30/12/06

Barbárie


A morte bárbara de um bárbaro aos bárbaros nos igualou.

29/12/06

Memória do dia 27 de Dezembro de 2006, por Atanagildo Silerca

Dia 27 de Dezembro de 2006, saímos às 8:30 de Coimbra a caminho do Campo Real, nos arredores de Torres Vedras.
Excelente dia de sol com temperatura agradável e pouco vento. Campo em excelente estado. Grande jogatana. Acabámos por volta das 16:30. Como era muito cedo, sacrificámos o restaurante Trás da Orelha (web page off line), do qual guardamos uma excelentíssima memória (aquela açorda de cação, e o camembert fundido, …). Decidimos rumar ao Tromba Rija, em Marrazes, nos arredores de Leiria. Aí chegados, tivemos uma desilusão: estava fechado. A partir de Janeiro só abre aos fins-de-semana. Azar. Optámos então pelo Casarão, no cruzamento da Azóia, um pouco a sul de Leiria. Em boa hora. Excelente lombo de porco com silercas (cogumelos selvagens colhidos no Alentejo), óptimo ensopado de robalo e costeletas de borrego com grão. As entradas banais e caras, é preciso cautela e contenção. Carta de vinhos cara. Atendimento excelente. Crise? Qual crise? Leiam a história da vaca pelo Vasco Pulido Valente, hoje, no Público.

27/12/06

Santa Jenna, por Analogista Simplificado


Jacob [latim: Iacob] > Iaco > Iago > Tiago
ou
Jacob > Jacome > Jaime [inglês: James] > Jameson [filho(a) de James]
1933 - 2006

22/12/06

O Poder é uma Batata, por O Poder do Acho Eu de Que o Poder Está na Verba

Então é assim.
Desconfio, à cabeça, de gente com convicções “profundas” ou “arreigadas”. Acho, nesse sentido, extremamente sábia a visão taoista da vida, que centra a sua filosofia na dualidade dos contrários universais. Como explanou Lao Tsé, tudo na existência possui uma faceta negativa e outra positiva, da electricidade à natureza humana, tudo é dual, tudo é uma coisa e o seu contrário. As convicções não são excepção a essa regra e se a elas se devem inúmeras conquistas e realizações positivas, também contêm em si a semente do ódio e da destruição. Um terrorista islâmico ou nacionalista é um homem profundamente convicto da sua crença, por exemplo. Da mesma massa mas em sentido oposto é feita gente como Ghandi ou Madre Teresa de Calcutá.
Um homem convicto, no entanto, e por norma, é um homem dogmático e prisioneiro das sua verdade. O mesmo se aplica, naturalmente, a um homem agnóstico ou que faça da dúvida o seu método, se não houver o essencial equilíbrio e moderação entre as paixões opostas. Dai a importância de uma conduta pessoal ética, humanista e universal, igualitária e transversal, supra-confessional e supra-ideológica: tolerante. Esta circunstância dualista do homem e das coisas, que tanto pano tem dado para as mangas de autores e filósofos desde o dealbar da História, aplica-se também à história do cristianismo e à das religiões em geral.
É desse modo que o cristianismo e o catolicismo romano em particular, consegue oferecer do melhor e do pior, a paz e a guerra, o amor e o ódio, a intolerância e a incondicional aceitação do “outro” diferente. Por essas e outras nuances, a história do cristianismo é uma realidade extremamente complexa e dualista, um caminho de luz mas também de sombra e sofrimento. É também por isso que o pequeno ensaio do Borat pode ser lido como um manancial de contradições. Precisamente porque a história da sua fé é também tecida de profundas contradições. É normal e é humano.
Ao sustentar que a sua é uma igreja pioneira e revolucionária na separação de poder temporal e espiritual (o que nem é mentira na sua génese doutrinária, nas tais palavras revolucionárias de Cristo) Borat acaba por encher a sua prosa de exemplos precisamente do contrário, de casos em que foi e é flagrante a promiscuidade entre os dois poderes, de Constantino ao César-papismo, da coroação de Carlos Magno em Roma à Inquisição, da capacidade papal para destituir ou entronizar príncipes e reis às teorias de São Bernardo, do cisma Protestante ao banco Ambrosiano, o percurso da Igreja Católica está cheia de exemplos marcantes da interferência religiosa no governo dos homens e das coisas da terra – basta lembrar que se calcula que na Idade Média a Igreja do Vaticano controlava/possuía cerca de um terço das terras cultiváveis da Europa, como verdadeiros senhores feudais. Aliás, desde 756 que o Papa era o administrador político do Património de São Pedro, o Estado da Igreja, constituído por um território italiano doado pelo rei franco, Pepino. Se isso não é poder temporal, o que será?
Por todas estas e outras manifestações ou emanações do poder terreno do Vaticano, não admira portanto e por exemplo que a Revolução Francesa tenha vitimado sobretudo a nobreza e o clero. Não foi certamente porque o Clero andava a dar milho às pombas e aos pobres, mas era provavelmente porque as vozes de gente boa como o celebrado Francisco de Assis chegou mais profundamente aos peixes e a uns poucos cristãos do que à estrutura ortodoxa da Igreja. Assim como também não foi certamente por capricho que Lutero se revoltou contra a ortodoxia católica papista dominante e as suas indulgências e vida mundana, pregando em 1517 as suas 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg.
O facto é que nada disto é linear e muito menos simples e que vai uma grande distância entre o universo cristão, latu sensu e o sub-universo católico.
Nesse contexto tendo a achar que razão tinha Antero de Quental na célebre conferência do casino dedicada às “Causas da decadência dos povos peninsulares”, onde traça uma clara demarcação entre cristianismo e catolicismo. Para o grande Antero, depois do Concílio de Trento, o Cristianismo, "que é sobretudo um sentimento", afastou-se radicalmente do culto Católico, "que é principalmente uma instituição". Segundo o autor, se o primeiro vive da fé, o outro medra do dogmatismo e da disciplina cega. A mesma que levou a iniquidades como a Inquisição ou a evangelização forçada de milhares e milhares de seres humanos, não à força do sacralizado “Verbo”, mas tão só à força da maior força, que em nome da Cruz arrasou culturas e credos milenares um pouco por todo o planeta.
Antero de Quental, recorde-se, foi também dos mais ferrenhos denunciadores do poder temporal da Igreja Católica no nosso país. Esse facto, de resto, levou a que as Conferências fossem proibidas por portaria real e por pressão da Igreja. Pressão essa que se manifesta ainda hoje em inúmeros capítulos da vida social e cultural e que de espiritual tem muito pouco.
É neste sentido que acho que uma coisa são as boas intenções e as boas palavras, outra bem diferente são os factos e as suas consequências efectivas. Por isso é que eu acho (e o eu, já agora, sou os eus celebrados na capa da Time aqui reproduzida nuns postes abaixo e que anuncia ao mundo a revolução “achista”) que uma coisa é a alegada mensagem de Jesus Cristo (é preciso não esquecer que os Evangelhos que compõem o Novo Testamento só começaram a ser escritos quase um século após a sua crucificação e muita coisa foi deturpada pelas conveniências do contexto ou da vontade do escriba) e outra bem diferente é a organização religiosa e doutrinal que a partir daí se foi desenvolvendo e enriquecendo, moldando-se às conveniências do momento histórico. E essa (lá está a qualidade dualista das coisas) acaba por ser também a vantagem do catolicismo sobre religiões como o islamismo, muito menos permeável à mudança e à força das circunstâncias.
Não obstante e dada a sua natureza tendencialmente “imutável”, a Igreja Católica associa-se regra geral às tendências políticas mais conservadoras e reaccionárias (salvo raras excepções, como a citada pelo Borat “teologia da libertação” na América Latina, proscrita de resto pelas chefias eclesiásticas). Se no Portugal da guerra civil dos anos trinta do século XIX a Igreja se posicionou, realmente, do lado das derrotadas forças absolutistas (apoio concreto e que traduz só por si uma manifestação de interferência no «poder temporal»), não admira também que tenha sido um dos esteios fundamentais da ditadura salazarista (“Deus, Pátria, Família”), ainda que para o final da sua vida e do seu consulado o presidente do Conselho tenha perdido totalmente a fé no ideário católico, como bem lembra Fernando Dacosta no seu excelente “As máscaras de Salazar”.
Tudo isto são também factos, e tudo isto e a História mostram à exaustão como é falaciosa a tese da Igreja Católica enquanto expoente da “separação de poderes”. Teoricamente até será assim, e era bom que assim fosse e que a Igreja se reduzisse ao seu ministério espiritual, mas a prática vivida é uma realidade bem diferente e, por outro lado, há imensas formas, mais ou menos dissimuladas, mais ou menos directas, de condicionar ou interferir nos assuntos temporais e concretos da nossa vida social, económica, cultural ou política.
Diz o Borat que a Igreja é “simplesmente” uma “comunidade de crentes”. «Não uma hierarquia, nem uma instituição, não uma ortodoxia nem um Estado, não uma tradição nem um poder. Simplesmente uma comunidade de crentes». Não concordo. Por um lado, todas as igrejas, seitas, religiões ou cultos são obviamente comunidades de crentes. Por outro, a Igreja de Borat também é uma hierarquia, também é uma instituição, também é uma ortodoxia, também é um Estado, também é obviamente uma tradição e também é muito naturalmente um poder. E esse poder, basta olhar para o tema desapaixonadamente, tanto é espiritual como concreto.
Quanto a caberem lá todos, como já afirmei, conheço poucos cultos religiosos onde não caibam todos os que assim queiram e creiam. Se isso é ser “universal”, repito, todas as religiões o são. E isto não sou só eu a achar, é o poder da evidência. Para terminar, apenas lembro que além de não haverem verdades absolutas e definitivas, principalmente nas matérias do espírito e do sentido mais profundo da vida, a Igreja Católica, como todas as outras, é uma Igreja de homens para homens, e tanto é humana nas suas virtudes como nos seus defeitos e um destes, como sublinhava por exemplo Nietzsche, é a sede de poder, de supremacia, seja qual for a sua natureza, a que ninguém é imune, muito menos os homens que compõem a Igreja Católica Apostólica Romana, que é grande, mas é apenas uma entre muitas. Em si mesma nem boa nem má; em si mesma, por ser humana, má e boa em simultâneo. É tudo relativo, enfim, por muito que o senhor Ratzinger não goste.

