23/12/11

Monika e O Desejo de Ingmar Bergman (1953), por Monteiro

Bergman joga aqui com a força da natureza bruta, perigosa e irracional, simbolizada por Monika por oposição à tendência de domesticação social, representada por Henrik, o seu noivo - princípio do prazer versus princípio da realidade (Freud).N A personagem de Monika tem também qualquer coisa de Nietzschiano – o filósofo alemão também via a mulher como símbolo desta dimensão telúrica e selvagem (tema retomado, com brilhantismo por outro cineasta nórdico, Lars Von Trier, em o Anti.Cristo). O jovem é seduzido por Monika e abandona toda a sua vida (trabalho, família, etc) para fugir com ela num barco e viver uma paixão que dura o tempo do verão.

Mas Monika engravida e eles acabam por voltar à cidade. Contudo, neste regresso à «vida real», Monika nunca se adapta às exigências da vida social e familiar e acaba por trair Henrik. A sua natureza indomável acaba por vencer. Monika é muito mais que uma história simples acerca dos encontros e desencontros entre um jovem casal – tem uma carga metafórica intensa e é uma reflexão sobre as tensões mais profundas do ser humano.

18/12/11

Coimbra Incrível, por S. Nicolau

O director da polícia municipal de coimbra enviou a vários funcionários um ficheiro com umas fotos com mulheres vistosas pouco vestidas e votos de «sexo incrível» para o ano novo. Posteriormente, após o chinfrim que se sucedeu na imprensa, alegou ter-se tratado de um falha técnica qualquer. Pode achar-se o envio de votos de «sexo incrível» uma coisa pouco natalícia, invulgar, inadequada ou, simplesmente, sincera.

Mas suspender o comandante por isto e abrir-lhe um processo disciplinar é de uma hipocrisia sem limites. Isto é coimbrinha, isto é vitoriano, isto é uma aberração completa! O presidente da câmara, João Paulo Barbosa de Melo, e a vereadora que tutela a PM justificam a sua decisão com o facto de a mensagem ter sido enviada para todos os funcionários, em horário de trabalho e através do e-mail de serviço!!! Santa hipocrisia! Vale tudo neste país e nesta cidade, onde todos os dias vemos e ouvimos coisas, essas sim, verdadeiramente pornográficas. Mas um simples desejo de sexo incrível chega para suspender um funcionário. Vamos longe, vamos e o que vale ao comandante da polícia municipal de coimbra é já não ser tempo do Santo Ofício - o homem ainda devia dar uma vistosa fogueira no famigerado Pátio da Lusa Atenas.

06/12/11

E Porque não as bifanas do Bigodes?, por Godo

O país, ou pelo menos a sua comunicação social, rejubila com o reconhecimento pela Unesco do fado Património Imaterial da Humanidade. Subitamente descobrem-se novos fadistas ao virar da esquina, o que até pode nem ser mau (depende dos fadistas). Mas pior, muito pior que a nova vaga de fadistas é a nova velha vaga de politicos e seus apêndices que se vêm agora orgulhar do meritório trabalho que tiveram para que a Unesco desse ao fado tão nobre título. Que seria do fado sem o António Costa, o inenarrável presidente da câmara de Lisboa, por exemplo? O homem toma-se pela própria Amália tão convencido está do seu imprescindível contributo para a causa. Pois eu tenho para mim que difícil, difícil seria que a Unesco não reconhecesse ao fado os seus indiscutíveis méritos. Era só que faltava.

Aliás, se analisarmos a lista das outras manifestações que foram reconhecidas como património imaterial da humanidade, concluímos, facilmente, que o fado está muito, mas mesmo muito acima da maioria delas. Mais: creio até que o fado, em tais companhias perde mais do que ganha, isto do ponto de vista estritamente cultural, que não comercial.

Eu não entendo, por exemplo, que a música mariachi do méxico seja minimamente comparável ao patamar estratosférico em que o fado se situa. Naquela lista da Unesco aparecem lá procissões não sei se da hungria se da república checa, práticas agrícolas do brasil e de áfrica e outras coisas que tais. Estão a brincar comigo? Fado e mariachis? O fado é património da humanidade como a música de Mozart e de Bach, como a bossa nova, como o tango, como o flamenco. Agora como os mariachis?

É por isso que eu acho que, do ponto de vista cultural o fado é aqui puxado para baixo e não para cima. E por isso não me espanta nada que já se esteja a preparar em Portugal a candidatura do, pasme-se, cante alentejano a Património Imaterial da Humanidade. A seguir virá o corridinho, o kuduro e ainda havemos de chegar a apresentar as candidaturas do bacalhau à zé do pipo ou da chanfana a património imaterial da humanidade. Bastaria um critério para distinguir o fado destas manifestações mais ou menos folclóricas: o fado (como o tango, a bossa nova ou a ópera) teve uma intérprete genial e imortal: a divina Amália! E sem um intérprete desta dimensão nenhuma manifestação cultural devia ser declarada património imaterial da humanidade.



