31/12/10

A Minha Lista 2010, por Adérito

Já é uma tradição do Porco: as listas dos livros lidos durante o ano, uma tradição que é, aliás, anterior à própria blogosfera e até à internet. Vem dos tempos do Liceu D. Maria e eu faço questão de a reeditar todos os anos aqui no Porco. Fico a aguardar a vossa lista, pode ser mesmo nos comments que eu depois traduzo em forma de post)... A minha aí vai:

Robert Harris – Pompeia, Bertrand, 2003
O ano começou com a ficção histórica de Harris. Tinha lido o Fatherland, uma óptima ideia que achei mal explorada, mas ficou-me a apetência pelo autor. E havia uma referência elogiosa a este Pompeia de uma das mais ilustres leitoras deste blog.No entanto Pompeia foi para mim uma desilusão e confirmou a veia mais policial de Harris que, sinceramente, não me interessa muito…

Edward Peeters, História da Tortura, Teorema
Fiquei com este livro na cabeça desde que vi uma exposição sobre instrumentos de tortura no Pátio da Inquisição aqui em Coimbra. Na altura não o comprei e o livro transformou-se numa dessas espinhas atravessadas no meu consumismo. Até que o encontrei numa feira do livro na estação de S. Bento no Porto. Comprei-o mas… Que grande decepção. Uma banalidade absoluta muito longe da qualidade da exposição que, essa sim, foi marcante.


Nietzsche – O Anti Cristo, Guimarães
Uma releitura, porque é sempre imperioso voltar a Nietzsche. Agora voltei motivado pelo filme homónimo de Lars Von Trier.

Michael Streeter - Franco, Texto.
Franco é uma personalidade fascinante (como Salazar), um dos homens que mais marcou o destino da Ibéria. Apanhar esta versão digest da sua biografia foi que nem ginjas. Um bom começo para quem, como eu, quer aprofundar o tema.

V.S. Naipaul, Uma Vida Pela Metade, Bertrand.
Uma das mais gratas surpresas do ano! Descobri Naipaul por acaso numa estante cá de casa. E foi amor à primeira linha. Gostei do tema, da narrativa, da biografia multi-cultural do autor e da personagem do livro (um indiano que passa pela Inglaterra e pela África Portuguesa) e, sobretudo, do esplêndido estilo despojado e meridiano.

Roberto Bolaño, 2666, Bertrand.
2666 foi considerado um acontecimento literário. Bem, acho eu. 2666 não é um livro, são cinco e todos desiguais. É portanto um livro irregular porque não é verdadeiramente um só. Mas adorei três dos livros de 2666 e marquei Bolaño como um nome a ter em conta.

Selma Lagerloff, Os Milagres do Anti Cristo, Bertrand
Uma espécie de romantismo escandinavo. Selma Laggerlof foi Nobel da Litertura e é uma excelente escritora. Mas este livro, pese embora a notoriedade do estilo, não me marcou especialmente.


Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão, editora Record
Nunca tinha lido os Cem Anos, parecia impossível…


Eugen Fink, Nietzsche.
Estou sempre a voltar a Niezsche. Fink é um dos seus comentadores mais conceituados.

Paul Naudon, A Franco Maçonaria, Europa-América.
A quadratura do círculo. O formato é demasiado enciclopédico, quer dizer, parece um daqueles livros com dados que não foram feitos para se lerem de um trago, mas para consulta. E, contudo, é um livro de bolso Europa-América. Assim nem literatura histórica nem verdadeira obra de consulta…

Maria Cristina Pimenta, Guerras no Tempo da Reconquista – 1128/1249
Não é só este livro. Toda esta colecção de livros de História de Portugal editados, salvo erro, pela Associação de Professores de História ou coisa parecida, é um óptimo serviço à causa da divulgação da história nacional. E bem precisamos…


Carl Grimberg,História Universal, Europa- América, vol. … Roma
História Universal, vol.2 (Dos Persas à Grécia Clássica), 4 (Das origens à formação do império romano), 5, (O império romano) e 7 (Das cruzadas às guerras hussitas)
Começou o Verão e deu-me para me aventurar nos velhos volumes de uma História Universal da Bertrand que tinha cá por casa. Os clássicos são eternos(mas faltam-me alguns números como se pode verificar...)!

Sade, Os Infortúnios da Virtude, Europa- América
Excelente! Mas a seguir tentei A Filosofia na Alcova e achei que pouco tinha a ver com Justine. Sade perdeu-se no seu «sadismo», nas descrições da abjecção sexual. A parte filosófica parece colada a cuspo, como se fosse outro livro. Pelo contrário, Justine não é nada disso – porque sabe articular sem ser à força reflexão a trama narrativa, porque as cenas de sexo não aprecem como apêndices mas como partes essenciais da narrativa. Os Infortúnios é excelente, a Filosofia na Alcova é Marquês em saldo…

Camilo Castelo Branco, A Queda de um Anjo
Como é que eu não conhecia este Camilo? Um primor de erudição, de sentido de humor, de mestria literária. E ainda por cima um livro muito actual no seu retrato impiedoso da boçalidade convertida em deputada da nação, tão válido no tempo de Camilo como agora (mais agora…)


Laura Restrepo – A Noiva Obscura, Bertrand.
Uma óptima surpresa! Para cortar a onda dos autores masculinos.

Ziraldo, Ziraldo.
Ele ficou mais conhecido como o autor da turma do Saci Pererê mas é muito mais que isso. Um óptimo livro numa excelente edição de luxo, como deve ser tratando-se, ainda por cima de belas artes, sobre um dos maiores artistas pop do Brasil.

John Updike, Coelho em Paz, Bertrand
Fabuloso! Updike é um dos grandes nomes da literatura americana do século XX. A descrição inicial da chegada da família ao aeroporto é magistral. Cinema em estado puro, ou literatura com uma qquidade visual que parece que não lemos mas vemos o que se passa.


Sade, A Filosofa na Alcova, Bertrand
Deste já falei em cima. Nem o consegui acabar. Acaba por se perder enquanto reflexão filosófica, tanto como enquanto livro pornográfico.

Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães, Bertrand
- Mina de Diamantes
- O Malhadinhas
Descobri Aquilino tarde mas a horas! Não conheço nenhum romancista com uma riqueza lexical tão vasta como a de Aquilino – nem Eça, nem Camilo. Comecei pela Casa Grande e li de enfiada os outros dois. Achei A Casa Grande uma obra prima, os experts que me desmintam…


Chico Buarque – Leite Derramado, D. Quixote.
Apesar do prémio não me pareceu um livro ao nível do que Chico já foi capaz de fazer, por exemplo em Budapeste. Um perigoso resvalar light…


Alberto Moravia, Uma Ideia da Índia, Tinta da China.
Fabuloso! Literatura de viagem é isto. Depois deste livro não aumentou só o meu conhecimento da Índia. Aumentou também o meu desejo de Índia. E num país, o nosso, onde é impossível arranjar uma história da Índia, este pequeno, simples e fantástico livro de Morávia tornou-se, para mim, um dos meus acontecimentos literários do ano de 2010.

Harold Bloom, Como Ler e Porquê, Caminho 
Crítica literária sabedora. Contudo é claro que o autor vale-se de algumas formas pedantes, talvez por razões comerciais, do estilo «este é o melhor do mundo» e este quase que lhe chega aos pés, este bate aquele. E eu que pensava que a literatura não é um concurso de misses nem um campeonato de futebol…. Também é irritante a veneração a Shakespeare – parece que o homem já disse e fez tudo o que há a dizer e a fazer em literatura e que os outros mais não fazem do que dizer quase tão bem como ele. Achei a matriz anglo-saxónica demasiado marcante – a esmagadora maioria dos autores citados são anglo-saxónicos. Mas porquê Cormack Mccarthy e não Reverte ou Cela ou Lobo Antunes? Porquê Keats e não Baudelaire? Porquê Shaw ou Emile Bronté e não Aquilino ou Eça? (também reconheço, este meu estilo de crítica é lixado porque se aplica a seja qual for o nome escolhido. Mas, de facto, a matriz anglo-saxónica de Bloom torna-se o denominador comum às suas escolhas)


Ruy Castro – O Anjo Pornográfico, a Vida de Nélson Rodrigues, Companhia das Letras, 1992.
Eu nem fazia ideia de quem era Nélson Rodrigues até ler este livro (que nada tem a ver com pornografia, apesar do título). Mas o escritor carioca (não de origem mas por adopção) Ruy Castro é um contador de biografias (e não só) tão brilhante que eu não resisti. Se ele escrever uma biografia do Tatonas avisem que eu leio…

Pedro Flor, Nuno Gonçalves, quid novi, Público, 2010.
Um não livro. Uma nulidade absoluta de um autor que não sabe escrever, com uma disposição absurda das fotos. Um monumento à irrelevância e à doutorice da treta. Uma oportunidade perdida pelo Público de lançar uma boa ideia, esta dos pintores portugueses… E sobre este tema até temos a Teresa Castello Branco…

Jean Granier, Nietzsche, Lpm Pocke encyclopedia, 1999
Eu não digo? Granier foi um eminente professor de filosofia, especialista em Nietzsche e uma referência do jovem Albert Camus. Só podia dar algo de bom. E deu…

Mathias Énard – Zona, D. Quixote.
Definitivamente, por melhores que sejam, por mais nóbeis que ganhem, não leio escritores que fazem frases que duram três páginas sem pontuação. Definitivamente!

Pedro Rosa Mendes – Peregrinação de Enmanuel de Jhesu, D. Quixote.
O regresso do autor de Baía dos Tigres. Peregrinação é um bom livro, mas poderá o Pedro Rosa Mendes libertar-se alguma vez do ponto estratosférico que atingiu com o seu primeiro romance (Baía dos Tigres)?


