13/06/10

Slavo Zizek, A Monstruosidade de Cristo, por Cagliostro

Slavoj Zizek é, para mim, um reencontro feliz com a Filosofia. Psicanalista de formação, desenvolve o seu trabalho na Universidade de Liubliana, na Eslovénia. O primeiro livro que li dele foi Bem Vindo Ao Deserto do Real (citação de Matrix do anúncio feito a Neo (Keanu Reeves) quando este tem acesso pela primeira vez à verdadeira realidade). Senti uma vaga reminiscência da euforia adolescente vivida quando contactei pela primeira vez com um livro de Filosofia, andava, à data, no velhinho Liceu D. Maria. Gostei do estilo, da forma híbrida de pensamento que cruza referências de Filosofia, da Psicanálise, da Semiótica e do Cinema.

Mas para além da pertinência dos seus diagnósticos, Zizek interessa-me, também, pelo seu lado estético e hedonista. É uma leitura que dá prazer, sem cair na banalização. Ora essa componente de prazer é uma característica que vem faltando ao discurso filosófico e, só por isso, a descoberta de Zizek já teria valido a pena.

Recentemente li A Monstruosidade de Cristo, reflexão do autor esloveno acerca do duplo estatuto do Deus Cristão, por um lado transcendente, por outro, humano. Não haverá nos cristãos, pergunta Zizek, uma espécie de nostalgia de um Deus «sentado lá em cima», de uma Força Superior impessoal? No livro, Zizek evoca a história bíblica de Job que compara, acertadamente, ao Cristo que sofre na cruz.

Mas o que é muito interessante neste livro é que ele pode ser lido, mesmo sem nos interessarmos, essencialmente, pelo seu tema central. De facto, apesar da sua unidade, A Monstruosidade de Cristo é rico em reflexões que se podem ler de um modo avulso. Aqui encontramos brilhantes reflexões sobre o tema dos sonhos («Porque sonhamos?, Zizek recupera Freud), sobre o cinema de Hitchcock, nomeadamente sobre Vertigo e Psico (notável a forma como o escritor esloveno ensaia o que seria Psico narrado por Kafka e por Hemingway).

Numa das suas observações mais interessantes, o autor faz referência a «uma prodigiosa descoberta recente» citada pela revista americana Weekly World News. Fico sem saber se esta descoberta é fidedigna ou se não passa de uma invenção religiosa-comercial... Mas merece ser aqui relatada: segundo esta revista, um grupo de arqueólogos terá encontrado dez mandamentos adicionais, bem como «sete conselhos» de Jeová ao seu povo, os quais terão sido suprimidos quer pelo Judaísmo quer pelo Cristianismo. O que é curioso é que estes acrescentos, hoje, podem ser lidos, como muito bem entende Zizek, como referências às nossas causas políticas contemporâneas. Mais importante: Deus toma partido nessas causas. Deixo-vos com uma síntese:

Por exemplo, o XI mandamento: «Tolerarás a fé dos outros como gostarias que tolerassem a tua» (na origem este mandamento destinava-se aos judeus que se opunham a que os escravos egípcios que se haviam juntado ao Êxodo praticassem a sua religião. Hoje em dia a actualidade deste mandamento é cristalina...)

O XIV: «Não inalarás folhas incandescendentes numa casa de repasto onde o fumo poderá lesar a respiração de outrem». Familiar? Pois... Dedicado a todos os que ainda duvidam da justiça da lei que poibe que se fume em recintos fechados.

XVII: «Não erguerás um templo de jogo no deserto, onde toda a vontade se tornará lasciva». Embora originariamente referido aqueles que organizavam tendas de jogo nas proximidades de acampamentos judeus, pode ser lido como uma referência à meca do jogo erigida no deserto: Las Vegas!

XIX: «O teu corpo é sagrado e não deves alterar a todo o momento o teu rosto ou o teu peito. Se o teu nariz te ofende, deixa-o intacto». Ui! aqui bate em tanta vaidade á solta. Em particular na cirurgia plástica, na mouche. E como não pensar em Michael Jackson (o nariz...)e na sociedade ciborgue que estamos a criar?

E quanto aos Conselhos:
«Evita a dependência dos negros óleos espessos do solo porque eles vêm directamente do reino de Satanás». E não é verdade que a nossa dependência do petróleo é criminosa e que devemos, sim, investir a sério na energia limpa?

Ou ainda «Não procures a guerra nas Minhas Terras Santas porque elas se hão-de multiplicar e afligir toda a civilização» (O Médio Oriente retratado) e «Não elegerás um louco para te guiar. Se o elegeres duas vezes o teu castigo será a morte por delapidação (Zizek vê aqui uma referência clara a Bush, mas um português medianamente informado o que vê aqui é Sócrates :-).

Já não chegavam 10 Mandamentos. estaremos ainda, como pergunta o Esloveno, dispostos a ouvir a voz de Deus e a obedecer-Lhe?

P.S. O pic retrata o autor, nascido em 1949, com a sua esposa, Analia Hounie...

5 comentários:

Anónimo disse...

Aquela é a mulher do velho ( e que bonito nome: Analia)? Mas afinal a inteligência é mesmo afrodisíaca...

Anónimo disse...

este livrinho parece-me de facto interessante, razão pela qual o comprei há cerca de um ano ou ano e meio. entretanto o mesmo foi para casa do postador e até hoje...

Anónimo disse...

Tem o comentador inteira razão. O livro está em minha casa até hoje. Mas vai ser devolvido e devidamente lido. Que mais pode desejar um ilustre partilhador de obras primas? Já aqui se fez jus à famosa biblioteca do grunfo e dos mui nobres serviços que ela faz à cultura aqui da malta. Um dia destes faço post sobre a biblioteca do grunfo. Merece!
Cagliostro

Supernova disse...

Tshabalala não sabia que era essa visão que os africanos tinham do adepto europeu. Mas ainda que tenha aprendido a visão que eles têm de nós quero dizer que não os considero primitivos por usarem a corneta. Se me perguntares se gostava de ver um jogo sossegado sem parecer que estou no meio de uma manifestação de camionistas, digo-te que adorava!!! Acho que assim já dá para entender a minha opinião :) Abraço

Supernova disse...

Sorry wrong Groink ehehe