26/04/06

Chernobyl, por Chernenko

Está bem que os números redondos favorecem as efemérides. E há números redondos para comemorar quando apetece: 1 ano, ou um par. 5 anos ou meia dúzia. 10, 12, 15, 20. 25 anos é um quarteirão, trinta e de 10 em 10. Meio século ou um século inteiro. Ou seja, comemora-se sempre que um homem quiser. A comemoração é sempre interesseira e depende mais da vontade do comemorador do que do facto comemorado. A memória constrói-se. Não se herda. Comemoram-se agora os 20 anos do desastre de Chernobyl, numa altura em que o preço do barril de petróleo bate recordes históricos e em que os governos ocidentais reequacionam a opção nuclear. O terror apocalíptico e os terríveis efeitos de Chernobyl tornam repelente que se considere sequer a possibilidade de pensar a opção nuclear. Ora bem, eu arrisco a polémica e afirmo: A RESPONSABILIDADE DO DESASTRE DE CHERNOBYL RESULTOU MAIS DO REGIME COMUNISTA, ESTALINISTA, TECNOLOGICAMENTE OBSOLETO, CENTRALISTA E CORRUPTO DO QUE DOS PERIGOS INERENTES À PRODUÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR. A causa primeira do desastre de Chernobyl foi a natureza do regime soviético.

20/04/06

Pedreiros-livres, por Zé Carpinteiro

Sabe-se pouco da Maçonaria. Pode-se falar mal da Igreja, do Benfica, da tropa, do Presidente, dos deputados, de tudo, menos da maçonaria. Não há humorista que se atreva. Lembro-me que o Herman fez uma vez um número com grão-de-bico, avental, etc. As reacções foram más e não voltou ao tema. É preciso respeitinho. Quem são os maçons? Ninguém sabe, excepto em relação aos que se confessam, que são poucos. Vivemos entre a suspeita e o boato. Não havendo perseguições, não estando clandestinos, porque é que se sabe pouco sobre a maçonaria e os maçons? Porque, primeiro de tudo, a própria natureza secreta, ou discreta como eufemisticamente os maçons se referem a ela, da instituição, é desde logo um obstáculo. Depois, porque a própria história maçónica, particularmente quanto às origens, é algo nebulosa ou misteriosa e, finalmente porque o segredo, contrariamente aos que os próprios afirmam, é essencial a uma organização elitista que gere influências e tece cumplicidades em estratégias transversais.

Quanto às origens, há quem as faça remontar ao tempo do rei Salomão! Não discuto, mas cabe referir dois aspectos: por um lado a mitificação das origens é um procedimento vulgar em todas as instituições, organizações ou nações. Por este processo – afirmando uma raiz remota – se pretende consagrar o carácter intemporal e, por isso, indestrutível de uma dada entidade. Basta recordar como os genealogistas da Restauração faziam remontar a ascendência de Afonso Henriques aos tempos bíblicos. O propósito está claro. Por outro lado, nota-se um judaísmo patente nesta organização. Também isto me parece explicável, pois que muito frequentemente o judaísmo e os judeus aparecem associados à maçonaria. Ainda contemporaneamente o chefe da comunidade judaica portuguesa, Joshua Ruah, se definiu como maçon e amigo do João Soares, maçon assumido, naquela polémica sobre o ouro judaico. A razão da associação entre judeus e maçons deve relacionar-se com a convergência estratégica achada pelos judeus que terão visto na maçonaria uma forma de resistir ao clericalismo, persecutório e totalitarista, do absolutismo. Claro que encontraram no racionalismo laico e universalista da maçonaria um aliado ou, se preferirmos, um espaço óbvio de inclusão e de combate político-social.

