23/12/08

Os meus livros de 2008, por Jágora

Em resposta ao desafio do Adérito e mesmo não tendo feito parte do círculo original de leitura liceal, aqui vai a minha lista de livros (não todos, mas alguns que me apeteceu destacar) que li em 2008. Alguns são audiobooks ou livros digitais de que se pode fazer download na net, e deixo link para o efeito.

As Cruzadas Vistas pelos Árabes
, Amin Maloouf. Lido de uma penada, o que é sempre bom sinal. Grandessíssimo livro deste escritor libanês, que introduz um ponto de vista refrescante sem ser faccioso sobre as cruzadas e o eterno estado de conflito (sobretudo entre muçulmanos…) no médio oriente.

Letter to a Christian Nation, Sam Harris (audiobook). Uma das figuras de charneira do chamado “novo ateismo” (a par com Richard Dawkins, Dan Dennet ou Christopher Hitchens), uma tendência mais afirmativa de combate e crítica às tradições religiosas e ao pensamento místico ou supersticioso. Do mesmo autor li também este ano O Fim da Fé que, este sim, está editado em Portugal e desenvolve com maior profundidade as suas ideias.

Império, Gore Vidal. Monumental romance histórico nos “bastidores” de figuras de charneira da história dos EUA, como Theodore Roosevelt ou William Randolph Hearst. Nos bastidores da ascensão dos Estados Unidos como incontestada potência mundial.

The Demon Haunted World, Carl Sagan (ebook). Um livro extraordinário que devia ser de leitura obrigatória, como era antigamente a tropa. Ao fim do liceu, zás, o jovem teria uma semana para ler esta obra iluminadora. Li o ebook em inglês mas está traduzido e editado em Portugal pela Gradiva.

A Cidade do Sol, Tommaso Campanella (ebook). Uma obra maior da literatura do Renascimento que qualquer um pode ler aqui. Nesta “onda” também aproveitei para ler, há uns dias atrás, o Utopia de Thomas Moore (aqui), outro livro que muito aconselho, sobretudo quando o autor debate a vida e o mundo com o sagaz aventureiro português Rafael Hitiodeu.

Uma História da Guerra, John Keegan. Uma obra monumental de um dos maiores historiadores militares da actualidade. O autor inglês vai às raízes antropológicas, sociais, políticas e culturais do fenómeno da guerra e da agressividade humana. Um tratado incontornável.

Walden, de Henry David Thoreau (audiobook acessível aqui que é um sítio onde há milhares de audiobooks fantásticos). Mais um livro sonoro, mais uma pérola da literatura e do ensaismo universal. Uma apologia da vida simples e da sintonia com a natureza. O relato cativante e inspirador de uma experiência de vida (dois anos de auto-suficiência numa cabana remota) de um dos mais influentes autores norte-americanos do século XIX.

Terminação do Anjo, Daniel Abrunheiro. Sobre este já escrevi ali mais para trás no Tapor.

Da (in)Humanidade da Religião, Raoul Vaneigem. Um livro furioso do pensador belga para arrasar com os misticismos que escravizam a mente humana. Leitura estimulante.

Mais Platão, Menos Prozac, de Lou Marinoff. Um dos livros mais estimulantes que li este ano. Marinoff é um dos expoentes de uma nova “corrente” da Filosofia, eventualmente mais próxima do quotidiano dos homens (e das mulheres). Há quem lhe chame “mais prática”. É precursor da cada vez mais popular “filosofia de aconselhamento”. Um excelente livro de estímulo ao gosto por uma disciplina do saber cada vez mais desprezada até nos currículos escolares. Recorrendo aos clássicos, o autor desce da “torre de marfim” e mostra numa linguagem acessível ao comum mortal a importância que o pensamento filosófico pode ter nas nossas vidas.

Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller. Obra interessante e de leitura muito agradável (ideal para tardes de praia). O título diz quase tudo, só não diz que é também uma compilação de reflexões em registo auto-biográfico. Um must para quem é devoto do autor.

Sobre Humanos e Outros Animais, de John Gray. Um autor bastante polémico que questiona aqui a ideia de progresso acarinhada pelo humanismo secular dominante na cultura ocidental. O filósofo inglês tenta reflectir criticamente, enfim, acerca do que é “ser humano”. Aconselha a reduzirmo-nos à nossa insignificância animal e a uma existência dedicada à contemplação. Um livro poderoso e controverso. Excelente e desconcertante leitura.

