06/04/07

Viva Savater!, por Miguel Castro

Por estes dias, em Ferrol, no Noroeste de Espanha, trava-se uma das mais estúpidas polémicas que se podem conceber. O caso é tão estúpido que se contaria em poucas palavras. Porém, e apesar de a idiotice converter em supérfluo o escasso que dela se ocupa, a polémica merece que se gastem bastas palavras pelo que se passa a quase mil quilómetros de distância de Ferrol, em Barcelona, no Nordeste de Espanha. Não que a estupidez ganhe dignidade quando a distância quilométrica atinge a escala do milhar, mas porque, a mil quilómetros de Ferrol, o líder da Esquerda Republicana, o senhor Josep-Lluís Carod-Rovira, vem transformando, há anos, a estupidez em argumento. Eis pois que a anedota se torna perigosa quando a estupidez é levada a sério.
Comecemos pela anedota do Noroeste. Ferrol é o mais importante porto da Armada Espanhola, terra natal do generalíssimo Francisco Franco Bahamonde, bastião da Espanha imperial, símbolo da soberba imperialista e da unicidade falhada, base da frustrada ameaça apontada à Inglaterra. Aí, numa estreitíssima colaboração entre as confrarias civis e os militares, há já muito que se celebram as tradicionais festas da Semana Santa. É costume que os militares participem nos desfiles processionais, transportando os pesados andores. Como em toda a Espanha, as procissões da Semana Santa tornaram-se cartazes de atracção turística. Daí que a Junta da Galiza, concretizando uma estratégia de desenvolvimento que aposta fortemente na actividade turística, apoie estas iniciativas. Ora, os nacionalistas galegos estão zangados com a comissão de festas das confrarias de Ferrol, pois que todos os cartazes promocionais, todos os anúncios, toda a publicidade, todos os folhetos de divulgação estão escritos em castelhano! Os nacionalistas reclamam-se ofendidos e queixam-se. A Junta, por sua vez, lembra que o subsídio que oferece visa a divulgação da identidade galega que tem na língua o seu mais importante elemento e apela a que a divulgação seja feita em galego, deixando a ameaça velada de retirar a subvenção caso o pedido não seja correspondido. O braço-de-ferro arrasta-se há anos sem que ninguém se incomode verdadeiramente. O ano passado, contudo, pelo Natal, a comissão de festas ferrolina enviou ao governo da Junta um postal de boas-festas onde se desejavam os habituais votos da época: zorionak. Zorionak? Sim, Feliz Natal! Em basco! E eis como, por via filológica, a paz natalícia se converte em arma nacionalista. . [ler história aqui]
Passemos agora à estupidez do Nordeste. A mil quilómetros de Ferrol, mais ou menos e em linha recta, em Barcelona, o senhor Rovira, chefe demagogo da ERC independentista, doutor em Filologia Catalã, percebeu, na sua fúria autárcica, que a língua é uma rédea poderosa para guiar no caminho do ódio a estupidez nacionalista, sectária e excludente, tirânica e violenta que Fernando Savater, o corajoso filósofo basco, membro da associação cívica Basta Ya!, há já muito vem denunciando em esclarecidos ensaios jornalísticos e conferências públicas reunidas em Contra as Pátrias, editado no país vizinho em 1984 e em Portugal em 2003.
Rovira causou escândalo, não por acaso, quando, nos inícios de 2004, se soube que mantinha negociações secretas com a ETA. Um pacto de fanáticos que define Rovira e Savater. Este porque denuncia o ódio dos outros, porque insiste em denunciar a barbárie assassina da ETA e é o contraponto ideal para a demagogia criminosa de Rovira. Por esta mesma razão, o comando Donostia da ETA, recentemente desmantelado, tinha como objectivo o assassino de Savater. Mais uma vez a ameaça dignifica Savater ao mesmo tempo que define o terrorismo como a mais vil forma de intervenção que a estupidez humana pode engendrar.
Graças ao extremismo de Rovira, hoje, em Barcelona, um espanhol sente-se estrangeiro. Graças à estupidez de fanáticos como Rovira, o castelhano, uma das mais belas línguas, é língua estrangeira. As crianças catalãs abdicam da língua de Cervantes, universal e literária, para se embecarem na discursividade folclórica e nacionalista do catalão. Trocam o Mundo por um beco, graças à obsessão do fanático Rovira. Trocam a literatura pelo folclore nacionalista, graças ao racista Rovira, o arauto da Catalinidade, o que quer que isso seja.
O que eu desejo, sinceramente e porque a Galiza me apaixona, é que o governo galego resista às pressões dos nacionalistas e não imponha o galego à gente de Ferrol. O que eu desejo é que a comissão de festas de Ferrol abandone a insistência acintosa no monolinguismo castelhano. Que ambos saibam resistir ao fanatismo nacionalista e que imprimam cartazes bilingues e que evitem uma luta estúpida entre o galego e o castelhano, pois que tal duelo só se concebe na mais estúpida das mentes: a dos nacionalistas que fazem da língua e da literatura uma arma de combate.
Em suma: Rosália ou Cervantes? Ambos Ya!

1 comentário:

Anónimo disse...

na mouche companpeiro