Se é discutível a filiação da organização nos tempos salomónicos, já não será tanto encontrar as raízes remotas da maçonaria nas corporações medievais, particularmente nos pedreiros. A própria designação (maçon ou pedreiro-livre, como também se designam) permite admitir essa possibilidade. E é crível. Os pedreiros medievais eram donos de um saber indispensável e prestigiado. Adquiriram liberdade individual e de pensamento à custa desse estatuto num tempo em que a sociedade se organizava organicamente num modelo estático e sacralizado, definido em ordens. Os maçons escaparam à rigidez asfixiante dessa hierarquização social à custa do seu saber especializado e indispensável ao clero e aos senhores feudais. Daqui se retira algo de óbvio: quem adquire um privilégio de liberdade numa sociedade onde ela não existe, tende para a conservação do saber que lhe garante esse estatuto, evitando a propagação da arte que dominam (se o saber se generaliza, o benefício esvai-se), organizando-se em corporações que regulam a actividade, dirimem conflitos, limitam o acesso à profissão e transmitem esses conhecimentos sob a forma de segredo profissional (ordens profissionais, diríamos hoje). Talvez que aqui tenha nascido a natureza secreta, elitista e corporativa da maçonaria. Ainda hoje, recrutam preferencialmente profissionais liberais, bem como indivíduos que detenham um estatuto socioprofissional relevante, de tal modo que a sua colaboração possa ser útil em termos de influência social e intervenção política. Um funcionário público está limitado na sua intervenção pelas regras da hierarquia administrativa (Salazar quando proibiu a maçonaria em 1935, aditou à proibição a obrigatoriedade de todos os funcionários públicos jurarem solenemente no acto de posse não pertencerem a nenhuma organização secreta), da mesma maneira que um trabalhador não especializado não apresenta qualquer utilidade.

A maçonaria começou no entanto a ganhar grande destaque político no século das Luzes. O racionalismo crítico, personalista, universalista, terá derivado do espírito maçónico ao mesmo tempo que definia as regras da sua organização. Creio datarem desta época os documentos reguladores da maçonaria, a constituição de Andresen. Voltaire e os enciclopedistas, ou os iluministas portugueses, com Pombal à cabeça, eram maçons. Mozart também compôs música maçónica. É o século da laicização da ordem social e política, é o século da afirmação do espírito burguês empreendedor, laico, anticlerical, racionalista e individualista. A Revolução Francesa adivinha-se, em grande parte foi obra de maçons, tal aliás como a independência da América.

Distinguem-se, desde estes tempos, duas tendências maçónicas: o rito escocês e a franco-maçonaria, derivada da Revolução, particularmente do partido dos jacobinos. Se a Inglaterra se pode gabar de nunca ter tido um regime absolutista, de ter conservado um regime liberal e parlamentar, em grande parte o deve à tradição das suas elites maçónicas, pois que sempre se constituíram como obstáculo à implantação de uma tirania régia, salvaguardaram o regime parlamentar, evitaram a clericalização do regime, fugiram à alçada da autoridade papal e propugnaram por uma liberdade de iniciativa e de pensamento que não só manteve a vitalidade social e económica da Inglaterra como preservou as elites e as impulsionou, permitindo que a Inglaterra se afirmasse como a grande potência mundial no séc. XIX.

A influência da realidade inglesa na Revolução francesa é óbvia. A franco-maçonaria tomou, porém, rumo diferente: tem um teor anticlerical, jacobino, intervencionista, político-partidário e é menos especulativa. O teísmo do rito escocês é, para estes jacobinos fanáticos, substituído por uma convicção profunda que associa a religião e a Igreja ao obscurantismo. A situação distinta, entre o processo francês e o inglês, também assim o forçou. A franco-maçonaria tomou a dianteira da Revolução, cometeu excessos, e por isso angariou ódios, tendo-se formado uma verdadeira lenda negra acerca da maçonaria, em grande medida infundada. Chegou a falar-se da grande conspiração, de um grande complot (abade Barruel) para derrubar a Igreja e a aliança entre o Trono e o Altar, relação que era apresentada como o fundamento da civilização!

A verdade é que as invasões francesas disseminaram o ideal maçónico por toda a Europa. Em Portugal, a francofilia deve entender-se em correlação com o ódio ao inglês, a Beresford particularmente. Gomes Freire de Andrade combateu com Napoleão na frente russa, veio, era maçon, ensaiou a primeira tentativa de implantação de um regime liberal e acabou no cadafalso, sentenciado por Beresford. Ganhou-se um mártir e curioso é ver como ainda hoje muitos maçons adoptam o seu nome como nome simbólico (o professor Oliveira Marques, também ele maçon, tem um bom dicionário da maçonaria).

