01/09/11

O Mistério do «Internacionalismo Cubano», por Comandante

Um dos maiores mistérios da história recente de Cuba é o chamado «internacionalismo cubano». Que poderosa razão terá justificado a mobilização para África de cerca de 200 000 cubanos só entre 1975 e 1991 (como se sabe a presença de tropas cubanas em África, desde logo, a partir de 1963, é uma realidade embora não tão expressiva)?

Che Guevara e o seu Comando Um foram os pioneiros na Argélia, mas durante a guerra civil angolana (75-91) os números são de, facto, avassaladores. Argélia, Guiné Bissau e Guiné Conakry, Congo, S. Tomé e Príncipe, Angola, Etiópia,todos receberam milhares de tropas de Fidel para lutar pela «nobre causa do comunismo universal». Como é natural morreram milhares de cubanos nesta epopeia, principalmente na guerra civil angolana, mas os números oficiais são simplesmente ridículos. Por exemplo, o eminente sociólogo da universidade de Havana, Piero de Gleijeses, numa investigação (?) com o sugestivo título de «Cuba e África: a causa mais bonita», diz que apenas 2077 cubanos perderam a vida em Angola entre 75 e 91! E mais 200 noutra partes de África, principalmente na Etiópia!!! (Gleijeses, Cuba e Angola, Ciencias Sociales, 2007, p.68). Como estudo imparcial estamos conversados. A verdade é que, pelo contrário, a chaga do morticínio de cubanos nas guerras africanas continua muito presente na população, como qualquer turista pode perceber desde que consiga levar o cidadão comum a falar nisso.

Segundo este eminente investigador, a principal razão que terá levado os cubanos a engrossarem o contingente angolano do MPLA terá sido, pasme-se, o idealismo, a generosidade, a vontade férrea e genuína de lutarem pela «causa mais bonita» do comunismo universal. Ele chega a defender que os soldados cubanos iam de livre vontade combater para África e que eram entrevistados antes da mobilização, podendo trocar o serviço militar em Angola por serviço no país! Gleijeses defende ainda que Fidel nunca foi um fantoche da URSS, longe disso... Pelo contrário antecipou-se aos soviéticos em várias ocasiões e terá chegado a liderar o processo de envio de tropas para Angola.

É incrível que uma tamanha mistificação ideológica assuma tão despudoradamente a capa da «investigação sociológica»! Isto é como defender que a expansão portuguesa ultramarina se deveu a puras e simples razões de missionarismo religioso. A terminologia usada no livro acima citado também é curiosa: a presença de tropas cubanas em angola ao lado do MPLA é designada, eufemisticamente, de «internacionalismo cubano». Já o contingente de tropas sul-africanas que lutaram ao lado do FNLA e da UNITA merece entre outros, epítetos como «invasores sul-africanos», «tropas racistas», «exército de racistas e de mercenários portugueses», etc, etc...

Na realidade as motivações do «internacionalismo cubano» são bem mais prosaicas do que as altas motivações invocadas por Gleijeses. Basta recordarmos o facto de Cuba ter sido, até à Perestroika, a menina bonita da URSS. Durante décadas os russos injectaram fortunas colossais na ilha: construíram estradas, desenvolveram a indústria, a educação, a saúde, exportaram sementes e máquinas agrícolas, armas e outros bens materiais. Não por capricho mas porque, no contexto da guerra fria, o valor simbólico-ideológico e estratégico de Cuba justificavam este investimento. A ilha de Fidel, pretendiam os russos, deveria funcionar como uma espécie de paraíso socialista no quintal da América (hoje há uma espécie de inversão deste simbolismo: Cuba funciona, para os USA, como exemplo da falência comunista mesmo ali ao lado). Nos anos 70-80 Cuba tornou-se uma bandeira da capacidade comunista. No desporto olímpico, por exemplo, os Cubanos foram verdadeiros papa-medalhas durante estas décadas (agora não há dinheiro para bolas nem sequer para alimentação e os estádios estão decadentes). O cabaz alimentar made in URSS distribuído pela regime de Castro era, então,cerca de cinco vezes maior do que é hoje, entregues que estão os cubanos aos seus próprios recursos.

Mas, obviamente, toda esta generosidade do irmão russo tinha contrapartidas. À boa maneira capitalista, as dádivas tinham que ser pagas. E como? Mediante a mobilização e recrutamento de carne cubana para canhão fornecida pelo regime de Fidel Castro para ir combater nas guerras africanas longínquas que os soviéticos travavam no contexto da guerra fria. É cristalino: em troca dos apoios russos que fizeram de Cuba um exemplo de «sucesso socialista», Fidel, numa operação que só pode ter sido negociada, exportou milhares e milhares de compatriotas para lutarem, principalmente, em Angola. Os russos forneceram a tecnologia, as armas, o treino e os quadros militares; os cubanos a carne para canhão (com a vantagem acrescida da maior afinidade racial com os africanos).

Os cubanos actuais questionam-se ainda hoje acerca do absurdo que foi terem sido mandados combater para países tão estranhos e distantes. E choram as suas perdas familiares - a guerra de Angola, lá como cá, também foi uma tragédia para as famílias cubanas, embora mitigada pela barragem ideológica do regime. A história é, muitas vezes, irónica: de 1961 a 1974 milhares de portugueses perderam as suas vidas nas guerras coloniais. Um ano depois do 25 de Abril de 1974, o primeiro contingente cubano de 36 000 homens (dados de Gleijeses) entrava em Angola para lutar ao lado do MPLA. De 75 a 91 morreram em Angola milhares de Cubanos deixando uma chaga bem viva nesta sociedade.

Muitos portugueses ( e muitos outros não), ao menos, deram a vida pela defesa de uma terra que acreditavam - bem ou mal - ser sua. Mas os cubanos que lutaram em Angola nem essa ilusão tinham e nunca chegaram a perceber bem (como ainda hoje não percebem) porque é que estavam a morrer nas terras longínquas de África. Os portugueses - muitos deles - deram a vida por uma terra que acreditavam ser sua - os cubanos, mais prosaicamente, por um cabaz familiar made in URSS.

1 comentário:

Anónimo disse...

foto de Abril de 1976. Raúl Castro (al centro) visita Angola. A la derecha Jorge Risquet, Jefe de la Misión Militar Cubana y el Coronel Enrique Carreras, jefe de la aviación cubana en Angola