05/12/11

O Nosso Fado, por Alfredo Rodrigues

- Pai, é verdade que corremos o risco de ter de sair do euro?
- È pois. Cada dia que passa, dizem os entendidos, há mais probabilidades.
- Mas se isso acontecer vamos perder montes de dinheiro, não é?
- Ah pois...
- Bolas... O que nos vale é o fado património da humanidade.
(Já nos estou a ver a pagar a conta do supermercado em discos do marceneiro e a receber o troco em singles da amália).

01/12/11

Coisas mesmo graves, por Unabomber


Esta ouvi-a eu e ninguém ma contou. Zapava alegremente quando apanho num canal um desses programas bolísticos onde três supostos experts ganham umas coroas a defenderem os seus clubes e a atacarem os rivais. Falava um tal de eduardo barroso (os barrosos são uma praga neste país e como são muitos eu confundo-os todos), médico já não sei de quê, que me habituei a apreciar pela patetice descomunal das suas intervenções:
- Sim é verdade que está mal incendiarem as bancadas do estádio da Luz, condeno estas atitudes e blá blá blá MAS... acontecerem coisas bem piores e ninguém fala delas, eu próprio vi no estádio um steward com um cachecol do Benfica!
Valha-me Deus... A patetice terá limites?

30/11/11

Jurassic Park, por T. Rex


- Pai, qual foi o primeiro filme que viste na tua vida?
- Humm, acho que a primeira vez que fui ao cinema fui ver um filme chamado «se meu fusca falasse».
- Ena... Mas não te lembras muito bem do filme, pois não? Por causa do dinossauro que estava sentado mesmo à tua frente...

22/11/11

Aparição, por Lantern

Em 1975 os Rolling Stones já eram a «melhor banda de rock do mundo» e as bichas para os seus concertos no Madison Square Garden davam voltas aos quarteirões nova iorquinos. A promoção desta tournée ficou na história do rock tanto como da publicidade. Os Stones decidiram cruzar a 5ª avenida num camião enquanto tocavam Brown Sugar. A ideia era genial - os Stones jogavam com a projecção galática que haviam atingido e criavam um efeito de êxtase ao descerem ao plano do comum mortal que passa , por acaso, na rua e depara-se com o mito. Nas entrevistas que então se fizeram aos transeuntes, as pessoas confessavam que ainda não acreditavam que os Stones tinham acabado de tocar Brown Sugar em plena 5ª avenida. E até houve um velhote que deplorou a cena e achou que deviam ter proibido aquilo. Felizmente ninguém lhe ligou.


21/11/11

Médicos Economistas, por Hipócrates

O João, 17 anos, teve o azar de se aleijar a jogar futebol. Levaram-no logo às urgências do hospital mais próximo onde foi visto pelo médico de serviço. Diagnóstico: perna fracturada em dois sítios. Mas, pese embora o facto do desgraçado do João se contorcer com dores, o senhor doutor mandou engessar-lhe a perna e vais para casa descansar que o seguro depois trata do resto e marca-te a operação. Quando? Quando calhar...

O João passou a pior semana da sua vida até que, finalmente, foi chamado para a tal operação, uma semana depois, uma demora inadmissível no caso de um dupla fractura de uma perna. O puto chegou a desmaiar de dores...

Conheci a mãe do João, uma pessoa humilde, e percebi que ninguém vai pedir responsabilidades áquele senhor doutor que decidiu que é razoável que uma pessoa com a perna fracturada em dois sítios não seja, imediatamente, operado de urgência. Concerteza que o ilustre clínico cumpriu zelozamente a sua missão de poupar dinheiro aos cofres do estado, encaminhando a operação para o seguro. Mas há aqui qualquer coisa que soa mal... O dever do médico é poupar dinheiro aos cofres do estado (mesmo que à custa da saúde do doente) ou zelar pela saúde do doente?

Se calhar sou eu que estou desactualizado acerca daquilo que é o novo perfil do médico nos dias que correm... Possivelmente os curriculos dos cursos de medicina já incluem cadeiras como Finanças I e Contabilidade II ao lado das Ortopedias, Biologias e Pneumologias. A julgar pela amostra, se não incluem deviam incluir. E por este andar, qualquer dia ainda chegamos a um hospital e em vez de sermos atendidos por um médico somos atendidos por um economista. Já faltou mais...

