30/03/12

A Minha Lista 2011 - Abril, por Adérito

Eça de Queirós – A Ilustre Casa de Ramires. E de repente deu-me para ler os Eças que me faltavam. Em boa hora! Voltar a Eça é um regresso ao melhor que já alguma vez foi escrito. Uma obra prima!

Camilo Castelo Branco – Amor de Perdição. Uma releitura. Como é que este livro acaba de ficar fora dos currículos do secundário? Parece que é anacrónico, dizem… Mas dizem mal. Ou então também seriam anacrónicos os Homeros, os Cervantes e os Shakespeares deste mundo. Talvez «actual» seja a literatura de cordel dos Tavares do reino…

Luís Cunha – A Nação nas malhas da sua Identidade. O estado novo e a construção da identidade nacional, Edições Afrontamento. O autor parte de três eventos marcantes produzidos pela propaganda do Estado Novo: o concurso A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal (1938), a Exposição Colonial do Porto (1934) e a Exposição do Mundo Português (1940). Juntando a estes outros elementos de análise - nomeadamente a produção discursiva política e ideológica que acompanhou ou contextualizou aqueles eventos - Luís Cunha procura determinar os traços fundamentais da identidade da nação Portuguesa desenvolvida pelo Estado Novo.

Eça de Queirós – A Correspondência de Fradique Mendes, Livros do Brasil. Um Eça menor, mas ainda assim um Eça!

António Sérgio – Breve Interpretação da História de Portugal, Sá de Miranda. Um clássico. Um diagnóstico ainda hoje actual acerca das causas do atraso português…

Camilo Castelo Branco – A Filha do Regicida. Europa - America. Fica um travo a novela com tudo o que isso tem de negativo, isto é, de fabricado, de standardizado. Mas Camilo é um grande escritor.

Reinaldo Arenas – Mundo Alucinante. Um cenário meio surrealista com laivos de fantástico. Faz lembrar o realismo mágico de alguns sul americanos, mas aqui com uma nota de amargura e desespero que dão a Arenas a sua identidade…

Roman Jakobson – Linguistica e Comunicação, Cultrix, S. Paulo. Uma compilação de alguns textos fundamentais de Jakobson.

Rose-Marie e Rainer Hagen – Os Segredos das Obras Primas da Pintura, Tomo I, Taschen. WC também é cultura, you know what i mean...

Martin Who? por Moscardo

Hoje cruzei-me com um velho amigo que passeava com a filha, estudante do 12º ano, futura médica a julgar pelas notas... A filosofia tirou 20, disse-me, orgulhosa, e com uma professora das velhas. E sabes quem escreveu O Ser e o Tempo (Sein und Zeit), provoquei? Que não, que não sabia... Martin Heidegger. Nunca ouvi falar.

Obviamente que a culpa de nunca ter ouvido falar em Heidegger, não é da M... que só pode ser uma excelente aluna. Mas que dizer do curriculo de uma disciplina que, em dois anos, não cita, uma vez sequer, o nome de Martin Heidegger? Quando uma aluna que tira um 20 a filosofia nunca ouviu falar daquele que é, muito provavelmente, o pensador mais importante da história da filosofia do século XX, está tudo dito. A culpa não é da M...., insisto, claro que não. Mas de quem será então? Em que que é que se travestiu o programa de filosofia do ensino secundário?

26/03/12

A Minha Lista de 2011 - Fevereiro e Março, por Adérito

Fevereiro e Março

Camilo José Cela – A Cruz de Santo André, DN. Cubismo literário!

Ernst Gombrich – História da Arte. Releitura de um grande clássico...

André Chastel – El Gesto en la Arte, Siruela. Um livro fantástico de um grande historiador da arte. Um livro tão conciso quanto lapidar. E o tema é espantoso: o gesto na arte… Que significado tem o indicador apontado? E o apontar para cima? É sobre temas assim, aparentemente banais mas afinal fascinantes, muito mais profundos do que parecem à primeira vista, que Chastel faz história. Uma obra prima!

Alfred Doblin – Alexanderplatz, Bertrand. Um Nobel alemão na grande tradição dos escritores germânicos da primeira metade do século xx. Retenho-lhe a secura e a linearidade.

José Gil - Portugal, Hoje. O Medo de Existir. Um livro fundamental para compreender o ambiente da portugalidade contemporânea. Ajuda a compreender, por exemplo, dado o diagnóstico do Portugal vazio que faz, como é que foi possível a emergência do santanismo, do sampaismo e, no fundo mais fundo do buraco em que nos metemos, o socratinismo neste país.

Sándor Márai, A Mulher Certa, D. Quixote. As 4 partes desta obra estão reunidas nesta edição,: A Mulher Certa (41) composto por dois monólogos, Wandlungen der Ebe (edição alemã de 49). Judit (…) e um Epílogo de 1980. A terceira parte de 1949 é a mais fraca. Márai é um belíssimo escritor, um homem com sentido poético que tem ideias e coisas para dizer. Nem todos são assim.

