05/09/07

Curral da Memória, por Automotora

Ainda a propósito de livros, aconteceu-me uma coisa curiosa no outro dia. Quanto tinha para aí 15 anos li um livro chamado Três Homens num Bote, do J.K. Jerome, um clássico da literatura humorística inglesa do Sec. XIX, sobre uma viagem de três gajos pelo Tamisa abaixo. Uma das recordações da minha adolescência é precisamente rir às gargalhadas quase até sufocar com a porra do livro. Passados muitos anos voltei a comprar o livro, que entretanto tinha perdido, voltei a lê-lo, e apanhei uma decepção: saiu-me um sorriso quase amarelado. Ou aquele humor se tornou ingénuo ou fui eu que me tornei cínico. Conclusão: é arriscado voltar à infância através dos livros. Ou de qualquer coisa com que fomos felizes, já agora. É como entrar na sala de aula da nossa primária e pensar como raio algum dia coubemos em carteiras tão pequeninas. Saímos dali com a memória atrofiada, não é? É por isso que acho que nunca mais vou ler Júlio Verne, ou o Salgari, e muito menos Os Cinco ou Os Sete.

Quando era miúdo, ouvi no rádio um conto da Sofia de Melo Breyner, chamado (acho eu) O Tesouro. O fundo sonoro, como vim a descobrir muito mais tarde, era um dos Gimnopédie, do Erik Satie, uma pequena jóia que para mim ficou sempre ligado àquele conto. Nunca tentei comprar o livro, e apesar de ter um disco com aquela música, raramente o ouço. Volto lá muito de vez em quando, para me comover, e sou obrigado a aturar, irritado, as vezes em que se servem dele como fundo de programas que nada têm a ver com o meu conto. Se se quebra a magia das nossas recordações de infância o que restará dela?

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