14/11/11

All together now, por Azul Malvado

Gosto da última campanha promocional da Optimus a partir da música All Together Now dos Beatles. A música soa como um belíssimo jingle publicitário, embora faça alguma impressão verificar que, desaparecidos os dois Beatles mais sérios (Lennon e Harrison) os dois mais fúteis (MCartney e Ringo Starr) tenham começado a vender ao desbarato os direitos das músicas (este não é caso único). Não creio que nem Lennon nem Harrison aprovassem, mas seja como for All Together Now deve ser o melhor jingle da história da publicidade.

A campanha entrou numa segunda fase, dos duetos improváveis, um desenvolvimento da ideia do all together: Rui Reininho e quim barreiros, manel joão vieira e mónica ferraz, mind da gap e avô cantigas e, o melhor de todos do ponto de vista estritamente musical, a fadista carminho e os metálicos moonspell. Mas fica o do Manel João pela qualidade do monólogo...

08/11/11

Futebol de Salão, por Yaúca

Um rapazelho de longas tranças coloridas que fariam a inveja de qualquer trabalhadora de estrada nacional, jogador de bola do sporting de Braga,veio fazer queixinhas ao mundo porque terá, alegadamente, sido vítima de nefanda agressão verbal do benfiquista Xavi Garcia. «Preto de merda», eis o teor do inqualificável insulto, dito no contexto de um jogo de futebol que não é propriamente uma sessão de vernissage.

Nem vou discutir se o espanhol chamou ou não «preto» ao rapazola das tranças coloridas. O que acho é que estas leis politicamente correctas exageram e não é pouco na punição a este tipo de agressão. Não é bonito chamar preto a um preto, nem gordo a um gordo, nem careca a um careca. Mas também não vejo nenhuma razão para que esse insulto seja considerado mais soez que outro insulto qualquer. Se um jogador chamou a outro ladrão, cabrão e filho da puta, está tudo bem. Mas preto não se pode... Se o indivíduo for careca e se lhe chamarem careca de merda tá bem. Mas amarelo de merda já tá mal? Não entendo...

01/11/11

O Pensador Pensou Demais, por Tupiniquim

Ontem o Gabriel veio à Latada aqui em Coimbra. O concerto foi bom mas teve coisas completamente escusadas. Por exemplo, eu nunca tinha visto antes um músico a desfazer, enquanto não estava a tocar, aquilo que tinha conseguido quando estava a tocar. Eu explico: em certas músicas o homem conseguiu atingir climas bastante interessantes. Mas depois, no intervalo de cada música, o Pensador falava durante cinco minutos de como é bom estar no país irmão e na académica e na mística de coimbra... Foi uma espécie de back to reality permanente, uma espécie de corrente que nos impedia de ascender aos cumes emocionais que a música, aqui e ali, conseguia criar.

Pessoalmente também achei muito exagerada a exploração dos mitos academistas: o homem entrou em palco em fato académico, vestiu uma camisola da AAC, uivou o famigerado «coimbra tem mais encanto» e ainda tivemos que gramar com um tal de Diogo que terá sido jogador da Briosa em tempos idos. Eu sei que o Mick Jagger se embrulha à bandeira da argentina em buenos aires e que entra em palco em L.A. com um equipamento de futebol americano, mas esses são símbolos mais poderosos. Os símbolos da AAC não têm aquela carga, são um bocado pífios, pelo menos quando explorados tão exageradamente. Eu, pelo menos, fico sempre com a noção daquela coimbrinha muito pequenina a cantar os mesmos eternos clichés como um cão que morde o próprio rabo (ou então isto é uma característica minha que me arrepio até com a parolice dos hinos nacionais cantados nos estádios da bola).

Finalmente, do ponto de vista estritamente musical, notei a falta das teclas no show. Perdeu-se, assim, a componente melódica da música de Gabriel e aquilo ficou só ritmo. O que funciona bem quando se trata de um rap (excelente aquele efeito Limp Biskit dos dois cantores da banda, um deles irmão do próprio Gabriel) ou de um reggae mas fica sempre um sabor a «falta alguma coisa» noutro género de músicas. Pelo meio ainda assisti a uma ou duas cenas de porrada e aos clássicos nocautes de miúdas que não aguentam o álcool (e as drogas) tanto como gostariam.