21/12/06

Coboiada, por Billy the Kid

À primeira, quando a Sr.ª D. Profª. Doutora Maria de Lurdes Rodrigues afirmou que as decisões dos tribunais açorianos não tinham valor em Portugal, houve quem dissesse que era um lapso. Eu achei que era um sinal.
À segunda, quando a mesma senhora viu a sua arbitrariedade contrariada por decisões judiciais, a propósito da repetição dos exames de Química do 12º ano que lhe retiraram razão e obrigaram à repetição dos exames por parte de alguns alunos, bem como a abertura extraordinária de vagas suplementares na Faculdade de Medicina, houve quem dissesse que era um contratempo. Eu achei que era uma confirmação. Esta senhora e a sua equipa desrespeitam a ordem jurídica. Acham a lei um obstáculo e os tribunais uma maçada.
Agora, os tribunais acabam de proferir uma sentença que não só contraria a interpretação do Ministério da Educação relativamente às famigeradas aulas de substituição, como fazem impor a lei, o Estatuto da Carreira Docente que este governo acha um obstáculo. Prova-se que o desrespeito pela lei e pelo Direito é uma forma de procedimento, é um modus faciendi quando a lei obsta à arbitrariedade e à prepotência. É como os cóbois.
O que me surpreende é que, no interior do jornal, ao se fazer o balanço da actividade governativa ministério a ministério, a jornalista Isabel Leiria (IL) fale de «mexidas» e «contestação» quando deveria falar de ilegalidades e prepotências. Surpreende-me que fale de «alterações» ao Estatuto quando não deveria ser subserviente e dizer desrespeito pelo Estatuto. Indigno-me que escreva «contestadas aulas de substituição» quando deveria dizer que as ditas aulas são ilegais, inúteis e desnecessárias, que o único propósito é tratar os professores como funcionários para assim tornar subserviente uma classe profissional. Por isso é que a Senhora Ministra mandou os professores ler poemas nas aulas porque, a darem aulas, o que seria útil, haveria lugar a remuneração extraordinária. É isto que os tribunais dizem. É bom que se conclua que a Sr.ª Ministra não está interessada nem na qualidade do ensino nem na ocupação dos tempos livres dos estudantes.

20/12/06

19/12/06

Abaixo de cão!, por Kumba Ialá

Zé Sócrates é mentiroso. Disse que os impostos não aumentariam e aumentaram.
Zé Sócrates é manipulador. Manipula os órgãos de comunicação social ao ponto de banir os incêndios da TV. Manipula os estudos de modo a que sirvam uma decisão errada.
Zé Sócrates tem uma fraca preparação académica. Dizem que estudou no ISEC de Coimbra.
Zé Sócrates é uma nulidade profissional. É um carreirista.
Zé Sócrates não tem valor como intelectual. Não se lhe conhece nenhum trabalho teórico de reflexão e sistematização de pensamento.
Zé Sócrates não é frontal. Numa célebre entrevista ao Expresso foi incapaz de dizer se era a favor ou contra o aborto.
Zé Sócrates é dissimulado, preocupa-se mais com a imagem do que com a verdade.
Hoje, o Zé Sócrates mostrou aos portugueses que é o pior primeiro-ministro do Portugal democrático. Pior do que Santana Lopes. Aqui reside o único mérito de Zé Sócrates: conseguiu ser pior do que Santana Lopes. Provou-o hoje, aos que ainda duvidavam.
Recordemos os factos: a Assembleia da República aprovara a nova Lei das Finanças Locais. O Presidente da República submeteu o diploma à apreciação do Tribunal Constitucional. Zé Sócrates escreveu aos juízes do TC, acompanhando a carta de cinco pareceres de constitucionalistas a defenderem, todos presume-se, a constitucionalidade do diploma.
Notemos a idiotice do justificativo do Zé Sócrates: «Isso não constitui uma pressão porque o que me parece é que o Tribunal Constitucional não é pressionável.» Esta burridade, ilógica antes de tudo, constitui a maior e a mais grave idiotice da história política contemporânea. Se descontarmos aquela da Ministra da educação que afirmava que as decisões do tribunais açorianos não tinham validade em Portugal. De um gesto, Zé Sócrates ultrapassa a Assembleia da República, desautoriza o PS, afronta o Presidente da República, pressiona de forma inadmissível o Tribunal Constitucional insultando os seus juízes, instrumentaliza politicamente pareceres de constitucionalistas, expõe-se ao ridículo e atenta contra os princípios básicos da ordem institucional de um Estado democrático. Além disso, a frase está sintacticamente incorrecta. Pior do que Santana. Melhor, abaixo de cão!

17/12/06


Toni Goffe: Não Precisa de se Louco para Jogar Golfe... mas isso Ajuda; Lisboa; Leianaia; 2002

15/12/06

O Islão para Principiantes – 1: Não Agarrarás a Piça com a Mão Direita. Por Borat

Iniciamos hoje uma nova secção que visa esclarecer os leitores acerca de alguns assuntos relacionados com a religião islâmica. Vivemos sob a ameaça de um conflito civilizacional. Teme-se um confronto entre o Islão e a Cristandade. Nós, envergonhadamente cristãos, respeitamos na outra parte, assumida e orgulhosamente mussulmana, muito que não deveríamos respeitar. Por reverente ignorância. Para se entender o mundo de hoje, para perceber o fundamentalismo islâmico, é necessário conhecer os seus aspectos caricatos. Não são poucos. É quase tudo. O Islão é uma religião irracional e fanática, tribal e avessa à modernidade, inimiga do progresso e desrespeitadora dos outros, desprovida de alcance filosófico e profundidade teológica. Todavia, não se defende aqui que o conflito seja uma inevitabilidade, nem sequer se propõe a Cruzada. Esta atitude, praticada no passado e insensatamente proposta por muitos na actualidade, conduziria à perversidade de nos igualar ao nível do que repudiamos. O Cristianismo, como única religião Universal concebida pelo Homem, caracteriza-se pela sua capacidade de integrar o outro no que tem de válido, compreendê-lo, argumentar através da palavra e do exemplo, aquilo a que Roger Bacon chamava sermo potens, isto é, o poder do Verbo.
Posto isto, lembremos que o Islão não se fundamenta só no Corão, mas também na Suna, isto é, a Tradição, a memória da vida de Maomé, a compilação dos ditos atribuídos ao Profeta. O Corão e a Suna constituem a Charia, a Lei Islâmica.
Há inúmeras compilações da Suna, todas elas elaboradas entre os séculos IX e XII, que chegam a reunir mais de um milhão de ditos (Hadiths). Nem todas as recolhas são reconhecidas pelas autoridades clericais como autênticas, sendo todos dizeres avulsos, sem qualquer sistematização ou comentário. Uma das colectâneas mais conhecidas é a do sírio Sahih al Bukhari (século IX), que validou 7 000 dizeres. É aqui, neste conjunto desconexo de frases, que os crentes encontram as normas orientadoras da sua vida. De carácter jurídico e comportamental, modos de conduta e regras para o uso quotidiano, enfim, e em suma, os princípios orientadores da sua vida. Completamente idiotas, diga-se. Como esta:
«O Profeta disse: sempre que um de vocês urinar, não deve segurar o pénis ou limpar as suas partes íntimas com a mão direita.» (Hadith nº 156 do 4º livro de Bukhari). Isto é mais ou menos a Summa Theologica lá deles.

14/12/06

A Solução, por Nikki

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Breve comentário às Hipóteses em estudo

Hipótese A

Caracteriza-se pela configuração de um L constituído por dois corpos que albergam diferentes funções; um de uso mais reservado, basicamente ocupado pelo escritório e pelos corpos e outro de uso mais ‘público’ – o da cozinha, das salas e do alpendre. A fechar o L uma fileira de arvores de frutos ajuda a compor uma espécie de pátio voltado a Sul e no qual o destaque vai para a piscina ecológica, espelho de água que permitirá vislumbrar a casa de diferentes maneiras e pontos de vista.

Como aspectos a salientar nesta proposta, a economia das circulações – reduzidas a um mínimo com um desenho cruciforme alongado – e a correcta relação que se estabelece com o terreno, com a paisagem e com os pontos cardeais. (…) Como seria de prever numa solução tipo casa-pátio, que não é verdadeiramente, mas que também não deixa totalmente de o ser, trata-se de uma proposta menos virada para a paisagem circundante; uma solução, portanto, mais fechada sobre si própria, mais concentrada sobre os elementos que a compõem e sobre as suas relações funcionais.

Hipótese B
Distingue-se claramente da anterior pela definição da casa em um só volume, embora subdivido em três corpos justapostos: o dos quartos, voltado a Nascente, o do escritório, salas e cozinha, voltado a Poente. Entre os dois, o corpo das circulações, desenhado sob a forma dum pátio interior sobre o comprido, poderá receber luz zenital e de Sul, luz essa que irradia para os corpos contíguos, principalmente para o das salas-cozinha. Nesta solução o acesso ao piso inferior faz-se pela parte central do volume havendo uma tendência para que a cave fique quase totalmente enterrada. O corpo dos quartos ficará parcialmente cravado, permitindo que a transição entre corpos se faça sempre de nível e assegurando uma ligação também de nível entre o corpo das salas e o jardim.

Novamente a piscina ecologia, com o seu magnífico espelho a reflectir a casa a nascente e as colinas a Poente, atrai os olhares e direcciona a vivência doméstica.

Como pontos-chave desta proposta, por um lado, a forte articulação entre os espaços interiores, interligados através dum corredor-pátio para onde dão todas as divisões. Por outro lado, a relação da casa com a paisagem (ao fundo), enfatizada pelo enorme e ininterrupto envidraçado que atravessa todas as zonas de uso menos reservado. (…)

Hipótese Alternativa

Paralelamente a uma solução mais lógica, de compromisso, como seria a da hipótese A – e a uma solução conceptualmente mais radical, de cariz quase funcionalista – como seria a da hipótese B – perfila-se uma terceira via, de maior complexidade formal. A esta última, surgida in the last minute, por virtualmente exceder o que é solicitado, designou-se como hipótese alternativa. Na verdade, e apesar da sua aparente originalidade, não passa de ser uma variante da hipótese A. Desde logo, recupera a ideia dos dois corpos e a respectiva disposição ortogonal em planta. Porém, nesta nova versão, abdica-se da comodidade de circulação de nível, presente nas soluções anteriores, inusitando-se a sobre elevação do corpo dos quartos que se assume volume independente. Apesar do corpo da cozinha-salas manter-se como em A a discordância altimétrica dos volumes dá parece dar à casa um novo fôlego: a casa é a casa é agora menos compacta, menos previsível também.