Phillip Dick, Depois da Bomba,
Espaço para ficção científica psicadélica e delirante de Dick. Um virar de página no estilo, depois dos clássicos Clark e Asimov…

Aquilino Ribeiro – Aventura Maravilhosa de D. Sebastião Rei de Portugal, Bertrand, 1975
Encontrei-o na feira das velharias por 1 euro! A primeira parte com a descrição da batalha de Alcácer Quibir é brilhante. E a parte final, o encontro de D. Sebastião com o rei e primo Filipe uma grande epílogo. Pelo meio fica um certo sabor a romance de aventuras, mas do melhor…

Eça de Queirós, A Relíquia, Bertrand.
Eis aqui um Eça que tinha sobrevivido à euforia que foi para mim a sua descoberta há muitos anos atrás, altura em que devorei todos os Eças que apanhei. Este tinha-me escapado e li-o, só agora, como quem encontra uma jóia num sótão de tesouros perdidos. E o melhor é que ainda me falta pelo menos um romance de Eça de Queirós ( A Ilustre Casa…)...


Carl Sagan – Contacto, Gradiva.
Que Sagan era um génio, já se sabia. O que eu não sabia é que a sua genialidade também se materializou no formato romance de ficção científica. O livro leva mais longe as excelentes ideias que já se conheciam do filme homónimo de Zemeckys.

Laurentino Gomes, 1822, Porto Editora.
Laurentino Gomes, um jornalista brasuca dedicado à investigação histórica, tinha sido uma das minhas revelações do ano anterior com o excelente 1808 que narra a história da fuga e permanência da família real portuguesa no Brasil. 1828 é uma espécie de continuação e conta-nos a história da independência do Brasil com D. Pedro I e seu filho D. Pedro II. Oxalá Laurentino Gomes não pare por aqui…


Arthur C. Clarck – O Leão de Comarre
Li-o com interesse para perceber melhor o contraponto cristalino com a prosa delirante (mas não menos aliciante)de Phillip Dick…

Arturo Perez Reverte – A Sombra da Águia, Porto Editora.
Sobre este saiu post mais em abaixo...


Jorge de Sena, Sinais de Fogo, Público.
Jorge se Sena é essencialmente um poeta – romances publicados, apenas este Sinais de Fogo. Quanto ao mais, uma novela (o excelente O Físico Prodigioso), contos e o resto é poesia e ensaios. Sinais de Fogo passa-se, sobretudo na Figueira da Foz à data da guerra civil de Espanha (e a Figueira que sempre foi um destino de espanhóis até ser um destino de ninguém)…


Ruy Castro – Rio de Janeiro, Carnaval de Fogo, Asa.
E prontos! Ruy Castro para fechar o ano em beleza. É um livro belíssimo daquele escritor de quem eu leria até a biografia do Tatonas. Castro escreve sobre o Rio mas numa interessante perspectiva que cruza os tempos, as diferentes cidades que existem numa só, as que existiram e já não existem, as que nunca chegaram a existir… Para quem ama a melhor cidade do mundo, este livro lê-se como um vício: não se consegue largá-lo e quer-se lê-lo de um só fôlego. Pode-se dizer melhor de um livro e de um escritor?

E para finalizar deixo um conjunto de obras que muito me influenciaram no ano de 2010. Li-as ao longo do ano, não de seguida, claro. Limito-me a deixar a sugestão sem mais comentários, não vá disparar a caixa dos comments em habituais ataques de que sou alvo pelo bando de hereges que me conhece, quando me refiro ao tema em causa:
Henry Arvon – O Budismo, Eur- Am.
Dalai Lama, A sabedoria do Coração, pergaminho,
Alan W. Watts, O Budismo Zen, Meridianos
Tony Morris, Em que acreditam os budistas, D. Quixote
Malcolm David Eckel, Conhecendo o Budismo - Origens, Crenças, Práticas, Textos Sagrados, Lugares Sagrados, editora Vozes

16/12/10

Dicionário Do Mofino

Jornalista, s.2 gén. o que transforma todos os factos em notícias e, estranho sortilégio, todas as notícias em factos; alguém que ainda não decidiu se o mundo pertence ao género realista ou ao género fantástico; um tipo particular de intrometido que confunde o interesse público com o interesse em publicar; Segundo Kraus, aquele que tem uma rara habilidade a expressar as ideias que não tem; aquele que está sempre em cima do acontecimento e, não raras vezes, à frente dele.

(citado, com a devida vénia, do nosso amigo ali do canto: http://dromofilo.blogspot.com/)

14/12/10

A Nigella é Gorda?, por Ribeirinho

O Porco está na onda da culinária. No post ali em baixo acerca do do grande Bourdain, gerou-se uma polémica acerca da Nigella Lawson, emérita cozinheira britânica que delicia os apreciadores do programa com as suas magníficas receitas. Eu sou daqueles que, às vezes, dou por mim a olhar para aquilo sem saber sequer qual a receita que ela está a ensinar... Mas com o tempo comecei a suspeitar que, pese embora a imponência dos seus decotes, a Nigella esconde qualquer coisa. É preciso dizê-lo com frontalidade: a Nigella é gorda!

Não tenho provas irrefutáveis para afirmar esta heresia. Baseio-me apenas no que ela não mostra e não no que mostra. Se repararem é rara a foto da Nigella em que ela aparece a corpo inteiro: é sempre retratada da cintura da cima e, até no programa de tv, aparece sempre de saias pelos pés. Com generosos decotes, é certo, mas sempre filmada da cintura para cima. Porque é que nunca lhe vemos as pernas? Porque é que ela usa invarivelmente saias compridonas? Porque é que nunca é filmada de costas? Eu acredito na existência de uma coincidência. Não acredito é na existência de várias coincidências ao mesmo tempo. E é por isso, baseando-me unicamente naquilo que é ocultado e não naquilo que é mostrado, que eu afirmo alto e bom som: a Nigella é gorda! E não o assume, o que é ainda pior. Que o refutem os fãs, se disso forem capazes.

12/12/10

Arturo Perez Reverte – A Sombra da Águia, por Capitão Garcia

A Sombra da águia é um livro relativamente antigo de Perez Reverte, publicado inicialmente sob a forma de folhetim jornalístico no El País em 1993. É mais um livro na mesma linha de O Hussardo ou de Um Dia Cólera. Reverte é um expert na narrativa de batalhas que ele consegue retratar com um raro espírito burlesco. Nas batalhas de Reverte vemos as vísceras, os estropiados e a crueza da guerra mas o tom não é lamechas nem melodramático é, pelo contrário, irónico e humorado.

O livro é muito bom na concisão o que se deve, sem dúvida, ao facto de ter sido elaborado como uma peça de encomenda. Talvez isso tenha sido benéfico, deu pelo menos uma aura de coerência e de concisão à narrativa. Isto de os artistas criarem por encomenda já lá vai o tempo, agora o artista limita-se a criar e dar vida ao seu daimon interior. Mas nem sempre foi assim e grandes obras primas da história da humanidade foram simplesmente encomendadas - os grandes quadros de Velásquez ou de Goya que eram pintores da corte, muito do que fizeram os magníficos holandeses que se especializaram em retratos da burguesia florescente, grandes génios da Renascença como Da Vinci ou Miguel Ângelo... No fundo, no passado era normal que a verve criadora do artista estivesse subordinado à encomenda dos poderosos - reis, nobres, burgueses abastados... Só mais tarde se normalizou o artista pessoal.

A Sombra da Águia baseia-se num acontecimento real: Em 1812 durante a campanha napoleónica da Rússia num combate adverso para as tropas franceses, o batalhão espanhol 326, constituído por prisioneiros alistados à força, tenta passar-se para o lado inimigo. Mas o seu movimento é interpretado erroneamente como um acto de coragem por Napoleão que envia em seu auxílio uma carga de cavalaria das suas tropas de elite. Para os espanhóis trata-se de manter um equilíbrio tenso e periclitante: se desertam demasiado cedo e os franceses percebem, são chacinados por estes; se desertam demasiado tarde são os russos que lhes fazem a folha. Trata-se pois de manter a a aparência de que combatem corajosamente por Napoleão até chegar o momento certo em que deixarão cair a bandeira imperial para içarem a bandeira branca da rendição (ou deserção). Só que nunca o vão chegar a fazer… O certo é que o desespero dos espanhóis espicaça os franceses que conseguem vencer uma batalha praticamente dada como perdida…

Como notas dignas do melhor Reverte deixo aqui estas duas citações finais que pretendem caracterizar a magnífica erudição de Murat, um famoso oficial de Napoleão Bonaparte:


«a respeito do cheguei, vi e venci, Murat fora buscar isso a um livro de gravuras dos filhos, qualquer coisa que um general grego, ou talvez fosse romano, tinha dito diante das muralhas de Tróia quando aquela cabra abandonou o marido para fugir com um tal Virgílio, depois de ter metido dentro de um cavalo de madeira. Ou vice versa,»


«Foi osmérico.
-Osmérico?
-Sim. Sabeis, sire: Osmero. Aquele general zarolho que conquistou Troia. O dos elefantes».

09/12/10

No Reservations de Anthony Bourdain, por Bifana Bifana

A Sic Radical está de parabéns! De segunda a sexta, por volta das 21.30/22 (nunca é exacto) o canal passa a excelente série No Reservations do mestre Anthony Bourdain. Eu vejo religiosamente todos os episódios que posso e, como eu, uma boa parte da malta daqui do Porco. Não sei bem como qualificar este programa. Aparentemente é um programa sobre comida. Mas não tem nada a ver com os programas de comida tradicionais. No Reservations está nos antípodas dos programas de culinária para donas de casa. O formato até conheceu algumas inovações nos últimos tempos - os programas de Jamie Olivier, um inglês engraçado, e da voluptuosa Nigella até são interessantes, mas enfim, não aguento mais de 10 minutos a ver aquilo. É que não descolam do tema comida.

Bourdain não! No Reservations é mais,muito mais que um programa sobre comida, é um documento sociológico, estético e político. Bourdain nunca fala de comida só por si. No seu programa dá-nos a conhecer gente interessante dos quatro cantos do mundo, fala da cultura dos povos que visita, das paisagens e da alma dos países e a comida aparece apenas como um mais um traço identitário (embora fundamental num programa desta natureza). A gastronomia de um povo tem a ver com a sua alma, tal como a música, a literatura, os mitos, as lendas e a história... No Reservations fala de tudo isso - no Japão Bourdain falou-nos de uma inacreditável arte de arranjos florais, na Jamaica de reggae, em Bogotá na solidariedade das pessoas contra as máfias da droga, no Sri Lanka dos conflitos entre singaleses e tamis... Acho que se entende como é que Bourdain está nos antípodas dos antigos programas de culinária para as donas de casa, e muito, mesmo muito distante dos programas da Nigella e do Jamie Olivier...

