30/08/10

Fecha os braços, ó parolo!, por Cão

Determinado banco da nossa praça comercial e financeira garante receber-nos de braços abertos. E determinado homenzinho abre os braços no cartaz para ilustrar o chamariz. O homenzinho é o Tony Carreira. A isto chegámos. Caramba, a isto chegámos.

Antigamente, ainda tínhamos o Tony de Matos. Com o descalabro galopante do 25 de Abril de 1974 e com a selvajaria também galopante do capitalismo, a pimbalhada parece ter-se tornado obrigatória.
Digo-vos, e garanto-vo-lo por minha honra, que nada me move contra o tal homenzinho. Até o acho simpático, coitado. Mas é que gosto mais do Tony de Matos, que sabia cantar. Este banco e este Tony não sabem nada. Este País também não sabe nada. Não sabe nem quer saber. Saber faz doer, parece.

Mas ainda não perdi de todo a esperança. Quero dizer, do 25 de Abril espero nada. Desse e dos outros dias todos do ano, todos os anos. Mas pergunto-vos isto: não seria absolutamente encantador que o Tony Carreira, pago à fartazana pelo tal banco, começasse a trovar cançonetas baseadas em poemas de, digamos, Keats, Marcial, Eurípedes, Safo, Tasso, Wordsworth, Petrarca, Catulo, Lorca, Blake, Ronsard, Colonna, Píndaro ou Thomas? Hm?

Que me diríeis?

Penso que ele não irá por aqui. Porquê? Porque nem ele nem o País conhecem Jorge de Sena, nem José Régio, nem Bernardo Santareno, nem o matemático Pedro Nunes, nem a revolução neurocientífica desbravada por Egas Moniz (não é o da corda ao pescoço, é o médico e biógrafo de Júlio Diniz), nem quem foi Ana de Castro Osório, nem Maria Amália Vaz de Carvalho, nem ninguém que valha a pena.
E eu já nem pena tenho. Nem do Tony de agora, nem do País de antigamente, que por acaso era um sítio com futuro antes da selvajaria da ignorância obrigatória. Era, era. Mas já foi.

26/08/10

Campanha Eleitoral, por Mau


O Brasil está em campanha eleitoral. Qualquer vulgo "gringo" repara logo nisso, porque torna-se complicado passar indiferente às pessoas com bandeiras a publicitar os deputados, os cartazes, as bicicletas com bandeiras e os panfletos que nos são dados em cada esquina.

Há uma infinidade de candidatos, desde o Wilson Perna-Torta à Mulher-Pêra, passando pelo nosso bem conhecido Romário ou pelo Bebeto. O que mais fama ganhou acabou por ser o Tiririca, um humorista que se candidatou... mas há muitos outros.

As grandes frases do Tiririca são:
"O que faz um Deputado Federal? Também não sei. Mas vote em mim que eu depois te conto!"
e
"Vote Tiririca. Pior do que está não fica!"

Alguns dizem que é falta de respeito. Que é uma vergonha e que há que levar a sério uma coisa séria como estas. Agora eu pergunto: não será maior falta de respeito candidatarmo-nos como Engenheiros e não dizermos que tirámos o curso a um Domingo e que a Licenciatura lhe calhou na raspadinha?

Não será maior falta de respeito candidatarmo-nos como uma personalidade importante e na verdade sermos o come-tachos, cola-cartazes típico da política portuguesa?

Não será maior falta de respeito mentir às pessoas que votam neles?

É que eu sinceramente acho estes gajos mais sérios do que os que temos em Portugal. Pelo menos são sinceros. E assim como assim as pessoas em Portugal votam nos seus clubes: votam no PS porque são do PS e no PSD porque são do PSD. Se mentirem tanto melhor: mais votos terão...

Mas eu continuo a preferir os Tiriricas...

Adenda ao post do Mau - Atenção ao vídeo que se segue. É um best of de alguns génios candidatos brasileiros e é imperdível. vejam mesmo, carago, IMPERDÍVEL!

23/08/10

A Capital Mundial da Bola, por Zôzimo

Finalmente fiquei a perceber o quadro futebolístico do Brasil. Já tinha estado duas vezes no país irmão, mas no Nordeste o futebol pareceu-me ser uma coisa distante... Só agora, que passei férias no estado do Rio de Janeiro (incluindo a cidade maravilhosa) fiquei inteirado acerca da geo-política futebolística do país irmão. Percebi agora, por exemplo, porque é que o Fluminense é conhecido como o «pó de arroz». O Fluminense é o clube aristocrático do Rio, uma espécie de Zbordem do Brasil com adeptos que têm a mania que são finos e diferentes mas que são tão fanáticos como quaisquer outros. Ora na sua história as elites tricolores não admitiam jogadores negros no clube. Até que em 1914, Carlos Alberto (não o craque dos anos 70), recém contratado, tentou esconder a pele negra passando pó de arroz pelo corpo com medo dos aristocráticos tricolores. Durante a jogo o suor desfez o disfarce e a torcida começou a gritar «pó de arroz». E pó de arroz ficou!

Os grandes clubes cariocas são o Flamengo (o clube brasileiro com mais adeptos), O Fluminense, o Vasco da Gama (como o nome indica, o clube dos Portugueses) e o Botafogo. Entre todos estes clubes há uma rivalidade insana mas o ódio comum a todos é o Flamengo que é detestado em graus iguais pelos adeptos dos outros três.