Ruy Castro, Era no Tempo do Rei, Asa. Ena, ena, encontrei um Ruy Castro perdido numa estante cá de casa! É uma obra, supostamente, juvenil, a história ficcionada de D. Pedro I do Brasil e do seu irmão Miguel. Mas que importa sendo um livro de Ruy Castro?

Giangiorgio Pasqualotto, Dez Lições Sobre o Budismo, Editorial Presença. Uma das melhores exposições sobre o budismo que já li, do ponto de vista das implicações e pressupostos filosóficos desta grande doutrina. Um must para quem quer ver o budismo enquanto filosofia.

23/03/12

A Minha Lista de 2011 - Janeiro, por Adérito

Este ano já vai em meados de Março e eu ainda não publiquei aqui a minha lista de livros lidos em 2011. Resolvi fazê-lo de outra maneira: vou publicá-la em 12 partes, tantas como os meses do ano. Começo por Janeiro de 2011:

Janeiro foi mês tropical, literariamente falando. Li dois livros ambos de autores brasileiros:

Ruy Castro – Estrela Solitária, Companhia das Letras.
Tinha acabado o ano anterior com a leitura de Rio de Janeiro, Carnaval de Fogo, um final de ano em beleza. E estava, portanto, em estado de plena rendição ao talento desse grande escritor que é o Ruy Castro. Segui, pois, para a biografia de um herói pop da cultura brasileira e carioca, o grande Mané Garrincha, narrada pelo não menor Ruy Castro! Escrita por Ruy Castro, eu leria até a biografia do tatonas. Mas a do Garrincha é muito melhor, é a história de um dos melhores futebolistas de todos os tempos mas dtambém a história de um herói trágico que ascendeu do selva, onde vivia, ao estrelato, para cair, enfim, no inferno…








Boris Fausto – História Concisa do Brasil. Este foi um pedido que fiz e que me chegou directamente do Rio. Sentia (e sinto) a necessidade de conhecer mais a fundo a história do Brasil... Um pouco técnico, é também uma obra de consulta.


21/03/12

O que é um professor?, por Dromófilo

Por mais que transformem os professores num híbrido eduquesmente modificado em psicopedagogo, tecnopedagogo, manga-de-alpaca, zelota da assiduidade discente, animopedagogo, ama-seca, um professor é um professor, um professor, um professor… isto é, alguém que estuda e ensina. Nos últimos anos, a burocratização da profissão docente, a sobrecarga horária e a vulgata das esotéricas ciências comummente conhecidas como Ciências da Educação, fizeram esquecer que um professor é um estudante que ensina outros estudantes, e que o mais eficaz instrumento pedagógico é uma sólida preparação científica, haurida em muitas horas de estudo e reflexão. Desgraçadamente nada disto parece importar, e o arremedo de avaliação e formação docentes nas escolas, que menorizam despudoradamente a valia da proficiência científica (dos avaliandos, dos avaliadores, dos formandos e dos formadores), parecem provar e fazer jus ao "quem sabe faz, quem não sabe ensina” de Bernard Shaw.

Por decoro, não perguntem aos professores quantos livros lêem por mês ou qual é, genericamente, o state of the art da sua área de docência. É muito provável que não tenham lido nenhum e citem bastamente trivialidades em psicopegagogês, a novilíngua da escola que não estuda, não lê e não pensa.

«Roubado», com a devida vénia, daqui: http://dromofilo.blogspot.pt/

19/03/12

O Valor Semiótico do Peido em Peter Sloterdijk, por Kino

Mãos amigas fizeram-me chegar hoje às mãos uma obra mundialmente aclamada na área da Filosofia: falo de Crítica da Razão Cínica do filósofo alemão Peter Sloterdijk. Esclareço já que não li o livro (mas fica na minha lista) e que dele apenas conheço o que desfolhei hoje e o que conversei com o leitor que mo apresentou.

Um dos capítulos do livro trata da crítica da fisiologia. Se, como afirmou Paul Watzlawick, «não se pode não comunicar» é muito bem visto que todas as nossas expressões corporais têm um valor comunicativo e que, como tal, são, por direito próprio objectos de interesse semiótico. Daí que, com toda a pertinência, Sloterdijk se refira às várias formas de expressão/comunicação corporal: a face, os seios, o cu, a merda e o lixo e, last but not the least, por mais que ofenda o bom gosto e a razão bem pensante, o peido. Pois é verdade: o grande filósofo dedica uma partezinha da sua crítica fisiológica à flatulência e ao seu profundo alcance semiótico. Sloterdijk reflecte assim sobre a forma como a linguagem da ventosidade anal tem uma potência discursiva que merece análise. Um peido pode significar sarcasmo, desrespeito, humor, desprezo, arrogância... O tema não é tão irrelevante como parece e Sloterdijk lembra mesmo o caso do legionário romano que, em plena sinagoga, se terá peidado. O facto foi interpretado pela comunidade juadaica como sintoma da arrogância romana e levou a uma rebelião da qual resultaram centenas de mortos.