E depois há aquelas filmagens da comida, absolutamente brilhantes! Os grandes planos dos pratos e dos petiscos que Bourdain enfarda são obras primas só por si. Nunca vi comida tão bem filmada - as cores, as texturas, a frescura dos pratos quase que se sentem. Fico sempre com um apetite dos diabos ao ver aquilo, apetece-me comer até aqueles pratos «feitos à base de 90% de malaguetas» que se podem comer num restaurante de comida Schichuan em Queens, New York! Não sei quem são os camera men nem os produtores da série mas são excelentes, sem dúvida alguma. O modo como filmam a comida é, por si só, um tratado de gastronomia e de estética.

Finalmente, last but not the least, ainda temos a personalidade politicamente incorrecta de Bourdain, o que lhe valeu alguns problemas nos states (daí o parental adisory da série). O homem adora comida de rua, encontra roullotes magníficas que não passam pela cabeça de ninguém, não cai no facilitismo de ir apenas aos melhores restaurantes do mainstream, pelo contrário procura o impensável, tem uma aversão sincera à comida vega, está-se nas tintas para os direitos dos animais, não tem maneiras à mesa, come alarvemente (em termos de quantidades), é escatológico... Enfim é um genuíno apaixonado pela comida, alguém que confessa em cada programa que acabou de provar a melhor comida do mundo. E é sincero!

A Sic radical está de parabéns pela divulgação do trabalho de Bourdain em Portugal. E nós, comuns ignorantes das coisas sérias deste mundo, ainda mais que o temos todos os dias mais ou menos à mesma hora.

A Metamorfose de Franz Kafka, por Melquíades


“Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na cama metamorfoseado num monstruoso insecto.” Assim começa o Metamorfose e pouca mais acção há. O livro é pequeno, mais novela que outra coisa, e traduz-se nisto: Gregor Samsa, caixeiro-viajante que se mata a trabalhar para prover à família que adora - pai e mãe, já velhotes e uma irmã novinha -, acorda naquela manhã transformado num nojento e gigantesco insecto. Não pode falar, não pode sair do quarto, não pode fugir; e não maltrata ninguém, uma vez que mantém pensamento humano. Reconhece a família e o mal que lhes está a fazer e a família reconhece o insecto de pesadelo como sendo o filho extremoso, Gregor Samsa.

Mas como é que se vive com a monstruosidade? Esta é a pergunta que logo de início nos salta à cabeça, perante a empatia para com a família do mostrengo. Mas a arte de Kafka leva-nos muito mais além do que isto e a pouco e pouco, passado o susto da fantástica metamorfose, já não sabemos quem é o monstro. Começam a aparecer outras monstruosidades ao longo da Metamorfose. A monstruosidade pode estar em qualquer lado e mesmo no meio de nós. Até o leitor pode ser o monstro. Qualquer de nós se identifica com tudo aquilo. De um lado e de outro. Ali não há preto e branco.

Já li e reli “A Metamorfose” muita vez e descubro-lhe sempre uma nova perspectiva. Em regra tenho simpatia pelo novo Samsa. A sua metamorfose é uma reacção à insanidade e ao vazio em que vivia. Foi o corpo e não a cabeça que lhe disse “Não” à continuação da labuta esgotante, transformando-se naquilo que a impossibilitava, a monstruosidade. Transformado o corpo no mostrengo horrendo que nos é descrito, a cabeça de Samsa continuou como até ali, amorosa, subserviente, escrava. O metamorfoseado monstro é a mais humana das criaturas. A família, aterrada e esgotada, e que nos leva de início a maior fatia de simpatia, vai evoluindo ao longo da história e vai sendo objecto de nova metamorfose.

No final, a cabeça humana do monstro físico Samsa, não aguenta o sofrimento (ou a metamorfose) que provoca na família e suicida-se da única forma que aquele corpo lhe permite. À fome. O monstro repulsivo toma a mais humana das atitudes.

02/12/10

Special 5, por Olé


Mas não tinham proibido as touradas na Catalunha?

01/12/10

Um Palhonço No Panteão Da Eternidade, por Sagrado Coração


Comece-se por dizer que o Palhonço conseguiu e realizou o seu grande sonho, que era ser tido como um pintor famoso e gravar para sempre o seu nome no panteão dos grandes. O artista foi famoso em vida e continua na mesma depois de mal enterrado. Os seus quadros, embora não pertencendo à esfera dos colossos, dizem presente nos mesmos sítios onde aqueles estão. Tais quadros tornaram-se mesmo ícones de uma certa forma de pintar (naif) e de retratar alguns ambientes selváticos, aparecendo muitas reproduções das suas pinturas em capas de Gabriel Garcia Marquez, Luís Sepúlveda e de outros autores que agora não recordo.

O mais engraçado é que o artista famoso sabia de tudo menos de pintura que era a única coisa que fazia. O homem não teve qualquer treino, não assistiu ou acompanhou qualquer mestre, não estudou nada de pintura, não tinha qualquer noção de perspectiva, nem qualquer noção das mais elementares regras da pintura, assim como não sabia desenhar, etc, etc, mas teimava em ser pintor e pintava. E pintor ficou. Falo como é evidente do palhonço Henri Rousseau, O Aduaneiro como ficou conhecido.

Henry Rousseau foi um pequeno funcionário da alfândega de Paris durante 22 anos e até aos 41 anos. Nessa idade e a certa altura meteu na cabeça que queria pintar e ser um pintor famoso. Rousseau nada sabia de pintura para além de saber que a coisa se traduzia basicamente em esfregar pincéis com tinta numa tela. Mas sabia como se meter no meio. Afivelou um jeito de palhonço, de coitadinho, desgraçado e engraçado e lá foi para as tascas parisienses do milieu. E a pintura, a verdadeira pintura, engraçou com ele.

Por conta de copos, piadas e boutades, o bom do Rousseau tornou-se “compagnon de route” de Picasso, Gauguin, Signac, Matisse, Pissarro, Redon, Cézanne e outros, que o acolheram e protegeram, fazendo-o inclusive participar nos seus salões de pintura. É certo que algumas vezes o tentaram meter nas salas das artes decorativas, mas Rousseau desculpava-lhes esses lapsos e acartava os seus quadros para as salas de Picasso e Cézanne. A chacota geral prosseguia nas costas do nabo, mas certo certo, é que ele lá estava lado a lado e ninguém tinha coragem de o tirar dali. E de tanto ali estar, ali ficou. No panteão, ao lado dos grandes, que apenas o receberam como bobo ingénuo e como afronta à pintura oficial e institucional.

Apollinaire, então, adorava o homem e defendia a sua pintura contra tudo e todos. Hoje, o Aduaneiro lá consta em qualquer livro ou compêndio de arte como sendo o expoente da pintura naif e a prova provada de que se pode pintar a realidade “sem a intervenção da razão critica e disciplinadora”. Que de facto, Rousseau não tinha. Mas tem quadros no Louvre, no Hermitage, National Gallery, etc.

Apesar de não saber pintar, Rousseau, homenzinho ridículo e pretensioso, envolvia-se a si próprio numa aura de grandeza que de tão atroz se tornava cómica e apreciada. A certa altura numa das jantas com Picasso e outros, Rousseau vira-se para este e diz-lhe: “ – Nós os dois somos os maiores pintores da nossa época, tu no estilo egípcio e eu no moderno.”. Nem mais.

Mas Rousseau levava-se a sério, tão a sério que distribuía cartões de visita, onde mandou imprimir por debaixo do nome a referência de “Pintor de Arte”. Os seus quadros que mais não querem do que imitar os mestres da época, são na sua maioria de um ridículo alucinado. As figuras são mal desenhadas, não há qualquer noção de perspectiva ou jogo com ela. Há figuras copiadas de caixas de chocolates e mesmo a sua famosa série das pinturas na selva era decalcada por projecção de fotografias. A sensação de mistério e de intranquilidade que transmitem mais não resulta do que da obsessão de Rousseau de acabar e encher os seus quadros até ao limite do insuportável. Cézanne por exemplo fazia-lhe confusão. A certa altura vira-se para Cézanne e diz-lhe: “ – Como sabe, eu podia acabar todos estes quadros.”

22/11/10

Porque é que Gosto Mais de 2001 que de Blade Runner e de Matrix?, por Trinity

2001, Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick. Blade Runner de Ridley Scott. Matrix dos Wachowski. Três filmes de ficção científica, três obras primas! Talvez, salvo melhor opinião, os três melhores Sci-Fi Movies de sempre. Gosto dos três mas gosto mais de 2001, para mim o culminar supremo do género, do que qualquer um dos outros. E porquê? A diferença não estará tanto no enredo que, nos três casos é insuspeito e igualmente genial: 2001 parte de um livro de Arthur C. Clarck, Blade Runner é a adpatação de um conto de Phillip Dick intitulado Do Androids Dream With Electric Sheeps?, Matrix é um original dos Wachowski mas claramente inspirado em Platão. Então porque razão gosto mais de 2001 do que dos outros dois?

Podia falar na estética do filme de Kubrick mas será que aquele universo difuso que faz lembrar os quadros de Rembrandt de Blade Runner é inferior? E a estética High Tech de Matrix será coisa pouca? Não vou por aí mas creio saber porque é que gosto mais de 2001. Simples: porque os outros dois perdem-se um pouco na cedência à acção. Tanto Ridley Scot como os Wanchowski passam uma boa parte do tempo a filmar cenas de porrada, perseguições e coisas que tais. E isso é o lado aborrecido destes filmes. É uma pena que o cinema - que é showbiz e não apenas arte - ceda tanto a esta lógica comercial (ainda recentemente vimos o mesmo pecado em Origem).