O Flamengo, clube do povo e da malta da favela teve grandes nomes, como Leónidas, Zagallo, Júnior, Zico, Bebeto, Romário ou, mais recentemente, Adriano. Já o Flu conta na sua história com figuras como Didi, Félix, Rivelino e Edinho. O craque actual é o argentino Conca, mas o Deco acabou de chegar... Quanto ao Vasco conta nos seus ídolos, o imortal Bellini cuja estátua está no Maracanã, Vavá e Tostão. O actual presidente é o mítico Roberto Dinamite, esse mesmo que se lesionou antes do Mundial de Espanha, abrindo a vaga de ponta de lança para o coxo do Sérginho, uma nódoa na melhor equipa brasileira que eu já vi jogar, o escrete de 82. Quanto ao Botafogo conta com nomes como Didi, Jairzinho, Dirceu, Gérson e o fabuloso Mané Garrincha. Garrincha foi o maior futebolista brasileiro depois de Pelé. Embora muita gente o considere melhor que o próprio Pelé. Mané foi uma espécie de forrest gump carioca, ingénuo como o personagem do filme. Conta-se que em pleno Mundial de 62, quando o Brasil bateu, nas eliminatórias, uma poderosa Inglaterra por 3 a 1, com uma grande exibição do Mané foi-lhe perguntado no fim do jogo o que é que ele tinha achado dos ingleses. Ao que ele respondeu que «os caras com a camisola igual ao xpto da Zona Norte eram bem mais fracos que as equipas que disputavam o campeonato local carioca!" E isto não era gozo - o Mané não decorara mesmo os nomes de algumas equipas que defrontara no Mundial. Talvez por causa dele, eu tenho uma especial simpatia pelo Botafogo...

Mas o meu clube de coração no Brasil é mesmo o Santos, do estado de S. Paulo, o time do rei Pelé. O Santos é o clube da molecada, do futebol romântico de que eu tanto gosto, o clube irmão do actual Barcelona, dos galácticos do Real Madrid ou da Holanda de Cruijjf. Foi lá que jogaram Carlos Alberto, Clodoaldo e Zito,além de Pelé... Actualmente o clube vive um grande momento. Tem um ataque do outro mundo, o famoso «quarteto santástico» com Robinho, Neymar, Ganso e André, mais dois médios de alta rotação, o trinco Arouca e Wesley (que o Benfica deixou escapar) e uma boa defesa com um excelente lateral direito, Pará. Destes todos, Robinho, Wesley e André já saíram, mas que não haja dúvidas, o futuro do futebol brasileiro passa por estes «meninos»...

Bem, eu podia ainda falar no S. Paulo, no Corintians, no Palmeiras ou no Cruzeiro (de Belo Horizonte). E ainda há o Atlético Mineiro (de Minas Gerais) e os fortíssimos clubes do Sul, o Internacional e o Grémio ambos de Portalegre... Ficam para a próxima.

18/08/10

Se a educação sai cara, experimentem a ignorância, por Ingenheiro Independente

Um indivíduo como zé socas que tira um pseudo-curso numa universidade esquisita, nas condições em que se sabe, só podia odiar a educação, a formação, as escolas. Quem tira «cursos» como ele está, no mínimo, a gozar com o esforço e a dedicação de quem trabalha e se dedica arduamente durante anos e anos a conseguir uma licenciatura séria. Nunca foi estranho, por isso, o ódio visceral que este enganador dedicou aos professores e à educação de um modo geral. Não se estranha que uma das pedras angulares da «pensamento educativo» do seu governo seja o fecho desmiolado de escolas por esse interior adentro. Confere!

Mas mesmo não se estranhando, percebendo-se até o desprezo que socas e sus muchachos têm pela educação, ainda assim, é chocante o volume avassalador das escolas fechadas por este governo. Já nem é a medida em si (ok, pode discutir-se se o decréscimo de população justifica ou não ou fecho de algumas escolas)- é a sua desproporção, é a sua dimensão gigantesca, sideral, mastodôntica... 1056 escolas encerradas por este governo! É um número impressionante. Experimentei fazer um post só com a cópia das listas de escolas fechadas e acabei por desistir porque essa lista desactualizava as últimas páginas do blog! Experimentem dar uma olhada aqui para terem uma noção da imensidão desta aberração:http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/ultima-hora/lista-de-todas-as-escolas-que-vao-fechar-concelho-a-concelho. É incrível!

Quantas escolas ainda existem em Portugal? Com quantos alunos por turma? Se todos os alunos, no futuro, tirarem cursos como o zé socas, também, realmente, não precisamos de tantas escolas - passamos uns papéis uns aos outros a dizer que somos ingenheiros e advogados e doutores e prontos! Mas, realmente,não se pode fechar impunemente tanta escola sem que isto constitua uma profunda revolução com impactos notórios na vida das pessoas.E, obviamente, medidas destas não facilitam a vida a ninguém nem contribuem para o combate à desertificação acelerada do país. Triste marca da passagem do ingenheiro do curso saído no Omo: a destruição das nossas escolas! Este país e os papalvos que votam no pê esse como quem vota no Benfica ou no Sporting - porque são do pê esse desde pequeninos- têm o que merecem. Mas os outros, as vítimas dessa turba de fanáticos acéfalos do xuxialismo, esses é que não tinham que gramar isto!

13/08/10

Who the Fuck is Bebé? ou de Como é Árdua a Vida de Olheiro, por Mr. Magoo

Toda a comunicação social pasmou - Bebé, jovem jogador de futebol recentemente transferido do Estrela da Amadora para o Guimarães por 50 000 euros foi agora comprado pelos milionários do Manchester United ao clube do Minho por 9 milhões de euros!

Bebé? Depois de um Nani só faltava agora um Bebé... Mas o Manchester quer fazer uma equipa de futebol ou uma família? Para o puto, oriundo da Casa do gaiato e ex internacional português na categoria de «futebol de rua(!)», foi a realização de um conto de fadas. O Manchester já disse que ele jogará na primeira equipa e isto sem nunca se ter estreado na nosso campeonato maior...

