20/03/05

Por uma crioulização da Europa, por Tó Preto

Foi a melhor notícia que eu ouvi nos últimos meses. No passado dia 16, na Sociedade de Geografia de Lisboa, Adriano Moreira sugeriu a integração da República de Cabo Verde na União Europeia. Logo depois, Mário Soares manifestou a sua concordância. Começo por notar um primeiro pormenor que não me parece casual: um antigo ministro do Ultramar de Salazar em 1961 e o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros logo após a revolução de 74, convergem neste ponto. É bom sinal. Para além de ser uma espécie de expiação de culpa, mesmo que os dois homens não transportem responsabilidades pessoais, acabam por representar as duas principais causas da desgraça africana, pelo menos no que respeita às antigas colónias portuguesas, a saber: a obstinação salazarista e a inconsciência revolucionária. Eu não sou nacionalista, acho até que o espaço estratégico em que Portugal se deve inserir é a Europa e deve até promover uma estratégia de cooperação ibérica com vista a transformar o pilar hispânico num eixo primordial da política europeia. Mas acho também que a independência de nada valeu aos povos africanos. E os factos são estes: a geração que agora anda pelos 30 anos de idade, foi a primeira geração de portugueses, nos últimos seis séculos, que nasceu e cresceu num país limitado às suas dimensões continentais. E, apesar das crises económicas, das queixas permanentes e dos muitos e variados problemas, esta é a geração de portugueses, na nossa história quase milenar, que vive mais e melhor, com mais conforto, mais comodamente, em paz e liberdade, com mais qualidade, saúde, educação, e tudo o mais que queiram arrolar. Sob todos os índices e considerando qualquer ângulo, pode-se dizer que nunca os portugueses viveram tão bem como agora! Quanto aos cidadãos das antigas colónias, e lamentavelmente, só se pode dizer o contrário. De Timor à Guiné, de Moçambique a Angola, de Goa a Cabinda, vive-se pior, com menos liberdade, morre-se mais, há tortura, violações sistemáticas dos direitos humanos, atraso económico, há fome, doença, opressão, tirania, etc. E por isso, sem complexos, podemos dizer que a a independência das colónias beneficiou mais a antiga metrópole do que os povos libertados!
Porém, a missão histórica de Portugal não se esgota nesta constatação. Há Estados que nasceram para engordar. Olham a história como uma vaca olha a manjedoura e o futuro é para eles uma massa de proteínas. Constroem o futuro tal como um felino contempla a presa. É o caso da Suíça, da Bélgica, Dinamarca e outras nações deste género. E depois há povos que contribuem para o progresso da civilização. De entre estes, não há nenhum, com a dimensão que nós temos, que tenha contribuido de maneira tão decisiva e marcado tão profundamente a nossa civilização comum. Só encontro paralelo na antiga Fenícia. O nosso destino não é engordar. Não pode ser. Os problemas do nosso quotidiano político não podem ser coisas como discutir traçados de auto-estradas, ou a localização de mais uma ponte sobre o Tejo, ou a organização de um Europeu de Futebol. Não! A situação no continente africano é dramática demais para que nos possamos fechar nestas questões. Há doença, fome, guerra, tirania e a Europa pensa fechar as portas e constituir-se numa cidadela de velhos ricos e barrigudos? Não! Portugal, e os restantes países que contribuiram para a construção da ideia de Europa e civilização ocidental (a saber, Itália, Grécia, França e Espanha e vá lá, a Inglaterra e a Alemanha um bocadito) são a única esperança do continente africano. A Alemanha quer que a Europa se alargue a leste por questões de mercado. A pujança alemã exige o alargamento a leste. Como um pançudo que necessita de umas calças XXL para poder continuar a emborcar cerveja. A Inglaterra não está, nem nunca estará, interessada na universalização da estratégia europeia se não for para reganhar um domínio que, na sua mente delirante, ainda acha possível. A França, arrenega a sua identidade humanista e alia-se à Alemanha, discute a integração da Turquia e a questão da laicidade do Estado. Adriano Moreira lançou, com duas palavras, um novo rumo estratégico para a Europa: Cabo Verde. Naturalmente, uma ponte para África. Cabo Verde é muito mais Europa do que a Turquia. Cabo Verde foi durante 500 anos, política e administrativamente, uma região europeia. Culturalmente, do ponto de vista linguístico e religioso, Cabo Verde é uma Nação Europeia. O Direito que vigora em Cabo Verde é de matriz europeia. os valores morais e culturais também. A adesão de Cabo Verde abriria uma via para a criação de uma identidade europeia que superasse, definitivamente, a ideia de uma identidade fundada na raça. A mestiçagem caboverdiana contribuiria então para uma das mais importantes aquisições civilizacionais: a negritude e mestiçagem da Europa. Abriria novos horizontes estratégicos, abertos para o Atlântico, seria uma ponte para a cooperação euroafricana e latinoamericana. Cabo Verde pode ser, justamente, a capital futura de um espaço euro-afro-americano. Eu sonho com um mundo mestiço e acho que o embrião está em Cabo Verde. É preciso que germine.

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