Se Matrix e Blade Runner tivessem menos bulha eu gostaria ainda mais deles. E é nisso que adoro 2001 - não há acção, até o movimento dos astronautas é lento, tudo é vagaroso, minimalista, não há porrada nem quando o hal 9000 se revolta. É jogo intelectual puro, prazer estético genuíno sem cedências à lógica hollywoodesca. De um modo geral é assim que Hollywood estraga os grandes livros - transforma-os em cenas de acção!

Tanto Blade Runner como Matrix são demasiado geniais para serem estragados. Mas é por isto que, do meu ponto de vista, ficam a perder e muito em relação a 2001. Este não cedeu e permaneceu fiel ao espírito de Arthur C. Clarck. Mas depois de ler Phillip Dick, o mais acelerado dos escritores de Sci Fi fica-se com a sensação de que Ridley Scot ainda o ultrapassa pela direita. E que dizer de Platão, recriado pelos Wachowski? Não era tanta luta dispensável?

18/11/10

Definição do Brasil Segundo Um Astronauta Português, por Yaúca


Um astronauta sai na sua nave espacial do seu minúsculo planeta e aterra num outro muito distante e absolutamente gigantesco. Mas descobre, com espanto que, em vez de alienígenas esverdeados com muitos braços e garras temíveis, os nativos do novo planeta são como ele. E que falam a sua língua, que querem saber dele e se interessam pelo seu insignificante planetazinho distante. Ainda por cima, o novo planeta em vez de ser um deserto árido como Marte ou um forno capaz de derreter chumbo como Vénus tem praias de sonho, montes que tocam os céus, árvores e frutos nunca vistos e águas azuis.
O astronauta repara, depois, que se enganou e que, afinal, aterrou no Brasil.

16/11/10

O Despertar, por Rolex


E de repente parece que o país acordou... Subitamente temos toda a gente a dizer mal do inenarrável sócrates, o pior governante português de que tenho memória, a maior anedota de toda a história política nacional. Mas o que foi que mudou entretanto?

Será que se soube recentemente do caso fripó? Da licenciatura que saiu no OMO? Da cova da beira? Das aldrabices permanentes? Do controlo dos media? Dos familiares duvidosos? Do edifício de luxo comprado pela mãe? Da entourage rasteira? Dos projectos das casinhas? Da face oculta? Dos boys? Não, tudo isto e muito mais que não me sobra fôlega para tanto, já se sabia há mais de um ano... Então porque é que só agora o país parece ter acordado? Porque é que de um dia para o outro as sondagens dão o homem e os seus xuxas nas ruas da amargura?

A resposta é, infelizmente, demasiado prosaica. Os portugueses sentiram, subitamente, que a incompetência de sócrates lhes foi ao bolso. E isso eles não perdoam. Pode um governante ser um patife da pior espécie - e não estou a dizer que é ou que não é o caso - que nada disso interessa. O único critério que faz realmente mexer os portugueses é apenas e só o peso do vil metal. Não deixa de ser um sinal, mais um, da nosa apagada e vil tristeza. Pobre povo este que tem necessidade de uma crise económica para ver a mais simples das evidências! Sócrates é no fundo o representante mais fiel deste povo que o elegeu duas vezes. Até na derrota...

15/11/10

Carta a Vítor serpa, por Xenofonte

Caro Vítor Serpa,
Desde sempre, para mim, a Bola foi O jornal desportivo.
A minha eleição privilegiou jornalistas como Alfredo Farinha, Homero Serpa, Carlos Pinhão, Aurélio Márcio, … homens honestos, argutos, sabedores, de palavra, que se norteavam por princípios éticos e deontológicos acima de qualquer pseudo-intelectual pretensioso, com verborreia acintosa e ignorância desavergonhada.
Quando a vossa linha editorial, certamente marcada por critérios económicos, optou por incluir Miguel S. Tavares, intui um retrocesso a todos os níveis, mormente de qualidade. Esse escriba veio, efectivamente, revelar os dotes de quem se julga intelectual, alardeando teorias — que considera conhecimentos — acerca de todos os assuntos. Na Bola assiste-se a um exercício confrangedor e pungente de um assalariado da palavra que, sem um saber sustentado, se limita a expelir uma maledicência abjecta e um ódio inconsequente que despreza qualquer lógica argumentativa, tão pobre é o seu discurso.
Preferi-lo à inteligência de Ricardo Araújo Pereira deixa antever uma subserviência preocupante.
Porque, em nome de uma pluralidade de ideias, não vale tudo: há princípios, valores axiológicos que sustentam pessoas e Instituições.
Escrevo-lhe, caro Vítor Serpa, porque sempre o li e concordei com as suas opções cívicas e desportivas, que tão claramente enunciou.
Assistir, agora, a esta opção entristece-me. Por todos os motivos. Porque vou deixar de comprar o meu jornal.
Assim se delapida uma Instituição que se construiu baseada em homens de Bem, com valores perfeitamente definidos.
Post-Scriptum: obviamente que também permitiram a intrusão de indivíduos como o Eduardo Barroso, que está permanentemente a afirmar o seu ego inchado, exibindo o seu estatuto e fazendo referências, sempre, à sua actividade profissional (tipo arma de arremesso), numa narração despudorada de valorização do seu papel na sociedade. Mas isso é só o sintoma de uma fraca auto-estima e a sublimação de um certo estado que o revela como alguém absolutamente vaidoso — é inócuo e risível.
Porque sempre o considerei, caro Vítor Serpa, o meu lamento.
Como Heraclito sabiamente nos disse, O carácter de um homem é o seu destino.
Os meus cumprimentos

14/11/10

A Bola Fede!, por Fedorov

A Bola, jornal que tenho como referência desde os tempos em que ainda lhe chamava A Bíblia, está em estado cadavérico. O óbito deu-se na semana passada quando o seu director, Vitor Serpa, cometeu um acto de censura indigno dos pergaminhos do jornal sobre o Zé Diogo Quintela. Logicamente, porque a censura é inadmissível, o Zé Diogo foi-se embora.... E, em consequência e por acto básico de solidariedade que devia ser seguido por todos os colunistas da Bola (excepção feita, claro, ao Tavares) Ricardo Araújo Pereira seguiu o mesmo caminho.

O comentário do director do defunto jornal, Vitor Serpa, é uma tentativa falhada de passar por entre os pingos da chuva sem se molhar. Escreve o Serpa num curto e cinzento editorial: “Ricardo Araújo Pereira e José Diogo Quintela terminam a sua colaboração com A Bola”.

Isto é falso! Não foram eles que terminaram a sua colaboração. Quem os censurou foi o Serpa. E, a uma pessoa com um mínimo de dignidade, não restaria outra alternativa que não a demissão. Aceitar a censura e continuar é que seria inaceitável.

Explica Serpa que o jornal não está disponível para “prosseguir um cansativo e desinteressante (para os leitores de A Bola) contencioso particular com Miguel Sousa Tavares(…) até por haver mail, SMS e CTT para o efeito”. Pessoalmente achava o «contencioso» muito elucidativo e não creio que fosse assim tão pessoal. Pelo contrário, o Tavares é uma figura pública que não se coíbe de mandar podoada em tudo o que mexe. É quase um serviço público que um mascarado fique assim desmascarado, como era notório nas colunas de opinião dos Gatos.

O que é interessante é que só o texto do Zé Diogo foi alvo da censura da Bola. Mas os textos do comentador tavares não justificaram a mesma atitude.Porquê, pergunto eu na minha candura? Nem quando chamou rafeiros e mais não quantos encómios aos Gatos... Se o Serpa acha que aquele ping pong não interessa ao jornal, por respeitáveis razões editoriais, porque razão apenas se meteu com o Zé Diogo e não com o Tavares? Até parece que para haver pong não é preciso haver primeiro ping... Só os gatos alimentavam aquilo? Parece que só o Ricardo e o Zé Diogo responderam ao Tavares e não o Tavares aos gatos...

“É, assim, a vida. Cá pela nossa parte gostamos (aos Gatos) muito de os ter entre nós», remata o serpa no mesmo editorial. Cheira a pura hipocrisia... Se gostaram porque razão os censuraram? Repito: zé diogo e ricardo araujo pereira só se foram embora porque foram forçados a isso! E foram-no por acção expressa e intolerável de uma inqualificável direcção de um jornal que tem uma história, uma imensa história, que só sai aviltada por pessoas capazes de procederem desta maneira.

Zé diogo declara que uma das frases cortadas pela Bola era a seguinte: “Em Janeiro, [Miguel Sousa Tavares, portista declarado] pediu a Pinto da Costa [presidente do Futebol Clube do Porto]” que me processasse. Desta vez, vitimiza-se e ameaça abandonar a sua crónica n’A Bola, pretendendo que o Ricardo e eu sejamos responsabilizados pela sua saída. Depois das queixinhas, uma ameaça de amuo”.
Tavares, claro, nega ter feito qualquer pressão para a saída de zé diogo. Mas todos conhecemos o estatuto moral e a honestidade intelectual de tavares. Ponto parágrafo.

Compreende-se até que o homem andasse moído com o trabalho meticuloso e aturado feito pelos Gato que lhe foram apontando penosas contradições e volumosos engulhos de boca. Não era difícil numa criatura que debita verborreia sobre praticamente todos os assuntos, mesmo que, numa boa parte deles não passe de um desleixado ou de um ignorante. Digamos que estava mesmo a pedi-las...Os Gato tiveram o mérito de meter a nu os maus fígados de um indivíduo que estava habituado ao papel cómodo de criticar sem ser criticado. O tavares vive da crítica mas não gosta que o critiquem! Pena é que não haja mais Gatos! Pena é que isto seja antes um país de serpas!