Parece que os olheiros dos clubes portugueses, sempre tão atentos a novos valores sul americanos, estiveram a dormir no caso do Bebé. Parece e é, não há duas interpretações. Acontece que, como quase todo o portuga que gosta de bola, eu tenho uma mania particular que é a de achar que daria um excelente olheiro. Costumo ver jogos de camadas jovens e acho que ganhava um dinheirão a aconselhar jovens jogadores aos nossos clubes. Mas pelos vistos, o ofício de olheiro não é tão fácil como me parecia - eu já tinha visto o Bebé a jogar e não reparei que estava ali um craque. Chumbei! Mas também não tive uma nota assim tão baixa porque, de qualquer modo, já tinha reparado nele.

Vi o Bebé em acção quando ele ainda alinhava pela equipa de juniores do Loures que disputava a segunda divisão do campeonato nacional de juniores em 2007-08, por sinal uma excelente equipa... Dessa equipa marquei na minha agenda mental quatro jogadores: um lateral direito muito bom e rápido que não sei onde pára, um trinco dinamarquês, o Adilson de quem falarei mais adiante e o Bebé.

O Bebé destacava-se, desde logo, pela envergadura - já então tinha cerca de 1.90, era muito rápido e, vendo agora, corresponde ao perfil do avançado-tipo do Manchester que joga nas linhas, pela esquerda ou pela direita, e pelo meio. Rooney, Ronaldo e Tevez têm estas características, tal como, agora, Nani e Valência. No jogo que vi dele, o Bebé demoliu o defesa esquerda da equipa adversária que teve de ser substituído. E ainda marcou um golo... No entanto não me impressionou por aí além. Por duas razões:

Em primeiro lugar porque, com aquela envergadura, eu parti do princípio que ele era júnior de segundo ano ou pior, que teria a idade falsificada; mas vejo agora que não - aquele atleta supersónico de 1.90 tinha, afinal, na altura em que o vi, apenas 17 anos. Ou seja ainda era júnior no ano seguinte! Qualquer olheiro profissional que verificasse a idade dele não podia ter deixado de o assinalar. A minha observação não levou em conta a sua idade...

Mas a segunda razão foi a mais importante e chamava-se Adilson. O Adilson era o melhor jogador dessa equipe do Loures. Era o criativo, o número 10, um neguinho com uma técnica apuradíssima com os dois pés e uma velocidade de execução notável. Um craque! Eu costumava ver os jogos com um olheiro amador de uma equipa da primeira divisão que concordou comigo - os outros três eram bons e mereciam ser referenciados, mas o Adilson não enganava. Depois vim a saber que esse meu amigo olheiro tinha indicado o Adilson ao seu clube, mas que este não se tinha interessado porque ele já estava no seu segundo ano de júnior... Mas voltando ao que interessa, o brilho do Adilson ofuscara o do Bebé que, assim, me passou mais ou menos ao lado. Nunca serei um olheiro de jeito, fónix...

Curiosamente, a Bola de hoje, na reportagem que traz sobre o percurso do Bebé, faz uma micro entrevista ao Adilson. Ele diz, exactamente, que era ele o craque da equipa - o que é verdade - mas que não se esforçou o suficiente para chegar longe, ao contrário do Bebé que parece ser um trabalhador humilde e incansável. De qualquer modo, como o Adilson deve ter agora 21 anos apostaria que ainda está muito a tempo de ir longe no futebol. Se eu fosse dirigente de uma equipa a sério não teria dúvida nenhuma em dar-lhe uma oportunidade - com 21 anos não pode ter desaprendido de jogar e se o Bebé está onde está, este miúdo também pode ir, ao menos, até a uma equipa média da nossa primeira liga. E já agora, por onde andarão o trinco dinamarquês e o excelente lateral direito da equipe de Juniores do Loures 2007-08? Parece que os olheiros deste país estão todos de férias no Brasil...

Murãgus dassucar é ké!, por Cão

Quão mais gigantesca a crise social, mais fervilham de in(s)anidade os anões que a encadeiam. Veja-se agora o caso do fim das “repetências” no “Ensino”. A tia Alçada, malogranda sucessora da malograda comadre Milu na desventura de um ministério a que só por macambúzia e cabisbaixa piada podemos designar por “da Educação”, não cede – e as nano-inanidades sucedem-se em catadupa.

A miudagem já podia insultar (e insultava) e bater (e batia) nos professores. Já podia faltar às aulas quanto quisesse. Agora, é proibido que chumbem, mesmo que (ou por causa de) não saibam nada de nadinha de népias de nicles. Quer dizer que a criancinha vai conseguir ser catedrática de uma bolonhice qualquer no máximo aos 25 anos de idade. Isto é tudo os anões a segregar mais anões. As insanidades a babar mais inanidades. A desvergonha a rimar com Bolonha.

Tenho uma proposta para remediar a nossa agrura: que passemos a tratar o tal Ministério (dito) da Educação por Ministério dos Morangos de Açúcar. Julgo que nos tiraríamos todos do sério – e prontos, tàzaver, é-assim.

Entretanto, entrámos já no mês-pimba por excelência. Agosto é quando o cheiro da sardinha assada entra pela igreja adentro, é quando os casamentos ajuntam garrafões a moçoilas vermelhuscas que se ajuntaram, para emprenhar ou por haver emprenhado, a rapazolas atordoados pelo martini com cerveja e pela corrente da motorizada, é quando os autarcas arregaçam as camisas e vão receber as hordas de motards às praias fluviais das parvónias, é quando as avós morrem do flato e os avôs de melancolia, é quando eu suspiro pela dour’outonalidade de Setembro, mês que não é já, porém, o do regresso à Escola, mas à TVI em que o desventurado Ensino se tornou.

10/08/10

Crítica de Mirantes, por Astronauta

Ainda se lembram da Expo 98? Foi um ano eufórico e não houve português que por lá não tivesse passado. Eu também, claro. Houve vários pavilhões que foram para mim inesquecíveis - o da Croácia que propunha uma viagem panorâmica sobre Dubrovnik, o da Turquia com uma barca antiga belíssima e mais uns quantos. Mas de todos os pavilhões que vi na Expo houve um que me marcou para sempre - o pavilhão do Brasil.

