Miles Davis resistiu a gravar Human Nature. E pode ser mesmo essa que proponho em versão you tube: http://www.youtube.com/watch?v=LGBPSx1Zxlo

As Músicas do Porco. Cucurrucucú Paloma, por Caetano Veloso. Por Manolete

Não sei quem é o autor desta música de título ridículo. A primeira vez que a ouvi foi num jantar de leitão em casa do nosso Mister. Nessa noite, o nosso espanhol de serviço, o Mau, resolveu levar um disco de uns gajos mexicanos chamados Mariachis - com sombreros e tudo! - como resposta de Castela à overdose de Amália que eu pregara à malta na janta anterior.
Inicialmente a minha reacção, e a de todos os presentes, foi de gargalhada sonora. Aquela versão kitsch de Paloma era e é, de facto, um pouquinho ridícula, desculpa lá, ó Mau… Mas depois a música pegou e tornou-se uma espécie de hino burlesco das famigeradas Noites de Leitão em Casa do Mister. Hoje, até já se pede ao Mau para não se esquecer do «disco dos mexicanos».

Mais tarde, voltei a ouvir Paloma num álbum do Caetano Veloso chamado Fina Estampa ao Vivo. O disco, como explicou o autor, é uma espécie de viagem pela hispanidade. Viagem geográfica – pelo Haiti, pela Argentina (vuelvo al sur de Piazzola), pelo México, pela Espanha… - mas também no tempo. Porque aquelas músicas, diz ainda Caetano, estavam-lhe guardadas na memória mais recôndita. Aquelas músicas espanholas eram-lhe cantadas desde menino pela mãe e haviam de ficar-lhe para sempre guardadas, sem que disso ele tivesse consciência. Recorda-as simplesmente, como se tivessem sido sempre parte dele. Reparei na música, mas não era, ainda, a tal. O Mau, com a autoridade que lhe confere a sua nascença basca, achava que faltava alma ao Fina Estampa – a alma espanhola, entenda-se, e não deixa de ter razão.

Ouvi recentemente uma terceira versão de Cucurrucucu Paloma, ainda pelo Grande Caetano Veloso, e foi essa que me fez render incondicionalmente. Aconteceu mais ou menos a meio do filme do Pedro Almodóvar, Hable Com Ella. Quem viu o filme sabe do que falo. Subitamente no meio da trama bem urdida, surge a imagem improvável de Caetano a cantar Paloma com uma delicadeza e uma subtileza que eu não julgava possível (muito mais depois de massacrado pela inenarrável versão dos Mariachis e sus sombreros)… A cena de que falo passa-se numa palácio algures em Espanha, ao ar livre numa fabulosa noite de Verão. Caetano canta, acompanhado por Jacques Morenlembaum no violoncelo, para uma vintena de pessoas, vestidas a rigor, com salero, alegres e sensíveis, como sabem ser os espanhóis. O ambiente é mágico.
Não consigo definir a ternura daquele momento do filme – sei que não é triste, mas alegre, uma alegria contida, suave, delicada que me comoveu. Aquela cena – Caetano ter-se-á deslocado expressamente do Rio para Madrid apenas para gravar aqueles dois minutos perfeitos – é um filme inteiro que sai do próprio filme. É o melhor vídeo musical que já vi, a síntese perfeita entre a sofisticação das imagens e a delicadeza da música. Almodóvar conseguiu fazer ali um quadro barroco de imagens em movimento. Rubens ou Velásquez teriam feito aquilo se tivessem máquinas de filmar em vez de telas e pincéis. E Caetano não foi só um intérprete, mas esteve muito para além disso.
Acho que todos os que viram o filme concordarão que aquela cena é completamente supérflua do ponto de vista da narrativa. E, no entanto, o filme seria muito diferente e muito menos interessante sem ela, ao ponto de já não o podermos imaginar sem ouvirmos a voz espantosa de Caetano a sussurrar Paloma.
E eu confesso: da próxima vez que formos comer leitão a casa do Mister, já não vou tolerar outra vez o disco dos Mariachis. Prometo que o parto na cabeçorra do Mau!

26/06/09

Jacarandás Mimosifolia, por Ácaro Jagunço






























Eles aí estão e em plena floração. Serenos, magníficos, estonteantes.
Salpicos de alegria pura, num país triste e amordaçado por um tal de Inginheiro.
Abaixo o Inginheiro, abaixo o Cherne, sigamos o Jacarandá!