31/10/11

Dicionário do Mofino: adúltero, por Mofino

Adúltero, adj. Pluralmente fiel; da definição precedente se infere que o corno é aquele que partilha com outrem a fidelidade do seu cônjuge. Jules Renard estranhava que este pequeno nome, corno, não tivesse feminino, parecendo sonegar o equânime princípio da paridade dos géneros gramaticais, vindicado pelos feminismos, e fazer deste retorcido vocábulo um género assexuado e embolado. Javier Marias definiu vividamente a fidelidade como a constância e a exclusividade com que um determinado sexo penetra ou é penetrado por outro igualmente determinado, ou se abstém de ser penetrado ou de penetrar noutros, mas a definição é demasiado visual e fescenina; a condição do adulto.


(extraído, com a devida vénia, daqui: http://dromofilo.blogspot.com/ )

30/10/11

Leitor Sofre!, por Masoch

Estou a ler uma obra prima da literatura universal - o grande D. Quixote de la Mancha do imortal Cervantes. Como grande literatura que é, o livro coloca ao leitor as dificuldades próprias dos desafios que nos fazem crescer. Mas essas são bem vindas, essas são, aliás, a razão de ser do gosto mais profundo pela literatura. Difícil, difícil nem sequer é suportar os erros de tradução, nem sequer as gralhas. O maior problema - e este desagradável, quase insuportável - é conseguir ler as minúsculas letras de tamanho 6 ou 7 da edição que cá tenho em casa! A melhor prova de que D. Quixote de la Mancha é um grande livro é que, nem mesmo assim, eu paro de o ler.

11/10/11

Parabéns, Pedro!

Pedro Rosa Mendes ganhou o prémio PEN Clube na categoria Narrativa (e já é a segunda vez que ganha um PEn Clube). É bom que um dos melhores novos escritores portugueses seja reconhecido numa altura em que por aí passa tanto gato por lebre. O romance "Peregrinação de Enmanuel Jhesus" (Dom Quixote, 2010) é um reencontro do escritor de mundos consigo próprio. Pedro destacou-se logo com o seu primeiro livro - o excelente Baía dos Tigres que também é o seu melhor (mas eu já lhe conhecia um outro trabalho excelente que mereceria honras de uma reedição: o Café Brasileira de Braga, não me recordo se é este o título exacto). Depois de Baía dos Tigres, PRM perdeu-se em pouco em algumas experiências de co-autoria em que, do meu ponto de vista, deu mais a ganhar do que ganhou. Agora voltou de novo. Parabéns, Pedro!

10/10/11

Harry Reems, Ode A Um Herói Desconhecido, por Herb Streicher

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Conhecem o homem da foto? Não? Pois, já sabia que não! E isso é grave, muito grave, porque todos nós devemos muito a este homem. Este homem é um herói. Este homem é Harry Reems, o que, até aposto, continua a não lhes dizer nada. Grave, muito grave, mesmo!

Harry Reems é um Resistente. Foi à luta e acabou por se lixar, como mexilhão. Como se vê na foto. Foi preso, condenado a 5 anos de prisão e obrigado a desencadear uma das maiores batalhas legais das Américas. Arruinou-se, deu em bêbado, mas nunca desistiu da sua luta. E tudo isto para que todos nós possamos hoje ver filmes libertários e libertinos em plena liberdade. Reems foi um lutador e um mártir. Foi condenado a 5 anos de prisão maior em nome de todos nós. Um segundo Jesus Cristo. Sacrificou-se por nós. Amén.

Para que se saiba e ajoelhe, Harry Reems é o homem que contracenou com a Linda Boreman no Garganta Funda. Não a conseguiu fazer engasgar, mas engasgou-se ele com avalanche moralista que procurou combater o filme que alcançou a sua condenação por conduta obscena a 5 anos de prisão maior.

O engraçado da questão é que a grande protagonista do Garganta Funda é a Linda Lovelace e as suas habilidades de garganta. Mas quem se lixou foi o mexilhão, o pobre do Harry. É claro que, para a horda defensora da moral e dos bons costumes, era impensável prender a cachopa, embora o número de circo passasse por ela e quase só por ela. Só que prendê-la a ela, era um bocado como prender o Leão e deixar seguir o Domador. O Leão continuou a rugir com força e o homem do pingalim passou a ver o sol aos quadradinhos. O circo seguiu em frente mas com pingalins diferentes. A horda de selvagens que perseguiu e condenou o artista, correu em massa a todas as salas onde o circo se instalou. Foi a primeira vez que um actor de cinema foi preso por causa da distribuição de um filme. Tá bem que chamar actor ao Harry é um bocado forçado, mas porra, que o homem era esforçado lá isso era.