Pode o tavares ficar mais descansado que agora não tem quem o contrarie nas páginas da Bola. Pode escrever as habituais inanidades odientas que não haverá ninguém a ridicularizá-lo (na Bola, claro)... Mas saiba o zelozo serpa que há milhares de leitores da Bola que não mais comprarão o jornal. Pessoalmente vou baixar a minha dose de dependência e pena tenho eu que a concorrência seja constituída pelo medíocre record e pelo pasquim do jogo. Estou a pensar seriamente em mudar para a Marca ou para o Lance...
Saiba ainda o serpa que havia muito quem lesse a bola ao sábado só por causa do ricardo araújo pereira. E que há muito quem já não comprava o jornal à terça só por causa do tavares. Pessoalmente acredito que o homem não só não faz lá falta nenhuma como até devia escrever noutro lado. Mas isso sou eu... O que jamais faria era censurar-lhe um texto. Muito menos faria queixinhas ao director do meu jornal para tirar de lá o outro menino que não gosta de mim.

O tavares foi tavares porque não sabe ser outra coisa. E o serpa é serpa e ainda quer parecer que não é. Quanto aos Gato golearam por 20-0 e o único a perder foi um jornal que não merecia estes directores. Digam-me onde é que passarão a escrever o Ricardo Araújo Pereira e o Zé Diogo Quintela. Passo a comprar esse jornal, em vez da Bola, imediatamente.

07/11/10

Ver-O-Peso - Belém do Pará, por Mau on the Road



Belém fica no Norte do Brasil. Do Rio de Janeiro até lá, com voo directo, são 3 horas e pouco de avião. É incrível como para viajar dentro de um mesmo país demoramos mais tempo do que a fazer uma ligação Lisboa-Paris ou Lisboa-Londres. Mas o Brasil é isto mesmo: um continente camuflado de país. Feita a introdução passemos, então, ao relato da viagem:

Fui para Belém com um amigo brasileiro. Já me tinha falado na cidade: que tinha amigos de lá e que já lá tinha ido duas vezes. Contou-me que a cidade ficava na Amazónia e bastante perto da linha do Equador. Que era incrível e que eu devia lá ir...

Pirarucú - peixe do Amazonas que pode atingir 2 metros de comprimento


Passados uns dias, estava eu no facebook, aparece o meu amigo [chamado Caótico] e diz-me:
- Cara, está havendo um feirão da Gol (companhia aérea): há viagens baratas para Belém. Vamo? [sim, sem "s" no fim - estes cariocas adoram assassinar o português...].

E "fomo"!

Comecei por conhecer o Mercado Ver-O-Peso. É um dos mais tradicionais mercados brasileiros e é, também, o cartão postal de Belém. Foi construído em 1625 e situa-se na Baía do Guarajá. Fui com a Portuga e o Caótico até lá. Pensei que ele já conhecia bem o sítio. Antes de deixar o mercado acabou por me confessar:
"Já tinha vindo duas vezes a Belém e só tinha visto o mercado de longe... nunca aqui tinha entrado. Mal sabia o que aqui ia encontrar". [obviamente que o texto está traduzido para português de Portugal, visto eu ainda não ter aprendido a dar os erros nas conjugações verbais que me permitiriam reproduzir fielmente a oralidade do carioca].

Senhora a descascar a bastante vendida castanha do Pará

E ele tinha razão. Por lá encontra-se um pouco de tudo: desde pirarucus até especiarias, passando por patos e galinhas vivos ou por artesanato índio. Mas passando também pelo açaí. E pelas toneladas de camarão que por lá se vendem. E pelas garrafinhas de "viagra natural". E pelos saquinhos de "amansa corno". E pelos bacuris. E pelas beribás. E pelas carambolas. E pelas graviolas. E pelas acerolas. E pelos...


Venda de camarão no Mercado Ver-O-Peso

Em suma: é um enorme mercado que se encontra às portas da amazónia e onde, por isso, podemos encontrar os nomes mais estranhos, os frutos mais incríveis e as pessoas mais genuínas que vi no Brasil. Não é fácil passear por um mercado sem ser constantemente abordado para comprar isto ou aquilo. Se não o é em Portugal muito menos o será no Brasil. E ainda menos se for um Português no Brasil...

Ali, porém, andava à vontade: de máquina em punho a aproveitar toda aquela confusão do aroma dos peixes misturado com a cor das frutas, com a beleza do artesanato, com o cheiro a fritos, ou tão simplesmente com os quadros das pimentas e malaguetas do Pará. Naquele mercado encontra-se tudo: encontra-se a vida do povo que vende, do povo que compra, do que apenas visita ou do que se perde por lá. Encontra-se a alegria ou a tristeza da vida que se leva, encontram-se histórias imensas e vidas incríveis por trás do olhar genuíno de cada Paraense.

Pimentas e malaguetas cujo nome verdadeiro desconheço - mas que ardem...!!!


Encontra-se um povo, uma terra, um estilo de vida. Um Brasil que não é o Rio. Um Brasil que é como é, que não se importa em esconder o que se esconde na grande metrópole. Encontra-se um outro modo de vida, um outro olhar sobre a vida.


Eu perdi-me por lá. Mas encontrei-me a mim.

Retirado, com a devida vénia, do http://vaipaselva.blogspot.com/

30/10/10

Ontem esteve um Pouco do Brasil no Palco do Coliseu do Porto, por Néguinho

Eu estive lá. Foi ontem, quinta feira. Ouçam só este vídeo e vejam como o artista se comove até às lágrimas. No concerto foi simplesmente comovente... Seu Jorge (aqui sem Almaz): emoção em estado puro!

24/10/10

Os Grunhos das Uvas, por Babalu

Se há coisa que detesto quando ando a comprar fruta são os selvagens que têm o péssimo, rude e nojento hábito de provarem as uvas antes de as comprarem e até mesmo sem as comprarem. Acho uma javardeira e, se pudesse, obrigava essa corja de provadores imundos a pagarem o caixote inteiro das uvas.

Para minha profunda decepção descobri este fim de semana que um amigo, vamos chamar-lhe R., não só é um adepto da modalidade mas, pior que isso, um ideólogo. O R., assumido praticante da coisa, justifica esta javardice com o argumento de que, «só provando, um gajo pode saber se as uvas são boas». E porque não provarmos também os kiwis, os pêssegos, as bananas ou mesmo as melancias? Devia ser bonito, laranjas meio descacadas, bananas fálicas com metade da casca virada do avesso e maçãs meio roídas, tudo à vontade nas bancas de fruta dos hipermercados...

Não R., a razão pela qual a matilha dos provadores da uva ataca não tem nada a ver com a necessidade de ver se a fruta tá boa, mas sim, com duas razões mais prosaicas: pura gulodice e falta de sentido de higiene. E é por isso que essa corja debica as uvas mas também as cerejas e só não o faz com os pêssegos, as peras e os diospiros porque, enfim, ainda possui uma réstea, pequenina, pequenina, de decoro.

23/10/10

Stieg Larsson no Cinema, por Mangas

Cinema policial de produção nórdica, em registo moderno da tradição noir, intenso, sádico e explícito. Da galeria de personagens politicamente incorrectas arrancadas daquele frio civilizado e tenebroso, sobressai Lisbeth Salander (notável Noomi Rapace!), a andrógina tatuada na carne e na alma que solta, sem dó nem piedade, a fúria justiceira de um passado maldito - ao ponto de roubar o protagonismo central a Blomkvist, ainda que a química entre a sociopata e o jornalista funcione sempre por cumplicidade. Corrupção, sexo, BDSM, vingança, poder e finanças, terríveis segredos de família, o mal. Raymond Chandler escreveria sobre isto se fosse vivo. James Ellroy escreve sobre isto, mas à época de Chandler.


Os dois filmes foram adaptados a partir dos dois primeiros títulos da trilogia Millenium - Os Homens que Odeiam as Mulheres e A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo -, de Stieg Larsson, sueco, jornalista e activista político que sobreviveu a inúmeras ameaças de morte mas não resistiu a um ataque cardíaco fulminante. Tinha 50 anos e escrevia à noite para descomprimir, dizia. Os livros foram de edição póstuma e rapidamente atingiram o top de vendas em todo o mundo. Aguarda-se a estreia do final da história em A Rainha no Palácio das Correntes de Ar.

18/10/10

Semelhança do buraco, por Cão






Os mineiros do Chile foram resgatados. Excelente notícia. O desejo (que todos tínhamos) de que assim acontecesse, foi felizmente satisfeito. O airoso desenlace ficou a dever-se ao heroísmo lúcido dos homens soterrados e à dedicação incansável dos técnicos, que nunca souberam, estes, desistir à superfície, e aqueles idem lá nas profundas. O ocaso deste caso deixa-me, em lugar do desejo único de ver os mineiros cá em cima com as respectivas famílias, dois outros desideratos. Estes aqui: 
1) Que a equipa internacional de técnicos salvadores venha para Portugal formar Governo. Só gente assim, abnegada e competente e capaz e dedicada e desinteressada nos pode tirar de um buraco como aquele em que nos metemos a partir de 1976, ano a partir do qual o PS e o PSD, alternadamente, nos meteram no fundo.
2) Que os 33 mineiros sejam secretários de Estado desses (verdadeiros) engenheiros.

Em lugar de, por mero exemplo, um qualquer José Junqueiro, seria ou não seria excelente termos na Secretaria de Estado da Administração Local um Florencio Ávalos, ou um Victor Zamora, ou um Carlos Barrios, ou um Edison Pena, ou um Jorge Galleguillos, ou um Alex Veja, ou um Mario Gomez, ou um Claudio Yáñez Lagos, ou um José Ojeda, ou um Carlos Mamani, ou um Jimmy Sánchez, hum? Seria pois.
Ou então a presidentes de Câmara, estes e os outros. Haveria de dar para todos. E todos eles nos prestariam um serviço a que não estamos habituados – e com abnegação, coragem, solidariedade, entreajuda, disciplina, contacto, comunicação, comunhão de objectivos, igualdade de ponto de partida, essas coisas que perdemos desde 1976.
Julgo que estes meus desejos, ao contrário do outro que queria ver os 33 trabalhadores sãos e a salvo, não serão resgatados de sua mesma utopia. É pena. Porque no Chile só os 33 bravos é que estavam no buraco. 

Aqui somos dez milhões. E os nossos “engenheiros” são do calibre que são.
Só o buraco é semelhante.

17/10/10

A Solução, por Mad Doc

Tenho a solução para este triste país. É fácil: vendam-no! Se alguém o comprar, claro... Aos chineses, aos alemães, aos espanhóis, mas vendam-no.