23/06/09

História em Portugal: Uma Ciência mais ou menos Exacta, por 2001


O exame da disciplina de História A do 12º ano de hoje tinha um erro (mais um!). Escrevia-se que Gorbatchev foi dirigente do PCUS e presidente da URSS de 1985 a 2001 quando na realidade foi de 1985 a 1991! O Ministério já veio justificar: não foi um erro mas uma gaffe! E não há problema «porque não prejudicou o raciocínio para responder». Além disso terá sido corrigido a tempo, antes do exame começar. Bem, eu sei que não é nada assim…

Um erro cronológico numa disciplina como História é, claramente, um erro grave. Muito mais por se tratar, precisamente, da ciência do tempo. Será que não se descontaria o erro de um aluno que escrevesse que a segunda guerra começou em 1929? Claro que sim. E, no entanto, são só dez anos a menos... Só que dez anos em História Contemporânea faz uma diferença brutal e o exame incidia, precisamente, sobre História Contemporânea. Trata-se de um erro inadmissível no contexto da disciplina e da matéria, tanto mais que não é a primeira vez que equipas nomeadas pelo MEC para prepararem exames dão estes erros. E estas equipas, valha-as Deus, não fazem mais nada durante um ano que nã seja preparar estes exames finais. ninguém se lembrou de confirmar o raio da data? Mas deviam... De qualquer modo, sempre ficamos a saber que para o MEC os erros cronológicos não importam muito desde que «não atrapalhem o raciocínio»!

Também não é verdade que o erro foi corrigido no início da prova em todas as escolas. Fora de Lisboa a correcção só chegou mais de uma hora depois da realização do exame, o que transtorna, principalmente se o aluno já estiver a elaborar a resposta.

Finalmente é brincadeira chamar a isto «gaffe» ( gaffe e não gralha. Tenho para mim que uma gaffe é ainda pior que um erro, mas enfim, é o termo usado pelo MEC). Gaffe/gralha seria se se escrevesse, por exemplo, 1992 em vez de 1991. Mas não. Os dígitos são inteiramente diferentes: 2001! Erro! Escrever «exmplo» em vez de «exemplo» é uma gaffe, ou melhor, uma gralha; mas dizer que a revolução francesa ocorreu em 1652 quando ocorreu em 1789 não é uma gaffe, mas um erro. Um erro científico grave, tanto mais,se for cometido no âmbito da disciplina de História. Parece que em Portugal se cultiva a História enquanto ciência das datas que são mais ou menos... Dez anos para trás ou para a frente, tanto faz… Não era o que Heródoto tinha em mente, mas enfim…Triste país que acha tudo isto «NORMAL»! Confere.

Da Amizade, por Aristides

«Amigos, não há de todo amigos!», exclamava o sábio moribundo» (Aristóteles).
«Inimigos, não há de todo inimigo!», exclama o louco vivente que eu sou» (Nietzche)

Duas citações, publicadas assim mesmo, lado a lado, no esplendor da sua recíproca contradição, extraídas de Políticas da Amizade de Jacques Derrida.

22/06/09

CSI BdP, por Cão



Assisti pela TV à prestação do governador do Banco de Portugal ante a comissão parlamentar de inquérito à rebaldaria do BPN. Estava sozinho em casa. Era para ver um episódio do CSI Las Vegas, mas acabei por ficar no Constâncio. Geralmente, prefiro o CSI ou os Simpsons. Dessa vez, porém, fiquei no Constâncio. Também gosto do Crime Investigação Austrália e do Poder, Privilégio e Justiça, só que fiquei perante o Constâncio. Há alguns programas antigos do canal RTP Memória que também gosto de (re)ver, ainda no outro dia deu o Tó-Zé Brito. A questão é que fiquei com o Constâncio. No canal TCM também é fixe, os filmes não são legendados mas são porreiros. O Constâncio, não sei se é porreiro, tirando o ordenado de governador e as mordomias para ser ingénuo. CSI propriamente dito, há três: Las Vegas, Miami e Nova Iorque. Os chefes são: Grissom (Las Vegas), Horatio (Miami) e Mac Taylor (Nova Iorque). O chefe do Banco de Portugal é o Constâncio. O RTP Memória não tem dado o McGyver, que fazia de um limão, sei lá, uma bomba de carnaval. Mas a SIC Notícias deu o Constâncio, que de uma bomba de carnaval faz um BPN, por assim dizer. Coisa cá muito da minha preferência é o Dr. House, que anda ali à volta dos diagnósticos mais malucos até que acerta e salva o paciente. O Dr. Constâncio, nem por isso. Também gosto da série ER- Serviço de Urgência, porque os médicos e os enfermeiros, apesar de americanos, são muito humanos. O Constâncio também, mas menos por causa do Nuno Melo. O Canal História antigamente era melhor, mas ainda se aproveita alguma coisa de vez em quando. O Constâncio, nem tanto. Tenho muita pena que o Nuno Melo se vá embora para Bruxelas porque sim. O Constâncio fica. O Constâncio está para o Banco de Portugal como, digamos, o Nicolau Breyner está para o cinema português: era melhor lá não estar, mas está sempre. Não foi só o Tó-Zé Brito que foi à RTP Memória, o Carlos Mendes também foi. E o António Calvário também. Não há maneira é de vermos o Constâncio só na RTP Memória. Ou no CSI, a contas com o Grissom, o Horatio ou o Mac.