Como resultado da elevação do corpo dos quartos foi então possível recriar de modo bem mais elegante o hall de entrada que ganha um duplo pé direito e adquire ambiguidade na sua relação com os espaços interiores e exteriores. Este soltar de corpos antes fundidos, como em acontecia em B, ou linearmente combinados, como em A, permite ainda tratar de modo mais individualizado as superfícies do novo volume: ora se deixam rasgar em longas aberturas, ora se fecham, ora se convertem em panos envidraçados revestidos por ripados que controlam a relação com a luz e com a envolvente. Note-se como a posição elevada inaugura uma diferente relação dos quartos e respectiva zona de circulação com a linha do horizonte. Por fim, o efeito de quase prestidigitação deste corpo paralelipipédico, pairando no ar sobre esbeltas colunas permite introduzir, por baixo, um amplo espaço coberto; um espaço de usos multifuncional: parqueamento, área de jogos (ping-pong, dardos, cartas, etc) zona de repouso, zona de convívio-barbecue, mirante sobre o jardim e sobre o vale, sauna envidraçada, voltada para o pôr-do-sol,...

Esta solução, ao contrário das anteriores, preocupa-se, antes de tudo, em libertar o chão, tornando o próprio terreno, logo pela manhã, quando o sol varre todo o comprimento do lote, no primeiro protagonista da casa e do seu dia a dia.

A partir daqui, a piscina, a zona relvada por detrás das árvores, as montanhas, o vale, o sol nascente e o sol poente, e céu e as estrelas, sempre visíveis, sempre próximos, tornam-se, de forma indelével, parte intrínseca do quotidiano de quem habita.

Paisagem, Terreno, Escritor, Casa e Cosmos num todo indivisível.

As funções que na solução anterior aparecem enterradas poderão continuar a existir, e na mesma projecção horizontal do corpo dos quartos, muito embora a garagem, na acepção de parqueamento, poderia ser substituída, com algumas adaptações, pela área coberta exterior.

13/12/06

A Encomenda

A/C de Nikki, o Arquitecto:

Meu caro, gostaria que me desenhasses uma casa com base no esqueleto que vou tentar descrever-te. Deverá ter 4 quartos, uma cozinha com bastante luz solar, uma sala ampla com lareira e um pequeno desnível entre o “estar” e o “jantar”; um escritório e uma biblioteca; uma cave/garagem onde também possa ter uma garrafeira sempre vazia porque a felicidade dos vinhos é poder bebê-los.

O quarto principal deverá ter anexada uma cabine de sauna, bem vês, gosto de sauna, faço sauna o ano inteiro no ginásio e pago-a a 4 duros a sessão – quando chegar a casa, de rastos, depois de “another day in paradise”, quero transpirar como porco escaldado antes de adormecer no enlevo dos lençóis de linho. Com sauna e linho quem é que precisa de pérolas, concordas...?

A minha sala deverá ter uma parede de outra cor que não o branco. Uma cor forte, intensa, salmão fumado parece-me uma boa solução. Outra característica fundamental da sala será nela afirmar-se uma lareira. Uma lareira grande, imponente, aberta, onde se alcance o fogo e as brasas com o olhar – informo-te já que não confio em fogo que não vejo!

Uma cozinha prática e funcional com rentabilização e aproveitamento de cada canto. Uma ilha a meio com um local de encaixe cimeiro onde pretendo pendurar facas, facalhões e cutelos para cortar delicado sushi à lâmina e cabrito à cacetada.

Um pequeno escritório de trabalho. Este espaço deve servir os propósitos da informática, pastas, arquivos, impostos, reclamações e outros assuntos kafkanianos aos quais temos de regressar de tempos a tempos. Gostava que este escritório tivesse uma parede de tijolo, (cada bloco unido por cimento branco ou o que quer que seja que une os tijolos e contraste com a cor terra que lhes dá o carisma), posto lá de forma quase grosseira, como o resultado de um labor manual e imperfeito, mas sólido e sustentado como o argumento de um policial negro. Entendes-me?

A Biblioteca – questão fundamental. Gosto de bibliotecas, sempre gostei de bibliotecas. Daquelas bibliotecas onde William de Baskerville mergulhou o fascínio do conhecimento e pelo meio resolveu os crimes em O Nome da Rosa; daquelas bibliotecas onde somos possuídos pelo encantamento alienado de poder consultar, ler ou apenas contemplar tantos livros. A minha biblioteca não precisa de ter dimensões desmesuradas, porque o meu conhecimento dos livros também não o é. Mas tenho alguns quantos. E alguns quantos filmes. E cds. E recortes, e textos soltos, e artigos sobre receitas, charutos ou a cultura do chá que fui de forma tão apaixonada quando desordenada guardando ao longo dos anos. E é nessa biblioteca que quero arrumar as palavras e preservar a memória das imagens. Em prateleiras e estantes voltadas para uma secretária em madeira e uma bela poltrona de couro onde irei escrever barbaridades e estrebuchar delírios para o Tapor. Algures, uma garrafa de cognac Napoleon ao lado de uns puros cubanos onde o Grunfo irá pendurar as beiçolas como um pitbull ao cheiro da alcatra. Uma biblioteca tão pessoal quanto plural. Ocorreu-me que a biblioteca poderia ser o núcleo central da minha casa. A célula onde todos os caminhos vão dar. Como a Roma. De que forma e com que disposição geométrica? Não faço a mínima ideia, mas se te agradou, podes voltar a chamar-me Senador!

Um braseiro para assar carne e beber tintos. Com forno a lenha para cozer pão, assar leitões e chanfana. Uma grande mesa de madeira ao centro para celebrar muitas Últimas Ceias depois do golfe, ou as partidas de nuestros hermanos bascos para Bilbau. O espírito de Revenga sem portas nem sub-solo.

Pátios, varandas ou afins. São elementos fundamentais. Quero varandas em todo o perímetro da casa. A casa pode ser percorrida por esse lado exterior, à sombra dos pequenos telhados, em toda a sua dimensão. Haverá pequenas mesas de madeira com cadeiras de encosto nesse resguardo a céu aberto. Como nas casas do deep south americano, Mississipi, Louisana e nos arrabaldes de New Orleans, onde a Harper Lee se sentava ao luar com o pai e aprendeu a escutar os sons das cigarras e a as histórias dos homens contadas por Aticus Finch, e a escrever, muitos anos mais tarde, o Não Matem a Cotovia.

Uma piscina deve ser prevista, centrada com o verde da relva que quero plantar, a oeste dos pessegueiros e cerejeiras que quero fazer crescer ao fundo do terreno. O jacarandá, a magnólia e outras sombras com raiz, ficarão em lugar a destinar e perto de água abundante.

Gosto de matérias que provêm da terra - madeiras, pedra tosca, tijolos, barro. Gosto de cores com o mesmo genótipo – castanhos claros, mel, laranjas, Agosto em final de tarde, tonalidades quentes, mas também azul marinho, verdes ciprestes. Gosto de linhas direitas, da austeridade japonesa, de arrumações compartimentadas e simples, de geometria recta e desprovida de ornamentos, de portões, das colunas do Parthenon e de candeeiros estilo postes de iluminação iguais àqueles para os quais mijava o Vasco Santana no Pátio das Cantigas. Gosto das formas simplistas e térreas dos motéis americanos, das suas linhas carregadas de horizontalidade. Detesto candelabros, cristais, brilhos ofuscantes, estilos rebuscados e com muitas curvas, cornucópias como as das gravatas italianas, classicismo rococó, pormenores acentuados. Sou um gajo informal de hábitos e simples de trajes – gosto de andar descalço dentro de casa sem correr o risco de apanhar uma pneumonia ou fungos nos pés.

A terminar, e se é possível acrescentar algo mais à minha modesta capacidade para visualizar a minha casa, deixo-te a mais simples e memorável descrição de uma casa-lar que já ouvi. É do filme O Gladiador. Na fria e distante Germânia, após a batalha, Marcus, o Imperador pede a Maximus, o General, que lhe fale da sua casa. Uma felicidade pacífica e serena irradia de Maximus à medida que as palavras lhe saem da boca.

Diz Maximus:
«A minha casa situa-se nas Colinas acima de Trujillo. É um lugar muito simples, feito de pedra cor-de-rosa que aquece ao sol. Jardins que cheiram a ervas aromáticas durante o dia e a jasmim à noite. Para lá do portão existe um enorme pomar. Figos, maçãs, peras. O solo, Marcus, negro... negro como o cabelo da minha mulher. Videiras no terreno a sul, oliveiras a norte. Cavalos selvagens perto da casa costumam brincar com o meu filho. Ele quer ser um deles.»
Fico à espera da tua resposta e inspiração, aquele abraço,

Mangas.

11/12/06

Wim Mertens, por Xeko

O lançamento do seu novo projecto “Partes extra partes”, gravado com a Flemish Radio Orchestra, com Dante Anzolini, era um bom prenúncio. Decidi-me, então, por ir ao TAGV, em Coimbra, onde Wim Mertens encantou uma sala repleta, expectante e atenta.
Era minha vontade, de início, assistir a dois concertos - um a solo, com piano e voz, e o outro, com a participação de Gudrun Vercamp, no violino -, na expectativa de ouvir "Struggle for pleasure", "Close cover" ou "The belly of an architect", assim como material inédito como "In and for itself" ou "With all its might", em dois registos diferentes.
Fiquei apenas por Coimbra, para uma experiência notável, pelo destaque que deu ao violino, tocado por uma Gudrun Vercamp inspiradíssima, que encantou.
A voz aguda de Wim Mertens continua a anunciar-se, quase etérea, ainda que de forma repetitiva, sem desvirtuar a dimensão rítmica. Mostra-se em simbiose perfeita com o piano, tal como se pode verificar em “Maximizing the audience” ou “Strategie de la rupture”
É certo que, perante 25 anos de carreira e a edição de 50 discos, é difícil esperar algo de novo, de diferente.
Mas este “refazer” da música, que o distingue no panorama minimalista actual, apoiado agora pelo violino, deu-lhe uma intensidade diferente, outra melancolia. O poder da voz - tal como é conhecido -, ainda subsiste, assim como a sua singularidade.
Além de sublinhar a paixão por ela, na sua expressão pura, mostrou-se disponível para outras sonoridades, sem abdicar do piano, que tão bem o distingue, desde “For amusement only”.
Perdida a oportunidade de 2005, de conhecer “Un respiro”, em Famalicão, não iria perder esta ocasião de o sentir, agora ao vivo, com “Partes extra partes”.
Foi o que fiz, tal como ele, só por diversão…

10/12/06

09/12/06

Ando a digitalizar as estampas de um livro tão velhinho que se estraga com o virar das páginas:


Victor Duruy: História de Roma. Desde a sua origem até á invasão dos barbaros; Lisboa; Escriptorio da Empreza Editora de Publicações Ilustradas; 1891; 4 volumes. Tradução de Manuel Pinheiro Chagas.