Se bem se recordam, o pavilhão do Brasil não tinha nada de especial do ponto de vista técnico. Havia na Expo muitos pavilhões muito melhores pensados e executados. Mas o pavilhão do Brasil tinha um tesouro que nenhum outro tinha - uma vista panorâmica dos vários pontos do Rio de Janeiro que se podem avistar do alto do Pão de Açucar. De facto, com uma beleza tão deslumbrante nem era necessário ser criativo. As paisagens do Rio visto do Pão de Açúcar -apenas isso e, em consequência, o pavilhão do Brasil foi, para mim, o mais inesquecível que vi na Expo 98. Lembro-me de ter pensado, na altura, que não podia morrer sem ir ao Rio, sem viver aqueles cenários fantásticos ao vivo. Pois bem, na semana passada eu concretizei esse sonho e vi o Rio de Janeiro do alto do morro do Pão de Açúcar.

Só se sobe ao Pão de Açúcar de bondinho que é aquela cabine envridaçada sustentada e movida por uns cabos que parecem rídiculos vistos de cá de baixo. Parece que aqueilo se vai desatar e que os Bondi se vão espatifar cá em baixo. Mas a promessa daquelas paisagens obriga-nos a arriscar e é verdade que mal o bondinho começa a subir o deslumbramento que nos envolve não nos deixa sentir medo.

Antes de chegar ao Pão de Açúcar, propriamente dito, faz-se escala num outro morro (o da Urca). As vistas da cidade a descer os os montes como se fosse uma onda viva a procurar o mar, a praia de Botafogo com os barcos lá em baixo num mar brilhante batido pelo sol, Niterói no outro lado da Baía de Guanabara já são deslumbrantes na Urca e eu pensei que nunca tinha visto nada assim. Mas estava enganado! Aquilo era só metade do que eu tinha para ver.

Quando se passa da Urca para o Pão de Açúcar a sensação de deslumbramento é total. Chegado aqui eu não tenho palavras para descrever o que senti - aquilo é Sublime. Sublime à maneira Kantiana - Kant falava do Sublime como uma categoria que envolvia a Grandeza ( e nesse sentido uma flor pode ser bela mas não Sublime ao passo que o Pão de Açúcar é Sublime e não apenas Belo) e do efeito que essa grandeza faz no homem. O sublime é paradoxal porque ao mesmo tempo que implica a grandeza essa grandeza é sintoma da nossa finitude. Ele é a marca da limitação da nossa capacidade sensorial - é um sintoma da nossa pequenez e da nossa limitação, mas ao mesmo tempo de algo grandioso que podemos, indelevelmente, pressentir. Portanto, ao viver o sentimento do Sublime, eu experiencio simultaneamente a minha pequenez e a imensidão do Mundo. Kant nunca saiu da sua cidade natal de Heidelberg, mas mais parece, que esteve no Rio, quando desenvolveu estas ideias.

Do Pão de Açúcar vê-se Copacabana, Ipanema e Leblon, tanto mar!, o forte de S. João, de novo Niterói, pequenino, a floresta da Tijuca, a imensa Baía de Guanabara, o céu azul, radioso, as praias de Botafogo e de Flamengo, agora mais pequenas, as aves, os aviões, a cidade viva espreguiçando-se ao longo dos morros, as favelas que até parecem belas, o Corcovado e o Cristo Rei escondido nas nuvens baixas, do Pão de Açúcar vê-se o Sublime...

Aquilo que senti no alto daquela morro fez-me lembrar uma passagem do filme do Robert Zemeckis, Contacto. Precisamente, a parte em que a Jodie Foster viaja na máquina extra terrestre e em que lhe é mostrado o universo. Apenas um vislumbre. Ela vê mundos deslumbrantes com vários sóis, túneis espaciais que dão para outros universos, as luzes de civilizações muito mais avançadas que a nossa, estrelas e planetas e uma pequena imensa parte da vastidão do Cosmos. Ela fica sem palavras e diz que deviam ter mandado um poeta porque não consegue descrever toda aquela beleza. E, finalmente, chora.

Pois bem, correndo o risco de ser gozado durante toda a vida pelos durões daqui do Tapor, o melhor que eu consigo dizer da experiência que vivi do alto do Pão de Açúcar é confessar que, como a Jodie Foster n´O Contacto, eu fiquei de tal maneira comovido que, também eu, chorei ao ver o Rio do alto do morro do Pão de Açúcar.

08/08/10


Será mais triste uma despedida triste, ou uma despedida sem tristeza?

Eu prefiro a primeira.

Definitivamente...

20/07/10

Donathien Alphonse François, por Vigário

Acabei de ler Os Infortúnios da Virtude de Donathien Alphonse François. Dito assim ninguém liga. Mas se eu disser que Donathien Alphonse François é mais conhecido por Marquês de Sade, já há quem pense: tarado! Pensa mal. Sade foi muito mais que um devasso e a sua obra vai muito para lá da novela pornográfica a que o senso comum o associou.

Sade foi um filósofo e dos bons. O seu pensamento parece ter sido uma espécie de resposta à confiança naif de Rousseau na bondade natural da humanidade. Pelo contrário, para Sade, o homem realiza-se na exploração e na negação do outro. Para ele o objectivo da vida é o prazer mas retira-se tanto mais prazer quanto mais se aniquila a vida. Assim o impulso vital que nos agarra à vida é o mesmo que anseia pela sua destruição. É uma espécie de paradoxo vital.

