10/12/09

Tirem-me deste filme!, por Carlos Miguel


O post que se segue é um verdadeiro documento sociológico. O seu autor, um nosso mui jovem amigo, o Carlos Miguel, chamemos-lhe assim, dá-nos conta do estado em que caiu/ascendeu (depende do ponto de vista) o Curso de História. O Curso de História está diferente, é o que se percebe daqui... Mas que fale o Carlos Miguel, jovem, adepto do Glorioso, sangue na guelra, que não entrou à primeira no Curso que pretendia e que, por isso, foi fazer uns meses, à experiência, ao Curso de História...

Uma vez que já não escrevo no blog há algum tempo, tenho uma enorme vontade de partilhar convosco um episódio muito peculiar que marcou de forma profunda a minha chegada ao ensino superior. Como devem prever, um finalista de secundário nada mais anseia do que o ingresso no ensino superior. Isto porque a universidade é um local que nos pode proporcionar alguns dos melhores momentos da nossa vida. Porém, não podemos generalizar esta ideia a todos os cursos universitários.
Como só concorri na segunda fase de ingresso ao ensino superior, vi a minha escolha relativamente aos cursos reduzida de forma significativa. Assim, a minha ideia era entrar no primeiro curso que me aparecesse na ficha de candidatura, para no ano seguinte tentar mudar para o que realmente queria. O curso de História acabou por ser a minha primeira opção por dois motivos: primeiro, a média da primeira fase era pouco superior a 9,5 o que me dava entrada garantida. Depois, como a média de curso era tão baixa, julguei que as pessoas que o frequentavam era pessoal que estava ali porque não tinha condições para estar em mais lado nenhum, ou seja, queriam era ir para a universidade.

"Estudar e tirar um curso? Oh, isso depois vê-se!"

E assim foi. Concorri e entrei em História na Faculade de Letras da Universidade de Coimbra.
Mas eis que chegou o meu primeiro dia de aulas e deparo-me com uma realidade completamente diferente do que esperava.
Para já, 55% da turma que era suposto frequentar até ao final do ano lectivo tinha mais ou menos a idade dos meus avós, ao ponto de eu ter ajudar algumas senhoras a sentarem-se no anfiteatro para assistirem às aulas.

Depois, 40% da turma é de um estilo de pessoas que eu esperava em todo lado menos ali. Pessoas essas que me viam dia após dia a frequentar as mesmas aulas que elas e nem um simpático "olá" foram capazes de me dirigir, excepção feita a uma colega de turma que me olhou de uma forma intimidatória e disse: "és parecido com o meu neto!". Foi o maior sentimento de frustração de que tenho memória.
Nas aulas não se ouvia nada a não ser a voz do Professor(a), tal era o empenho e dedicação com que aquela gente ali estava. Não estavam ainda decorridos 10 minutos da minha primeira aula da sempre interessante cadeira de História da Grécia Antiga e eu já estava a rebentar de vontade de ir congelar a matrícula.

Os outros 5% é aquele pessoal acessível e simpático que nunca apareceu em nenhuma aula.
O limite da minha paciência foi ultrapassado num dia em que, no decorrer de uma aula, tentei simpaticamente dar inicio a uma relação de amizade com o meu parceiro do lado, uma vez que não conhecia ali ninguém. Virei-me para ele e disse:
"Opá esta aula é um bocado seca, acho que o professor podia motivar um bocado mais os alunos..."
A resposta dele foi esclarecedora:
"Está calado e vira-te para a frente!"
Eu ouvi, engoli o que ele me tinha dito, peguei no meu insignificante caderno que estava ao lado de uma montanha de livros do meu colega do lado e fui a correr para a Secretaria.
Congelei a minha matrícula e, ao mesmo tempo, o meu sonho de estar presente em Mega-Convívios com milhares de estudantes normais.
Graças à terceira fase de concurso nacional ao Ensino Superior, consegui mudar para um curso que desejava e posso olhar para a História como um pesadelo ultrapassado.
Por isso, a menos que desejem ter uma semana com um horário com:

Segunda-Feira: Origens do Homem e das Sociedades seguido de História da Grécia Antiga acabando com a sempre agradável Metodologia Histórica.

Terça Feira: Das 8 da manhã às 19 com uma hora de almoço com os nossos (simpáticos) colegas - Origem das Sociedades Complexas, História de Roma Antiga, (hora de almoço), Problemática do Saber Histórico, Paleografia e Diplomática acabando o nosso dia com a estimulante cadeira de... Teoria da História!

Quarta-Feira: dia levezinho (tarde livre) - História da Expansão Portuguesa e História da Idade Média.

Quinta-Feira: Pré-História Geral, História da Família e História do Turismo. - diga-se que neste dia poderíamos dispor de 2 horas de almoço a fazer tricô com as nossas jovens colegas e a jogar dominó com os miúdos!

Sexta-Feira: História da Época Contemporânea e História Contemporânea de Portugal.

Dizia eu, se não querem tudo isto... não vão para História!


PS: Não fui a nenhum jantar de curso, mas consigo facilmente imaginar o meu colega mais jovem com incontinência e a pedir ajuda ao filho (que também certamente já estaria quase sem forças para aguentar a placa dos dentes) para este o ajudar a trocar as faldas do bisneto que tinha ido divertir-se com o vôvô!

3 comentários:

Anónimo disse...

ganda carlos miguel, pá! exclente post a denunciar que o Curso de História tornou-se, afinal, no Museu da História...

francisco disse...

LOL... compreendo perfeitamente. eu estou em História (há muitos anos) e sei perfeitamente onde estão os jovens estudantes de História: estão no meu curso na Univ Aberta - com aulas online. Em cada disciplina encontro uns 20% de alunos com idade semelhante à minha e 80% de jovens acabados de sair do Secundário, ou pelo menos abaixo dos 26 anos.

Mas isso é que foi uma estopada... hehehe...

Anónimo disse...

Ao mesmo tempo, o post do carlos miguel é preocupante. Porque revela que há um certo descrédito junto dos jovens relativamente a disciplinas clássicas,como a História ou a Filosofia. É claro que a culpa não é dos jovens: é da crise, do desemprego (para quê tirar cursos para o desemprego?) e, sobretudo, de uma certa mentalidade tecnocrática que se instalou neste país de falsos engenheiros...