A Marioneta e o Anão, de Slavoj Zizek. Uma excelente compilação de ensaios ácidos sobre o cristianismo. Reitero o que disse o Adérito acerca do filósofo esloveno (quem não conheça pode começar por aqui).

Do Fanatismo – O Verdadeiro Crente e a Natureza dos Movimentos de Massas, de Erich Hoffer. Um ensaio muito aconselhável e ainda, ou cada vez mais, oportuno (foi escrito numa altura em que fascismos e comunismos despertavam maiores extremismos) de um grande livre-pensador norte-americano do século XX.

Iluminações e Uma Cerveja no Inferno, Arthur Rimbaud. Uma tradução de Cesariny para uma excelente edição bilingue da Assírio&Alvim de duas obras fundamentais de Rimbaud. Uma espécie de “testamento espiritual” do escritor francês. Leitura obrigatória e compulsiva. Está aqui o essencial da produção do poeta maldito francês.

Sobre a Liberdade, John Stuart Mill. Li finalmente este clássico incontornável de um grande pensador liberal inglês. Grande leitura.

As Onze Mil Vergas, Guillaume Apollinaire. Um colosso da literatura porno-erótica. Sadismo e sangue a rodos para alegrar os menos impressionáveis. Uma escrita soberba, na linha do também colossal libertino Marquês, para um estilo (literário e de vida) proscrito.

O Papalagui, excelente tradução de Luiza Neto Jorge (Antígona) para esta deliciosa recolha de impressões de um chefe tribal do Pacífico Sul (Samoa), de seu nome Tuiavii, acerca dos homens brancos ocidentais e dos seus costumes no início do século XX. Impressões que permanecem actualíssimas.

Baudolino, Umberto Eco. Outro finalmente. Um livro a todos os títulos magnífico. Um passeio pela história, uma epopeia fantástica e de uma imaginação delirante, apoiada em factos, mitos e lendas da época medieval. Um livro que se devora com prazer.

Fundação e Império, Isaac Asimov, terceiro volume do magistral ciclo Fundação. Mais uma prova, a juntar às Crónicas Marcianas citadas anteriormente pelo Adérito, que a Ficção Científica está longe de ser um género menor.

Gente Independente, Halldór Laxness. Uma obra maior do maior escritor islandês. Um romance extraordinário, de uma vitalidade telúrica cativante.

Estaline A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore, provavelmente A Biografia definitiva do ditador soviético. Uma viagem fascinante e rigorosa pela vida de Estaline e dos seus colaboradores mais próximos no Kremlin. Voando sobre um ninho de cucos.

Einstein e Buda Palavras Comuns
, Uma obra curiosa e de agradável leitura, que coloca em evidência as similitudes (algumas impressionantes, realmente), entre as ideias de gente como os físicos modernos Einstein, Max Planck ou Niels Bohr, e antigos preceitos budistas.

Ninguém Escreve ao Coronel, Gabriel Garcia Marquez. Releitura. Um regresso que confirmou a grandeza deste “livrinho” do escritor colombiano.

O Coração das Trevas, Joseph Conrad (audiobook). Outro regresso, desta vez ouvido entre viagens no seu original inglês. Um livro perturbador que continua fascinante.

Contra as Pátrias, Fernando Savater. Uma obra maior do escritor e pensador basco, um livro essencial que parte da realidade pluri-nacional espanhola e da luta independentista basca para a realidade maior e daninha dos nacionalismos.

Global Trends 2025 – A Transformed World. Um bocado fora do contexto, mas não deixa de ser um livro e não deixa de ter sido das leituras mais interessantes do ano. Um documento elaborado National Intelligence Council dos Estados Unidos, que congrega todas as agências de segurança e inteligência do país. Projecções para os próximos 20 anos que ajudam a perceber melhor o mundo em que vivemos. Acessível aqui.

Ps: Não sabia com que havia de ilustrar o post, por isso resolvi enfeitá-lo com uma gaja boa, que é sempre um bom enfeite e fica bem com qualquer coisa.

11 comentários:

Anónimo disse...