Sade interessou alguns dos mais importantes filósofos contemporâneos: Maurice Blanchot, George Bataille que lhe dedica um importante capítulo do seu clássico O Erotismo e Sartre que aborda o tema do sadismo no seminal O Ser e o Nada, precisamente no capítulo dedicado às Relações Com O Outro (o amor, o ódio, a indiferença, o sadismo e o masoquismo). E, de facto, as reflexões a que se dedicam os libertinos heróis criados pelo Divino Marquês, justificam inteiramente este interesse de tão importantes vultos da filosofia do século XX.

Justine ou Os Infortúnios da Virtude tem como tema central a história de uma jovem (Justine) educada segundo os mais sólidos princípios da moral e da virtude. A rapariga é o que se pode chamar uma verdadeira santa e apenas pratica o bem. Mas será que os virtuosos são recompensados pela sua moralidade? Assim deveria ser se houvesse um Deus atento... No entanto é o contrário que se passa. Justine dá esmola a uma mulher miserável e é assaltada por ela; trata um enfermo que foi vítima de um atentado cobarde e é escravizada por este; junta-se a um convento para levar uma vida religiosa e é feita escrava sexual dos padres libertinos que aí residem, etc, etc, etc.
Pelo contrário os seus verdugos são sempre recompensados: os vigaristas enriquecem, os padres são promovidos a cardeais, os criminosos recebem heranças milionárias. Neste mundo a bondade é punida e a maldade recompensada!

Para quem ainda insiste em ensinar aos filhos que devemos ser rectos e justos, que o bem é sempre preferível ao mal, a verdade à mentira e a justiça à injustiça, este livro de Sade dá que pensar... Afinal a Providência não existe e se existe é malévola e premeia os varrascos porque o mundo é feito de varrascos e não de santos. Querer ser santo num universo canalha é ficar em desvantagem.

Tudo isto é escrito num estilo escorreito e elegante. Ao contrário do que eu pensava, a narrativa de Sade não é crua nem directa. São muito mais agressivas as imagens proto-porno que popularizaram o Marquês do que, propriamente, as suas palavras. O seu estilo é alusivo e subtil, o que se compreende tendo em conta o contexto de uma época que, mesmo assim, o levou à masmorra sob a acusação de indecência.

Uma nota negativa apenas para a péssima tradução da edição da Europa-América que parece ter sido feito por um indivíduo que ou não sabe francês ou não sabe português ou ambas. Tá bem que é um livro de Sade, mas escusavam de fazer sofrer tanto os leitores.

12/07/10

Arriba España!, por Manolete

E lá vão 12! Como meço a minha vida em Mundiais, fiz ontem 12 Mundiais. Desde 66 (embora aí eu não tenha qualquer memória) que sou um fanático do mundialismo. Também não me lembro do de 70 e só vagamente recordo o de 74, mas a partir do de 78, na argentina de Kempes (campeão contra a holanda de Resenbrink), vivo-os todos intensamente.

Bom, quase todos. Quando o futebol anti-espectáculo começou a triunfar, eu só cumpri uma espécie de obrigação burocrática. Assim foi nos EUA ganhos pelo Brasil do Dunga e do Zinho, a maior traição à tradição futebolística do escrete de todos os tempos, um mundial funesto que subverteu para sempre o estilo artístico dos canarinhos. Até neste Mundial de 2010, o Brasil dessa amostra de treinador com nome de anão, o dunga, continuou na senda traidora, deixando de fora craques como Alexandre Pato, Paulo Ganso, Ronaldinho, David Luiz, Neymar, Marcelo ou Diego para optar pelos Melos, G. Silvas, Bastos, Klébersons e quejandos. Felizmente foram para casa, pode ser que o Brasil entenda que tem responsabilidades históricas acrescidas: quem representa a velha tradição de Vává, Didi, Garrincha, Pelé, Tostão, Gerson, Rivelino, Junior, Falcão, Zico, Sócrates, Ronaldo e Rivaldo não pode pensar em jogar com onze armários.

Desse ponto de vista a Espanha que ontem se sagrou campeã mundial é uma lição para o Brasil. Porque a Espanha assumiu um modelo de jogo que previligia o futebol espectáculo e mostrou que é possível ser-se campeão jogando bonito. Oxalá os brasileiros compreendam que é desse lado da barricada que devem estar.

Mesmo a Holanda, com uma equipa bem mais limitada que a Espanha (concordo com quem diz que esta é a pior geração holandesa dos últimos tempos), nunca foi uma equipa defensiva. E embora não tenha tido na final uma posse de bola que lhe permitisse praticar um futebol muito vistoso, soube pressionar muito alto (com excessos violentos é certo), e impedir a Espanha de jogar no seu meio campo. Só no fim nuestros hermanos o conseguiram fazer. Mesmo assim, prefiro o pressing alto da holanda com a sua dureza e a sua filosofia de querer ganhar o jogo, à filosofia daquelas equipas muito apreciadas sobretudo por aqueles que não gostam verdadeiramente de ver futebol, que se limitam a meter onze armários atrás da linha da bola e a tentar surpreender em contra ataques.

Destaco também a Alemanha, outro exemplo de futebol acutilante, uma máquina de fazer golos. Foi pena que Low, o seu treinador, tenha cedido ao medo e que, no jogo com a espanha, tenha alterado a sua filosofia de jogo que tantos frutos tinha dado até então. De facto, ao contrário do que fizeram em todos os outros jogos, os alemães apostoram, no jogo com a espanha, no futebol de contenção. Lixaram-se. Sairam com a sensação de não terem feito tudo o que estaria aos seu alcance. Demasiado parecidos com o portugalzeco do queirós...

Uma palavra ainda para a Argentina de Maradona. Apesar de goleados com a Alemanha, os Argentinos foram recebidos em delírio no seu país. Compreendo. Mais vale cair desta maneira, com quatro secos, dando tudo o que se tem, do que sair de rabinho entre as pernas com discursos bacocos e medrosos de quem não fez tudo o que podia (vide portugal). A Argentina dignificou o jogo e, pese embora alguns erros incompreensíveis na selecção de jogadores (como é possível não se convocar zanneti e cambiasso ou mesmo lucho e lisandro?), saiu com dignidade do Mundial.