Harry Reems nem sequer soube o que lhe aconteceu. Por isso tem mais valor ainda o seu apostolado anónimo. Harry era um mero assistente de produção no Garganta Funda, mas naquele dia o actor principal sumiu-se. E aí chamaram o bom do Harry, pagaram-lhe uns míseros dólares para o fazer entrar na jaula, desapertaram-lhe a braguilha e o homem afundou-se naquela garganta sem fundo. Quando deu por si e voltou à tona, já estava com a mona na pildra. Cá fora o Garganta Funda prosseguia a sua cavalgada triunfal. Harry Reems merece um busto em cada cinema e em cada clube de vídeo deste planeta. Harry Reems e o seu bigode farfalhudo mereciam um poster de face sombreada a olhar o futuro em cada quarto de adolescente, à la Che Guevara. Viva Harry Reems! Um lutador da Liberdade!

04/10/11

maRio Testino RJ



O Rio já é o que é. Mario Testino, o célebre fotógrafo de moda peruano, fotografou-o assim num álbum de 2010 para Taschen. Podem vê-lo aqui:
http://www.taschen.com/lookinside/05732/index.htm

22/09/11

Teorias da Conspiração, por Iluminati da Silva

Sempre que chegamos a esta altura do ano somos bombardeados com efemérides e programas acerca do 11 de Setembro. Não admira por isso que as teorias da conspiração acerca do caso se tenham desenvolvido tanto. Claro que não as levo a sério. Mas entendo-as como uma espécie de mecanismo de defesa social do bombardeamento comunicativo a que somos sujeitos. No fundo o que as teorias da conspiração dizem é: «parem por favor de nos massacrar com o 11 de Setembro. Estamos tão fartos de ouvir as mesmas coisas que já nem queremos, já não conseguimos, acreditar nelas. Preferimos pensar que se passou tudo ao contrário. A realidade por mais fantástica que seja acaba por ser insuportável quando é repetida até à náusea. Antes as teorias da conspiração…»

Vejo com naturalidade a proliferação deste tipo de teorias. São, como digo, mecanismos de defesa que correspondem a impulsos sociológicos naturais. Também foi assim com a ida do homem à lua, por exemplo. Ainda hoje há gente que acredita que o homem nunca lá pôs os pés, nenhuma das seis vezes em que lá fomos.

Não discuto com esta malta nem quero saber dos pormenores das suas magníficas teorias conspirativas. Registo apenas e procuro lê-las no seu valor sintomático. Mas nesta matéria não conheço nada tão fabuloso como a história do sr. Carlos que me foi contada por um amigo neste fim de semana. O sr. Carlos acredita piamente em Fátima e, portanto, no sol a zunir a 13 de Maio e no aparecimento da Nossa Senhora em cima de uma azinheira na Cova da Iria. Mas há duas coisas que não convencem o sr. Carlos: não acredita, precisamente, na ida do homem à lua (antes a nossa senhora na azinheira) nem no surf… Pois, no surf. O sr Carlos não acredita no surf, é lá possível gajos a andarem na crista das ondas do mar em cima de tábuas de passar a ferro... Tudo conspiração da televisão para manter as pessoas agarradas… A caminhar na água só houve um e foi Nosso Senhor. Também tá bem! Eu por mim tenho muitas dúvidas acerca da existência do Messi. Acho que é um holograma criado pelos russos, pela CIA ou pelos chineses para nos manter agarrados à TV.

21/09/11

Gracias a la vida, por Cão


A vida é mais parecida com Alberto João Jardim do que com Salgueiro Maia. Trata-se de uma infelicidade simples e objectiva, tal verificação. Parece-me incontestável, porém e aliás.

Se um argentino me mostra Piazzolla, eu aponto-lhe Carlos Paredes – mas, na verdade, estou a mentir-lhe. É uma mentira piedosa, mas é uma mentira: porque a nossa lusa verdade é Tony Carreira, aliás e porém.

Outra mentira (não piedosa, esta): a de sermos um país de brandos costumes. Somos nada disso. Seremos, quando muito, um país com o costume do brandy (mas daquele de Sacavém).

Seríamos mais dignos da dignidade de Salgueiro Maia se tivéssemos a coragem de rever a Constituição tal que as eleições das regiões ditas autónomas passassem a ir a votos de todos os portugueses, continentais naturalmente incluídos.

Seríamos herdeiros legítimos da pureza de Carlos Paredes se interditássemos os autarcas da chafurdice imobiliária e das adjudicações pato-braveiras. Seríamos. Nunca o fomos. Temo que o sejamos jamais.

