13/12/06

A Encomenda

A/C de Nikki, o Arquitecto:

Meu caro, gostaria que me desenhasses uma casa com base no esqueleto que vou tentar descrever-te. Deverá ter 4 quartos, uma cozinha com bastante luz solar, uma sala ampla com lareira e um pequeno desnível entre o “estar” e o “jantar”; um escritório e uma biblioteca; uma cave/garagem onde também possa ter uma garrafeira sempre vazia porque a felicidade dos vinhos é poder bebê-los.

O quarto principal deverá ter anexada uma cabine de sauna, bem vês, gosto de sauna, faço sauna o ano inteiro no ginásio e pago-a a 4 duros a sessão – quando chegar a casa, de rastos, depois de “another day in paradise”, quero transpirar como porco escaldado antes de adormecer no enlevo dos lençóis de linho. Com sauna e linho quem é que precisa de pérolas, concordas...?

A minha sala deverá ter uma parede de outra cor que não o branco. Uma cor forte, intensa, salmão fumado parece-me uma boa solução. Outra característica fundamental da sala será nela afirmar-se uma lareira. Uma lareira grande, imponente, aberta, onde se alcance o fogo e as brasas com o olhar – informo-te já que não confio em fogo que não vejo!

Uma cozinha prática e funcional com rentabilização e aproveitamento de cada canto. Uma ilha a meio com um local de encaixe cimeiro onde pretendo pendurar facas, facalhões e cutelos para cortar delicado sushi à lâmina e cabrito à cacetada.

Um pequeno escritório de trabalho. Este espaço deve servir os propósitos da informática, pastas, arquivos, impostos, reclamações e outros assuntos kafkanianos aos quais temos de regressar de tempos a tempos. Gostava que este escritório tivesse uma parede de tijolo, (cada bloco unido por cimento branco ou o que quer que seja que une os tijolos e contraste com a cor terra que lhes dá o carisma), posto lá de forma quase grosseira, como o resultado de um labor manual e imperfeito, mas sólido e sustentado como o argumento de um policial negro. Entendes-me?

A Biblioteca – questão fundamental. Gosto de bibliotecas, sempre gostei de bibliotecas. Daquelas bibliotecas onde William de Baskerville mergulhou o fascínio do conhecimento e pelo meio resolveu os crimes em O Nome da Rosa; daquelas bibliotecas onde somos possuídos pelo encantamento alienado de poder consultar, ler ou apenas contemplar tantos livros. A minha biblioteca não precisa de ter dimensões desmesuradas, porque o meu conhecimento dos livros também não o é. Mas tenho alguns quantos. E alguns quantos filmes. E cds. E recortes, e textos soltos, e artigos sobre receitas, charutos ou a cultura do chá que fui de forma tão apaixonada quando desordenada guardando ao longo dos anos. E é nessa biblioteca que quero arrumar as palavras e preservar a memória das imagens. Em prateleiras e estantes voltadas para uma secretária em madeira e uma bela poltrona de couro onde irei escrever barbaridades e estrebuchar delírios para o Tapor. Algures, uma garrafa de cognac Napoleon ao lado de uns puros cubanos onde o Grunfo irá pendurar as beiçolas como um pitbull ao cheiro da alcatra. Uma biblioteca tão pessoal quanto plural. Ocorreu-me que a biblioteca poderia ser o núcleo central da minha casa. A célula onde todos os caminhos vão dar. Como a Roma. De que forma e com que disposição geométrica? Não faço a mínima ideia, mas se te agradou, podes voltar a chamar-me Senador!

Um braseiro para assar carne e beber tintos. Com forno a lenha para cozer pão, assar leitões e chanfana. Uma grande mesa de madeira ao centro para celebrar muitas Últimas Ceias depois do golfe, ou as partidas de nuestros hermanos bascos para Bilbau. O espírito de Revenga sem portas nem sub-solo.

Pátios, varandas ou afins. São elementos fundamentais. Quero varandas em todo o perímetro da casa. A casa pode ser percorrida por esse lado exterior, à sombra dos pequenos telhados, em toda a sua dimensão. Haverá pequenas mesas de madeira com cadeiras de encosto nesse resguardo a céu aberto. Como nas casas do deep south americano, Mississipi, Louisana e nos arrabaldes de New Orleans, onde a Harper Lee se sentava ao luar com o pai e aprendeu a escutar os sons das cigarras e a as histórias dos homens contadas por Aticus Finch, e a escrever, muitos anos mais tarde, o Não Matem a Cotovia.

Uma piscina deve ser prevista, centrada com o verde da relva que quero plantar, a oeste dos pessegueiros e cerejeiras que quero fazer crescer ao fundo do terreno. O jacarandá, a magnólia e outras sombras com raiz, ficarão em lugar a destinar e perto de água abundante.

Gosto de matérias que provêm da terra - madeiras, pedra tosca, tijolos, barro. Gosto de cores com o mesmo genótipo – castanhos claros, mel, laranjas, Agosto em final de tarde, tonalidades quentes, mas também azul marinho, verdes ciprestes. Gosto de linhas direitas, da austeridade japonesa, de arrumações compartimentadas e simples, de geometria recta e desprovida de ornamentos, de portões, das colunas do Parthenon e de candeeiros estilo postes de iluminação iguais àqueles para os quais mijava o Vasco Santana no Pátio das Cantigas. Gosto das formas simplistas e térreas dos motéis americanos, das suas linhas carregadas de horizontalidade. Detesto candelabros, cristais, brilhos ofuscantes, estilos rebuscados e com muitas curvas, cornucópias como as das gravatas italianas, classicismo rococó, pormenores acentuados. Sou um gajo informal de hábitos e simples de trajes – gosto de andar descalço dentro de casa sem correr o risco de apanhar uma pneumonia ou fungos nos pés.

A terminar, e se é possível acrescentar algo mais à minha modesta capacidade para visualizar a minha casa, deixo-te a mais simples e memorável descrição de uma casa-lar que já ouvi. É do filme O Gladiador. Na fria e distante Germânia, após a batalha, Marcus, o Imperador pede a Maximus, o General, que lhe fale da sua casa. Uma felicidade pacífica e serena irradia de Maximus à medida que as palavras lhe saem da boca.

Diz Maximus:
«A minha casa situa-se nas Colinas acima de Trujillo. É um lugar muito simples, feito de pedra cor-de-rosa que aquece ao sol. Jardins que cheiram a ervas aromáticas durante o dia e a jasmim à noite. Para lá do portão existe um enorme pomar. Figos, maçãs, peras. O solo, Marcus, negro... negro como o cabelo da minha mulher. Videiras no terreno a sul, oliveiras a norte. Cavalos selvagens perto da casa costumam brincar com o meu filho. Ele quer ser um deles.»
Fico à espera da tua resposta e inspiração, aquele abraço,

Mangas.

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