Finalmente, a minha selecção do Mundial. Não escolho os jogadores que melhor alinharam na posição respectiva, faço algumas alterações relativamente às posições originais de cada jogador:
A bold a equipa titular, os outros são alternativas mas no caso dos avançados não é possível citar só uma.

Guarda redes: Casilhas (Esp.)
Alternativa (Stekelenburg (HOl)
Também gostei do Howard (EUA) do Neuer (Al) e do Eduardo (Por).

Defesa direito: Maicon (Br)
Alternativa: Van der Wiel (Hol)
Também bem o nosso Maxi Pereira (Ur)

Centrais: Piqué (esp) e Sergio Ramos (esp)
alternativas: Lúcio (Br) e Mertsaker (Al)
O friedrich (Al), o Puyol (esp), o bruto alves e o ricardo carvalho (Por) e o Tanaka, (Jap) também fizeram bons campeonatos.

Defesa esquerdo: Lahm (al)
Alternativa: Coentrão (Port)


Médios: Schweinsteiger (Al), Schneijder (Hol), Xavi (Esp) e Iniesta (Esp);
Alternativas: Khedira e Ozil (Al), Mascherano (Arg), Busquets (Esp), Donovan (EUA), Ayew (Gana), Rios e Diego Perez (Ur)
Avançados: Fórlan (Ur) e Robben (Hol)
Alternativas: Villa (Esp), Muller (Al), Suarez (Ur), Ghian (Gana), Altidore (EUA), Tevez e Messi (Arg), Javi Hernandez e Giovanni (Mex), Honda (Jap).

A minha selecção dava, portanto, 5 espanhóis, 2 holandeses, 2 alemães, 1 brasileiro e 1 uruguaio.

O melhor seleccionador foi, obviamente o senhor Don Del Bosque (Esp) seguido pelo Joachim Low (Al) (uma pena a traição a si própprio no jogo com a Espanha....) e pelo Marwick (Hol). Nota alta ainda para os seleccionadores do Uruguai, Bielsa e do Paraguai (nem sei o nome) que com uma equipa sem nomes soube ir longe...
E, finalmente, o melhor jogador do Mundial foi, para mim, o Xavi (Esp), cuja eleição só não é unânime porque não é um individualista, mas um soberbo jogador de equipa. De qualquer modo a escolha de Fórlan (Ur) ou de Iniesta (Esp) também não chocam.

E prontos, daqui a quatro anos há mais, faço nessa altura 13 Mundiais de Futebol... Um jovem, praticamente.

P.S. No pic, a apresentadora da TVE, sara carbonero, namorada de iker casilhas. rezam as crónicas que foi a principal inimiga de la Roja porque parece que desconcentrava o rapaz quando se encontrava a fazer reportagens atrás da baliza.

06/07/10

A Angústia do Trinco no Momento da Chegada ao Aeroporto, por Bunga

Esta fotografia impressionou-me particularmente. Mais que as fotos dos grandes golos do Diego Forlán, das fintas do Messi ou dos arranques do Muller... Aliás, só aparentemente, esta é uma fotografia sobre futebol. O futebol aqui é só um acidente. No essencial esta foto versa o fanatismo, a intolerância, a cegueira nacionalista.

A foto retrata o momento da chegada da selecção Brasileira e do futebolista do escrete, Filipe Melo, ao aeroporto do Rio. Melo, como se sabe, foi apontado como principal responsável pela eliminação da sua selecção no jogo dos quartos de final com a Holanda. Além do azar de ter marcado um auto golo, Melo foi ainda culpado de ter agredido o Holandês Robben, o que lhe valeu uma justa expulsão que acabou com as hipóteses remotas da sua equipa vencer o jogo. Não importa o passe genial que fez para o golo soberbo do Robinho. Toda a gente, eu também, o condenou.

Mas as pessoas esquecem-se que o futebol é apenas - ou deveria ser - um jogo. Não é um caso de vida ou de morte. Sim eu sei que houve um treinador inglês que ficou célebre por afirmar precisamente o contrário. Mas isso é um slogan com muito mais valor facial que real. O futebol não é uma guerra entre países.

No entanto, mal começa o Mundial, os nacionalismos exacerbados vêem ao de cima. A França fez da sua desastrosa participação um caso de Estado que levou ao envolvimento das principais figuras do país. O governo da Nigéria foi mais longe e decidiu suspender a participação da sua selecção de futebol em competições internacionais durante dois anos (entretanto recuou). E o Brasil chorou e vaiou o burro do Dunga e encenou um filme de terror à chegada do escrete ao Rio de Janeiro.

Esta foto é, pois, eloquente. Melo, o criminoso Melo, está em pânico como se fosse um traidor à pátria. Bem lhe valeu pedir desculpas públicas pelo seu acto tresloucado e dizer que já não tinha mais lágrimas de tanto chorar. Neste momento da sua chegada ao Brasil ele teme, realmente, um linchamento público. Não vemos o que o assusta tanto, mas podemos imaginar a multidão enfurecida. A separá-lo dos bandos de fanáticos acéfalos que o foram esperar ao aeroporto, noite adentro, um ou dois seguranças que deviam valer de muito se as coisas aquecessem. E o Filipe, escondido atrás de um patético boné, abre os olhos de espanto e de medo. É ainda mais impressionante porque sabemos que Melo é, dentro do campo, um verdadeiro guerreiro, um daqueles jogadores que não teme nada nem ninguém. Aqui, pelo contrário, o guerreiro parece uma criança aterrorizada. É essa descida do Olimpo, essa queda do Éden que me impressiona na foto. E a ameaça invisível que sabemos estar lá: a multidão!