Tamanho grande aqui.

04/12/06


António Maia: Handicap 13; Lisboa; Estar Editora Ldª;1998

26/11/06

Photobucket - Video and Image Hosting
1923 - 2006

21/11/06

Anais do Porco. Por Manel, o Empalador

Olhem o que eu fui buscar ao baú, umas disquetes que aqui tinha:

«Coimbra, adega do Galgo, 27 de Fevereiro de 1999


«(....) até que um dia o Senhor, desagradado com o rumo empirista e subjectivista do seu rebanho, irado com o episódio do Barca Velha, [alusão à degustação de um Barca Velha prova cega e que foi desqualificado pela generalidade dos confrades] tomou a decisão de enviar um anjo com a missão de apontar o caminho da Verdade e do rigor científico. Foi então, qual novo Moisés, que o abençoado anjo do Senhor ofertou aos bárbaros os instrumentos com os quais eles inauguraram uma nova era das suas vidas. Mas advertiu-os: acabai de vez com as apreciações tipo pica, escorrega bem, bate bem, etc. De ora em diante, exijo-vos o rigor no discurso e a objectividade na análise.»
A História ensina que estes momentos de ruptura têm que superar as naturais reacções conservadoras. Sabe-se como as massas ignaras são adversas à novidade, apegadas à tradição e reagem negativamente à introdução de elementos que perturbem a harmonia pacata do seu quotidiano. E, por isso, também então se fizeram sentir vozes espantadas e ignorantes que, em face dos aparelhos, indagaram "Qu'é isto !?", enquanto coçavam o cocuruto com o indicador esquerdo e com as costas da mão direita limpavam a baba que lhes pingava da beiça embasbacada.
Mas a provar que esse momento não foi um dado isolado, e que reflecte um salto civilizacional qualitativo, temos que, mais ao menos pela mesma altura, como que anunciando a grande novidade revolucionária, os membros da sociedade satânica acolheram uma outra novidade: nada menos que o famoso cardiovelocímetro. Este aparelho é assim uma espécie de conta-quilómetros só que, segundo o nosso Mister especialista em bola científica (isto é, treinador sem bigode) em vez de estar ligado à roda, está ligado ao coração e capta o ritmo da frequência cardíaca, enviando depois, através de um emissor electrónico fixado no pulso, elementos sobre o esforço dispendido pelo utilizador. Assim se desmascara, reportando-nos à aplicação exclusivamente desportiva do instrumento, o sub-rendimento dos praticantes, forçando-os à exaustão. Porém, a importância desta geringonçça consente outro tipo de utilizações. Sirva de exemplo a aplicação do cardiovelocímetro no domínio das relações interpessoais. Pela consulta dos dados obtidos pelo aparelhómetro torna-se possível detectar o subesforço de uma das partes, advertindo-a mais ou menos nos seguintes termos:
- Desculpa lá, mas não deste o litro. O cardiovelocímetro não engana! Vais ter que amochar outra vez!»

Esclarecidos então acerca da importância histórica do repasto, passemos à apreciação do dito.
No referente aos sólidos, nada a opor. O chouriço caseiro cumpriu e o queijito não envergonhou. De 1 a 5, as entradas merecem nota positiva. Os torresmos estavam óptimos, temperados à portuguesa, apenas com vinho, segundo o anfitrião, e fritos na própria gordura. O arroz de míscaros apresentou-se em duas versões, a saber: com carne e sem carne. Nenhuma das versões envergonhou e qualquer delas bate a versão do Cantinho dos Reis, uma sub-espécie que constitui uma terceira categoria: arroz com carne, colorau, pimentão, massa de tomate e alguns míscaros.
As duas variedades foram provadas e aprovadas, muito teriam ganho se algumas alimárias retardatárias entendessem o significado de 8 horas. De facto, se é às oito, não é às 8 e meia e, por maioria de razão, muito menos às nove menos um quarto! Não é preciso ter um rolex para entender isto! Ou alguém tá a precisar de slides?
O arroz perdeu, e é em memória do que perdeu que agora se estipula o princípio de iniciar os jantares futuros à exacta hora marcada. Quem chegar atrasado traz pão com fiambre!
Passando aos líquidos, deve comentar-se a já proverbial sovinice do vice-mestre que trouxe um miserável Porca de Murça do ano, porque não havia mais barato.
Quanto ao Grão-mestre, et son partenère, porventura ainda ofendido com a estrondosa indiferença com que apreciámos o Barca Velha, decidiu dar uma de educador das massas! Como quem diz (e escreve, reportando-me à assinalável importância e elevado sentido de humor da sua crónica dactilografada) que o mal não deve ser do vinho (ainda que o José Salvador sublinhe a precipitação motivada pelo «efeito Expo 98»), por isso deve ser das bestas com sentidos empedernidos. Ora, aplicando agora os básicos príncipios da economia, trocar de bestas sairia caro e moroso, portanto, educam-se! Foi assim que ambos vieram munidos de uma garrafitas adquiridas no Pingo Doce, em saldo, e que eram vinhos de casta única. Um Trincadeira e um?????, numas garrafitas de 0,50. Julgavam, através deste método ensinar os rudimentos da enologia, o b-a-bá da matéria. Ora bem, caros grandes timoneiros, as bestas a educar entendem por conveniente dizer duas coisas:
1º: Esses vinhos de casta única não valem uma merda!
2º: Se acaso persistirem nessa tendência para apresentar vinhos em garrafitas de 0,50, daremos validade à hipótese que propõe que o volume da garrafa é directamente proporcional ao tamanho do membro viril! Não repitam pois a ousadia se não querem acrescentar ao nome o epíteto O Meio-litro!
Assunto encerrado! Não queremos ser educados! Estamos felizes enquanto bestas! Mais, orgulhamo-nos de ser bestas e só aceitamos uma metodologia educativa para deixar de ser bestas: mais Barca Velha! Até parece que nunca ouviram falar no método pela descoberta, em que a besta é que determina o ritmo do processo ensino-aprendizagem. Nós não queremos ficar traumatizados!»
Já lá vão uns anos. Exceptuando o eclipse do Galgo e a banalização do cardiovelocímetro que na altura era uma novidade, está tudo na mesma: à marrada e à morteirada!

16/11/06

Muito acerca de nada, por Mangas

Encontrei os meus cães a lamber o sangue de um pavão que saltou a cerca para o lado de cá. Fitaram-me, quietos, à espera de uma carga de porrada, mas deixei-os entregues ao que restava daquele campo de batalha de onde sobravam ossos, carne rosada e penas coloridas.

Cenários idênticos podem acontecer após o anúncio da classificação dos tintos numa prova cega, ou no rescaldo da cirurgia plástica a um porco.

Depois disso apontei-lhes o caminho para casa, mas os cabrões ainda não regressaram.

09/11/06

Rosebud, por Fernão Lopes

Aaron Delwell Penglast é um multimilionário norte-americano da Pensilvânia, considerado pela revista Forbes entre os 15 mais ricos do Mundo, que acaba de constituir uma fundação com um propósito exclusivo, bizarro e muito curioso. O senhor Penglast, de 63 anos, dotou a sua Fundação com largas dezenas de milhões de dólares, contratando especialistas das mais variadas áreas, que vão da arquivística à informática, ou da robótica à psicologia, com a intenção de reconstituirem a sua vida desde a mais tenra infância até à actualidade, bem como de procederem ao registo de todos os factos da sua vida futura, mesmo os mais ínfimos e irrelevantes. O objectivo é produzir um guião diário da vida do multimilionário e reconstituir a sua vida em espaço virtual 3D de modo a que, após a sua morte, se cumpra a disposição testamentária já redigida e mantida em segredo mas que, no entanto, dispõe que um colectivo formado por um vasto número de sábios e especialistas nas mais diversas áreas seleccione um casal que esteja disposto e aceite livremente que o seu ffilho viva a vida de acordo com a reconstituição virtual, e devidamente documentada, da vida de Aaron Penglast. Isto é, diariamente, os arquivos digitais ora produzidos deverão ser consultados e a jovem réplica deverá viver a sua vida de acordo com o guião. Isto é, ler os mesmos livros, ver os mesmos filmes, visitar os mesmos locais, estudar as mesmas matérias, tomar as mesmas decisões, tanto quanto for possível, tudo igual à vida de Penglast. A Fundação manterá um curador e um colégio de acompanhamento que deverá não só manter a vigilância sobre o quotidiano do contemplado como decidir sobre os factos dificilmente replicáveis ou até impossíveis de repetir. Deverá o colectivo de curadores reunir e recomendar, em caso de impossibilidade de se observar o quotidiano original, a alternativa mais próxima e exequível. Discreto, o sr. Penglast aceitou apenas dizer que este processo foi o que mais próximo se assemelhou com a conquista da imortalidade. «Não creio na clonagem», acrescentou.

Foto: http://universe-review.ca/F10-multicell.htm#evolution

05/11/06

Hermanizaram-se!

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O Júlio Isidro foi ao Gato Fedorento! Melhor, ao Diz Que É Uma Espécie de Magazine! Até o título é um flop! É a morte dos Gatos? Engravatados, com palmas enlatadas, com público contratado, com momento musical, com trocadilhos idiotas. O Júlio Isidro! Por amor de Deus! O Herman, apesar de tudo, aguentou mais tempo. Tirando o dito boneco do Paulo Bento, ao cabo de dois programas, não vi nada de jeito.

foto:
http://designersalliance.co.uk/wp-content/uploads/2006/05/shit.jpeg

29/10/06

Texto sem Título, por Mangas

Recordo-me agora de como tudo aconteceu: o meu pai meteu-me no autocarro e levou-me com ele a visitar uns amigos de infância, refugiados como nós, que se instalaram num lar abandonado, por empréstimo. Entrámos num corredor estreito encimado por janelas de vidro baço através das quais o sol diluía a penumbra. No quarto onde viviam as duas famílias dos amigos do meu pai havia malas abertas, caixotes empilhados, tábuas de madeira, cobertores a servir de colchão e outros de palha alinhados pela parede. Todos os cantos estavam ocupados. O meu pai sentou-se num banco improvisado e trocou recordações com os amigos. Eu sentei-me no chão e troquei bolachas Maria pelo fascínio da contemplação silenciosa daquele caos habitado. Os filhos comiam carne enlatada e bebiam leite Nido por malgas de barro sem ligarem nenhuma a que eu estivesse por perto. Uma mulher entrou, acenou ao meu pai e trouxe-lhe café a fumegar. Passou-me a mão pela cabeça, mas na realidade não creio que me tivesse tocado sequer, que me tivesse sentido ou dado pela minha presença entre os volumes encaixotados que lhe sobreviveram à fuga. Num dos caixotes que serviam de mesinha de cabeceira estavam alguns livros do Major Alvega e do Príncipe Valente o que atraiu fixou a minha atenção - as capas eram a preto e branco; tudo o resto que sobrava da realidade estranha e desordenada à minha volta era um mosaico colorido, um retalho amarrotado de objectos e pessoas. O Major Alvega voava no seu Spitfire sobre as nuvens de um céu manchado pela cera de uma vela. O do Príncipe Valente estava encoberto e eu só conseguia distinguir-lhe a espada. Os miúdos acabaram a ração de combate e foram brincar com pistolas de cartão, enquanto eu fiquei sentado a tentar folhear a primeira página do Major com o olhar. Existiam outras famílias nos outros quartos. Os homens foram chegando e cumprimentaram-se com abraços. Alguns riam, outros lamentavam. Por ordem de chegada. Era assim: se os últimos lamentavam, os que lhes chegavam a seguir, não sorriam, e vice-versa. Todos eles tinham em comum sentarem-se muito direitos, mas com pesar, posturas erectas, mas com esforço. Parecia-me a mim. O café da mulher não chegou para todos e eles recusaram por cortesia...

