16/06/04

Um milagre simples, por Cão

A realidade é uma coisa inventada pela televisão, paginada pelos jornais e repetida pelos parolos que se abstêm ao domingo para dizer mal dela à segunda-feira. “Basicamente é assim”, concordaria comigo um parolo qualquer como eu.
Acontece que descobri a solução para os males da realidade: basta não deixar que Junho acabe. Dois jogos de bola por dia, um morto ilustre por semana e milhares de bandeiras nacionais flamejando varanda sim popó também. E está feito. É um milagre simples.
Se Junho não acabar, Victoria Beckham fica entre nós e põe os filhos a estudar no ensino público. Se Julho não entrar, Marco de Canavezes, a Madeira, Felgueiras, Pombal e Matosinhos passarão também a fazer parte da realidade, já que da normalidade não é possível.
Se conseguirmos ficar em Junho para sempre, os incêndios de Agosto nem começam. Também fica resolvida a questão da limitação dos mandatos com a mandatação dos limites. O crédito bonificado não subirá a partir de 1 de Julho porque não vai haver 1 de Julho algum. E ainda há tempo para antecipar outra vez o Bodo.
Só vejo vantagens. Não envelheceremos mais que isto. Tony Carreira pode dar-nos um concerto eterno. Guterres, esse outro Tony, não vai ter tempo para voltar. Álvaro Cunhal permanecerá firme na luta contra o grande capital em defesa das conquistas de Junho, perdão, de Abril. As multas da Pombal Viva poderão ser pagas no mês que vem. O Portas não chega a receber os submarinos de brinquedo. O défice fica como está. A abstenção nunca mais vai subir. Melhor que tudo, temos tudo para ainda dar a volta ao 1-2 contra a Grécia. Com a realidade suspensa, podemos tomar a nuvem por Junho, além de uma cerveja geladamente estúpida. As três empresas que ainda pagam o subsídio de férias podem sempre declarar falência retroactiva a 1143, ano em que a realidade se começou a estragar.

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