15/06/09

As Minhas Aventuras nos Tribunais da República Portuguesa, por Tó Marsapo

O meu nome é António Marsapo mas todos me tratam por Tó Marsapo. Hoje, pela segunda vez na minha vida pus os pés num tribunal, onde tive oportunidade de assistir a uma audiência que envolve uma empresa e um amigo pessoal. Fui lá parar, um pouco por solidariedade para com o meu amigo, um pouco por curiosidade, um pouco porque andava por ali perto...

Da única vez que estive antes num tribunal fiquei com uma ideia bastante razoável acerca da dignidade da função da magistratura. As togas, a linguagem técnico-jurídica, a minúcia dos interrogatórios, a deferência daquela gente que passa o tempo a chamar-se «sôtor» pa trás, «sôtor» pá frente, em suma, o aparato do circo impressionou-me. Foi por isso que entrei a medo na sala de audiências número dois da comarca de alcarraques. Empurrei a porta a medo, como quem pede desculpa, verifiquei bem se não estava enganado, disse um bom dia hesitante, com medo de perturbar a solenidade do acto e escutei atentamente as instruções de uma senhora - que mais tarde percebi ser a funcionária e chamar-se dona Joana - coberta com uma vetusta capa preta e que me ordenou que desligasse o telemóvel e me sentasse no fundo da sala. Sossegado! Até aqui tudo bem, estava tudo em conformidade com a ideia que eu tinha de um tribunal.

Sentei-me ao fundo da sala, apertei o botão da camisa - tinha uma vaga reminiscência de um amigo causídico me ter dito que os juízes, às vezes, mandam os assistentes abotoar os botões das camisas -, desliguei o telemóvel e pus-me a observar. Como, além de mim, estavam lá três pessoas conhecidas - dois advogados mais o arguido - a que se acrescentou, posteriormente, uma quarta, também amigalhaço, fiquei com a estranha sensação de estar numa jantarada da Confraria Enófila a que todos pertencemos. Mas, desta vez, em vez do Grão, estava uma outra pessoa desconhecida a dirigir as cerimónias - a ilustríssima e digníssima doutora juíza! Passou-me pela cabeça que iam começar a distribuir as notas de prova e que alguém ia pedir o vinho nº 6... Mas porque raio estavam eles vestidos de togas? Foi preciso um pouco de esforço para me relembrar a mim mesmo que não estava em plena janta da Confraria mas no tribunal e que, portanto, não me podia pôr a disparatar e a mandar bocas ao Pilas, qua aliás não estava presente.

Durante a audiência, a informalidade e o tom jocoso estiveram sempre presentes. Por uma questão de respeito para com as pessoas envolvidas não posso entrar aqui em detalhes. Mas a pintura foi definitivamente borrada quando entrou para depôr como testemunha da defesa, sua Eminência, o nosso Altíssimo Grão! No dia anterior, aliás na semana anterior, eu já tinha dito que, possivelmente, ia assistir à audiência e ele passou a semana a avisar-me para não me «armar em bardanas» e para não me pôr com risinhos parvos no tribunal. Também por isso entrei a medo.

