É só para dar nota que hoje à noite acontece aqui uma grande momento de cinema. Às onze da noite, mandem cagar a bola e sintonizem em "Elephant", filme de Gus Van Sant que é um poema extraordinário e extremamente perturbador em torno do massacre no liceu norte-americano de Columbine. Esqueçam desde já o panfletário Moore e o, apesar de tudo, meritório "Bowling for Columbine" - meritório enquanto documentário, pelo que alerta e revela sobre os norte-americanos e as armas, porque de resto aquilo não é, pura e simplesmente, arte. Com "Elephant" entramos noutros territórios estéticos e éticos, imensamente mais profundos. É daquelas fitas que ficam. Ao contrário da maioria dos filmes que vemos quase todos os dias, este fica. De facto, permanece e perdura. Quanto mais não seja, transfigurado num sentimento inquietante. "Elephant" é, para mim, um filme superlativo. Um dos pontos altos do cinema recente dos Estados Unidos. Trata de violência, trata de adolescentes, trata de disfunções sociais e familiares. Ao contrário do orientado documentário de Moore, o filme de Gus van Sant fala da sociedade norte-americana, dos seus cancros, mas trata acima de tudo de questões e vivências universais, de monstros que vivem latentes entre nós e dentro de nós, filmando-os de uma forma tão bela e poética (muito menos "cru" que o Kids, esteticamente muito mais elaborado) apesar de algo bizarra, que reforça o choque e a consciêncialização do absurdo do desfecho sangrento. É nesse sentido que é marcante. Van Sant, que vem dos territórios da pintura e andou pela Europa, é um artista universal maior do que as modas e trata aqui de questões da espécie humana, não apenas dos americanos, apesar destes serem a matéria-prima. Columbine pode ser um liceu qualquer. Columbine pode ser o Infanta Dona Maria.
E mesmo que o fossem, questões dos americanos, que sirva para lembrar que se a América de hoje é aquilo, então é com aquilo que teremos de lidar dentro em breve, porque a América não é mais do que a Europa com uns anos de avanço. E não é uma questão de política(s), é uma questão de dinâmicas sociais, culturais e económicas. De resto, neste aspecto da violência "absurda", já nem estamos assim tão atrasados. Será apenas uma questão de escala, se nos lembrarmos de casos como o duplo homicídio "satânico" em Ílhavo, por exemplo. Ou, noutro contexto, a violência gratuita que tem grassado nos subúrbios das grandes metrópoles europeias. São cancros que crescem no seio de nós. E chega de paleio. Vejam mas é o filme, se não for hoje aluguem. Para amanhã à noite, entretanto, já comprei bilhete para a última obra do realizador, "Last Days", que passa numa sala aqui ao pé de mim. Depois faço a crítica. Obrigado, até à próxima e vão com Deus se faz favor.
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