28/11/04

Pergunta de burro, por Porco Revoltado

O Henrique Chaves demitiu-se. É o grau zero. O Portugal do Santana não existe. Isto é uma palhaçada. Devemos apelar ao Sampaio para convocar eleições. Até o Cavaco bateu com a porta. Disse, e bem, que vai sendo tempo de os sérios e competentes correrem com esta escumalha. É triste, mas é verdade. A linha separadora do confronto político já não está no campo ideológico mas no domínio da ética política e da seriedade pessoal. Quer isto dizer que a esquerda e direita estão do mesmo lado da barricada contra os corruptos, oportunistas e incompetentes. É grave porque mostra ao que chegou esta merda. E é real porque temos o Soares e o Cavaco, adversários há muito pouco tempo, identificados no discurso crítico e devastador a Santana. Quer dizer que a situação política está abaixo de cão.
Ontem foi a enterrar uma referência da vida política portuguesa do século XX. O Dr. Fernando Vale, aos 104 anos, morreu descansado. Médico verdadeiro ao serviço dos doentes e não servindo-se dos doentes, republicano, democrata, maçon. Pessoa tolerante de grande empenhamento cívico. Nunca retirou vantagem da sua intervenção pública. Pelo contrário. Sofreu a prisão, a perseguição, a intolerância e o insulto. Nunca teve tachos. Foi apenas governador civil de Coimbra, porque lho pediram insistentemente e numa altura de grande agitação em que a res publica reclamava o seu contributo. Tão diferente desta canalha que exige tachos no conselho de administração das empresas públicas e municipais, exerce vereações a tempo inteiro com ajudas de custo e de representação, cartão de crédito e automóvel e telemóvel e etc e o caralho que os foda! E são vogais do conselho fiscal disto e daquilo, accionistas da puta que os pariu, metem cunhas para construir em terrenos protegidos, são veteranos das jótasèsseistoeaquilo aos 16 anos, movem influências para arranjar postos para os filhos e afilhados, cunhas para entrar em Medicina, despedem jornalistas como quem sacode pulgas, sonham com golfe em Bruxelas, embaixadas em NY, comissões de serviço em Madrid ou assessorias de imprensa em Londres, têm putas platinadas e amigos com ilhas privadas, fumam Cohibas que davam para matar a fome a muito desempregado. PUTA QUE VOS PARIU, ó Sanguessugas da Pátria!
O Gomes da Silva, no funeral de Fernando Vale apresentou o falecido como bom exemplo a seguir. E eu pergunto:
MAS POR QUE CARALHO É QUE NÃO SEGUEM O EXEMPLO DO DR. FERNANDO VALE? FODA-SE!