Só luxo, Jágora, só luxo! E gostei do Amin Maalouf a abrir a lista um dos meus escritores preferidos. Além das Cruzadas Vistas Pelos Árabes aconselho-te outro ensaio do mesmo autor, As Identidades Assassinas. E amanhã peço já ao zebu o Baudolino do Eco que tou pra ler há séculos. O Conrad, o Rimbaud e o Apoolinaire também já estão na minha lista há muito tempo, mas um gajo tem que trabalhar pa ganhar a vida e depois vai esquecendo algumas dstas prioridades. É por isso que estas listas são boas. Ah e vou dar nova oportuidade ao Vidal autor de duas obras primas absolutas, Criação e Juliano...
E a gaja boa, tens toda a razão, fica aqui tão bem..
adérito

Anónimo disse...

Isso, tudo. O Baudolino, pois, já. Também tenho de ir escarafunchar ao teu Fernando Campos, não conheço nada do homem mas já me abriste o apetite. E ansiosamente esperamos, então, pela lista do cão-papa-livros.

Anónimo disse...

Do Maalouf tenho aqui estacionado na estante Os Jardins de Luz, à espera de melhores dias. Já leste este? Que achas?

Anónimo disse...

Mene, tua mim não me voltes a perguntar se já li um livro do Maalouf? Li-os todos, é um dos meus escritores preferidos, já to tinha dito? Os Jardins de Luz foi o primeiro dele que li, vindo do filão místico do Hermann Hess... é fascinante, conhecendo-te como conheço, acho que te vai marcar. Fala da história de um gajo que já ouviste falar, um tal de Mane, que deu origem ao Maniqueismo. É uma espécie de biografia romanceada dele e do seu confronto com o Zoroastrismo e essa malta persa dos magos. FUNDAMENTAL!Larga tudo o que estás a ler e começa já nos Jardins de Luz. A seguir vem ter comigo que eu oriento-te no Maalouf...
Adérito

Anónimo disse...

o john stuart Mill é Inglês.

Anónimo disse...

Naturalmente. Obrigado pela correcção.

Anónimo disse...

já agora, o autor do heart of darkness é joseph

Anónimo disse...

«Um livro perturbador que continua fascinante». Dá para tudo. Assim até o rato Mickey faz listas a metro

Anónimo disse...

Joseph, naturalmente. Agradeço mais uma vez a correcção. A pressa dá nestas coisas. Mas finalmente um anónimo participativo e atento ao dislate.

Anónimo disse...

Padeço há vários anos de uma estranha mania, de noologia consabida, e que o meu psiquiatra apodou de citomania – mania das citações. Esta mania afectou não só o modo de ler, fazendo-me suspender a leitura cursiva e quedar-me de supetão em cada trecho citável (que fez de mim um folheador, não um leitor), como também me transmudou num citador obsessivo-compulsivo. As disrupções citacionais são tão tempestivas e intempestivas, azadas e ousadas, que transformaram qualquer acto de fala numa loquela interminável de remissões textuais, e que a mim têm fodido a moleirinha e aos meus interlocutores a mansuetude e a cordura. Ontem, por exemplo, estava eu nos mil trabalhos de fodição imaginosa a tentar fazer o bicho de duas costas, e saiu-me a surata Surat Al-Ikhlas do Alcorão: «Ele é Deus, Ele, Único/Deus, O Eterno, O Absoluto/Não É filho de ninguém, não Tem filhos/E não há nada como Ele em Ele mesmo. Isto depois de, no café do bairro, ter encontrado a dona Etelvina e lhe ter arremessado com esta do Orgias (pace, Fernando Veríssimo): «Eu acho que na cama vale tudo, menos legumes. Já perdi a namorada porque disse que o meu limite era o pepino. E nos dávamos bem, ela também era do coral da igreja». Entrementes, meus amigos, tinha estado numa aula a tentear uma explicação módica do conceito de paradigma e zás!, uma trouvaille azada da Patrícia Melo (Valsa Negra): «… o antigo paradigma do mestre grego, que te leva à verdade enquanto te fode».
É isto a minha vida, caros amigos! De modo que, não sendo um leitor mas sim um folheador à procura do quid de uma citação, não poderei listar os meus melhores folheares pregressos com o avisado juízo crítico e sem o florilégio de uma citaçãozinha. Desculpem lá qualquer coisinha!