Mas às tantas o gajo saiu-se com esta pérola: a juiza perguntou-lhe se o nosso amigo L... é, habitualmente, um moço seguro a conduzir, uma vez que se trata de um processo em que está em causa um acidente rodoviário em que ele esteve envolvido. Ao que o Grão respondeu:
- Concerteza sra doutora juiza. Muito seguro mesmo. Aliás, no nosso grupo de amigos, nunca ninguém colocou qualquer reticência em ser conduzido pelo L..., que sempre nos habituou a uma condução à prova de qualquer crítica. Ao contrário de outras pessoas do grupo, não é?, como o Tó Marsapo, por exemplo. Esse é uma verdadeira aflição a conduzir. Com esse é que ninguém se arrisca a entrar num carro.

Não havia necessidade, claro, mas ele justificou mais tarde que o improviso fora espontâneo, não resistiu, prontos... Eu estava ali sossegadinho, a juiza não faz a mínima ideia de quem eu sou e o certo é que na acta redigida pela diligente D. Joana fica lavrado que o Tó Marsapo é uma «aflição ao volante». Não estrebuchei porque, enfim, ainda há em mim um resto de respeito pela solenidade de um tribunal. Mas lá que me apeteceu, apeteceu.

A audiência acabou pouco depois com a juiza a sair da sala nº 3 do tribunal da comarca de alcarraques à procura da dona Joana que, entretanto, se tinha ausentado, até porque já estava a passar da sua hora de almoço. Não chegou ao fim a audição das testemunhas e amanhã há mais. Mas eu é que não volto a pôr ali os pés. Para ser insultado já chega quando discutimos futebol.

12/06/09

The Fabulous Alfredo Marceneiro, por Batman

Falar de Alfredo Marceneiro é o mesmo que falar da «coisa em si» de Kant. Filosoficamente a coisa em si corresponde à realidade numenal que, segundo Kant, existe mas da qual não podemos ter qualquer conhecimento, a não ser na sua pálida manifestação «fenoménica». Assim é Marceneiro: sabe-se que foi a alma do fado, mas não podemos conhecê-lo a não ser a partir das pálidas gravações que nos ficaram da sua arte. Mas não será sempre assim, perguntar-se-á? Afinal só temos da maior parte dos artistas a sua manifestação fenoménica sob a forma de discos e filmes. É verdade. Contudo no caso de Marceneiro há uma diferença enorme. É que, para Marceneiro, a gravação tecnológica da sua música era um aviltamento.

Nascido em 1891 e falecido em 1982, o sr. Alfredo iniciou a sua carreira numa época em que a tecnologia de gravação estava a dar os seus primeiros passos. E, para ele, o fado, de que foi imortal xamã, era incompatível com a industrialização e o showbizz:

«O meu maior desgosto é um desgosto em relação ao fado: foi gravar discos, os discos vieram industrializar o fado, o fado não se deve vender, eu canto porque a minha alma o ordena, canto como se rezasse. Não gosto de cantar para máquinas. Quero ver o público, analisar as suas reacções, ver se estão a gostar».

Que é como quem diz: para nós que não vivemos no seu tempo, o único acesso que temos ao Marceneiro-em-si é esta miserável e falsa sombra das gravações. O verdadeiro Marceneiro, só o conheceu quem teve o privilégio de o ter ouvido cantar, algures numa taberna nocturna da Lisboa dos anos 20 a 50. E esses já cá não estão.

Alfredo Marceneiro foi uma personagem fantástica que entendeu o fado na sua pureza mais radical. O fado não era, para ele, uma questão de voz. Considerava-se a si próprio um dizente, alguém que, simplesmente, dizia melhor que outros as palavras dos poetas:

«No meu tempo não havia discos, não havia telefonias, nem se aprendia a cantar. A voz não interessava. No culto da voz está, talvez, o pior mal do fado: quem ouve a voz já não ouve a letra.»

Será por isso que o fado está morto? O fado na sua acepção mais pura, lapidarmente aqui formulada pelo grande Marceneiro? Eu sei que há agora uma nova geração de fadistas, como a Ana Moura (que cantou o No Expectations com os Stones em Lisboa), a Mafalda Arnauth, a Mariza, o Camané… Mas talvez nada do que eles cantam sejam fado, no sentido religioso que lhe dava o grande Alfredo. Ou talvez, hipótese menos chocante, o fado seja um género muito diverso e o Marceneiro seja apenas um representante – um dos mais geniais, sem dúvida – de um deles, de um sub-género em vias de extinção.