Nota: foto de http://www.asbeiras.pt/ edição on-line de 27 Nov 2004

21/11/04

Como se combate a idiotia?, por Idiota Jones

Escrevo hoje por dever e penitência. O dever ditado pelo arrependimento, a penitência sedenta de perdão. Deve a idiotia combater-se à paulada? Embora os idiotas não desmereçam do método, devemos optar pela negativa. A escolha é mais pragmática do que cristã. É que a paulada, embora castigadora, produz normalmente o efeito perverso de estimular a idiotia. Retenham o princípio: quanto mais se arreia num idiota, mais idiota o idiota se torna. A partir daqui, é só desnovelar a regra. Isto é, quanto mais idiota, mais pauladas, quanto mais pauladas mais idiota, e por aí fora. Arafat morreu sem ler este conselho, tal como não creio que Sharon leia o Tapor, e por isso o conflito israelo-árabe está como está. Crede pois, sou eu que vo-lo digo: não há pau que ilumine um idiota. Só há um remédio para a idiotia: classe! Há pessoas que têm classe. As pessoas que têm classe anulam os idiotas. Não há idiota que não arrenegue da idiotia em face da classe. E eu sei do que falo, meus irmãos. Eu fui um idiota! Em Julho de 2004, aqui neste blog de idiotas, eu levei a idiotia aos limites históricos. Poderia arrolar agora, qual arrependido na vara da justiça, inúmeras razões que explicassem a idiotia. Invocaria o contexto e a circunstância, o espírito jocoso e a inconsciência, o involuntarismo e a irreflexão, buscaria atenuantes e testemunhas abonatórias e talvez convencesse os idiotas ainda mais idiotas. Não há perdão, porém. Eu, idiota me confesso e prosterno-me humildemente aos pés da ofendida com o incomensurável peso da minha idiotia amarrado ao pescoço. A ofendida foi Filipa Pato. E se esta confissão tiver o dom de reduzir a idiotia, que não limpá-la totalmente posto que a má natureza se atenua sem que se anule, a causa é só uma: a classe de Filipa Pato.
Em Julho de 2004, provámos e não gostámos do «Ensaios» de Filipa Pato. Escrevi, a esse propósito, um post para o qual reclamo desde já o indisputável título do «post mais idiota do Tapor». O plural refere-se à confraria. Eu fui o responsável pelo post. Estranhas são, todavia, as leis que regem o universo. Não fossem estranhas essas leis e a Providência ter-nos-ia, justamente e para nosso infortúnio, privado para sempre do conhecimento da jovem enóloga. Mais não mereceria, diga-se, o deslustre que lhe endossei. Se tal desdouro merecera eu por castigo, decidiu a Divina Providência fazer claríssima demonstração do Seu sentido humoroso, dando ao injusto ofensor o imerecido prémio de conhecer a ofendida injustiçada. Quando Filipa Pato se nos dirigiu, de forma cordata e corajosa, desafiando-nos para uma prova de vinhos brancos, não foi só uma bela jovem determinada e inteligente que saiu ao nosso caminho. Foi mais do que isso, foi a sabedoria do Eterno, que nos Seus insondáveis e excelsos desígnios, lançou uma cavalheiresca e humorada bofetada às trombas deste seu servo, pobre degenerescência da Criação.
Na Sexta-feira, 19 de Novembro, tínhamos aprazado o jantar na Cova do Finfas, onde a D. Cilita, a célebre Dona Gata, nos aguardava com uma magnífica sopa de peixe e um extraordinário Robalo no Forno ao Sal a Arder. Sobre isso e sobre os vinhos em disputa, outros melhor se encarregarão de dar nota. A verdade é que ninguém acreditava que Filipa Pato aparecesse. Pelo caminho, interrogávamo-nos mutuamente. A resposta era invariável e sempre a mesma. Não, Filipa não apareceria, fosse porque a não merecêssemos, fosse porque alguém lhe usurpara a identidade numa piada de mau gosto, fosse porque, vendo bem, não somos gente que se recomende. Afinal, qual de nós, em pleno juízo, aceitaria jantar connosco? É daquelas perguntas que dispensam a resposta, pois vai directa à consciência, esse exótico lugar onde a mentira não cabe porque fruto não colhe. Não, eu se vos não conhecesse, meus amigos, jamais jantaria convosco. E tenho a certeza que cada um de vós pensa como eu. Por isso somos amigos, porque partilhamos esta incontornável verdade.
À hora marcada, porém, Filipa apareceu. Só. Corajosa mulher! Quem olhasse aquela mesa de convivas e observasse Filipa rodeada por aquela gente, inevitavelmente se lembraria de um qualquer episódio bíblico. Daniel na Cova dos Leões, Cristo no Templo com os doutores, eu sei lá, uma de entre as tantas por onde a natureza extraordinária do Filho de Deus se exaltasse pelo contraste dado pela fraca figura dos circundantes. Filipa brilhou, naturalmente. Mas também porque a nossa rude natureza ainda mais brilho lhe conferia. E falou de vinho, e exalou simpatia, inteligência e beleza. Lembro-me quando, em criança, no circo, via os domadores na jaula dos leões e me interrogava como conseguiam eles acalmar as feras. Sei-o agora: tal como a classe de Filipa se impõe sobre o espanto dos bárbaros desta confraria e deste idiota que outrora, no tal Julho de 2004, lhes deu voz e agora se penitencia.

17/11/04

Have a Cigar, por Zé Gilmour, admirador de António José Saraiva, director do ESPESSO

Hoje é o Dia Mundial do Não Fumador. O governo anunciou, à semelhança de outros Estados da União Europeia, uma série de medidas drásticas com o objectivo combater os hábitos tabágicos da população portuguesa. Proibição de fumar nas escolas e nos hospitais. Mesmo nos espaços públicos, como os restaurantes e centros comerciais. E até nos bares e discotecas. A razão justifica-se. Fuma-se cada vez mais. Os fumadores passivos reclamam direitos. O Estado despende quantias enormes no tratamento das doenças causadas pelo tabaco. Eu fui fumador até ao dia que deixei de fumar. Sou, portanto, um ex-fumador. Há quem não seja. Por exemplo, o confrade Grunfo. O Grunfo fuma charutos há pouco tempo. ('tás a ver, ó Marisa, sua nazi de merda, aqui é que leva agá). Embora só fume aos fins-de-semana, pode considerar-se um fumador. E, porque fuma, não é um ex-fumador. Como não são ex-fumadores todos os outros que começam agora a fumar. Jovens. Principalmente raparigas. Ora, como todos sabemos, as raparigas de hoje serão as mães de amanhã. Algumas, pelo menos. ('tão, Marisa, já te veio o período?). E é entre as raparigas adolescentes e as grávidas que o consumo de tabaco tem aumentado nos últimos anos. Compreende-se. Primeiro fode-se e depois fuma-se. O melhor é produzir um pacote legislativo onde se proíba o sexo em conjunto com o tabaco. Se não se foder não se engravida. Se não se engravidar, as grávidas deixam de existir. Se não houver grávidas, deixa de haver o grupo estatístico onde o consumo de tabaco mais cresce. Então, o consumo de tabaco deixa de crescer. Isto é, decresce. Se decresce acabam as campanhas anti-tabágicas. Se há menos campanhas anti-tabágicas, já não seremos obrigados a ver aqueles cartazes idiotas e violentíssimos. Olé!