SOBRE LEITURA - Thomas Bernhard/ Antigos Mestres - « …a minha maneira de ler é a de um folheador altamente talentoso, isto é, de um homem que prefere folhear a ler, que portanto folheia dúzias ou talvez mesmo centenas de páginas, antes de ler uma única…»

SOBRE HOMENS E MULHERES – Martin Amis/ Água Pesada - « Ela e eu estamos numa de infalantes.»

SOBRE CEREJAS – Fernando Campos/ A Casa do Pó - « Cereja bical, cá pró papo real/ cereja negrita, esforrica, esforrica, esforrica!»

SOBRE A CASTIDADE – Padre Manuel Bernardes/ Luz e Calor – « Mui íngremes e costa arriba são as veredas da castidade.»

SOBRE CONTRACEPÇÃO – Woody Allen/ Complete Prose - « A fast Word about oral contraception. I asked a girl to go to bed with me. She said “no”. »

SOBRE RATAS A CRESCER – Philip Roth /Pastoral Americana - «A fenda , como que feita à sovela, aquele entalhe maravilhosamente biselado que se abrirá numa pétala, evoluindo, no ciclo do tempo, para uma vagina de mulher pregueada como um origami.»

SOBRE A CRENÇA EM DEUS – Torrente Ballester/ Eu Não Sou Eu, Evidentemente - « Há gente que acredita em Deus apenas para que alguns dos seus actos sejam pecado.»

SOBRE IDIOTAS – Alberto Pimenta/ Esplendor e Miséria - «…os que transportam as suas ideias como andores.»

SOBRE ESCRITOS – Rosa Montero/ A Louca da Casa - « A Cultura é um palimpsesto e todos nós escrevemos sobre o que os outrpos já escreveram.»

SOBRE CRIANÇAS MORTAS – Coetzee/ O Mestre de Petersburgo - « O luto por uma criança morta não tem fim.»

SOBRE EXERCÍCIO FÍSICO – Francisco Umbral/ E Como Eram as Ligas de Madame Bovary - « Eu, como D. Quixote, invento para mim próprio paixões só para me exercitar.»

SOBRE NUDEZ – Ernesto Ferrero/N. Napoleão - « A nudez oferecida pela boca: justamente os árabes tratavam de cobri-la às suas mulheres.»

SOBRE DOR – Saul Bellow/Morrem Mais de Mágoa - «Quando o fim da nossa vida de aproxima, temos de cumprir algo parecido com um programa de dor.»

SOBRE CACHALOTES E OUTROS ANIMAIS – H. Melville/ Moby Dick - «Afirmo que os cachalotes expandem sobre as águas um perfume que se assemelha ao de uma dama perfumada de almíscar, num salão tépido, com o seu vestido roçagante.»

SOBRE CATEDRAIS SUBMERSAS – M. V. Montalbán/ O Quinteto de Buenos Aires - « Na Galiza há mercados de peixe que parecem catedrais submersas.»

SOBRE VIAGENS - Bruce Chatwin/ Canto Nómada - « Uma noite fui apanhado numa tempestade de areia no Sara Ocidental e compreendi, então, a sentença de Maomé: uma viagem é um fragmento do inferno.»

SOBRE CONSENTIR – Gesualdo Bufalino/ A Dança da Morte - « A morte natural não existe: cada morte é um assassínio. Se não se gritar, quer dizer que se consente.»

SOBRE 68 – Pascal Bruckner/ Ladrões de Beleza - «Sempre detestei os apóstatas desse período: eles querem-nos envergonhar por não termos partilhadas as suas ilusões, e também por não as termos perdido.»

SOBRE TESÕES MATINAIS – P. Roth/ Teatro de Sabbath - «…o lembrete diário da evolução ao macho da espécie humana homo sapiens para o caso de, durante a noite, ele se esquecer do motivo por que está aqui.»

SOBRE OBJECTOS MASTURBANTES – A. Bessa Luís/ O Princípio da Incerteza - « O telemóvel tomou o lugar da intimidade em que a carícia e o olhar são uma forma de maturidade sexual. Objecto masturbante, o telemóvel é um traço arcaico do neurótico e, por isso, tão rapidamente adoptado. Não podendo ser um condutor de pensamento, ganhava em popularidade por dar um conhecimento acessório sobre os sonhos e a vida quotidiana.»

Anónimo disse...

E não deve este gróink ser promovido a post? Eu acho que sim.