Durante o processo liberal não há praticamente um único político de destaque que não fosse maçon. A revolução de 1820 nasce inclusivamente numa loja maçónica, ou algo assemelhado, a junta do Sinédrio do Porto, presidida pelo Manuel Fernandes Tomás (juiz) e onde se contavam juristas (os juristas são hoje o que os pedreiros foram outrora), militares, financeiros, médicos, professores, etc. A união das elites numa organização deste género gera cumplicidades e estratégias que se sobrepõem à orgânica do aparelho de Estado. Um regime que tenha as suas elites sujeitas a uma estrutura clandestina e conflituosa com a orgânica do Estado, está condenado. Em 1820 não se disparou um tiro! Lógico! Destes processos usados nasce a imagem conspiratória, subterrânea, secreta da maçonaria. Mais tarde algo de semelhante se repetiria com a Carbonária durante a implantação da República. Os regicidas de 1908 eram carbonários, dissenção da maçonaria que adoptou meios de intervenção directa e violenta, aliás reprovados publicamente por muitos maçons. Na república era quase tudo maçon, foi o triunfo final. E aqui surgiu a maior crise da organização: popularizou-se! Recordo de uma vez ter lido um livro, já não recordo qual, onde se citava um empregado de balcão de um estabelecimento de Lisboa que louvava as virtudes da maçonaria dizendo como nas reuniões tratava o patrão como irmão! O caos gerado pela primeira república degenerou em descontentamento generalizado e consentiu a reacção católica e clerical. Curioso é como muitos maçons arrenegaram à maçonaria e se renderam a Salazar: Carmona é o mais citado (falou-se inclusivamente num pacto secreto entre Salazar e Carmona, um arregimentava o apoio do clero e outro domesticava as elites maçónicas), mas o mais interessante é Bissaya Barreto. Mas José Alberto Reis ou Sidónio Pais também são apresentados como traidores. Mas isto é o que os maçons não gostam de ouvir: uma parte importante das cúpulas maçónicas aderiu ao Estado Novo e ao Salazrismo. É uma verdade inconveniente, para quem gosta de fundamentar a sua identidade no amor à Liberdade. Mas é fundamentada em factos. Há contradições óbvias, mas há seguramente explicações.

A maçonaria passou à clandestinidade, e os velhos republicanos do Partido Democrático ou se exilaram, ou conspiravam. Mário Soares nasce dessa tradição republicana, laica e socialista. Embora negue pertencer à maçonaria. A candidatura de Norton de Matos foi o grande momento da oposição maçónica. Voltados os tempos da clandestinidade, a organização voltou à natureza secreta e clandestina que a define e com a qual se sente bem.

Com o 25 de Abril, readquirida a liberdade, a maçonaria evita popularizar-se, mas não pode manter-se secreta. Não faz sentido em democracia. Daí o terem escolhido o rótulo discreta. Mas a verdade é esta: ou possuem um poder de intervenção à margem do escrutínio público e isso é ilegal e ilegítimo, ou são simples associação filantrópica, o que não justifica tanto secretismo.

05/04/06

Edital, por Assinatura Ilegível

Declaro abertas as inscrições para a 2ª edição do Grande Torneio de Golfe da RS.T. A prova realizar-se-á durante o mês de Abril, no campo de Montebelo. Podem inscrever-se todos os membros da RS.T, admitindo-se também os não membros desde que propostos por dois membros de pleno direito. Devem apresentar um handicap válido à comissão técnica, isto é, o Mau. Este encarregar-se-á de elaborar a respectiva lista de handicaps, bem como será responsável por todos os pormenores técnicos. Será ainda a instância decisora em matéria de aplicação e interpretação de regras. Não há recurso das suas decisões.

O primeiro prémio é um «Pêra Manca» tinto de 2001, com a condição de o vencedor o colocar na mesa durante o jantar que se seguirá ao torneio.

Junta de Freguesia da RS.T, tantos do tantos etc.

O Presidente da Junta

(Assinatura Ilegível)

PS. O Bandosgas deve jogar com o handicap 28, tal como o Mendigo, pedinchador de handicaps.

PS2. Admitem-se babby-sitters ao torneio.