Quando o meu pai se despediu, um dos amigos que me tinha topado desde o início, agarrou nos livros e ofereceu-mos, o meu pai perguntou como é que se diz?, eu disse, e mais tarde, enquanto descia as escadas, olhei para uma das janelas igual às outras e pensei que, apesar de tudo, todos eles deviam ser felizes porque não tendo nada, tinham muitas coisas e estavam juntos, não precisavam de arrumar as tralhas enquanto liam livros do Major Alvega e do Príncipe Valente, os putos até podiam brincar com pistolas quase verdadeiras e almoçar enlatados, e eu naquele quarto até podia ser invisível. Nessa tarde choveu até anoitecer. Uma tempestade imensa varreu as montanhas. Quando trovejou as velhas rezaram e os homens esconderam-se a coberto do perigo. As traseiras da casa onde morávamos alagaram-se até ao joelho e o colchão onde eu dormia parecia uma ilha ensopada. O meu pai teve de fazer um buraco na parede de modo a escoar a água para a horta do vizinho. As roupas misturadas com batatas na lama, caixotes empilhados, chávenas de casquinha e álbuns de fotografias arrastados pela torrente das águas. Lembro-me do choro silencioso da minha mãe, e do meu pai encostado a um canto ancorado num cigarro, o olhar fixo e carregado, sem dizer uma única palavra. Lembro-me também de ter pensado que, vistas bem as coisas, os refugiados do lar talvez não fossem tão felizes quanto isso..

26/10/06

Um Bocadinho Mais de Profissionalismo, s. f. f., por Amoleilinha (Defesa Latelal Dileito)

Venho pelo presente trazer a Vossas Excelências as razões da minha indignação. Ando indignado, sim senhor, como consumidor. Eu acho que tenho direitos e é como utente que reclamo veementemente contra uma situação que passo a expor. Aqui há dias, estava eu a surfar na net por uns sítios manhosos e encontrei um porreiro. Umas gajas a levar na peidola com categoria. As fotos eram boas, o grafismo era excelente, o texto era atractivo, estava muito bem escrito, tinha um menu diversificado capaz de agradar a todos os públicos, pelo menos à maioria, se descontarmos aquela malta esquisita dos chicotes, da mijadela e etc. Enfim, aquilo era uma coisa bem feita, como cá não se faz. Vai daí, estava lá no menu uma opção a dizer que tinha «close ups» de bundas. E foi aí que eu me indignei, foi o que aí vi que me impeliu a trazer até aqui o meu protesto. É que os cus estavam cheios de borbulhas e pêlos encravados! Está mal, é falta de profissionalismo e de brio profissional. Quem mete o cu na net tem que ter cuidado com a imagem. Isto está-se a abandalhar. Antigamente a gente comprava uma Gina e não encontrava lá disto. Os recursos tecnológicos eram muito menores, não havia photoshop nem tratamento digital da imagem, mas havia pó-de-arroz, havia o que se perdeu: sentido de serviço público! Dedicação! Empenho! Espírito de missão! Nem mais. As moças estavam ali para servir a malta e esforçavam-se, apresentavam-se como deve ser. Não havia cá borbulhas. Ou punham maquilhage, ou fotografavam de outro ângulo, ou não faziam grandes planos, eu sei lá! O que eu sei é que não havia borbulhas nas nalgas! Dá mau aspecto, falta de deontologia profissional. Hoje qualquer gaja pode ser puta sem esforço absolutamente nehum e depois dá nisto. E até têm estudos, pois têm, mas não têm brio profissional nem deontologia!E a questão é tanto mais grave quanto um tubinho de Clearasil custa uma ninharia! É que nem sequer há a desculpa de ser caro ou de necessitar de receita médica. É simplesmente inaceitável! Intolerável! Bastaria um dedalzinho de Clerasil nas nalgas, 24 horas antes da sessão fotográfica, e tudo ficava muito mais apresentável.A não ser que o Clerasil não resulte nas nalgas. Mas, mesmo assim, eu pergunto: porque é que não há um Clerasil-Cu? Hein? Sim, é que há Clerasil para o queixo, Clerasil para o nariz, Clerasil pomada, loção Clerasil, creme, creme nocturno, compressas, nha nha nha e não sei que mais. E Clerasil-Cu? Custa assim tanto inventar uma merda para acabar com as borbulhas nas nalgas? Ou é má vontade? Incompetência? E os meus direitos de consumidor? Por isso, por estas e por outras é que isto está como está. Muito obrigado e boa noite.

25/10/06

Lágrimas Negras, por Mangas

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Foi um mero acaso que me fez tropeçar neste cd. Peça única em fundo de saco, fotos de Bebo y Cigala en un ensayo, a chancela sempre de qualidade da Calle54 Records, Fernando Trueba produtor - razões mais do que suficientes para que eu o resgatasse do exílio.

Lágrimas Negras já me era familiar – era uma faixa do “Calle54”, esse duplo lendário que reúne alguns dos principais pesos-pesados do jazz latino por gerações, desde Chano Domínguez a Tito Puente, passando pelas congas de Jerry González ao sax tenor de Gato Berbieri, ao piano indomável de Chucho, filho de Bebo Valdéz. Calle54 é a celebração dos ritmos big band, a explosão do mambo, os arranjos swing, a alternância de um Samba Triste no piano de Eliane Elias com a euforia merengada no piano de Michel Camilo em From Within. Estão lá todos, com Trueba na sala de misturas. Só lá falta o trompete incendiado de Arturo Sandoval. Nunca percebi a razão. Dei-me sempre por feliz que a obra tivesse sido feita, deu-me sempre imenso prazer ouvi-la e partilha-la com os amigos.

Mas este Lágrimas Negras é outra música. Trueba, sempre ele, encurtou o hiato de cinquenta anos entre Bebo e Dieguito “El Cigala” e juntou-os em estúdio. A lenda e o flamenco lado-a-lado, mas de olhos nos olhos. O mestre e a voz. São nove clássicos populares, nove pérolas reinterpretadas com arranjos de Bebo Valdéz. El Cigala envolve-se e empresta-lhes a dor e a pureza da alma gitana. Nieblas de Riachuelo ou o bolero Inolvidable são peças carregadas de intimismo onde a voz de Cigala percorre a saudade e a emoção do poema com as ganas e a paixão própria de um cantor de flamenco. Não há ali competição ou desgarradas, pelo contrário, os dois complementam-se, aproximam-se, voam o mesmo destino e as canções respiram um profundo respeito mútuo e a admiração de Cigala nos poucos e discretos olés aos solos de Bebo.

No tema Lágrimas Negras, o saxofone de Paquito D’Rivera entra de mansinho. Depois revolta-se. Cala-se para o solo do piano, para as palavras de Cigala e acaba perfilado com ambos a cantar a sua versão da história. A encerrar o disco, Cigala interpreta num portunhol escorreito e sensato o clássico Eu Sei Que Vou-te Amar da dupla Vinícius/Jobim. A meio da faixa a voz rende-se e, à solitude do piano de Bebo, junta-se Caetano Veloso que recita o poema Coração Vagabundo. Escreve Fernando Trueba - no pequeno diário de produção, paellas colectivas e ensaios no estúdio que acompanha o disco -, que foi um momento final de ojos húmedos. Antes disso, Bebo terá dito: “Yo soy un viejo. Mi cuerpo ya no funciona bien. Pero mi espíritu tiene veinte años”. Olé!

