21/02/08

Jack London, por Ja'kim Inuit

Há muito, muito tempo, escrevi aqui um post dedicado a filmes de gajos (acho que se chamava mesmo “fitas de ménes”), filmes viris onde as mulheres são pouco mais que adereços. Nesse post escrevi de duas obras de estimação, o “Lawrence da Arábia” (onde a coisa mais feminina que existe é o Peter O’Toolle) e o “Dersu Uzala”, do Kurosawa. E hoje venho aqui para falar um pouco acerca de um dos grandes mestres da literatura de barba rija: Jack London. Há muito tempo que não revisito o London, mas é uma das minhas referências e, goste-se ou não, é um escritor incontornável e muito mais prolixo do que imagina quem o conhece mal. Desde logo, London não é só histórias de aventuras (e mesmo que fosse…): escreveu mais de cinquenta livros, além de inúmeros contos e outras prosas.

Títulos como O Lobo do Mar, o Apelo da Selva, A Febre do Ouro ou compilações de curtas magníficas como os Contos do Extremo Norte, são sem dúvida uma excelente porta de entrada para a leitura para os mais novos, mas na mesma medida em que o será Huckleberry Finn, por exemplo, que é só um marco da literatura universal. Tal como a de Mark Twain, a obra de London tem muito que se lhe diga.

Para quem tem de London “apenas” (com muitas aspas porque a literatura juvenil também tem muito que se lhe diga…) a noção preconceituosa de escritor de aventuras imberbes, aconselho a ler, por exemplo, o romance Martin Éden. Sim, entram mulheres e não, não é passado no Alaska entre inuits e ursos. Não será uma obra-prima, muito menos para os padrões exquisitissimos aqui dos taporquenses, mas pode ser uma excelente surpresa. É de facto um grande livro. Depois, a criatura escreve muitíssimo bem e é uma leitura muito escorreita e cativante. Terceiro, teve um percurso de vida simplesmente extraordinário que só por si lhe daria entrada directa num qualquer panteão de homens “maiores do que a vida”. Como afirmou uma das mulheres da sua vida, Anna Strunsky, London tinha “o corpo de um atleta e a mente de um pensador”.

Em termos literários, London não é só histórias aventurosas de gajos rudes em ambientes inóspitos, mas mesmo que injustamente, o cliché colou-se-lhe e foi efectivamente com essas histórias no Klondike ou nos Mares do Sul que ganhou fama e muito proveito. E é também por essa vertente da sua obra que vai para o rol genérico de escritor macho, membro de uma linhagem norte-americana de grandes escritores iconoclastas, beberrões, caçadores, aventureiros, brigões e putanheiros (Hemingway, Miller, Mailer, Vonnegutt, etc.). Apesar de injustamente rotulado como autor menor por alguma inteligência, London é uma figura central das letras norte-americanas, tendo inspirado de forma determinante gerações de escritores de charneira como os da beat generation, por exemplo.

Toda a existência de London, sobretudo a partir dos 14 anos, altura em que saiu de casa para ir comprar chupas e nunca mais voltou, por outro lado, é uma existência de gajo com G grande. A vida dele não só dava muitos livros, como deu, já que a generalidade da obra é de natureza auto-biográfica (muitas daquelas peripécias radicais, o homem realmente viveu-as!). E o que mais espanta é perceber como é que o homem, alcoólico convicto, conseguia produzir tanta letra talentosa com uma vida tão preenchida noutras frentes. O facto é que a criação literária era para London uma forma como outra qualquer de ganhar dinheiro para estoirar em aventuras e nesse sentido era um escritor pragmático. Definitivamente, não fazia como o outro, que passava uma manhã inteira para mudar uma vírgula. Como em tudo na sua vida, também a escrita era sôfrega: «Não podemos esperar pela inspiração. Temos de ir atrás dela com um pau», disse uma vez. Isto de alguém que também afirmava escrever mil palavras por dia, todos os dias, em média… esta abordagem “mercenária” à escrita era, de resto, assumidíssima (desculpem lá mas não me apetece traduzir esta) «I write for no other purpose than to add to the beauty that now belongs to me. I write a book for no other reason than to add three or four hundred acres to my magnificent estate”. Nem mais. O facto é que tentou mil e um ofícios antes de concluir que só conseguia ganhar dinheiro a sério a escrever ficção.

Mas sobre o escritor e a sua curta mas fascinante vida escreve melhor do que eu por exemplo o José Vítor Malheiros, numa sinopse no Público online. E além disso a internet está cheia de informação sobre este assunto, por isso não vale a pena estar aqui a chover no molhado. Este post serve essencialmente para cativar leitores e porque havia uma lacuna londiniana no tapor. E porque me apeteceu de repente escrever qualquer coisa para o blog, depois do lancinante apelo postal do Grão, e não me lembrei de mais nada assim de repente e de repente saiu isto.

E porque concordo com Vítor Malheiros quando ele diz o seguinte: «Durante anos, London foi vítima dos preconceitos de eruditos e críticos, que acreditaram nas próprias declarações do escritor segundo as quais a sua literatura apenas servia para lhe pagar as contas e o classificaram apressadamente como um escritor de histórias de cães (há muitas, de facto) e de aventuras para rapazes sem interesse de maior. O estudo de London alargou-se, porém, nos últimos anos e as suas edições críticas têm surgido a bom ritmo, acompanhadas por um extenso trabalho de investigação sobre a sua vida e obra, que hoje é reconhecida como profunda e inovadora. O que é talvez mais importante é que London é, porém, um daqueles autores capaz de despertar, apenas com um livro, aquela paixão da leitura que pode iluminar toda uma vida.».

É verdade, comigo foi assim. Tanto que por causa dele nutro desde pequeno uma paixão assolapada e bizarra pelo Alaska e até já jurei a mim próprio que não hei-de morrer sem lá ir. Mas Jack London é acima de tudo uma excelente porta de entrada no mundo da grande literatura.


Ps: Jack London é o nome artístico de John Griffith Chaney, cidadão que veio à luz em São Francisco, a 12 de Janeiro de 1876 (já agora, morreu a 22 de Novembro de 1916).

Pss: O gajo da direita na foto é o poeta George Sterling

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