À excepção de coisa de três anos e meio em Lisboa, sempre vivi localmente. Isto é: perto da fossa a céu aberto, do poço destapado, da aldeola desertificada, da fábrica falida, da oficina de zundápes e da taberna com chão de serradura pontuada a escarros mucosos, do bacalhau às moscas e das moscas ao bacalhau, do vereadorzito sem ortografia e do padreca vinófilo de bochechas atoucinhadas, dos caçadores de pombas, das sete-maravilhas da parolice endógena, das feirolas medievais com sabor a sévanète e ademanes de pechisbeque cóltural, das garraiadas desumanas em prol de um divertimento subanimalesco, das suiniculturas mais infectas e das infecções mais suínas, das escolas sem crianças e das crianças sem escola, das novas oportunidades tão equivalentes a velhas manhas, dos têgêvês a carvão que não passam o Tua nem chegam a Marvão, dos incêndios com hora marcada e impunidade judicial, dos rios sufocados de porcaria e das barracas de alterne onde por vinte euros se pode comprar uma facada em brasilês.

Tudo isto me surge em elevado grau de impureza e incontestabilidade. Dir-me-eis que nem tudo é assim, ao que vos redarguirei que sim, que de facto não, que nem tudo nem todos são assim.

Carlos Paredes e Salgueiro Maia não eram.

Nós sim somos, com um “penalte” de brandy gaseificado de sevanéte à saúde do sôprezidentedajunta. Ou do da Madeira. Aliás. E porém.

18/09/11

O Paraíso é um Gigantesco Clube do Bolinha, por Cipriano

O filósofo italiano Giorgio Agamben é um dos mais interessantes pensadores da actualidade. Em Nudez (2010, Relógio d`Água) ele recupera algumas das velhas e ociosas questões do pensamento teológico medieval que vale a pena partilhar. Assim, no ensaio O Corpo Glorioso, Agamben reflecte sobre a natureza e os caracteres do corpo dos ressurrectos no Paraíso.«Corpo glorioso» é, precisamente, a expressão que é dada ao corpo ressurrecto por oposição ao corpo terreno maculado.

Agamben recupera algumas questões embaraçosas para a teologia medieval, como por exemplo, em que idade deverão ressuscitar os corpos dos ressurrectos? A criança ressucitará no seu corpo imberbe de criança, o idoso no seu corpo decrépito de idoso, o homem maduro no seu apogeu? S. Tomás de Aquino respondeu que o o homem deve ressuscitar sem defeito algum e, portanto, a natureza reportará cada um à sua perfeição que coincide com sua juventude. Isto é, segundo Tomás, mais ou menos aos trinta anos, a idade de Cristo. Claro que existem aqui algumas dificuldades, nomeadamente:
1. E a criança que morreu antes de atingir a sua perfeição?
2. E o velho que já a deixou para trás?
3. Serão mesmo os trinta anos a idade do apogeu do corpo? Na idade média a esperança de vida ia mais ou menos até aos 40-50 anos. Um indivíduo de trinta seria ainda considerado um jovem? O futebol, por exemplo, joga-se muito melhor aos 20 que aos trinta, idade considerada já de pré-reforma para a maior parte dos desportistas. O Eusébio aos trinta estava a jogar no Beira Mar e já metia um bocado, vá lá, de dó vê-lo fintado por um qualquer lateral esquerdo do Leixões, com menos 10 anos em cima. O Eusébio fará falta no Paraíso aos seus vinte e não aos trinta anos e há aqui uma diferença substancial...

Seja como for, se dermos razão a S. Tomás e apontarmos os trinta anos como a idade da perfeição, seremos levados a concluir que o paraíso é um mundo de gente de trinta anos. Mas uma dificuldade acresce. Tal como é lembrado por Agamben o corpo ressurrecto não pode conter imperfeições e terá que ser por natureza perfeito. Logo, não haverá lugar no paraíso para as mulheres dada a evidente imperfeição teológica (reconhecida quer no cristianismo quer no islamismo, por exemplo) da condição feminina.

O argumento, defendido por alguns opositores de S. Tomás, de que as mulheres não podem ressuscitar dá que pensar: eu não gostaria muito de nascer como uma das setenta mulheres virgens que estão no paraíso à espera de um barbudo malcheiroso do Cairo ou de Meca. Aquilo pode ser um paraíso para o Moahmed Atta mas nunca ninguém pensou no ponto de vista das desgraçadas 70 virgens que estão lá à disposição das suas taras? É esta a recompensa de uma vida terrena passada a esconder a cara? O paraíso do fundamentalista deve ser o inferno das suas 70 mulheres.

Donde, para evitar estas aporias, deve concluir-se que, muito possivelmente, não há no Éden lugar para mulheres ( e assim se evita a imperfeição e se garante boa frequência do Estabelecimento). Todos os que forem salvos renascerão como homens! De trinta anos... O Paraíso é,então, um lugar frequentado por multidões de homens de trinta anos onde não há espaço para uma única mulher! Desconfio que um paraíso como este não deve ser lá grande coisa...