03/04/06

O livro do Cão, por jaime-a-dias

O livro do Cão já provocou uma discussão com a minha mulher. Muito apreciei e invejo o excelente fim de semana dos porcos farristas abaixo relatado, mas comigo, logo no dia em que foi comprado, ainda mal o tinha aberto (apesar de já conhecer em grande medida o que lá está, por intermédio do blog do autor), ainda com a tinta fresca do homem a pingar do autógrafo, provocou uma crise doméstica, a porra salvo seja do livro. Tudo se resolveu entretanto a contento, nas trincheiras domésticas, mas o que interessa aqui é que o livro novo do Daniel fez logo merda. Salvo seja. Mal nasceu e já está a dar sarrabulho! Ora quanto a mim isso só pode ser bom sinal para um livro. E para um autor. O livro, além de ser a escrita do Daniel Abrunheiro, é a sua vida. É uma narrativa a tocar nas franjas da existência, nos limites dualistas da experiência humana e nas margens das cidades abundantes e "urbanas", passe a redundância. É a sua poética existencial, donde transpira intimismo por todos os poros (o poeta). O Abrunheiro tem um estilo, um estilo literário que aprimora e acalenta mais ou menos sistematicamente, um registo que lhe é próprio e que o distingue. E que é controverso. Para uns abusa das metáforas, para outros usa uma linguagem exageradamente “complexa”, difícil, rebuscada ou congórica (porque rocócó é uma palavra que cheira mal, rocócó faz o meu puto nas fraldas), para outros brinca demasiado com as palavras e torna aquilo incompreensível... Quanto a mim, vejo ali uma escrita viva, cuidada e criativa: uma brincadeira muito séria - em oposição a muitas outras brincadeiras editoriais sem seriedade nenhuma que se publicam e vendem aos milhões por esse mundo fora. Uma abordagem diferente e arejada ao português, às palavras em português. A mesma postura estética que vejo com maior ou menor mestria em autores como Mia Couto ou Lobo Antunes (as crónicas de imprensa deste último homem, para traçar melhor a pertinência da referência perante o Daniel Abrunheiro, também cronista de imprensa são para mim brilhantes momentos literários: luminosos). E no essencial há ali liberdade à solta, há clara e inequivocamente poesia, da boa, no esgrimir solto das letras e das parábolas. Como talvez haja na vida do autor, eventualmente também controversa, não sei, não interessa. Mas há ali sem dúvida, na sua obra, nervo criativo a pulsar: um estilo original e cativante, uma irreverência madura e apaixonada e, além do estilo e da forma, sente-se a presença distintiva do autor em cada linha, em cada história ou sentir relatados. Umas vezes terno, outras raivoso, mas está lá sempre, entranhado naquelas palavras, sem grande distanciamento relativamente ao objecto da sua arte, e dando-lhe um cariz de certa forma auto-biográfico. E eu, como gosto de conhecer os demónios dos outros e como também gosto de escrever daquela maneira, gosto muito das prosas do Senhor Cão, identifico-me com a causa e com a forma. E aconselho onde e quando posso e lembro. A minha mulher, por exemplo, a meio da discussão, que entretanto derivou para outras questões da vida, prometeu que ia ler mais e melhor um bocadinho para “tentar gostar”. Entretanto fico à espera da publicação aqui no porco, "para breve", da igualmente brilhante e inspirada dissertação do deslumbrantissimo e ilustradissimo Vice aquando do público e solene Lançamento do Livro, texto que alguém prometeu, ouvi distintamente à saída da Casa da Cultura, “por aqui no porco, em breve”. É documento a merecer publicidade.

02/04/06

A Perfect Day, por Felizardo

Serei telegráfico: 3 amigos em Montebelo às 10:00. 40 pontos em 96 pancadas. Tondela às 16:30 numa esplanada típica. Velhos sentados no muro da igreja a ver os carros passar. Mais velhos numa mesa escondida a jogar à batota. 4 amigos a uma mesa. Aos 3 iniciais juntou-se um Batuta 2001. 94 pontos da «Wine Spectator». Punheta de bacalhau, ossos, chispe e entrecosto. Batuta 2001. Intensíssimo, prolongadíssimo, cor bonita e cerrada. Aveludado, com taninos muito bem arredondados. Madeira discreta e bem integrada. Desdobram-se na boca os sabores que vão das ervas silvestres (urze e esteva, com algum eucalipto) até aos aromas quentes do cacau. Prolongado. Os grandes vinhos tornam grandes os bons momentos.