23/10/06

As minhas leituras, por Jean Báljan

Há uns meses, mais ou menos, que quase não consigo ler nenhum livro até ao fim. Começo-os mas, miséria das misérias, não lhes consigo dar vazão suficiente: Não os acabo com a velocidade de outros tempos. Depois vão-se empilhando na mesinha de cabeceira. O Assis Pacheco em cima do Sepulveda, este por cima do Gao Xingjian, este por seu turno por cima do Krishnamurti por seu turno em cima do Olivier Rolin, por seu turno em cima do Abrunheiro por seu turno sobre um livrinho antigo e já amarelado sobre Ocultismo de um cavalheiro de que agora não me lembra a graça, etc., até quase esconder o candeeiro. E em cima disso tudo, uma Time (edição europeia) de há dois meses, uma Pública de há três semanas e uma National Geographic de há um ano e picos. Em contrapartida leio o Público todos os dias e revistas com fartura. Se bem que o Público também é leitura incompleta, já que passo à frente as páginas do futebol por ser alérgico ao desporto escrito e falado. Aliás, nas revistas também não leio tudo. Nos cafés leio o Diário de Coimbra, As Beiras, O Figueirense e, quando os há, o Correio da Figueira e a Voz da Figueira. Depois, farto-me de ler coisas na Internet, aderi ao vício das newsletters e recebo correio com novidades diárias, semanais ou quinzenais de coisas como o NY Times; a Maxideia; a Sapo Saúde; o What Doctors Don’t Tell You; a Foreign Policy; o boletim informativo da ONU (que tem um excelente serviço noticioso para assinantes); as Informações de Segurança do Millenium; as efemérides diárias (excelentes) do Canal História; os boletins do Ciência Hoje; os alertas do Google News sobre Portugal, Coimbra e Figueira da Foz; notícias da NASA sobre ocorrências e “inventos” no espaço; a news-letter do Health World Online; a news-letter da New Scientist; da BBC Science&Nature; a news-letter do Figueira.net; a da Human Rights Watch. E mais umas quantas de mais uns quantos temas e umas quantas geografias que ficam aqui de fora em nome do fastio. Tudo isto não substitui, obviamente, a leitura de livros, que se tornou prática eminentemente nocturna e de almofada: todas as noites um bocadinho obrigatório antes de cerrar a pestana. Já a leitura electrónica é para ir lendo ao longo do dia durante a jorna, se a jorna permitir. Além disto há os sites, os portais, o correio electrónico pessoal e os blogues, a que também vou dando uma pestanada, quando posso. Bem como as legendas dos filmes, dos documentários e das séries de ficção/estimação como os Sopranos, que de resto, tem argumentos/textos fabulosos. No elevador dou ainda uma vista de olhos ao Dicas e aos folhetos publicitários com que me enchem a caixa do correio e que às vezes trazem umas promoções catitas. Antes de jantar leio o correio postal mais sério e personalizado, quando o há. Na cagadeira gosto mais de revistas de informação geral e do Courrier Internacional. No caminho de casa para o trabalho e vice-versa, que faço a pé ou de bicicleta, não deixo ainda de ler os cartazes, os folhetos, as faixas e os mupis que me aparecem à frente. Quando me interessa, paro e leio tudo antes de reprosseguir. Também dedico uma parte dos meus dias a ler SMS’s e Messenger’s (ultimamente também leio as mensagens dos meus amigos que descobriram que o Gmail também tem um serviço de chat). Como entre outros ofícios, também sou agora editor de uma revista mensal, pelo menos uma semana por mês leio (e corrijo) todos os artigos a publicar. Além disto, quando vou às compras, leio os rótulos dos produtos. Por razão que adiante perceberão, também leio catálogos de editoras. Por mor de compor o orçamento, também leio transcrições de julgamentos. Leio ainda capas e brochuras de CD’s e DVD’s, bem como os ditados, graças e provérbios nos pacotes de açúcar. Às vezes, durante o dia, para desenjoar e como também trabalho numa livraria, pego num livro e leio um bocado. Quando aquele é de feição a agarrar-me pelos tomates, levo-o para casa e junto-o à pilha da mesinha de cabeceira para ir lendo mais devagarinho, umas linhas por noite até se me cansarem as pestanas.

22/10/06

Delibes, por Urko

A passada noite lia uma entrevista a Miguel Delibes, e confessava este que “"Antaño, todo hombre nacido de mujer se consideraba portador de cosas positivas, de algo digno, algo noble, unos valores, en suma. Pero la descendencia de Caín pesaba sobre nosotros, y el hombre que era portador de reservas morales se convirtió en un ser peligroso, maligno, de difícil definición. Ahora, el hombre miente, ataca, mata, hiere, viola y su presencia lógicamente engendra desconfianza. El hecho de ser parido por mujer no lo dignifica ni quiere decir nada".

Miguel Delibes é um dos melhores escritores de língua castelhana da segunda metade do século XX. Ainda hoje com 87 anos continua assistindo as tertúlias no café Continental e trata de corresponder aos seus conterrâneos que o cumprimentam durante o seu habitual passeio matinal no Campo Grande da cidade de Valladolid – berço e vida do seu quotidiano.

Don Miguel fazia esta confissão, quando se referia ao grave problema da imigração dos países africanos, que forma já parte do noticiário habitual no pais de al lado. O cenário dantesco se banaliza, é uma noticia diária, umas vezes cruel e outras vezes pior. Africanos adultos, adolescentes, crianças e grávidas, morrem o sobrevivem numa aventura para um destino aparentemente paradisíaco, vem desde as costas da Guiné, Gâmbia, Senegal ou Mauritânia, traçando uma travessia quilométrica em condições extremamente desumana, inenarráveis. Durante o percurso vão encontrando cadáveres - o mar também cobra a sua quota -, não desistem, antes a morte. Assistidos nas costas españolas uma maioria são repatriados -já são 76.000 os repatriados neste ano - outros sem identificação possível ficam em centros de acolhimento, a espera de não se sabem bem o quê, centros de portas abertas que os deixam soltos como se fossem cães vadios, – eles se crêem afortunados, pensam que assim é melhor, tal vez, uma boa oportunidade surja. No entanto, o pior só acaba de começar. À espera há policias e funcionários corruptos que prometem documentos em troca duma enorme suma de dinheiro, o simplesmente se apoderam de suas roupas, o favores sexuais em troca de nada, o são escravizados por salários inexistentes para mais tarde ser expulsos ou simplesmente denunciados. É este tipo de podridão que o nosso amigo Don Miguel, vê tristemente emergir nesta sociedade do bem-estar.

16/10/06

"Ligações Perigosas", por Le Chevalier

Ovídio, na «Arte de Amar», recomenda aos amantes o orgasmo simultâneo:

«Mas não deixes para trás a tua parceira, desfraldando mais largas velas,nem seja mais rápido o ritmo dela que o teu; avançai para a meta ao mesmo tempo, então, será pleno o prazer, quando, par a par, jazerem, vencidos, a mulher e o homem.»

Em todo o poema de Ovídio se detectará o espírito barroco. Os jogos de sedução, o elogio da mentira, o engano, o disfarce, a máscara, a traição, as aparências e os espelhos, os ambientes cortesãos, o culto do prazer, as intrigas palacianas, enfim, tudo o que se reencontrará no tardo-barroco às vésperas da Revolução. Nenhum filme o mostra tão bem como o "Ligações Perigosas" (1988) de Stephen Frears, baseado na novela de Choderlos de Laclos. A cena final em que Glen Close (Marquesa de Merteuil) retira a maquilhagem simboliza, como já muitos notaram, o fim do Antigo Regime. Como a morte em duelo de John Malkovic (Visconde de Valmont), às mãos do impulsivo Keanu Reeves (Chevalier Raphael Danceny) é uma metáfora da Revolução e um anúncio do espírito romântico. O fim de Malkovich, esvaído em sangue sobre a alva e álgida neve, é o fim de um tempo que será dado como vicioso e corrupto pelo puritanismo revolucionário. Mas, a morte de Malkovich implicará a morte de Michelle Pfeiffer, por desgosto de amor, incapaz de viver sem o amor pecaminoso que se impõe à sua vontade e a domina completamente. A paixão que Malkovich alimentara por Pfeiffer, e que julgara dentro do jogo calculista da perfídia barroca orientada para a intriga e para o prazer, revela-se afinal fora do controlo da vontade e da previsibilidade do cálculo. Malkovich, moribundo, confessa-se apaixonado na presença do seu jovem carrasco, Reeves, uma personagem já romântica. Desfalece logo após, no que é acompanhado pelo desfalecimento de Pfeiffer. Isto é, anuncia-se a Revolução quando Glen Close limpa o rosto, mas outra revolução se anuncia na morte simultânea dos dois amantes: o nascimento do amor romântico, decalcado já não de Ovídio mas do modelo shaekespeareano, um amor impossível e trágico. Não é o orgasmo que é simultâneo, é a morte simultânea dos amantes. Por amor.

05/10/06

Batiti, por Tatonas

O Batiti é um sem-abrigo aqui do meu bairro. Cheira mal, está todo esfarrapado, é doente mental, trata toda a gente por doutor, tem um cordel a servir de cinto, dorme debaixo de uns cartões, recusa ir para um lar, passa os dias a mendigar migalhas e a peregrinar de um lado para o outro. Bebe cerveja e come o que lhe dão. O Batiti acha que eu sou médico e cada vez que me vê chama-me doutor, mostra-me a perna toda esfolada e diz que lhe dói ali e pergunta-me se eu não lhe passo uma receita. Eu digo que não sou médico e o gajo não acredita. É doido. Hoje encontrei o Batiti à porta do centro comercial aqui do bairro. Uma coisa moderna. O Batiti chamou-me:
- Ó doutor, ó doutor, chegue aqui.
Eu lá lhe dei a resposta habitual: que não era médico, não lhe passava a receita, não lhe via a perna, não lhe dava dinheiro para os copos, etc. Mas o Batiti pediu-me se eu lhe podia comprar um pão do supermercado da cave do Centro Comercial e deu-me uma moeda de 50 cêntimos. O Batiti disse-me que o vigilante do centro não o deixava entrar.
Eu acho esta merda estrondoso, inaceitável, incrível e fascista! Nazi! Por todas as razões e mais algumas especiais. O Centro Comercial Dolce Vita, em Coimbra, foi construído em cima de um espaço público, que era de TODOS, que era a Praça Heróis do Ultramar. A Comunidade viu-se privada do espaço que tinha para aí se construir um centro comercial. E agora, os senhores vigilantes, que nem sequer são autoridade pública, impedem o acesso ao centro comercial do Batiti! Isto é pior do que no tempo do sr. prof. A.de O.S. Nesse tempo, de miséria e pobreza, escondia-se a pobreza proibindo-se a mendicidade por decreto. A obsessão higienista e a propaganda impunham-nos a ilusão de uma sociedade limpa. Agora, estamos pior: não há decretos, há usurpação do espaço público e vigilantes a cumprir ordens de administrações cegas e sem rosto, proibindo um CIDADÃO de comprar pão! Vamos escondê-los? Exterminá-los? Interná-los? Enxotá-los?

Foto: http://www.bized.ac.uk/images/homeless.jpg

25/09/06

Filhos da Região de Turismo do Oeste: guião para um episódio de uma série juvenil, por Manoel Bacoco

[A acção começa à porta principal da Escola Básica do 2º e 3º Ciclos numa cidade da região Oeste, nos arredores de Lisboa. Personagens: Professora de Biologia, Marta, João, Bernardo e Carolina. As duas raparigas saem do portão escola. Espera-as o Bernardo]

CENA 1

Carolina (para a Marta): Olha, não é o Bernardo?

Marta: Sim, parece. O que é que está ali a fazer? Será que faltou às aulas?

[Aproximam-se do Bernardo]

Carolina e Marta: Olá, Bernardo!

Bernardo (com um ar triste, o capacete debaixo do braço, encostado à mota. Veste roupa de marca. Fala com uma voz baixa]: Olá, Carolina, olá Marta…

Carolina: Passa-se alguma coisa?

Bernardo: Não, nada...

Marta: Faltaste às aulas.

Bernardo: ….

Carolina: E logo hoje que tivemos uma aula muito fixe de Biologia. Estivemos a estudar como se deve prevenir a SIDA.

Marta: Pois foi. A professora de Biologia é muito fixe. Hoje aprendi muita coisa.

Carolina: Deixa lá isso. Ó Bernardo, desculpa lá mas estás com um ar um bocado esquisito. O que é que se passa?

Bernardo: Nada, nada. Olha, tenho que me ir embora. Xau!