Alfredo Marceneiro era um homem da noite, da adega e da tasca, um mulherengo afamado. Reza a lenda que se deitava às nove da manhã e acordava às nove da noite. E era muito sensível à luz, «como é que posso cantar com esta luz toda?», reclama ele numa dessas falsas e inestimáveis gravações. Cantou até ao fim da sua vida, foi uma lenda até falecer e continuará a sê-lo. Conta-se que numa fase já tardia da sua carreira, cantava ele na Toca, em Lisboa, quando uma senhora da alta sociedade comovida com a actuação do mestre, agarrou-se a ele e disse-lhe: «O senhor Alfredo é a relíquia do fado». O velho fadista, que sempre teve o seu quê de vaidoso, não terá gostado da metáfora. E replicou: «Relíquia é o c*******!». Ah fadista…

09/06/09

Qué crises? Playing for Change – Stay by me, por Mau

Recentemente, numa tarde chuvosa aproveitei para me debruçar sobre vários artigos e programas referentes a actual crise económica global . O dia estava cinzento e a leitura só carregava o barómetro, desesperante. Esta conturbada crise já foi interpelada com várias e diferentes soluções. Cada semana é surpreendida com uma nova medida messiânica para aplacar a inércia fatal desta crise. As medidas não são bem vindas por todos e sempre há alguém que deita as mãos à cabeça e clama por um salvador ou no mínimo por um profeta que nos oriente neste caos. Se há algum consenso neste denso tráfico de opiniões, é essencialmente em dois pontos. Primeiro, ninguém deu com a solução para uma crise que é global e multifactorial e o que é pior, não sabem quando acabará. E já agora, pergunto, para que servem os economistas?. A resposta seria fácil se a razão fosse só económica, mas estamos não só perante uma crise de liquidez, também é uma crise de valores e isto não se resolve com dinheiro. Precisamos de partidos políticos com menos demagogia, intelectualmente superiores, menos dialéctica mísera e mais acordos ou consensos em questões fulcrais. O segundo ponto de encontro, é que todos concordam que a crise não será para as economias capazes de adaptar-se e encontrar novas soluções e ideias (I+D). Já não se considera suficiente um extenso curriculum académico e ampla experiencia profissional, não chega. É preciso mostrar uma formação emocional sólida, que arraste positivamente que traga motivação, e inclusivamente que demonstrem um compromisso ou colaboração em projectos comuns ou solidários. Por outras palavras, não se procuram robots com habilidades técnicas e aptidões profissionais sobradas, procuram-se indivíduos que tenham estabilidade emocional, ideias e, uma raridade, ideais.
A net é o paradigma desta nova geração e um bom exemplo é o projecto Playing for Change. Este demonstra uma maneira de nos aproximarmos utilizando a rede, de encontrar novos talentos e formas de comunicação, juntando sentimento e afinidades para um projecto comum que vigorize a humanidade. As crises são como trovoadas que acabam numa alegre tarde, onde a luz nos surpreende, tudo tem um brilho especial, o aroma enche a atmosfera de esperança e os sons agradam. As crises, como as guerras, arrasam e só os brotes da nova geração sobrevivem. O resto ou nos adaptamos ou somos arrastados pelo alude.
No matter who you are, no matter where you go in your life. At some point you’re going to need somebody to stand by you.

http://www.youtube.com/watch?v=cI_0Hyn57Lk&feature=fvsr

08/06/09

E Agora? Também Vão Processar os Fotógrafos? Por Anti Xuxa



... Ou será que vão antes processar o povo que lhes «malhou» com tanta força?

06/06/09

Contra o Voto em Branco, por Mancha Negra

Para aqueles que – e não tenho dúvidas de que, pese embora os resultados das misteriosas sondagens, somos a maioria - queremos varrer com os xuxas do poder, a única questão que se coloca nestas eleições é: qual o voto mais eficaz para conseguirmos correr com eles?

A questão, uma vez na vida, já não é se os outros são melhores. Piores não podem ser por impossibilidade ontológica absoluta. Portanto, nestas eleições, não está em causa nenhum «projecto europeu», nem a qualidade de um candidato em especial, nem a superioridade de uma ideologia, nada, a não ser limpar o panorama político do lixo xuxialista. É uma questão nuclear: trata-se, literalmente, de encontrar a maneira mais eficaz de exterminarmos os xuxas! É assim que deve colocar a questão, quem, como eu, quer, sinceramente, livrar-se do pior governo e do pior vírus político que varreu Portugal desde que tenho memória política.

