Deu-se-me o caso de, uma ocasião, passear sozinho por uma duna. Foi num mar aqui perto. A duna fazia o que é de competência de toda a duna que se preze: ondulava muito láctea, muito derramada, muito lânguida. Tão lânguida, derramada e láctea, que, na pele da areia, certas florações escuras de que só os botânicos conhecem o nome me pareciam (valha-me Deus!) hirsutas emanações pélvicas. E mais não desenvolvo.
Lá ia eu, pois, muito bem indo, quando eis senão me desemboco, sem preparatório, com a visão já pouco distante, e em sentido a mim contrário (como quase tudo na vida, enfim), de uma senhora.
Dona da duna, por assim dizer e forçando o trocadilho, a senhora tornava-se mulher à medida que os metros entre nós se volviam meios metros. Ela caminhava com a competência de toda a mulher solitária ao colo de duna: ondulava, muito lacteante e languidamente. Perante isto, tremulei. Pudera.
Parei e dei-lhe o perfil. Pus-me, muito flautista, muito virado para o mar, a assobiar baixinho. Ai, amor: o vento levava-me o solfejo até à zona de desembarque das ondas, onde o oceano rebobina para sempre aquela madrugada de Junho na Normandia, 1944. Mas essa é outra História. À da duna voltemos.
Tivesse eu cauda e ao rabo estaria dando com fúria de limpa-pára-brisas no máximo. (Reconhece o cão que há em ti. Ou o lobo. No caso, do mar.)
Pois, e então a mulher já me estava tão perto, mas tão, que a mecânica da respiração se me tornou mais complicada que a casa de máquinas do Titanic. É que nem menos. Pois que ‘aquilo’ era todo um mulheraço, todo um mármore caminhante, um lençol cristalizado, uma geleia oftálmica toda. Ouvi perfeitamente, passando ela pela minha retaguarda, um amarfanho de papel caro: uma capa de revista ela era.
À falta de melhor, meti diálogo. Disse, naturalmente, a maior estupidez possível: “Linda manhã, hã!?”. Sim, assim: com triste involuntária rima. Ela parou, cegou-me com o magnésio de fotógrafo de casamento do seu olhar sem sombra e disse “I beg your pardon?”.
Devia ser australiana, conjecturei. E, num ápice, fui à enciclopédia da minha cultura demasiado geral para que me seja possível saber qualquer coisa em particular: “Cangurus, deserto e Ópera de Sydney, não é?”.
Ela encolheu os ombros, soerguendo a insuportabilidade da bandeja do busto. E seguiu caminho, sem mais, para fora da minha vida e para longe desta crónica. Limitei-me a acabar a duna, perfurei o trecho de pinhal que se lhe seguia, cheguei à bicicleta e apertei as bainhas das calças com as molas da roupa que a minha mulher não sabe que roubei do arame do quintal, o quintal onde amanho a minha couve, encano o meu feijão, choro a minha cebola e cultivo a minha tão masculina ignorância sobre tudo o que diga respeito a mulheres solitárias e à enciclopédica Austrália.
Lá ia eu, pois, muito bem indo, quando eis senão me desemboco, sem preparatório, com a visão já pouco distante, e em sentido a mim contrário (como quase tudo na vida, enfim), de uma senhora.
Dona da duna, por assim dizer e forçando o trocadilho, a senhora tornava-se mulher à medida que os metros entre nós se volviam meios metros. Ela caminhava com a competência de toda a mulher solitária ao colo de duna: ondulava, muito lacteante e languidamente. Perante isto, tremulei. Pudera.
Parei e dei-lhe o perfil. Pus-me, muito flautista, muito virado para o mar, a assobiar baixinho. Ai, amor: o vento levava-me o solfejo até à zona de desembarque das ondas, onde o oceano rebobina para sempre aquela madrugada de Junho na Normandia, 1944. Mas essa é outra História. À da duna voltemos.
Tivesse eu cauda e ao rabo estaria dando com fúria de limpa-pára-brisas no máximo. (Reconhece o cão que há em ti. Ou o lobo. No caso, do mar.)
Pois, e então a mulher já me estava tão perto, mas tão, que a mecânica da respiração se me tornou mais complicada que a casa de máquinas do Titanic. É que nem menos. Pois que ‘aquilo’ era todo um mulheraço, todo um mármore caminhante, um lençol cristalizado, uma geleia oftálmica toda. Ouvi perfeitamente, passando ela pela minha retaguarda, um amarfanho de papel caro: uma capa de revista ela era.
À falta de melhor, meti diálogo. Disse, naturalmente, a maior estupidez possível: “Linda manhã, hã!?”. Sim, assim: com triste involuntária rima. Ela parou, cegou-me com o magnésio de fotógrafo de casamento do seu olhar sem sombra e disse “I beg your pardon?”.
Devia ser australiana, conjecturei. E, num ápice, fui à enciclopédia da minha cultura demasiado geral para que me seja possível saber qualquer coisa em particular: “Cangurus, deserto e Ópera de Sydney, não é?”.
Ela encolheu os ombros, soerguendo a insuportabilidade da bandeja do busto. E seguiu caminho, sem mais, para fora da minha vida e para longe desta crónica. Limitei-me a acabar a duna, perfurei o trecho de pinhal que se lhe seguia, cheguei à bicicleta e apertei as bainhas das calças com as molas da roupa que a minha mulher não sabe que roubei do arame do quintal, o quintal onde amanho a minha couve, encano o meu feijão, choro a minha cebola e cultivo a minha tão masculina ignorância sobre tudo o que diga respeito a mulheres solitárias e à enciclopédica Austrália.
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