14/09/11

O Nosso Agente em Havana de Graham Greene, por Cp. Kirk

Acabei de ler O Nosso Agente em Havana de Graham Greene e fiquei com fome de literatura. O livro lê-se bem, tem um argumento interessante e uma arquitectura narrativa sólida. Greene tem sentido de humor e um registo irónico cativante. Mas falta-lhe a mestria da língua. Definitivamente ele não é um grande escritor e, quando fechei a última página do livro, fiquei com uma vontade brutal de ler Eça, Aquilino, Camilo, enfim, grande literatura.
Ainda por cima o livro interessava-me pela referência a Cuba que, afinal, não passa de um mero contexto da acção. O livro passa-se em Cuba como poderia passar-se noutro lado qualquer. Greene entendeu não dar qualquer relevo ao espaço, à identidade e à cultura da ilha. Demasiado british, isto é, distante, para isso.
Falta-me agora ver como é que Carol Reed filmou este enredo em 1959 em Our Man in Havana. Reed é um excelente cineasta e a sua versão cinematográfica de outra obra de Greene, O Terceiro Homem, é uma obra prima do cinema noir. Pode ser que em filme o enredo de O Nosso Agente em Havana resulte melhor. Até lá vou ver se leio literatura a sério. Para desenfastiar...

P.S. o tube é, nem mais nem menos, a parte 1/11 do filme de Reed. Enjoy it.

Outro hiper realista cubano: Tomás Sanchez, por Comandante

12/09/11

E o Povo, Pá? por Comandante


A Plaza da Revolution é, talvez, o único sítio bem conservado de Havana. Mais uma nota absurda na capital do non sense: deve haver quase tanto dinheiro investido aqui como no resto da cidade. Enquanto o povo ocupa os restos mortais de edifícios decadentes, o regime instalou-se nos edifícios contíguos à Praça da Revolução. Fidel injectou neste local uma quantidade obscena de dinheiro na construção de um mamarracho, o memorial José Marti (donde, aliás, se tem uma vista espantosa da cidade) e nas instalações do exército que rodeiam a imensidão desta praça tianamen. No interior do obelisco a José Marti há um dos vários museus da revolução da cidade e, dádiva suprema, uma grande sala que reúne uma colecção permanente de retratos de fidel de todas as formas e feitios: fidel a pensar, fidel a escrever, fidel a ler, fidel no WC, fidel cubista e fidel surrealista, fidel, fidel, fidel... Cúmulo do narcisismo, um dos retratistas chama-se Alexandre Castro (será primo, filho , neto?).

Dois dos edifícios que ladeiam a imensa praça são ícones revolucionários. Num está a famosa escultura estilizada de Che, versão Korda, em tamanho gigante com os dizeres «hasta la vitória, siempre». Noutro, menos conhecido, um desenho no mesmo estilo de Camilo Cienfuegos rematado com a inscrição«Vas bien, Fidel». .. Reza a lenda que durante um discurso em Havana, no início da revolução, Fidel teria perguntado a Camilo acerca da eficácia das suas palavras à multidão: «Voy bien, Camilo?». «Vas bien, Fidel», terá sido a resposta imortal de Cienfuegos.

São estas as palavras que ilustram o enorme desenho de Camilo na Praça da Revolução. Mas agora, em 2011, olhando para o gritante contraste entre a capital em ruínas e o esplendor sino-soviético da Praça da Revolução, as palavras de Camilo Cienfuegos soam profundamente irónicas: Vas bien, Fidel... Que é como quem diz, em português corrente, vais bem, vais, olha a linda merda que fizeste a este país...

11/09/11

Havana: A Beleza da Decadência, por Comandante

Havana parece Madrid pós apocalíptica pintada pelo espanhol António Lopez. A cidade parece ter sido bombardeada mas há uma estranha beleza na sua decadência. Já vi outra cidades destroçadas mas eram, são e serão sempre miseráveis. Havana não é assim. É uma cidade em ruínas mas que já foi imponente. É pobre sim, mas trata-se de uma pobreza romântica e, por isso, a cidade tem uma beleza própria. Sentimos um misto de espanto e de nostalgia, a cidade tem a beleza de hoje e a imaginação do seu passado de esplendor. E, como o passado é incontornável Havana nunca poderá ser um sítio miserável. Mesmo no estado actual de decomposição em que se encontra, Havana tem a beleza sublime da decadência. E não, esta não é a visão do turista que acha muita piada a tudo aquilo mas que sentiria horrores se ali vivesse: mesmo para o nativo, Havana é bela. É certo que a sua vida não é fácil - mas seria muito pior se não vivesse numa cidade como esta.

