03/09/07

A Ilha dos Mortos de Arnold Böcklin, por Grunfo

Olhamos para o quadro e o que sobressai é o mistério. Como quando se olha para a morte. Nem um nem outro são fáceis de equacionar, nem são fáceis de digerir. Quando a morte nos toca, quando nos passa de raspão pelo adeus de uma pessoa querida, a ferida aberta obriga-nos a cair de rastos e a olhar para dentro, humilhados, impotentes e ofendidos. Tentando compreender e sem jamais conseguir perceber. Como raio é possível? Como raio se explica!


Bocklin sentiu o mistério e compôs a sua Ilha. Os peritos descrevem-no como uma visão mística e onirica da morte, recorrendo aos mitos clássicos e com ar de ilha mediterrânica. O pintor suíço, romântico e simbolista, mas também fantástico e precursor dos surrealistas, fez cinco versões da sua Ilha, a partir da evocação do Cemitério Inglês de Florença, onde vivia e onde estava enterrada a sua filha bebé, Maria.


Uma reprodução deste quadro ornamentava o gabinete de estudo de Sigmund Freud e marcava presença no quarto de dormir e leito de morte de Lenine. Strindberg inspirou-se no quadro para fazer a “Sonata dos Espectros” e Rachmaninov compôs o poema sinfónico “A Ilha dos Mortos” a partir da obra. O cabo austríaco apaixonou-se por um original e comprou-o num leilão em 1936, trazendo-a sempre consigo a partir daí. É o mesmo quadro que os Russos pilharam no bunker de morte da besta e levaram para Moscovo, de onde foi depois recomprada pelos alemães, que agora a expõem no Museu de Arte Moderna de Berlim. Existem outras versões expostas em Basileia, Nova Iorque (Metropolitan Museum) e em Leipzig.


A versão da foto deste poste, é a versão mais dramática, com as nuvens de tempestade por cima da Ilha e é a que se encontra no Museum Der Bildenden Künste, em Leipzig. Parece-me a mais conseguida das cinco versões. A Ilha, qual entidade fantástica abre-se em abraço soturno à barca de caronte que se aproxima. O título da primeira versão (A Ilha dos Mortos) não lhe foi atribuído pelo pintor, mas sim pelo seu mercador de arte, a quem Arnold Bocklin levou o quadro dizendo: “Aqui têm, como desejaram, um quadro para sonhar. Ele terá de parecer tão silencioso, que nos assustamos se alguém bater à porta.”


O quadro suscita-nos um grande número de perguntas. Quem está no barco dobrado ao peso da morte? Que lugar é aquele? De culto ou de sepultura? Quem morreu? Qual é a história por detrás da cena? Que Ilha é aquela? O Silêncio de que falava Böcklin é quase palpável. E terrífico. O quadro transmite uma inquietude e uma intranquilidade esmagadoras e deixa-nos todas as perguntas sem respostas. Como a morte. Que nada nos responde. Apenas nos esmaga sob um peso incomensurável.


Lembrei-me da Ilha agora que uma pessoa querida nos escapou entre os dedos impotentes. Era fã do Tapornumporco e companheiro de muitas memórias. Era um dos nossos. Um amante incondicional da boa prosa, da boa discussão, do bom vinho, da boa comida e da viagem. Costumava dizer que desde que lhe não batessem na cabeça, gostava de tudo. Adaptava-se e apreciava. Apreciava a vida como poucos e é uma crueldade que tão cedo tropece na morte Um conversador nato, que embevecia e encantava quem o ouvia. A sua morte, na flor da vida, leva-nos a questionar a mísera condição humana. E a não gostar do retrato, nem da maldita Ilha. Um de nós partiu e não voltará.

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