[Bernardo sai de cena, de mota. A câmara filma o Bernardo a desaparecer ao fundo da estrada]

Carolina [para a Marta]: Não achaste o Bernardo muito…

Marta: (responde afirmativamente com um aceno de cabeça) Isto é muito estranho…

CENA 2:

[No Centro Comercial, depois de almoço]

Marta: Olha, Carolina, aquele não é o João? É muito giro, não achas?

Carolina: Deixa-te de disparates, Marta, agora não é a altura ideal para esse tipo de comentários. ‘Bora falar com ele. Ele é a pessoa ideal para nos ajudar a descobrir o que anda a atormentar o Bernardo.

Marta: Pois é. João, João, aqui, somos nós…

João: Oi, olá miúdas, que surpresa. Estão porreiras?

Marta e Carolina: Nós estamos, e tu.

João: Eu estou óptimo, vim agora do treino de judo, vou almoçar com o meu pai e depois vou para as aulas de violino.

Marta: Sempre o mesmo João, muito atarefado, de um lado para o outro. Mas, será que nos podias dar um momento?

João: Porquê? Há algum problema?

Carolina: Não…

Marta (interrompendo): Há… pode ser que não, mas achamos que algo se passa com o Bernardo.

João: O Quê? O Bernardo? O que é que lhe aconteceu? Ele é um gajo bué de fixe… Digam-me, por favor, aconteceu alguma coisa?

Marta: Não sei, mas ele estava esquisito hoje ao fim da manhã. Queríamos falar contigo por causa disso.

João: Claro. Deixa-me só dar um toque ao meu pai. (Tira o telemóvel do bolso): ‘tou, pai, olha, passou-se agora aqui uma cena, não vou poder ir almoçar contigo, desculpa lá… eu sei pai… eu sei. Não te importas? De certeza? Pronto, obrigado, és um porreiro.

Carolina: O teu pai é mesmo fixe, quem me dera ter uma relação assim com o meu pai.

Marta: Estas relações constroem-se com base no diálogo e na confiança, Carolina.

João: Vá, meninas, deixem lá a psicologia agora. O que é que se passa com o Bernardo?

CENA 3:

[Na esplanada do Centro Comercial. Marta e Carolina colocam João a par da situação. João baixa a cabeça pensativo à medida que se vai inteirando da situação. De repente, avistam a professora de Biologia]

João: Olha, aquela não é a setôra de Biologia?

Marta: É.

Carolina: A setôra é bué de fixe. Fala connosco sobre todos os problemas que nos afligem. Olha, tive uma ideia, vocês não acham que é a pessoa ideal para nos ajudar a resolver o problema do Bernardo?

João e Marta: Isso, excelente ideia, Carolina. Setôra, setôra…!

Professora de Biologia: Olá, meninos, por aqui? Mas que agradável surpresa… Passa-se alguma coisa?

João: Bom…

Professora de Biologia: Vá, andem lá, já sabem que comigo podem contar sempre.

Marta: É o Bernardo, setôra…

Professora de Biologia: Pois é, então vocês também repararam que ele anda esquisito.

Carolina: Pois foi, setôra. Será que a setôra podia ver o que é que se passa?

Professora de Biologia: Vou tentar, deixem comigo.

CENA 4:

[No outro dia, à entrada da escola]

Bernardo: Olá, Marta. Olá Carolina, olá João.

Marta, Carolina e João: Olá, Bernardo. Estás muito mais alegre do que ontem. O que é que se passou.

Bernardo: Eh pá, vocês nem imaginam. Vocês são mesmo uns amigões. Tenho que vos agradecer.

Carolina: Então? Conta, não nos deixes assim… Vá lá.

Bernardo: Ontem, a professora de Biologia foi a minha casa falar comigo. Ela contou-me tudo. perguntou-me o que é que eu tinha, disse que eu andava estranho e que vocês tinham reparado.

Marta: pois foi…

Bernardo: Fui um palerma.

João: Anda lá, pá, conta

Bernardo: Vocês conhecem o Tó Jó, aquele tipo estranho do 9º H?

Todos: Sim, claro, o gajo é completamente passado.

Bernardo: Pois, ontem o gajo desafiou-me para faltar à aula de Biologia. Eu fui burro e aceitei. Depois fomos para o salão de jogos…

Carolina: Uiii… isso é cá um ambiente

Bernardo: E o Tó Jó desafiou-me a fumar um charro. Eu primeiro disse que não, mas depois…

Marta: Ah! Por isso é que tu estavas com aquele ar meio esquisito?

Bernardo: Pois foi. Mas a professora de Biologia já me explicou os malefícios da droga. E disse-me que eu tinha muita sorte em ter amigos como vocês.

João: Lá isso é verdade.

Bernardo (abraçando todos): Obrigado, meus amigos, vocês são os melhores amigos do Mundo.

João: Tens que vir para o judo comigo, para te manteres afastado desses perigos.

FIM

Foto

24/09/06

Memória de Porco, por Porco Solidário

Dobrei o cabo meridiano da vida. Duvido que viva tanto como já vivi. É altura de pensar nas memórias. Um gajo olha para trás e só vê merda. Por isso, o melhor é continuar a olhar em frente. Isto significa que esta página inaugural é já, também e ainda no primeiro parágrafo, a última página das minhas memórias. Isto traz-me uma grande responsabilidade. É importante que estas memórias, ou melhor, memória, não deixe má impressão. Não pode ser uma memória de merda. Esforçar-me-ei.
Estava aqui a desfolhar os papéis quando me veio à lembrança um confrade que anda arredio. Foi meu colega desde o primeiro do Ciclo Preparatório ao último da Faculdade. Foi um dos confrades mais entusiastas aqui do Porco. Organizava jantares, escrevia reportagens, tirava fotografias, enchia-nos o correio electrónico com mensagens inúteis, telefonava, jantava connosco, etc. Há dois anos que anda desaparecido, ninguém o vê a não ser acidentalmente. A amizade continua inalterada e fortíssima. Ele há-de aparecer. É o Galgo.
Estava aqui a ver uma «licença militar» de 1985 quando fui passar o Verão a Inglaterra. Lembro-me dessas férias. Tirei passaporte, paguei uma taxa de 1000$00 para me poder ausentar do país, levava pesetas, francos e libras e uma licença militar passada pelo DRM a dizer que eu tinha a situação regularizada e me encontrava na «Reserva Territorial». Nunca soube o que era isso. O papel, já amarelado, recordou-me as inspecções, a minha única memória da caserna. Eu fui com o Galgo às inspecções militares. Éramos da mesma idade e vizinhos. Lá fomos ao mosteiro de Santa-Clara-a-Nova. O Galgo tinha metido uma cunha. O pai dele, entenda-se. Tinha um capitão amigo, pagou umas notas, e ia seguro de que não pagaria à Pátria o que ela reclamava. Eu juro que não movi uma palha para evitar o cumprimento dessa obrigação. Não porque tivesse vontade de servir a dita, mas porque acreditava que não me queriam lá para nada. Pobre Pátria que precisa de um gajo como eu para a defender. Quando isso acontecer, quer dizer que já 'tá fodida! Lá fomos. O Galgo ia confiante, eu também. Por razões distintas, como se viu. Fizémos muitos testes. Psicotécnicos com cruzinhas e a contar cubos postos em estruturas de aparência tridimensional, um ditado porque nos esquecemos do diploma de estudos, uma consulta médica em que o doutor nos perguntou se sofríamos de alguma coisa, um raio-X, um teste à audição, mais outro à visão, etc. Foi um dia inteiro a andar daqui para ali e dali para aqui. Intenso. A certa altura, lá para o final da manhã, pedem-nos para mijar para um copinho de plástico. Era para fazer o teste às diabetes. Punham lá uma palhinha que, depois de bem humedecida, se tingia numa gama de cores que indicaria o nosso estado. Eu portei-me bem. O resto da malta mostrou uma secura repentina, intimidada pelo facto de estarmos ali uns à frente dos outros com o copo na mão e a pila de fora da braguilha a fazer shhhhhhh. Quanto mais shhhhhhhh fazíamos, mais inibidos se mostravam todos e mais se retraíam as bexigas. Todos menos eu. Aquilo foi um consolo. Posso dizer que foi o melhor serviço que prestei à Pátria. Orgulho-me disso, devo dizer. Se a Pátria dependesse da minha disponibilidade mictória, a Pátria seria uma Potência. A Pátria pedia-me mijo e eu dava, abundantemente. Não era como aqueles que por ali andavam em círculos com o copo na mão a fazer shhhhh. Vai daí, o Galgo disse-me assim:
- Ó Luís, tu não precisas de tanto, carago. Dá aí um bocado.
E estendeu-me o copo. Eu, fraternalmente, e porque gosto de partilhar, dei-lhe metade da minha colheita. Vendo isto, os circunstantes venceram a timidez e fizeram pedidos idênticos. Não multiplicámos o líquido, mas dividimo-lo por tantas porções quantas as necessárias. Ninguém ficou sem o seu quinhão. Cada um ficou com um golezito, salvo seja, pequenino mas o suficiente para embeber a palhinha da diabetes e para que se pudesse colorir conforme a densidade dos meus açúcares. Claro que, nesse dia, ninguém acusou diabetes. Fiquei satisfeito. Ficámos todos satisfeitos. Todos menos o Galgo que, apesar da cunha, seria chamado para cumprir serviço militar. Eu não, eu passei à reserva territorial.