07/09/11

All You Need is Love, por Comandante

As livrarias de Havana são um dos indicadores mais eloquentes do estado a que chegou a inércia intelectual do país. A ortodoxia marxista matou o debate e instalou um clima religioso - não há espaço para a crítica aos santos revolucionários. Eles são apenas objectos de veneração. Havana, Cienfuegos, Cardeñas, Matanzas, Santa Clara, por todo o lado, há cartazes com os santos revolucionários e os objectos pessoais dos mártires são tratados como autênticas relíquias: as botas do Che e o chapéu de Camilo são expostos em veneráveis museus da revolução.

O acontecimento literário desta semana, do mês, do ano, da década, segundo o Granma, o jornal oficial do PCC, foi a publicação na Argentina das reflexões de Fidel nos últimos anos. Assim mesmo, nem interessa saber sobre o que é que o homem reflectiu, se foi sobre culinária, acupunctura ou física nuclear. As Reflexões de Fidel, simplesmente, as últimas...
Os vendedores da Plaza de Armas vendem livros sobre sobre o pensamento pedagógico de Che, o pensamento económico de Che, o pensamento de Che para a cultura... Os alfarrabistas vendem sacrários-cadernetas de cromos do tempo da revolução. Enquanto os jovens portugueses andavam a coleccionar os Águas e Colunas do grande Benfica, as crianças cubanas dos anos 60 coleccionavam as aventuras de Camilo Cienfuegos e de Raúl Castro em luta contra o ditador Baptista.

- Mas não posso encontrar livros de poesia nesta livraria? - pergunta a G. ao funcionário de uma livraria estatal.
- É mais fácil eu começar a namorar contigo que encontrares aqui um livro de poemas. Mas se não quiseres política sempre podes comprar livros sobre «como combater o cancro» ou «como fazer uma alimentação saudável».

Contemplo os excelentes edifícios em ruínas de Havana la Vieja e penso que a revolução não produz construtores civis, nem poetas, sei agora...

06/09/11

Mais coisas que me agradaram em Cuba: os hiper-realistas no Museu Nacional de Bellas Artes, por Comandante

Todo lo que Ud. necesita es amor, 1975, de Flavio Garciandía, uma tela enorme de 150 x 250 cm. Trata-se de uma peça de nítida inspiração cinematográfica que consegue criar um universo romântico, optimista e agradável. As dimensões gigantescas desta obra são essenciais porque provocam um envolvimento sensorial com o quadro, libertando o espectador da simples mediação óptica. O quadro tornou-se um ícone e é o mais representativo do hiper-realismo cubano.

05/09/11

Cuba Libre, por Comandante

Cuba, já o percebeu quem leu os posts anteriores, não é um paraíso comunista. Mas Cuba é comunista. E é um paraíso. O que não é, longe disso, é uma coisa por causa da outra mas as duas separadas e até antagónicas, uma apesar da outra. Até aqui muito falei de Cuba comunista. Falta falar do paraíso. Ou, mais moderadamente, daquilo que adorei na ilha.

Adorei o carnaval de Havana, um acontecimento primitivo e eufórico, uma onda de energia que varre o Malecón que é literalmente ocupado por milhares e milhares de foliões. É como ver o carnaval do Rio mas há 70 anos atrás. Também devia ser assim, ainda desorganizado e popular. Os ritmos, aqui, são caribenhos e africanos e os metais limitam-se a seguir o frenesim dos batuques. As máscaras fazem lembrar os nosso próprios carnavais transmontanos, há gigantones, bonecos vermelhos como os de barcelos e uma vaca descontrolada que faz rir toda a gente, graúdos e pequenos. E há bailarinas praticamente nuas que se movem ao som dos ritmos dos trópicos a uma velocidade vertiginosa. São 23 horas devem estar 30 graus mas a temperatura parece aumentar com o passar da noite...

Mas segundo o taxista (que combateu em Angola nos anos 80) o carnaval de Havana nem é o melhor:
- Deviam ver o de Guantánamo que dura 24 horas, noite e dia, durante uma semana. Ao pé desse o de Havana é muito certinho. Em Guantánamo bebe-se ainda mais rum e as chicas é só escolher e apanhá-las...

Outra coisa que foi para mim uma grata surpresa foi a pintura cubana. Como este Carnaval de Víctor Patrício Landaluze (1830-1889), um basco que viveu na colónia, um retratista de costumes. Era assim, como o ilustra o pic do início do post, nem de propósito, que ele via o carnaval do seu tempo. O de hoje é mais assim: