Enquanto foi vivo o que mais me interessou nele foi a tentativa patética de forçar a natureza, de torcê-la até ao limiar da ficção científica. Michael Jakson recusou a natureza e mudou: a pigmentação da pele, a forma do rosto, o nariz, os lábios, o cabelo. Por mais que diga que apenas fez duas operações plásticas ao rosto, a verdade é que todos pensamos que fez muitas mais. Nos anos 90 chegou mesmo a processar o tablóide inglês Daily Mirror que publicara um grande plano do seu rosto com as sequelas das operações que tinham corrido mal. Já então se prenunciava a tragédia. Como Marilyn, como Elvis, havia em Jackson uma sombra funesta, uma espécie de agoiro a fazer adivinhar uma tragédia à espera de ser representada. A reconstrução ciborgue de jackson já era, em vida, um drama; agora, a sua morte precoce, torna-o ainda pior.O seu combate desesperado contra natureza estava à partida condenado ao fracasso. Porcurou mudar o rosto e o tom da pele e transformou-se num zombie. Dormia numa cama especial situada num invólucro com oxigénio puro para viver mais tempo, usava máscaras para não respirar os micróbios dos outros e luvas para se manter ainda mais asséptico. Sabíamos da inutilidade de tudo isso. O esforço de Michael chegava a ser patético: a morte havia de chegar - chegou muito mais cedo do que se esperava - e a natureza venceu a tecnologia que já o havia transformado num ciborgue.
Há uma ironia profunda no facto daquele que mais tentou vencer os Deuses ter sido levado por eles tão cedo. Michael recorreu ao imenso arsenal da ciência, da medicina e da tecnologia para vencer os deuses do Hades. Mas estes venceram, levaram-no cruelmente muito antes de nós todos, simples mortais que pouco mais fazemos que resignar-mo-nos às nossas imperfeições. A morte de Michael representa o fracasso da ciência na sua luta incessante contra morte. É como se os Deuses nos dissessem que o nosso destino não depende de nós nem de toda a nossa tecnologia. Não é irónico que o velho e decadente Keith Richards, carcaça carcomida por uma vida de consumo de drogas duras e álcool, ainda esteja aí para as curvas e que o ciborgue Jackson se tenha ido? As rugas de Richards, cicatrizes da força inexorável de Cronos, são o oposto da face plástica de Jackson. Mas há nesta morte uma tragédia que nos toca - a da vacuidade dos esforços humanos contra as forças ancestrais que nos fazem,a todos, irmãos perante a morte, o mal e o sofrimento. E por isso, sim, a morte de Michael Jackson comoveu-me! Nos seus esforços patéticos, exagerados, pueris, ele representou uma tragédia comum, a nossa tragédia, a tragédia ancestral de toda a humanidade.
P.S. Sobre o artista: embora a maior parte dos seus discos me seja praticamente indiferente, não posso esquecer que ele foi o autor de Thriller. E Thriller foi um dos discos mais importantes da história da música Pop. O que não é dizer pouco... Como esquecer Billie Jean, Beat it, The Girl is Mine, Wanna Be Startin Something, Thriller, bem o disco todo que é composto por excelentes músicas? Nem o grande Miles Davis resistiu a gravar Human Nature. E pode ser mesmo essa que proponho em versão you tube: http://www.youtube.com/watch?v=LGBPSx1Zxlo