Colocada a questão com esta crueza meridiana, creio que é de afastar o canto das sereias que por aí anda e que apela ao cómodo voto branco como voto de protesto. É um erro tremendo que nos pode custar muito caro!

Em primeiro lugar porque o voto em branco interessa a quem? Aos xuxas, claro. Objectivamente um voto em branco é um voto no ingenheiro. Estão em jogo 21 lugares no Parlamento Europeu, se não estou em erro. Se se verificarem 65% de votos em branco e em abstenções (sondagens) segue-se que o ps, ainda segundo as sondagens, elege 9 deputados, um a mais que o psd e os outros são para os pequenos partidos. Objectivamente os 65% que vão votar branco ou abster-se se votassem noutro partido qualquer, pura e simplesmente, varriam os xuxas! Eu repito: varriam-nos!
Mas se votarem em branco eles ganham as eleições! É portanto muito simples: se querem que os xuxas percam é só não votarem em branco. Os indefectíveis do aparelho e os seus clientes garantem-lhes a eleição. Eles agradecem. Farão depois o choradinho do costume, tipo «estamos muito preocupados com a abstenção e com os brancos e etc e tal», mas em privado esfregam as mãos de contentes que esta já cá canta, ó vital passa aí o camarão… E não me venham com a treta do «significado simbólico do voto em branco» porque isso dá para tudo e cada um enfia a carapuça que quiser. Os xuxas dirão, certamente, que o voto em branco é culpa da oposição destrutiva, ó vital passa aí o champanhe…

Uma das provas mais elucidativas de que o voto em branco interessa aos xuxas é vermos quem defende tal opção. Não é por acaso que personagens do regime como o inenarrável marinho pinto e o vitorino xuxa já vieram a terreiro defender o branco. Marinho pinto a sustentar que é uma arma de protesto político (é pena é que seja uma arma de pólvora seca); e o Vitorino xuxa defendeu a superioridade moral do branco sobre a abstenção (como se essas fossem as duas únicas possibilidades). Convém-lhes, claro, mas aposto que nenhum deles vai votar em branco...

Este discurso de defesa dos brancos convém ainda ao simpatizante xuxa anónimo. Este apelo cai bem nas consciências pesadas daqueles que passaram os últimos anos a defender os xuxas, mas que agora têm pudor em votar neles, sem que, contudo, tenham a coragem suficiente de serem coerentes, assumindo o voto pêsse. Pessoalmente, respeito mais os que sempre defenderam os xuxas e que agora, coerentemente, vão votar neles do que aqueles que passaram o tempo a defendê-los e que agora vêm muito enojados, coitadinhos, defender o voto em branco. Assumam-se, fónix! Este é o tipo de gente pequenina que, enfim, me mete nojo…

Além disso o voto em branco não vale nada porque não é durável. Se acontecesse uma percentagem brutal de votos em branco, coisa em que não acredito, daqui a alguns meses já ninguém se lembraria. O que perdura são os lugarzinhos com os seus eurodeputados lá sentadinhos. O que perdura são as vitórias e as derrotas nas eleições. Passados os dois dias de choradinho e o respectivo «prós e contras» na televisão pública dedicado à qualidade da democracia, já ninguém ligará aos brancos. Mas a vitória xuxa, essa aí estará, se não votarmos contra eles, com uma duração de quatro anos.

Resta ainda que o voto em branco só faria sentido se correspondesse a algo de efectivo, por exemplo, se uma certa percentagem de brancos implicasse a vagatura de x mandatos. Mas não é assim, os lugares são sempre preenchidos, quer haja um quer hajam milhões de votos em branco. E enquanto não mudarem as regras, os brancos não são mais que uma miserável vitória de Pirro.

Em suma, não chega, de modo algum, votar em branco. É preciso ir lá e votar contra o socas. Há que votar! Votar à esquerda ou à direita mas contra os xuxas! E eu votava nem que fosse no emplastro, no tatonas, no batatoon, só para tirar a clique xuxialista do poder. Aqueles que querem REALMENTE correr com o socas e com os seus muchachos só podem ir votar contra eles. Onde quiserem mas CONTRA eles. E aqueles que dizem estar fartos dos pêesses, mas, ainda assim, aconselham o voto em branco, das duas uma: ou são ingénuos ou são xuxas (mais ou menos decepcionados, mas sobretudo, xuxas). Agora fiquem em casa ou votem em branco em vez de votarem contra eles… Depois não se queixem!