Foto: http://www.fawley-hants.co.uk/Council/Council-News/November_2003/Imagefurniture/A-Pint-of-Beer.jpg

18/09/06

Somos Todos Católicos?, por Constantino

Há uns meses atrás, um jornal nacionalista dinamarquês, num exercício livre de xenofobia dissimulada e (bem) consentida pelas leis ocidentais de liberdade de expressão e imprensa, publicava uma série de caricaturas que desafiava o maior tabu religioso e cultural das centenas de milhões de crentes islâmicos espalhados por todo o Mundo: dava rosto a Maomé! Todos se recordam do escândalo e das reacções dos fanáticos muçulmanos. Todos se recordam dos excessos e das pressões inimagináveis exercidas sobre o director do jornal e sobre a diplomacia dinamarquesa que se recusou (bem) a pedir desculpa, argumentando que o poder político é separado da imprensa e que a liberdade de expressão é sagrada no Ocidente. Todos se lembram das manipulações das multidões e da guerra de informação. Na altura, nos jornais e na blogosfera houve muitos que se solidarizaram com a diplomacia dinamarquesa e, retomando Kennedy, gritaram inflamados: «Somos todos dinamarqueses!»
Agora, há uns dias atrás, o papa Bento XVI proferiu uma lição numa universidade alemã onde (bem) citou um imperador bizantino para demonstrar, a propósito da recusa deste em se converter ao Islão a pretexto da violência da Jihad, como a guerra é contrária ao sentimento religioso. O papa, não tão inflexível quanto a diplomacia dinamarquesa, até porque o seu múnus assim o determina, esclareceu e pediu desculpas por eventuais ofensas. A verdade é que, apesar disso, as reacções dos fanáticos aí estão. O primeiro-ministro turco reagiu solidarizando-se com o Islão ofendido, contrariamente ao governo dinamarquês que se demarcara de tomar uma posição sobre assunto religioso, na Somália mataram uma freira italiana, na Índia queimam efígies de Bento XVI, apedrejam igrejas e manifestam-se na praça pública. «Somos todos católicos?» - pergunto eu.

foto: http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/4495835.stm

17/09/06

O Que é um burro?, por James William N. Horse III

Ontem, o Sr. Necare publicou no seu blog um textozito inofensivo que intitulou «Etiquetagem». Trata-se de uma brincadeira ingénua pela qual o autor se pretende retratar, manifestando uma série de preferências e aversões. A brincadeira funciona como uma corrente, devendo o autor indicar um conjunto de amigos que continuará a série, sendo que foi ele próprio indicado por outros. Na minha adolescência eu também via os mariquinhas da minha turma com este tipo de jogos. Em princípio, estas brincadeiras são idiotas e inofensivas, em princípio, pelo menos enquanto não maculadas por afirmações despropositadas.

Apresentando as suas etiquetas, o Sr. Necare profere umas banalidades irrelevantes: que gosta da Suécia, gosta de música, cinema, literatura e não gosta de calor. Pelo meio, afirma despudoradamente que não gosta de espanhóis. Sem vergonha e sem justificação plausível, porque a não há, proclama-se xenófobo e argumenta que os espanhóis são expansivos e barulhentos e que andam sempre a lixar-nos. Depois reafirma a convicção: «Pode parecer estúpido mas é a realidade.»

Se o Sr. Necare afirmasse não gostar de pretos porque são muito qualquer-coisa, ou de judeus porque são muito não-sei-o-quê, o sr. Necare seria racista e incorreria em crítica séria e pena grave. Mas o Sr. Necare refere-se aos espanhóis e por isso se acha isento de responsabilidade, deve achar que tem piada e que xenofobia não é acusação grave quando aplicada a um povo inteiro. O Sr. Necare, como se pode ver, é burro.

Comentando esta inanidade, e sob o pseudónimo Pata Negra, eu chamei burro ao Sr. Necare. O Sr. Necare sentiu-se com o epíteto, justíssimo diga-se, e veio aqui ao Tapor verter a sua bílis. E disse:

«@Pata Negra: Se queres insultos, vamos a isso.
Sua besta do caralho, com uma merda de um nick tirado dos presuntos, julgas-te muito esperto, não é? Tiraste algum curso de psicologia por correspondência e queres aplicar os teus conhecimentos, mas é melhor ires para a tua vizinhança de parolos, pois deve ser o único sítio onde fazes um brilharete.
Deves ser descendente de espanhóis, não é cabrão? Andas vestidinho de andaluza, a dançar flamenco e a tocar castanholas. Volta lá para a merda da pocilga de onde saíste que a tua opinião não vale um bocado de merda de porco.»

Como se vê, e como já se havia suspeitado da leitura do post das etiquetas, o estilo não é recomendável, aliás tal como a sintaxe e o conteúdo.

O objectivo deste post é provar que o Sr. Necare é burro. É fácil. Não me dirijo ao Sr. Necare, ele lerá o post porque o post é público, mas ele não é o destinatário. Até porque, como burro que é, não entenderá a argumentação aqui expendida.

Comecemos por perguntar o que é um burro? Não no sentido zoológico, claro está, mas quando a expressão, como ofensa, é aplicada a um indigno representante do género humano. Neste caso, um burro é um indivíduo que, incapaz de interpretar e entender as evidências com que se depara e a partir daí produzir um discurso racional, insiste presunçosamente e com base na ignorância dogmática, em avaliar a realidade que não entende com base nas suas limitações. Isto é um burro. O Mundo visto pelos olhos de um burro é um mundo distorcido. Acho que a definição é boa.

A seguir, trata-se de reputar como completamente falsas as afirmações do sr. Necare relativamente à Espanha. O Sr. Necare não conhece a Espanha. Contrariamente ao que o Sr. Necare diz, a Espanha não está nem nunca esteve preocupada em nos lixar. É errado do ponto de vista histórico e político. É errado, seja qual for o ângulo e a óptica de análise. Revela ignorância completa e gritante. Poupo-me à demonstração, porque a evidência é do tamanho do universo e em sentido contrário.

Em segundo lugar, o Sr. Necare revela uma ignorância total acerca da importância da Espanha, da sua história e da sua cultura. De Goya ao presunto Pata Negra, de Altamira a Tapiés, de Almodovar a Cervantes, de Machado a Lorca, de Alonso ao Real Madrid, de Pau Gasol a Angel Nieto, de Penélope Cruz a Juan Miró, De Stª Teresa de Ávila a Cervantes, podia dar milhões, dezenas de milhões de exemplos em todos os sectores de actividade, do desporto à literatura, da poesia ao cinema, da pintura à política, da religião à sociedade, de figuras e factos marcantes na história da humanidade de origem espanhola. Em face desta evidência esmagadora, merecedora de admiração sincera, o senhor Necare diz que não gosta. Que são barulhentos e expansivos. Tece umas considerações generalistas, racistas, xenófobas e inaceitáveis.

Por outro lado, o senhor Necare fala dos nossos vizinhos como se fossem estranhos. Desconhece que a hispanidade é um pilar essencial, ainda que recalcado pelo discurso de muitos burros, da identidade portuguesa. Falar mal dos espanhóis é falar mal de nós.

Só um burro o não vê, como é o caso do Sr. Neacre. Tal só se explica se dermos por demonstrado que o Sr. Necare é burro. Esta é a etiqueta que melhor o serve, poisde contrário, ter-se-ia que considerar o Sr. Necare como racista e xenófobo. A burrice torna o Sr. Necare inimputável. Ofereço-lhe o direito a usar a coroa que ilustra o post. Mereceu-a!

foto: http://www.1ofakindstuff.com/Shrek-Donkey-Ears.html

11/09/06

A Desgraça Nacional Tem Causa e Tem Nome, por Silver Bullet

Em 1871, o Sr. Antero de Quental, ainda movido pelo desvelo esperançoso de regenerar a nação portuguesa, ilusão que uma vez esvaída contribuiria para o desânimo que faria dele um suicidário simbólico, tentava diagnosticar as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. Como muitos antes dele e muitos outros após, o Sr. Antero de Quental tinha como preocupação a ressurgência da Nação. A contemporaneidade nacional teve esta obsessão: regenerar, ressurgir, ressuscitar, recuperar, modernizar, renascer. Hoje, devemos a Vasco Pulido Valente, o maior analista da portucalidade que tem em Eduardo Lourenço o seu digno anverso, esse favor de nos recordar todos os dias uma verdade evidentíssima: Isto é irregenerável!

Tivesse o Sr. Antero de Quental atingido esta verdade claríssima e muita tragédia se tinha poupado, a começar pela sua. Mas não, o Sr. Antero considerou como causas da miséria ibérica o absolutismo, o jesuitismo, o catolicismo tridentino e mais outras observações próprias do romantismo oitocentista. Sendo as causas comuns ao espaço peninsular, tal justificava a decadência comum, daí que o plural hispânico usado pelo açoriano, sendo relevante, escondesse um equívoco. Antero buscou as causas a partir do presente, em vez de haver estudado as causas como tal. A prová-lo, o facto de, actualmente, a Espanha trilhar um progressivo e continuado rumo, o que não se verifica a Oeste de Vilar Formoso. Daí que, as causas devem ser outras.

Pois bem, caros leitores, 136 anos após a célebre conferência anteriana, cumpro o grato e histórico dever de informar que a decadência nacional tem causa e tem nome: Pedro Machado!

Pedro Machado é o novel presidente da Região de Turismo do Centro. Na edição Local Centro do «Público» de ontem, é-lhe traçado o perfil. Vale a pena recapitular: O Senhor Presidente tem 39 anos. Em miúdo agarrou nas bandeiras laranjas do PSD porque gostava da cor. A precocidade, enfeitada com a futilidade das razões, deixa antever o pior: uma carreira política! Licenciou-se em Filosofia, na Vetusta e nada, absolutamente nada do que seria minimamente exigível a um estudante de Filosofia, mesmo que da Vetusta, transparece no licenciado Machado. Não há vestígio de crítica, reflexão, especulação, cultura ou erudição. O homem é um fenómeno de vacuidade! Durante os tempos da juventude, seguiu a carreira normal: fez parte das listas para a Direcção-Geral. Perdeu, mas enrobusteceu-se na derrota. Dirigiu, a nível distrital, não concelhio note-se, várias campanhas eleitorais e, findo o curso, ei-lo revigorado no outro antro onde se geram estas espécies: as autarquias locais. Foi membro da Comissão Política Concelhia de Montemor-o-Velho, ascendendo à Comissão Distrital de Coimbra. Depois, galgará uma escadaria ascendente que, de membro da Assembleia Municipal de Montemor, passando pelo executivo autárquico onde chegará à vice-presidência, atingirá os cumes olímpicos: vogal da Comissão Política Nacional! Pelo caminho, foi ainda adjunto de um obscuro secretário de estado (a minúscula é de propósito). Este percurso deu-lhe «traquejo» e encheu-lhe o telemóvel de contactos importantes. O homem cita-os: Fernando Nogueira, o Desaparecido; Santana Lopes, o Inefável, Zita, a Convertida, e Cavaco, o austero. Acima de todos, Marques Mendes, que ocupa um lugar especial na lista telefónica do Sr. Pedro Machado.

A docência, essa, exerceu-a durante dois anos e não se mostra disponível para regressar. «Não o seduz», justifica-se. O Sr. Pedro Machado orgulha-se da sua carreira e não lhe passa pela cabeça extinguir a Região de Turismo do Centro para cuja presidência acaba de ser nomeado. Chorem comigo, caros concidadãos! Entendem agora o cinismo do grande Vasco Pulido Valente? Entendem porque razão Antero acabou por dar um tiro nos cornos?

Bebamos, meus caros, bebamos muito, porque o cheiro a pólvora faz-me dores de cabeça e este país faz-me mal à úlcera!


foto: digitalizada a partir da edição do jornal «Público» de 10.Set.2006