No dia do jogo entre a selecção de Portugal e a da Espanha resolvi fazer um teste. Declarei que torcia pela Espanha porque gosto do futebol praticado pelo Xavi, pelo Piqué e pelo Iniesta e porque detesto o futebol burocrático do carlos queirós. Chamaram-me de tudo, até de traidor à pátria! Confesso que, com o decorrer do jogo, foi-me difícil permanecer fiel ao meu declarado apoio. E quando o Simão ou o Hugo Almeida se aproximaram da área espanhola, eu saltei de entusiasmo. Pelo contrário, não fui capaz de vibrar com o golo da Espanha. O futebol não pode ser inteiramente racional, é um facto. Mas pode sê-lo um pouco, o pouco que separa a dignidade da indignidade.

O que é racional é tratarmos o futebol como um jogo e não como um caso de guerra patriótica com os seus fuzilamentos por deserção. Mesmo reconhecendo essa ancestral simpatia pelas «nossas» cores, é possível encararmos o futebol de uma forma mais saudável. Fotografias como esta do ex guerreiro, do homem só prestes a ser linchado pela multidão, têm demasiadas semelhanças com os progoms e com as Noites de Cristal. Devíamos repetir mil vezes que o futebol é um espectáculo, de que o Mundial é, talvez, o maior espectáculo do mundo, mas que não passa de um jogo.

Procurei dizer isto mesmo a um amigo. Que apoiar uma selecção que não a portuguesa não é um caso de traição anti patriótica; que apoiar a selecção portuguesa não é um caso de patriotismo; que a utilização de certos símbolos nacionais na ocasião de um jogo de futebol - como a inenarrável e patética encenação do Hino - devia ser, pura e simplesmente, banida. E perguntou-me esse amigo: mas se não é quando joga a selecção que temos oportunidade de demonstrar o nosso nacionalismo, então quando é que é?
Possivelmente ele tem razão. Os jogos da selecção são o único e último resquício do nacionalismo nos dias de hoje. Talvez já não exista a pátria. Ou pelo menos já não existem oportunidades de lhe expressarmos o nosso amor. Talvez a nação já não faça sentido. Mas será isso mau?

Pode ser um destes dias eu escreva aqui um outro post. A selecção argentina perdeu 4-0 com uma magistral Alemanha e, tal como o Brasil, também foi recambiada para Buenos Aires. No entanto, em vez de ser recebida como a sua congénere brasileira, foi recebida em euforia com slogans de orgulho pela qualidade futebolística dos seus jogadores. As fotos da recepção à selecção da Argentina são, felizmente, o contrário desta foto do Filipe Melo. Mas talvez seja esta foto, e não as da Argentina, o verdadeiro ícone do Mundial de futebol.

04/07/10

Time, por Leonardo

Em vez de anos e de meses que são coisas mais ou menos anónimas, devíamos medir a nossa vida pelas coisas boas que nela acontecem. Por exemplo: uma pessoa via o Zé Tó na rua e dizia «olha, lá vai o Zé Tó. Tá conservado. Não parece mas já tem 100 idas ao Tromba Rija e 200 ao Manel Júlio. E uns 3000 cohibas fumados, mais coisa menos coisa».

Imaginem que nos encontrávamos com aquela antiga namorada da adolescência. Pensem no diálogo: «Mas tás na mesma. Parece que ainda só tens 150 quecas (mesmo que o aspecto dela denuncie prá aí umas 15000).»
Normalizar a idade, reduzindo-a à escala neutra dos anos, meses, semanas, horas e minutos é que não. Tá mal! A escala subjectiva da medida do tempo permitiria até um acréscimo de informação. Já imaginaram como seria fisicamente o Acácio, rapaz prás suas 15 idas ao Vila Lisa, 20 namoradas, 3 garrafas de Barca velha e 5 Mundiais de Futebol ?Ou o António com 35 campos de golf, 7 dos quais estrangeiros, num total de 500 green fees, 10 pratos de trufas e 5 toneladas de marisco? Ou o Francisco 5 vezes nas Caraíbas, 200 linhas de coca e 30 rave partys?

Imaginamo-los mais facilmente do que se disséssemos simplesmente que uns têm 37 e os outros 42 ou 24 anos ou não é? É muito mais informativo, se contarmos a idade em coisas boas - uma pessoa imagina logo o Zé Tó, por exemplo, tal e qual como ele é com uma barriga proeminente, ar bonacheirão e charuto a poluir o ambiente. Mas dizer de alguém que tem 25 anos? De que adianta? Afinal existem milhões de pessoas que têm 25 anos, mas apenas uns quantos exactamente com 3 casamentos, 11 mundiais de futebol, 20000 euros e 2 viagens à Austrália.

03/07/10

Villa, agente secreto do TGV, por Cão


De um golpe só, o avançado espanhol David Villa devolveu-nos à temida e temível realidade portuguesa com certeza. Mau golo para os espíritos pobres (quase todos nós), mas golo mau também para os pobres de espírito que nos desgovernam. Quero, com isto, jogar limpo: o desemprego voltou a existir, a in-ducação voltou a existir, as SCUT vão ser pagas pelo pagode e quanto ao pato-bravo TGV espere um bocadinho vomecê que já vê.