14/11/04

O nacionalismo é a ideologia dos burros, por Nossa Senhora Macuda

O «Público» de ontem anunciava o novo hino do pêpêdêpêéssedê do Sant'Ana Nos Valha: Somos actores da História/ de coragem e glórias/ pátrio orgulho do passado/ abraçado pelo mar./ Para vencer os desafios/ desse povo soberano/ abre a porta do destino/ que o futuro quer entrar./ Queremos mais Portugal/ grande luso pequenino/ nova força para o mundo/ geração Portugal./ Grita Viva Portugal/ pede a alma, bate o peito/ nova força para o mundo/ meu orgulho Portugal./ Tempo novo de acreditar/ de ser mais feliz/ de ser PSD/ sempre mais e melhor./ Santana Lopes é a voz/ na vanguarda do futuro/ de norte a sul/ de todos nós./ Grita viva Portugal/ meu orgulho, meu país/ nova força para o mundo/ grita Portugal./ Grita viva Portugal/ meu orgulho, meu país/ nova força para o mundo/ viva Portugal. Conseguem imaginar pior? Está cá tudo: o historicismo nacionalista que acha que o nosso umbigo é o mais bonito de todos os umbigos, a virilidade marialva, o triunfalismo patético, as banalidades recorrentes, o prospectivismo messiânico que tenta disfarçar a medicridade indisfarçável, o ensimesmamento missionário de quem se julga concebido para grandes missões e o próprio nome do timoneiro citado em hino. Desde o Mao que não se via uma coisa assim. Será possível ir mais baixo? Somos mesmo obrigados a aturar esta malta?

11/11/04

O Fernandel, por Tinoni

Já não vejo há muitos anos um filme do Fernandel; por isso a recordação que tenho dele e dos seus filmes pode estar um pouco fora de prazo. Já é quase uma recordação de caricatura, impressionista. Então, é assim: Um homem grande, com umas mãos grandes, uns olhos esbugalhados, uma boca enorme, uma forma de cantar la-boulli-a-bai-se (saravá, mangas!), com uns olhos muito abertos e risonhos. É assim que o recordo, embora não me lembre sequer de alguma vez o ter ouvido cantar. A memória tem este hábito de se distorcer e recriar para se manter feliz. E até acerta, por vezes. Para mim, o Fernandel confunde-se com o Dom Camillo, o padre-cura que interpreta no filme com o mesmo nome do princípio dos anos 50 (fui ver à net: o filme chama-se em francês “Le petit monde de Dom Camillo”; não me lembro como era cá). Fazia uma dupla da espécie bucha e estica com o comunista Peppone, seu amigo e adversário, numa versão amável e morna da guerra-fria, então a começar. Mais donc, tu m’enerves mon vieux! Curiosamente, não reconheci o Fernandel no personagem do Dom Camillo dos livros do Giovanni Guareschi, ao contrário do que me aconteceu, por exemplo, com a figura do Comissário Maigret, dos romances do Simemon, criado pelo actor Bruno Cremer. Se há personagens definitivas criadas por um actor, esta é uma delas. Um dia falo nele noutro post. Mas voltando ao Fernandel, há outro filme dele que recordo com nostalgia: A Vaca e o Prisioneiro. Lembro-me apenas que o Fernandel era um prisioneiro fugido dos nazis que andava pela floresta acompanhado por uma vaca, com quem se fartava de conversar. Por falar nisso, o Dom Camillo também dava secas monumentais a Deus, em conversas meio profanas e bonacheironas. Os personagens do Fernandel faziam parte de um mundo antigo, rural e a preto a branco (a minha memória deles é a preto e branco, pelo menos…). Este mundo foi depois torpedeado pelo Tati, com o Playtime, a sua fabulosa paródia do mundo moderno. Era outro mundo que surgia, frenético e labirintico, outra linguagem e outros valores, um mundo technicolor à beira de um ataque de nervos. Talvez já estivesse na altura. Esta é a recordação que tenho e é recordação que me apetece ter. Quando revir os filmes, logo se vê o que calha. Há aquela máxima que diz que nunca devemos regressar ao local onde fomos felizes. Mas acho que não corro risco nenhum se voltar ao Fernandel. Se alguém tiver para emprestar, agradecido.