Longe vão os tempos da filosofia platónica preocupada com o reino puro das essências eternas e com a concepção do homem reduzido ao Nous. No seu lento devir a filosofia foi-se corporalizando, gradualmente. Foi descendo da cabeça aos pés. Com Merleau-Ponty, com a fenomenologia, com Sartre, com Foucault, a filosofia fez-se carne e olhou de perto as incidências do corpo. O olhar de Sloterdijk vai mais além, está um passo mais, ia a dizer, à frente, mas em rigor ela está um passo mais «atrás». Agora os filósofos falam do peido, do cu e da merda. O que virá a seguir? Conhecerá algum limite o olhar analítico (cínico) do filósofo? É bom que não coneça, acho eu...

Pic - Max Ernst - A Virgem Castigando o Menino...

14/03/12

O Odelino, Afinal, Sempre Existia, por Azeiteiro

Esta semana desfez-se, finalmente, o lamentável clima de suspeição que pairava sobre uma verdade por mim afirmada há já muitos anos. Existem verdades que demoram anos a serem confirmadas. Mas elas são como o azeite, as verdades, e vêm sempre ao de cima.

Tudo começou já lá vão uns 10 anos. Eu e o L. regressávamos de umas férias na Ilha do Sal e para nos entretermos das agruras da viagem de avião, vínhamos a jogar ao stop, aquele jogo infantil de dizer nomes de capitais, plantas e bichos começados pelas letras do alfabeto. Claro que o nosso jogo incluía temas um pouco alternativos como vocalistas de bandas americanas dos anos 70, filósofos suicidas e, claro, restaurantes da zona centro. Chegados à letra O com o jogo praticamente empatado, eu resolvo a meu favor enfiando-lhe com o OdeLino. O L. não achou piada e declarou a inexistência do Odelino. Eu teimei que o Odelino existia mas não o consegui convencer e o jogo acabou logo ali.

Mal aterrámos ele começou a campanha mais insistente de que há memória para anular a existência do Odelino. E, chegado a Coimbra, encontrou no G. o aliado ideal. O G. não perde uma oportunidade para afirmar a sua sapiência em matérias que vão desde a Igreja Universal da Geografia até às Correntes Estéticas do Porno Francês e cavalgou imediatamente a onda. O Odelino, defendeu o G., não existe. O Odelino nunca existiu. Ponto final. O L. exultou.

Esta aliança contra natura entre o L. e o G. durou, pois, cerca de 10 anos, durante os quais me infernizaram várias vezes os cafés que bebemos juntos. De cada vez que havia uma divergência de fundo sobre, digamos, a Iconoclastia dos Pintores de Vila Moura, lá me era atirado à cara que alguém que, como eu, tinha defendido a existência do Odelino, não tinha qualquer credibilidade. Eu defendia-me mas de nada valia. A existência do Odelino passara a depender do volume medido em decibéis atingidos pelas cordas vocais dos arguentes e eles eram dois contra um.

Até que, esta segunda feira, eu provei a existência do Odelino. É verdade que já não existe - atingido pela crise, o restaturante Odelino já fechou. Mas existiu durante muitos anos e existiu certamente à data em que o mencionei no jogo do stop. Tive a confirmação insofismável na segunda à tarde quando encontrei um gajo que foi dele cliente. É verdade: o A. garantiu a pés juntos que comeu lá muitas vezes e que o restaurante até nem era mau e que era, sobretudo, barato. Ficava numa daquelas ruazinhas ao pé da Diligência na baixa de Coimbra.

Feito o testemunho de fé do A. tratei de ligar imediatamente ao G. que confirmou, finalmente, que tanto ele como L. tinham estado a argumentar de má fé durante anos a fio e que, sim, é verdade, o Odelino existiu mesmo. Acho que vou passar os próximos 10 anos a infernizar-lhes os cafés que beberem entretanto comigo. E agradeço aqui, do fundo do coração, ao A. esse santo, essa azinheira de Fátima, esse testemunho vivo, em carne e osso, da realidade do Odelino. O A., já agora, só por uma questão de curiosidade, é a inicial de Adelino. E ainda dizem que não há bruxas...

04/03/12

Blake and Mortimer, dois ingleses fixes, por Mad Doc

A saga Blake e Mortimer é um bom exemplo de como os heróis podem sobreviver com dignidade à morte dos seus criadores. A série foi criada por Edgar P. Jakobs e apareceu pela primeira vez em 1946 na revista Tintim. Jakobs viria a falecer em 1987 e pensou-se que a dupla de detectives mais british da história estava morta. Mas em boa hora a editora decidiu continuar as aventuras de Blake e Mortimer, convidando para os volumes que se foram seguindo autores variados, como por exemplo Bob de Moor, Juillard, Benoit e Peeters entre outros consagrados. O último livro da saga saiu em 2010, A Maldição dos Trinta Denários, vol 1 e 2 por René Sterne, Chantal de Spiegeleer, Jean Van Hamme & Antoine Aubin. Este último livro não tem, não podia ter, a qualidade dos originais de Edgar P. Jacobs. Mas, de um modo geral, os álbuns feitos pelos autores posteriores acrescentaram algo de positivo. Estamos longe do péssimo exemplo do Astérix continuado por um solitário Uderzo mais preocupado com as suas finanças que com a qualidade do gaulês