05/03/07

Pasolini, por Mangas


Se fosse vivo, Pier Paolo Pasolini, o homem que acreditava no Sagrado, faria hoje 85 anos. Quase como um martírio, Pasolini acreditava que o conceito de santidade, erradamente associado pelo senso comum à fé, poderia ser libertado do contexto meramente religioso e incorporado nos pequenos mistérios e maravilhas que a vida nos oferece: Pasolini, o paradoxo ateísta, na busca da beleza natural do Todo e do Sagrado. E é por esta atracção pelo abismo em corte radical com o convencional, que expressa a sua linguagem de autor – o cinema, foi um mero veículo que o ajudou a lá chegar.

Contestatário, activista político, homossexual, ofensor da Igreja dogmática, inimigo de um estado a que chamou novo fascismo mascarado e vazio de poder, Pasolini o artista maldito que atravessou o destino com sangue, violência e sexo: denúncias por corrupção de menores, processos pela obscenidade do conteúdo considerado pornográfico no romance Regazzi di vita, detenção por embriaguês, acusação de assalto à mão armada numa bomba de gasolina, queixa contra o filme Una Giornata Balorda, queixa contra o filme Accatone por obscenidade e ultraje dos bons costumes, processado pelo produtor pelo carácter escandaloso do filme La Ricotta, apreensão do filme La Ricotta, processo do filme La Ricotta a que se seguiu a sua condenação com o corte de algumas sequências, suspensão da carta de condução, agredido por um fascista no círculo cultural Francesco de Santis sobre o qual Pasolini não apresentou queixa, ocupação do Palácio do Cinema em Veneza, processo e apreensão do filme Teorema, queixa contra o filme Decamerone, apreensão do filme Decamerone, apreensão do filme Os Contos de Cantebury, assassinado no Dia dos Mortos de 1975, numa praia de Óstia. No mesmo ano é dada ordem pela Comissão de Censura que proíbe a exibição de Saló ou os 120 Dias de Sodoma, que seria anulada dois anos mais tarde.

Nas suas palavras: "Não pretendo ser advogado dos que iniciaram a interminável campanha de incriminação que há trinta anos me excluiu da sociedade dos senhores e dos bem-pensantes sexuais. Se têm razão em ter terror pelo que sinto e sou, eu reivindinco, perante a sua abominável autoridade, a de poder escolher a via problemática do erro."

Pasolini poeta, escritor, actor, argumentista, realizador, o talento marginal que proclamava: "Eis o dia do Juízo Final", na abertura de Accatone. Os filmes, é vê-los. Goste-se ou deteste-se, ninguém lhes ficará indiferente.


Referências Biográficas - Quo Vadis? The Cinema and Fate of Pier Paolo Pasolini

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