Não faz sentido preservarmos um país sequestrado, degradado, avacalhado, abusado por uma rede organizada que não posso aqui qualificar. Quando as sondagens ainda dão uma percentagem tão alta de votantes no ps, um partido que, num país normal, já não passaria, à muito tempo, de uma tralha residual, eu pergunto: mas que povo é este?

O que é que significa ser português? Defender uma horda de ignaros que não aprende e que continua disposta a votar na cambada que nos governa? Então mais vale ser chinês...

13/10/10

Os Mineiros do Chile, por Buzz

Acompanho com emoção a operação de salvamento dos 33 mineiros no Chile. É um acontecimento histórico, uma tragédia contemporânea vivida em directo que nos confronta com os nossos sentimentos mais básicos e profundos. Acompanho estas imagens com o mesmo sentimento com que vivi - recordo-me vagamente - os regressos dos astronautas das missões Apolo que voltavam da lua. É a mesma sensação - ver os mesmos seres humanos devolvidos à terra/casa depois de tanto tempo perdidos, literalmente, noutro mundo (no espaço, na lua ou no fundo de uma mina).

Sinto outra vaga parecença entre os dois acontecimentos quando contemplo o fundo da mina filmado em más condições. As imagens cortadas, as interferências,as cores esbatidas, como se fossem uma ficção de Júlio Verne (Viagem ao Centro da Terra?) filmada pelos irmãos Meliés, tudo aqui faz lembrar os movimentos lentos dos astronautas, perdidos num deserto preto e branco de pó e de rocha. O fundo da mina também parece outro mundo, um mundo inóspito de rochas e breu como a lua de Armstrong e de Aldrin, mas sem as estrelas do firmamento.
Como é possível não olhar para esses/estes homens como heróis? Eles representam o nosso triunfo (raro, momentâneo, efémero)sobre a adversidade, o triunfo de seres tão frágeis sobre a estranheza da imensidão cósmica. E o facto de serem mineiros, derradeiros heróis proletários,que têm que ir onde nenhuma máquina pode ir, símbolos, também por isso, da pequenez e da profunda fragilidade de todos os homens, ainda agudiza mais a dimensão épica da sua odisseia. Mineiros e astronautas, parentes próximos...

Também há coincidências simbólicas:a Fénix, nome da cápsula de salvamento dos mineiros, tem a forma de um foguetão. Embora se desloque, ao contrário dos foguetes espaciais, de cima para baixo e só depois de baixo para cima. Nas Apolo os homens vinham do céu, aqui são salvos das profundezas. Nas Apolo tratava-se de os fazer descer com segurança, agora o problema foi fazê-los subir.

Existem outras semelhanças: ao verem a Terra do espaço, um ponto pequeno a milhares de quilómetros de distância, os vários astronautas fizeram sempre notar que do espaço não se percebem as divisões entre os seres humanos. Vistos de longe não pensamos nos terrestres como americanos, soviéticos ou chineses... Pensamos que somos a mesma família, pensamos na humanidade de todos os homens. É curioso como, à escala mundial, vivemos, no dia de hoje, um mesmo sentimento comovido de identificação com os mineiros. Os mineiros são todos os homens. A Aldeia Global mobiliza-se e interessa-se vivamente pelo destino destes homens - a CNN, a Sky, a al jazeera, a euro news, a rai, a tele 5, a tve, a globo, a sic, a rtp e a tvi, todo o mundo quer ver em directo o salvamento dos heróis. Todos vivemos a sua tragédia e a sua redenção.
E, embora o Chile queira fazer deste caso uma história de orgulho nacionalista - o que é natural - isto nada tem a ver com nacionalismo, mas, pelo contrário, com planetarismo, com cosmopolitismo, com internacionalismo.

É muito duvidoso que o Chile conseguisse, apenas com os seus meios, levar a cabo esta operação. O projecto de salvamento contou com equipas de especialistas de várias áreas oriundos de todo o mundo: há norte americanos envolvidos (e a NASA particularmente), alemães, japoneses, peruanos, austríacos, franceses, equipas de todo o lado que colaboraram em todas as áreas envolvidas um plano desta envergadura (engenharia, mecânica, minas, psicologia, medicina - dermatologia, ortopedia, oftalmologia, etc, etc, etc). A vitória dos mineiros é a vitória da humanidade. E, subitamente, as palavras dos astronautas que regressam da Lua ganham de novo sentido: não há aqui países, nem rivalidades; há apenas um mesmo sentimento que une os homens de todo o planeta em nome da mais profunda solidariedade: a solidariedade de todos os homens contra a morte.

Tudo isto faz-me pensar, ainda, n´A Peste, a obra prima de Albert Camus. Sitiados numa cidade isolada pelo vírus, os homens resistem como podem. Mas é também no meio daquela adversidade terrível que descobrem em si sentimentos que nem julgavam existir: a irmandade de todos os seres humanos perante a morte, inimigo comum. Não é o que vivemos aqui?
Esquecem-se os atritos e os conflitos, tudo o que é negativo desaparece por enquanto: há um mineiro que tem uma amante. E a esposa legítima espera-o em Campo Esperança sentada ao lado da amante. Não revelam ódios entre si. Naquele momento elas estão unidas pelo amor por um homem.

Há um boliviano entre os 32 chilenos e a Bolívia vive dias de tensão com o Chile. Mas o presidente boliviano está presente no Campo Esperança e agradece ao seu homólogo chileno por tudo o que fez para salvar o seu conterrâneo. E agradece, comovido, ao povo do Chile. É notável! Que espécie de magia se criou aqui para que as desavenças mais ou menos profundas se apaguem assim?

Curiosa expressão desse sentimento de solidariedade humana contra a morte: a cápsula de salvamento desce e sobe outra vez para fazer renascer aqueles que já estavam enterrados. Penso nos cemitérios e nas imagens terríveis dos caixões que descem às entranhas do sub solo para levarem para sempre aqueles que amamos. Mas agora é ao contrário: a Fénix é o contrário do caixão, a Fénix salva da morte, faz ocorrer o milagre da ressurreição e resgata a vida das profundezas. Estas imagens são poderosas, estão investidas de uma força poética completamente imprevista. Nunca o nome de Fénix foi tão apropriado.

11/10/10

Libertem os Buffets, Porra!, por Free Willy

O meu amigo Grunfo é um filósofo e eu já sabia disso. Ele é uma prova viva de que os grandes temas da filosofia, as questões intemporais que preocupam o homem há milhares de anos, continuam vivas e actuais. Por exemplo, a questão da liberdade, ou se se quiser, num esforço de up grade pós moderno, «serão os free buffets verdadeiramente livres?».

A este respeito o grunfo é defensor de um conceito de liberdade radical e absoluta nos buffets. Entende o meu amigo que quando um restaurante, como o brasileiro, apresenta numa placa os dizeres «buffet livre: só 5.99», isto significa que um marmanjo pode literalmente servir-se do que entender e só tem a pagar os ditos 5.99. O problema é que o empregado do tal brasileiro não é da mesma escola filosófica e quando viu o Grunfo a fazer pirâmides de comida encavalitadas no prato, tratou de avisar: ná, ná, a partir dos 700 gramas paga mais... O grunfo protestou, que liberdade é liberdade e que se o buffet só é livre até aos 700 gramas, então já não é liberadade coisa nenhuma. Mas tá escrito na placa, senhor, disse o funcionário, e o grunfo foi ver e era verdade, mas em letras miudinhas, sacanas do caraças, vão mas é roubar para a estrada, pago mas é a última vez. Isto é um restaurante jurídico, um gajo para entrar aqui só aompanhado de advogado. Ou de filósofo, digo eu...

No sábado como sempre encontrámo-nos no café do costume e o grunfo levantou a questão (é certo que ajudado por interposto amigo): e vocês, o que é para vocês um buffet livre? Dizia o grunfo que um restaurante que tem um entendimento correcto do que é a liberdade no buffet, não é o brasileiro, é o japonês. Aí sim, o buffet é livre, pagas 6 euros e comes o que queres e enches o prato à tua maneira.
Retorqui que não me parece porque, até mesmo aí, caro grunfo, a liberdade não é absoluta. Por exemplo, não podes encher dois pratos de comida, os 6 euros é só por um prato. Fora as bebidas, lembrou alguém. Lá está.

Depois de dois dias de discussão creio que chegámos, enfim, a um consenso filosófico: a liberdade nunca é absoluta, pelo menos, no caso dos buffets. É sempre limitada. Mesmo no caso mais radical do free buffet, modalidade all included, que faz parte dos pacotes de férias de alguns operadores turísticos, mesmo aí, há limites: quanto mais não seja a qualidade dos próprios géneros: temos bar aberto ok, mas o gin é manhoso... Isso significa uma falsa liberdade, já que não temos direito, de facto, a gin, mas a uma mistela com essa designação. E até mesmo o buffet all included precisa de parar, nenhum all included funciona a 100% vinte e quatro horas por dia. Em matéria de liberdade, meus amigos, não existem buffets livres.

Mas o Grunfo não está convencido e continua a dizer que se eles não existem, os buffets livres, temos que lutar para os libertarmos. Saibamos fazer real esse conceito ideal de liebrdade, façamos a nossa tomada da bastilha, a nossa revolução dos cravos, o ipiranga dos buffetes, mas não desistamos: libertem os bufftets!Juntemos a nossa à voz do grunfo. Free buffet forever!

Sartre disse que «o homem está condenado a ser livre», Toqueville discutiu a liberdade a propósito da América. O grunfo inaugurou um novo patamar e discute-a a propósito dos buffets. Quem sabe quando o veremos discutir a imortalidade da alma a propósito do bacalhau à zé do pipo, das rabanadas ou dos miúdos de leitão...