03/06/09

Mestrados da Treta, por Mad Master

Caio redondo ao abrir um blog que noticia o título de mais uma tese de mestrado de fantochada que por aí vai. Atente-se na seriedade bacoca do título da criatura: «O Contributo dos Cursos de Educação Formação para o sucesso escolar e pessoal dos alunos. Lógicas e práticas de acção em contexto de ensino profisionalizante. Dissertação de Mestrado. Universidade Aberta.» Dissertação de Mestrado? Fónix, fónix, fónix! Até me falta o ar... Uma tese de mestrado em cefs? Mas que espécie de doutores da mula ruça anda este país a formar? Já vale tudo!

É claro que se pode investigar os cefs, como se pode investigar o jogo do berlinde, o big brother, a vida do badaró e as características psicológicas do meu gato, mas haja bom senso: não chamem a isso «teses de mestrado». Como é que se sentirão os investigadores a sério, pessoas que tiveram de ler as obras integrais das grandes referências nas áreas de estudo respectivas? Fazer uma dissertação de Mestrado sobre a obra de Jean-Paul Sartre, Heidegger ou Platão, implica anos e anos só de leitura das obras dos autores sem contar com os comentadores. E, nos casos citados, nas línguas originais, em grego, francês ou Alemão. E já nem falo da investigação científica pura e dura, em áreas como Física, Matemática, Biologia, História, etc, etc e nos meios, no tempo e no investimento que isso envolve. Ao pé de teses de mestrado a sério esta coisa da investigação em CEFs é gozar co pagode. Como foi possível chegarmos a este ponto? Fónix, fónix, fónix…

01/06/09

Turismo Político, por Agência Tur Tura


O sr ingenheiro socrates não tem, definitivamente, vergonha na cara. Recentemente veio cascar no PSD devido à desmobilização e falta de público nos comícios deste partido. É verdade que o comício de Barcelos, cujas imagens desoladoras vi na TV, não foi, propriamente, um bom postal. Mas os comícios do ps cheios de excursionistas profissionais são um sinal ainda pior. E as declarações de socrates, um monumento à hipocrisia.

Veja-se o mais recente comício do ps em Coimbra. Foi realizado num pequeno pavilhão, o do União de Coimbra. Televisivamente dava a impressão de estar cheio. Mas cheio com quem, se em Coimbra só se ouve dizer mal dos xuxas? A comunicação social, na altura, desfez o mistério: cheio com reformados que vieram de Bragança, de Braga, de Guimarães e de outras partes longínquas do país em autocarros fretados pelo aparelho xuxa, aliciados por interessantes programas turísticos que aquela gente não poderia concretizar de outra forma. É esta classe de turistas-profissionais-comicieiros políticos que enche os comícios dos xuxas.

De entre estes convictos «militantes» existem até inúmeros especialistas que avaliam a qualidade das viagens e das jornadas. Comentava-se entre os turistas políticos que «o comício de Leiria de à uns anos atrás foi muito melhor que este porque incluiu a viagem a Fátima e à Nazaré, enquanto neste de Coimbra só fomos a Fátima». Outros diziam que o pavilhão era um dos piores dos últimos anos e ainda havia os que confessavam que iam a todos os comícios de todos os partidos que oferecessem estas notáveis viagens. É o turismo para a terceira idade em versão xuxa, ainda dizem que eles são socialmente insensíveis...

Acho isto muito mais preocupante que ter o comício vazio. Porque se trata de uma fraude, de um procedimento lamentável que tem a marca socialista como selo. Não é novidade, é até um padrão na política da aparência xuxialista. Mas pior que a fraude em si são as declarações de socrates quando diz, em pleno comício, que «agradece a Coimbra a sua presença». Mas qual Coimbra? Sabendo o homem que a sala está cheia com a turba dos autocarros fretados que vêm de todo o lado menos de Coimbra, esta declaração é de uma hipocrisia política indecorosa. É uma colaboração objectiva para a criação do simulacro, da mentira.É neste contexto que considero lamentáveis as mais recentes declarações do mesmo sujeito a respeito dos comícios vazios do PSD. Esses ao menos são sinceros na crueza dos seus vazios; não são de fancaria como os do ps. E sobra ainda uma questão: mas é assim tão importante encher pavilhões gimnodesportivos com velhotes que de outro modo não sairiam das santas terrinhas? Para estes sim, sempre passeiam; mas um partido político tem assim tanto a ganhar na produção destes embustes? Isto dará assim tantos votos?