Eu cá nunca poria o Pepe de início. Está sem ritmo competitivo, um pouco à maneira dos desempregados de longa data, a quem não dão trabalho porque estão sem ritmo competitivo também. Mesmo assim, ele andam por aí projecções (encomendadas ao gosto do cliente, como todas) que garantem, mesmo assim, coisa de 34 por cento, apesar de tudo, ao PS. Já Miguel Relvas, praticamente sozinho, alcandora-se a 37 por cento. Mesmo assim – e apesar de Edro Assos Oelho. Eu cá, se fosse o professor Queiroz, punha o Relvas de início.
O Relvas e o Tony Carreira, que de vento em popa vai bolinando praças e praças de gastronomia e “cultura” locais. Dois pontas-de-lança à maneira, portanto. Os nove restantes da linha seriam: Moita Flores à baliza a dizer mal dos que bebem vinho, dupla central de desempregados ribatejanos previstos nos tais mesmo-assim-34-por-cento, defesa-direito um gato coxo de Almeirim, defesa-esquerdo um tabuleiro de Tomar. Meio-campo, Cavaco Silva à direita (claro) e a dizer que não pode ir ao enterro do Saramago porque está a jogar contra os espanhóis, Deco ao centro a perguntar como é que é o verso a seguir a “egrégios Avós” e o qu’é que quer dizer “egrégios”, e a médio-ala-esquerdo o João Baião para o seleccionado ser misto. Já vamos em oito. Com o Relvas e o Tony, dez. Falto eu. Mas só jogo se as portagens da SCUT só deixarem passar o Pepe, não o David Villa.

23/06/10

O Eterno Retorno, por Dalai Larai

Uma das noções que sempre me intrigou no pensamento de Nietzsche foi a do Eterno Retorno. O autor refere-se desenvolvidamente a esta noção no seu famoso Assim Falou Zarastustra. Trata-se de uma das ideias mais obscuras e de digestão filosófica mais difícil da obra do grande filósofo alemão. A resistência do Eterno Retorno às categorias racionais da Filosofia Ocidental é radical. E geralmente esta ideia é deixada na sombra pelos especialistas, com uma espécie de complacência tolerante, como se se tratasse de um devaneio poético do filósofo. No entanto Nietzsche sempre considerou esta intuição como uma das mais importantes da sua filosofia.

Como entender a mais misteriosa das intuições de Nietzsche? De um modo mais romântico e light como o faz Irving Yalom em Quando Nietzsche Chorou, ficção inspirada na figura do filósofo, mas sem pretensões de rigor biográfico ou ideológico? Ou de uma forma mais pesada e existencialista como decorre da leitura de Eugen Fink, um dos maiores intérpretes do trabalho de Nietzsche?

Segundo a versão mais ou menos light de Yalom, o Eterno retorno significa uma valorização extraordinária de todas as nossas escolhas, da mais simples à mais transcendente. Porque se tudo se repete eternamente, isso quer dizer que temos uma grande responsabilidade na opção que fazemos em cada momento: é que aquilo que eu escolher viver agora, vou vivê-lo para todo o sempre. Opto por comer mais um doce que sei que me provocará uma dor de barriga tremenda? Então estou condenado a viver essa dor durante toda a eternidade. Se não o comer evitarei uma dor eteerna e não só neste momento. Em cada opção carregamos a responsabilidade de toda a eternidade. Consequência desta concepção: uma espécie de revalorização eufórica do momento. Aproveita o dia, vive cada momento plenamente pois ele será repetido para todo o sempre.

Eugen Fink, um dos maiores comentadores de Nietzsche, por sua vez, encara o Eterno Retorno de outra maneira. Menos romântica, mas baseada na leitura efectiva e documentada do filósofo alemão, em particular em Assim Falou Zaratustra. Segundo Fink o sentido do Eterno Retorno relaciona-se com uma concepção de infinitude do tempo. O passado é para Nietzsche infinito, tal como o futuro. Isto quer dizer que todas as possibilidades do acontecer temporal já se passaram e passar-se-ão forçosamente no futuro. Se o tempo até ao presente tem uma extensão infinita isso quer dizer que a causa A que produziu o efeito B já se passou, mas igualmente a causa Não A que produziu o efeito Não B. E no futuro a mesma coisa.

Portanto todas as possibilidades que podem ocorrer vão forçosamente ocorrer quer no passado quer no futuro. No passado eu já escrevi este texto e voltarei a fazê-lo de novo no futuro; mas também já aconteceu o computador pifar e impedir-me de o fazer e, portanto, haverá também um futuro em que eu não escreverei este texto. Existe um passado em que Portugal deu 7-0 à Coreia do Norte que se repetirá eternamente, assim como um outro em que seremos nós a levar os mesmos 7 da Coreia. E no futuro voltaremos a viver as duas situações...

A visão de Yalom acaba por sublinhar o valor inestimável do momento. Desemboca numa espécie de carpem diem no qual a ideia de liberdade é valorizada (mas como é que eu posso ser livre se o meu presente já está determinado por uma escolha que eu já fiz algures no passado? Como conciliar a liberdade da escolha com a pré-determinação de um passado que já aconteceu, que eu não posso mudar e que, fatalmente, se repetirá?).

A de Fink, por sua vez, conduz a uma certa indiferença existencial. Fink não afirma um determinismo radical - eu não estou condenado a fazer algo pré determinado, pelo contrário eu tenho infinitas possibilidades de escolha. Mas, uma vez que toda a multiplicidade infinita de existências temporais ocorreu, ocorre e ocorrerá, forçosamente, que pertinência terá a minha liberdade? Afinal escolher uma coisa ou o seu contrário acaba por ser relativamente indiferente porque todas as possibilidades têm que ocorrer numa eterna repetição. Se tudo o que pode acontecer já aconteceu e acontecerá, de que nos serve a liberdade? Tanto nos faz escolher A como B... Ambos aconteceram e acontecem eternamente. Há um passado em que já me saiu o euro milhões, mas há um outro em que eu sou mendigo. O valor da nossa vida é, pois, muito relativo e devemos, talvez, digo eu, encará-la com alguma indiferença.

Yalom e Fink - duas leituras muito diferentes do Eterno Retorno Nietzschiano. Não sei de qual me aproximo mais, talvez da de Fink. O que sei é que não é fácil discutir este assunto à luz das categorias filosóficas racionais. Estamos no limiar da poesia, da religião (as ressonâncias budistas do Eterno Retorno estão aqui presentes), até do misticismo. É por isso que Niezsche sempre foi, filosoficamente, um apátrida.