08/10/10

Metafísica de Barbearia, por Zidane

As conversas no barbeiro são um clássico. É praticamente imemorial, os barbeiros sempre se destacaram socialmente e não apenas pela sua excelsa habilidade na arte do rendilhado capilar - tempos houve em que faziam também de médicos de aldeia. Hoje tornaram-se, regra geral, verdadeiros psicanalistas sem divã, habituados a ouvir as biografias mais incríveis dos seus «pacientes». Mas, pessoalmente, nunca incentivei muito a conversa de barbearia. Geralmente prefiro passar por uma pessoa pacata e calada - que estou longe de ser - e deixar o sô João,adepto do sportem, fazer o seu trabalho em silêncio. A razão é simples: prefiro que ele esteja concentrado, não me agrada a ideia de distrair um tipo que tem uma navalha ou uma tesoura por perto do meu pescoço. Quanto mais não seja receio que a qualidade do corte não saia tão bem. Acho mesmo que é possível estabelecer uma espécie de lei universal das barbearias: quanto maior é o envolvimento do barbeiro na conversa, pior é o corte do cliente!

Mas hoje abri uma excepção. Não sei como, mas dei por mim a discutir o tema da corrupção na arbitragem. O sô João defendeu encarniçadamente que não há nem nunca houve neste país corrupção na arbitragem. Os árbitros são pessoas sérias, que diabo... Como eu não parasse de rir com a fé dele, para contrariar o meu cepticismo cínico, toca de dar o seguinte exemplo:

- Tenho aqui um cliente com anos de casa que foi árbitro a sério. E contou aqui que, uma vez que foi lá acima apitar um jogo, estava ele no quarto do hotel com os dois colegas bandeirinhas, batem-lhes à porta. Isto na véspera de apitarem o jogo com o tal clube. Eram três gajas brasileiras boas comó milho. O que é que um homem faz, tá a ver, han, os homens estão lá sossegadinhos e aparecem-lhes três brasileiras cada uma melhor que a outra... Comeram-nos, claro, e no fim perguntaram, educadamente, «quanto é?». Resposta das meninas: «não se preocupe que já está pago».

Pergunta-me o sô João «então isto é corrupção? isto não é ser corrupto, um homem tá sossegado a descansar no hotel, concentrado no jogo e tal e aparece-lhe a fruta. Não há como evitar e se no fim já está pago, pois melhor. O que é que isto tem a ver com corrupção?»

Perdi o pio. Discutir ética com o sô João não é, definitivamente, tarefa fácil. No fim nem me reconheci no espelho: o corte de cabelo ficou horrível!

07/10/10

Fui Pesquisar o Tapor e, sim, o Nobel Já aqui foi Referido:

Metalomecânica Literária, por Paracelso

Ainda a propósito de livrarias, na sequência daquele post ali em baixo do, o que mais me surpreende em algumas é a falta de conhecimento do ofício por parte dos empregados. Numa das Bertrand de Coimbra peço o Tia Júlia e o Escrevedor, do Mário Vargas Llosa. “Mário quê”, pergunta a empregada. – “Vargas Llosa… Llosa, Llosa…”, com dois lês, como aquele tango do Gardel, llorona, no llores maaaas… (bom, na realidade nunca me ocorre dizer estas coisas assim, na altura própria).

A senhora consultou o computador, e acabou por concluir que tal obra não existia nas bertrands de Coimbra, que são quatro. Aventou até a possibilidade de a coisa ter saído muito recentemente e entonces… Não é estranho um funcionário de livraria nunca ter ouvido sequer falar do tal Mário? É que o homem é uma celebridade; está para a literatura como o parafuso está para o mundo das ferragens e drogarias. Ora, quando vamos a uma loja de ferragens pedir parafusos, a última coisa que nos passa pela cabeça é que o empregado nos diga: “para… quê? fuso? não, ó amigo, desse material ainda não temos, sabe, é que as novidades tecnológicas às vezes demoram a chegar à loja, efeitos da interioridade”. Normalmente dirá: “ó meu amigo, parafusos há muitos, quer de fenda simples ou cruzada, para o de fenda simples tem que ter uma chave de fendas a condizer, e afinal o meu amigo quer o parafuso para que efeito, e não se esqueça das anilhas e porcas”, etc. E o mundo da literatura não é muito diferente do mundo da metalomecânica.

Imaginemos que chego a uma livraria e digo - ”ora viva, amigo Freitas, quero levar que ler na praia, estou inclinado para o Kafka”. Pois o Freitas deve então responder qualquer coisa como isto: - “Ó meu amigo, Kafkas há muitos. quer o das novelas ou o dos diários? E se quer que lhe diga, se é para levar para a praia, não se meta nisso que dá mau resultado. Leve antes o Ovídio, que o bucolismo campestre é mais eficaz a temperaturas superiores a trinta e cinco graus”. – “E como aplico?” – “Olhe, o amigo abre o livro a meio e pega-o com a mão direita, assim ó, e com a mão esquerda pega numa gaiola com um grilinho. E depois senta-se numa esplanada na praia e pede um copo de água e um pão torrado com doce de abóbora. Em cinco minutos está rodeado por dez suecas de óculos redondos, garantido”.

Deviamos até poder levar os nossos livros para assistência técnica. - “Ó amigo Freitas, a métrica deste madrigal está incorrecta, ora veja, dez, dez, dez… nove! Li isto à minha namorada e ela rompeu o contrato de namoro, por erro técnico! Eu que sempre fui aqui bem servido, e agora isto…”. - “Tem o meu amigo muita razão, e não é o primeiro a queixar-se. Mas o defeito é de origem e a fábrica diz que já acabou essa linha de produção. Mas se quiser, tenho um primo que lhe arranja isso, mete-lhe mais uma sílaba no verso e a coisa fica perfeita, deixe cá e passe daqui a uma semana”. - “Mas tem a certeza que fica bem?”. - “Ó meu amigo, nem de propósito, tenho aqui um Ovídio arranjado para entrega. Olhe para esta qualidade, posso batê-lo aqui no balcão que a métrica não se desmancha. Garanto-lhe que nunca mais sai”. Mas pronto, ó meus amigos, o mundo nunca é como nós queremos.

05/10/10

O Público Citou o Tapor!

Blogues em papel
Longe de 82, mas está bem
http://tapornumporco.blogspot.com
(...) Os U2 que vi ontem já pouco
têm a ver com os jovens irlandeses
de 82. Mantêm a mesma
vitalidade, mas o espectáculo é
outro, uma espécie de celebração
religiosa dos mega hits que o
grupo foi editando ao longo de
décadas de carreira. Em muitas
músicas, Bono nem precisa de
cantar, o público está lá para
isso, para as palminhas colectivas
e para os coros dirigidos pelo
maestro Bono. Aquilo é um ritual.
Os U2 já não dependem tanto da
música como em 82.
Mas tudo isto é natural. Os tempos
são outros, a banda tornou-se a
segunda maior do planeta (a seguir
aos velhos Stones). (...)

In Público de 4 de Outubro

03/10/10

360 graus, Coimbra, por Numb

E prontos: os U2 lá tocaram ontem no meu quintal! Tocaram é como quem diz... O espectáculo que apresentam não pode ser visto como estritamente musical: é um espectáculo multi média high tech em que a música é uma componente (fundamental, claro!), mas não a única. Montar um espectáculo destes envolve coisas tão diferentes como a engenharia e a arquitectura (a solução do palco a meio do relvado como uma enorme ilha cercada pelo mar revolto da multidão, a forma da garra, a alusão à nave espacial), luz, cor, som, performance, etc, etc. Vai longe o Verão de 1982 quando vi estes mesmos U2 em Vilar de Mouros, à data uma pequena banda irlandesa que despontava, dois discos gravados, apenas um (Boy) editado em Portugal. Lembro-me que eles cairam cá por acaso, para substituírem um grupo que falhou à última hora - já não me lembro do nome desse grupo mas nunca mais perdi os U2 de vista, já então me pareceram uma super banda com uma energia fantástica. Nessa altura apenas tinham essa energia e uma música do outro mundo. Fiquei impressionado com aquele guitarrista, The Edge, que tanto tirava sons planantes da guitarra como riffs distorcidos e com a vitalidade do vocalista, Bono Vox que, nesse concerto, para desespero da segurança resolveu escalar as colunas do palco até ao cimo. Nesse concerto Bono fez um número que repetiu ontem: sacou uma fã para o palco e pôs-se a dançar com ela. Resulta sempre, a malta fica em delírio...

Os U2 que vi ontem já pouco têm a ver com os jovens irlandeses de 82. Mantêm a mesma vitalidade, mas o espectáculo é outro, uma espécie de celebração religiosa dos mega hits que o grupo foi editando eo longo de décadas de carreira. Em muitas músicas Bono nem precisa de cantar, o público está lá para isso, para as palminhas colectivas e para os coros dirigidos pelo maestro Bono. Aquilo é um ritual. Os U2 já não dependem tanto da música como em 82.

Mas tudo isto é natural. Os tempos são outros, a banda tornou-se a segunda maior do planeta (a seguir aos velhos Stones), eu sabia perfeitamente que o formato é agora este.

O concerto abriu com Beatiful Day, depois de uma introdução gravada a anunciar o clima sideral do concerto com Space Odity de David Bowie. Seguiram-se, por esta ordem, I will follow (um regresso ao concerto de 82 e um dos momentos da noite), get on your boots, magnificence e depois perdi-lhes a conta. Sei que tocaram elevation, i still haven`t found what i`m looking for, she moves (in misterious way), where the streets have no name (outra grande execução numa colagem a uma balada que tocaram antes), sunday bloody sunday, city of blinding lights (outro grande momento, o culminar dos efeitos especiais) vertigo (fantástico), miss sarajevo (fabuloso com Bono a fazer de Pavarotti nas partes em italiano), moment of surrender, i go grazy, one, walk on, e fecharam com with or without you. Pelo meio tocaram mais umas músicas cujo nome não sei.

De fora ficaram algumas das minhas preferidas mas ficariam sempre fosse o que fosse que eles tocassem. Mas tive pena de não ouvir pride, zoostation, zooropa, numb, gloria,lemon, gloria, bad, baby face... Mas reconheço-lhes o mérito de não fazerem do concerto uma parada de hits. Nem isso seria coerente com a postura da banda.

