31/12/13

Como existir no Dubai? - II, por Mau Mé Mé



O Ramadão é um exemplo do que afirmo: se me apetecer comer ou beber (um simples copo de água que seja) não prejudico em nada a pessoa do lado. No entanto, no Dubai, em mês de Ramadão, não o posso fazer. É rigorosamente proibido! Confronto-me com um verdadeiro choque cultural – porque razão terei que andar a beber água às escondidas (não vá a polícia apanhar-me em pleno delito) ou a comer uma banana como se estivesse a carregar uma arma perigosa? Em nada afecto os outros, porque me há-de estar vedada a possibilidade de beber ou de comer? Mas a regra muçulmana entende que o diktat divino é imperativo.
 
 Cheguei ao Dubai na madrugada de ontem, depois de um voo de 9 horas e sem dormir. Estranhamente, as lojas, restaurantes e cafés estão fechadas. Dou por mim no maior centro comercial do mundo – o mastodôntico Dubai Mall – deserto. Ainda deve ser cedo, penso, para os padrões locais. Espero uma, duas horas mas o maior e um dos mais luxuosos centros comerciais do mundo continua a parecer um shopping fantasma de primeira geração da margem sul de Lisboa. Dirijo-me a um segurança que me informa que estamos em pleno Ramadão. As lojas e restaurantes não abrem antes do pôr do sol. Ok, tudo bem, respondo, mas não sou muçulmano, a lei islâmica não vale para mim, hei-de poder comprar comida nalgum lado, não me diz onde... Está enganado, sir, aqui a lei é para todos, se comer ou beber, do nascer ao pôr do sol, comete um crime punido por lei. Penso que é gozo, mas não é. Consigo encontrar um supermercado aberto no rés do chão do Dubai Mall onde me abasteço com umas peças de frango, alguma fruta e umas garrafas de água. Para comer à noite, justifico não sei se a Alá… Ingiro (é o termo) o pequeno almoço, imediatamente, numa cabine da casa de banho, o restaurante mais exíguo onde alguma vez entrei, com a sensação de estar a cometer um crime hediondo, sem fazer barulho, discretamente, sentado na sanita, como se estivesse num filme de Luis Buñuel.

Alimentar-me no Dubai, em pleno Ramadão, foi uma aventura durante todo o tempo que ali passei. Almocei no quarto do hotel, ainda assim receoso, comprei discretos frutos secos – curiosa qualidade para um fruto, a discrição - com que fui enganando a fome no meio dos passeios sob um sol abrasador. E estive sempre a pensar que, precisamente, a diferença entre «nós» e «eles» é que, a «nós», não nos passa pela cabeça impôr-«lhes» os nossos preceitos, como eles nos impõem a nós. Mas aqui, Alá akbá ou coiso, todos, muçulmanos ou não, têm que se sujeitar à lei divina. Coisas tão inócuas como beber ou comer são transformadas em enormes ofensas e de nada valem as lógicas terrenas perante a força coerciva dos céus. Não se percebe como é que um jejum absurdo pode ajudar alguém a atingir a salvação eterna e um bónus de sete virgens. Será o paraíso dos muçulmanos um sítio onde não são permitidos gordos, gerido por um Alá nutricionista ocupado a manter as pessoas magrinhas?

27/12/13

Como existir no Dubai? - I



Os muçulmanos nunca entenderam o princípio mais básico da moderna civilização ocidental que passo a enunciar: a minha liberdade termina onde começa a do outro. Dito de outro modo: posso fazer o que entender desde que não prejudique ninguém. Esse é o nosso grande princípio e é-o tanto no plano civilizacional como no das nossas relações pessoais.
Acontece que os muçulmanos acham que Alá está muito por cima de tudo isso. A omnipresença de Alá é recorrente a propósito de tudo e de nada – curioso como até a festejar um golo num simples jogo de futebol um muçulmano agradece a Deus. Ajoelha e agradece, a ubiquidade de Alá é real porque está sempre presente na cabeça de um crente.
Consequentemente torna-se difícil para nós lidar com alguém que acha que aquilo que eu faço, mesmo não prejudicando os outros, não depende da minha liberdade, mas da sujeição a uma regra superior e transcendente. O problema, de facto, é quando a minha liberdade incomoda a do outro. Como fazer?

A Cidade dos Estrangeiros



Não conheci ninguém do Dubai – dois taxistas  indianos, uma holandesa de lenço ao pescoço que se queixou dos olhares dos árabes,  vários paquistaneses (um de peshwar), um natural do sri lanka, um do Bangladesh, hindu de muitos deuses, um egípcio…
No Dubai real só vivem empregados, criados e trabalhadores. A aristocracia passeia-se no souk sofisticado do Dubai Mall, nas suas lojas de marca, nas joalharias, nas boutiques de tapetes persas e cafés exclusivos. Mas esses, os verdadeiros nativos do Dubai, são tão inacessíveis como os ferraris em que se deslocam.