20/06/04

O melhor desporto do Mundo, por Triger Woods

Aqui há uns anos, o Mau, vindo lá das Espanhas, pôs-nos a jogar golf. A malta olhou para o gajo desconfiada. Aqui neste fim de Mundo, andávamos mais habituados à malha e à bola no adro da igreja, no recreio da escola e no meio da rua. Essa merda do golf era coisa de ingleses velhos, ricos e barrigudos. Quando, pela primeira vez pegámos num taco, segurávamos como se fosse uma enxada, denunciando na rudeza do gesto séculos e séculos de apego à terra. O Mau, persistente, lá nos foi ensinando, com a paciência com que os enciclopedistas franceses do século XVIII tentavam ilustrar estes rudes campónios e com a abnegação com que S. Francisco Xavier evangelizava os gentios do Oriente. Ensinou-nos a pegar no taco, a posicionar os pés, a rodar a anca, o swing, o ombro, o punho, o back-swing, o cotovelo, o polegar, puta que pariu! Mas o Mau não desistia:
- Non pongas forza, coño, swinga soft, pasa los brazos....
E a malta lá foi, recalcando os modos da enxada e iniciando-se nos segredos do swing. A pouco e pouco, estes brutos foram-se civilizando. O Mau ensinou-nos a etiqueta, que não devíamos mandar o parceiro pó caralho, que não se chama filha da puta à bola, que não se grita golo, não se diz ao adversário para nos chupar nos colhões quando lhe ganhamos um buraco, etc. Fomo-nos civilizando. Agora, não é que sejamos uns sires britânicos, mas já estamos mais parecidos com aqueles Bijagós das missões a posar prà fotografia com a carapinha domesticada de risco ao meio, fato e gravata e olhar espantado. Estamos mais perto da civilização. E este desporto - o golf - já não é coisa de barrigudos ingleses. É o melhor desporto do Mundo. Não há árbitros, não há desculpas, evolui-se sempre, pode-se jogar com qualquer pessoa que o objectivo nunca é humilhar o parceiro. Uma vez que se entra no espírito do jogo, a coisa entranha-se. Tem qualquer coisa de opiácio, não se consegue abandonar e quanto melhor se joga em pior conta nos temos, a mais nos exigimos, mais tempo a ele dedicamos e entramos numa espiral ascensional da qual não se pode sair. Há gajos que sofrem dores horríveis com hérnias discais e, apesar de todas as contraindicações, não só não abandonam o golf como inventam argumentos espantosos para se convencerem que o swing faz bem à hérnia!
Hoje tive o meu momento de glória. Fui bater umas bolas para o range. Depois, fui dar uma volta ao pitch & put. A coisa corria bem. O campo tem 9 buracos e eu comecei do buraco 3. Chegado ao 8, já levava 2 abaixo do par. No buraco 8, à beira de um muro alto que separa o campo da estrada, eu ensaio o swing e disparo a bola. Atrás de mim, no buraco 4, dois ingleses hospedados no hotel empenhavam-se em confirmar aquela ideia antiga de que isto é um desporto de velhos barrigudos. A minha bola sobe, sobe bem, sobe muito bem. Não me espanto muito, pois sentira o swing solto e largara bem os braços. Aquele barulho quando o taco bate na bola confirmava que havia sido um bom shot. O tempo estava calmo, sem vento, e a bola desce bem. Desce mesmo muito bem. A direcção é perfeita. Eu levanto o pescoço. Começo a sentir um formigueiro no cimo da alma. A bola bate no green levemente, como uma folha seca apoiada pela brisa outonal. O formigueiro da alma alastra ao estômago e a bola rebola devagarinho. Aproxima-se do buraco e o formigueiro desce do estômago até aos colhões. Quando eu tenho formigueiro nos colhões é sinal de que alguma coisa de grandioso está para acontecer. Há gajos que lhes dói o dedo grande do pé quando está para chover. Eu é formigueiro nos colhões. A bola encontra uma linha perfeita na direcção do buraco e desliza como uma top model na passarelle. Aí vai ela. Devagarinho, rola, rola e...... ploc! Ploc? Hole-in-one! Eu lanço o taco ao chão, e meto-me de joelhos na relva com os dois punhos cerrados em movimentos oscilatórios para cima e para baixo e a berrar «golo»! Nestes momentos, estala o verniz e vêm ao de cima os nossos modos rudes e primitivos que, afinal, não desapareceram. Foram apenas enclausurados. Mas agora, soltam as amarras e libertam-se. E lá continuo eu aos pulos:
- Mambó, caralho! Foda-se! Chupa-mos! Pimba!
Lá atrás, no buraco 4, os ingleses, sem entenderem as minhas imprecações, assistiam a tudo e batiam palmas. Eu ouço-os. Começo a descer à realidade e apercebo-me então que, do outro lado do muro, aquele autocarro que a Câmara Municipal arranjou para passear os turistas, descapotável e de dois andares, passava na estrada. No andar de cima do autocarro, uma dúzia de turistas assistira a tudo e aplaudia de pé. Foi o meu momento de glória. É como um golo no estádio da Luz cheio. Vos garanto: um hole-in-one é melhor que foder. Quem acha que não, nunca fez nenhum!

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