Do que não gostei mesmo foi do volume de som nas músicas mais rápidas e conhecidas. Acho que nessas músicas eles abusaram da potência e o resultado foi um efeito de barragem sonora em que não dá para reconhecer os diferentes instrumentos. É estranho que a guitarra do the edge surja compactada numa massa sonora indistinta. Os riffs de vertigo, de get on your boots ou de beatiful day mal se reconheciam no meio daquela amálgama sonora, quando deviam perceber-se claramente. Acho que nestas músicas o excesso de volume tirou energia quando era suposto produzi-la.

Quanto ao palco, a famosa garra de 360 graus é uma grande ideia. No início pareceu-me não resultar muito bem porque se perdiam os efeitos de fundo que existem nos palcos tradicionais. Mas depois percebeu-se que isso foi apenas uma opção na primeira parte do concerto. A partir da segunda série de músicas, a «nave espacial» foi ligada e somos esmagados com toda a panóplia de efeitos especiais aguardados. Há uma declaração de um astronauta numa estação espacial, sunday bloody sunday é tocado num fundo verde (Irlanda), mas curiosamente, as imagens são de intifadas em países muçulmanos, aparecem imagens de apoio a Aung Suu Kiy e até o bispo Desmond Tutu aparece numa mensagem a dizer-nos que as pessoas que venceram com Luther King, com Mandela e outros contra os regimes despóticos, são sempre as mesmas e estão ali... somos nós ( e eu pensei que esta mensagem é irónica quando dirigida a um povo que vota duas vezes num tiranete e que, portanto, é um exemplo não só de amorfismo, mas de amorfismo masoquista. Não, não somos nós um bom exemplo de um povo que derruba farsantes).

Hoje os U2 voltam ao meu quintal e está a chover. Seria lamentável se o concerto fosse cancelado por esse motivo. Espero que não. O pior do concerto de ontem foi quando recebi um sms do meu amigo roberto que teve convite para a zona vip. Dizia: «as gambas não estão más». E eu apertadinho na relva, em luta desesperada por um cantinho conquistado à custa de muita cotovelada não tive outra hipótese que não fosse remeter-lhe um «pó caralho». Até nos U2 há classe sociais, fónix...

02/10/10

A Canalha


Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo nem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.

Jorge de Sena, 7.12.71

01/10/10

Nome (para o) colectivo, por Cão


Estamos reféns de uma corja de bandalhos. Tenho outras maneiras de dizer o mesmo. Seguem-se elas. Já.

Somos um alfeire sequestrado por uma quadrilha. Vivemos como récua por conta de uma vara. Rebanho que teimamos em ser, trepa-nos pelas canelas uma ninhada ignóbil. Sabeis de que tropa vos falo, claro. De que malta. De que chusma. De que bando. De que choldra. De que ádua. De que matilha. De que ninhada. Claro que sabeis.

Mas sabeis também que aqueles de que vos falo, esmifrando-nos embora os bens, não lograrão nunca extirpar-nos a condição de pessoas de bem. Podem secar-nos o pão, interditar-nos o trabalho, molestar-nos a saúde, injustiçar-nos os direitos, analfabetizar-nos os filhos, corromperem-nos as famílias, emporcalhar-nos as ruas, evacuar-nos as aldeias, atoleimar-nos de bola, senhoradefátimar-nos as mentes, casamentogayzar-nos de pósmodernidades balofas, redbullzar-nos de avionetas para tolos pasmados de corneta no ar, tonycarreirar-nos até que zumbamos, relinchemos, zurremos, chasqueemos, pissitemos, cuculemos, grasnemos, cacarejemos, cucuriquemos, ronquemos, grugulejemos e regouguemos. Poder, podem. E vão continuar a poder enquanto permitirmos que possam. Só que há duas coisas: eles vão continuar bandalhos. E nós vamos continuar alfeire, que é o nome colectivo dos porcos de engorda.

E se isto não é grunhir com razão, não sei o que o seja.

VERGONHA, por Incrédulo

Assistimos a mais um descalabro grotesco perpetrado por esta gente sem princípios, sem valores, adepta dos “arranjinhos”, conhecida por surripiar os mais pobres e ser subserviente aos mais ricos. Este aumento de impostos, cumulativamente com o congelamento na progressão, corte nos salários, subida do preço de medicamentos essenciais, cortes nos direitos (e não benefícios) sociais, na segurança social… tudo isto com o beneplácito dos miguelitos deste mundo, que rosnam um palavreado baseado na ignorância cega (pior, que não quer ver).
Este bando, que andou nos últimos tempos a alardear incompetência, teimosia idiota e arrogância asinina, vem agora decretar, do alto da sua sandice, estas medidas desconexas, de acerto duvidoso.

Cobardemente, socorreu-se dum qualquer joguete da OCDE que veio, pateticamente, explicar o que se devia fazer (explique aqui aos burros, faça-lhes em desenho, use vaselina à vontade que nós encarregamo-nos do resto).

Estas medidas são mais do mesmo. Quem fica de fora? Proporcionalmente, que medidas foram tomadas relativamente à Banca? Aos offshores? Alguém se preocupa com a multiplicidade de Institutos que se atropelam para fazer…a mesma coisa (às vezes nada)? Que sinal foi dado pelos governantes? Precisamos de tantos deputados? De pagar ordenados principescos aos administradores (da RTP, por exemplo, que ganham três vezes mais que o Presidente da República)? E de ter cinco? A frota dos carros oficiais precisa de ser mudada (os portugueses vão passar a andar a pé…podia ser de burro, mas esses estão ocupados a fazer de conta que governam)? E as nomeações, a peso de ouro, que têm a particularidade de terem como sujeitos pessoas com nomes muito conhecidos da nossa vida pública? Se não sabem, se são incompetentes, se desconhecem a capacidade de pensar e reflectir (sim, é retórica, porque sabemos que é verdade), tenham, ao menos, VERGONHA.

29/09/10

Modernices Governamentais, por Zombie

Este naco de legislação pode ser interpretado como uma prova clara do nível de insanidade mental e autismo social atingidos pela triste gente que nos governa:

Documentação exigida aos pastores transumantes e a entregar quese exclusivamente pela net:

«Para a instrução do licenciamento da área de pasto, cada produtor tem de entregar um formulário com descrição exaustiva da actividade e da exploração pecuária, a caracterização da Parcela Valorização Agrícola (gestão dos efluentes pecuários), uma Declaração de Responsabilidade Sanitária, uma Declaração de Responsabilidade pelos Animais e uma Declaração do Produtor (do proprietário da exploração onde se localizam os pastos). (…) Além destes documentos, cada o pastor está também obrigado a manter um registo de existências e deslocações, actualizado semanalmente, e onde devem constar, entre outros elementos, uma planta em escala não inferior a 1:25.000, indicando a localização das instalações da actividade pecuária e abrangendo um raio de um quilómetro, com a indicação da zona de protecção e da localização de outras edificações envolventes.»
(extraído, com a devida vénia, daqui http://blasfemias.net/)

28/09/10

Meu sonho é morar numa favela, por Mau


Eu estou em casa.

Minha casa é a rua, é o Rio. A cama? A cama é isso aí... o chão. Toda a noite eu durmo ali, naquele degrau à saída do metro. Quando chove, como hoje, chego-me para aquele parapeito só para não apanhar tanta chuva. Não há lugares abrigados aqui no Flamengo. Quando chove o melhor é conhecer bem o lugar, para não apanhar um daqueles sítios em que a água se acumula.

Não tenho nada neste mundo. Só a roupa que tenho vestida, o meu corpo e a manta que fiz com os retalhos dos panos que encontrava no lixo. O lixo ainda é a minha sorte: todos os dias me levanto e vou remexer os caixotes em busca de latas velhas. 'Cê sabe que por cada kg de latas lhe dão 2 reais [86 cêntimos]? Bom negócio para quem vive na rua...

Família e amigos? Família nunca tive. Meus pais me abandonaram em pequeno nas ruas. Nunca os conheci. Amigos tinha lá na Rocinha [Favela]... uns foram mortos, outros estão presos, outros afastaram-se. Sabe que há coisas mais importantes que a amizade [mostra-me as mãos cheias de cicatrizes, como se tivessem sido trespassadas por um prego bem grosso].

Sabe o que é isso? É o maior erro da minha vida. Vivia eu na Rocinha e decidi roubar um turista que lá ia. Tinha fome. Ele tinha ido com máquina fotográfica para a Favela. Uma máquina daquelas dá-te comida para o mês inteiro, talvez para o ano. O papel do turista é não mostrar a riqueza. Se ele não cumpre o seu papel tenho eu de cumprir o meu: quem pode criticar?

Acontece que os traficantes não querem má publicidade para a Favela, senão não têm quem se aventure para lá ir comprar droga. São eles que controlam tudo, são eles que sabem tudo. A lei da favela é a lei do traficante, nunca a da polícia. Apanharam-me e disseram:
"Mete as mãos uma em cima da outra. Sabes o que te acontece da próxima vez? Ficas sem elas, para aprenderes a não roubar. Desta vez seremos brandos... PUM!"

Sim, mandaram um tiro nas minhas mãos. Furou as duas... Nesse dia eu decidi fugir da Rocinha. Era perigoso para mim e para os meus amigos. Eles também não mais me procuraram. Não guardo mágoa: eu faria o mesmo.

E, cara, agora eu dou valor ao que tinha. Ser um cidadão, mesmo que da favela, é muito melhor que ser lixo. Na verdade é o que eu sou. Só tenho o mar para me lavar. A minha rotina é simples: acordo, vou dar um mergulho - quando estou em condições -, procuro latas nos caixotes e, ao fim do dia, conto o dinheiro que juntei. Nos dias bons consigo 2 kgs de latas. São 6 reais. Não dá para uma refeição - a mais barata custa 8 reais e ainda por cima ninguém quer um monte de lixo sentado numa mesa ou ao balcão: dá mau aspecto -, mas já dá para comer qualquer coisinha. Um desses espetinhos na rua custam 3 reais. É o que costumo comer...

Depois disso, à noite, vou buscar o crack e a maconha para poder vender. Faço sempre um bom negócio: ganho 10 reais por dia se conseguir vender todo o stock. Em troca dão-me a dose suficiente para mim.

Faz mal? Eu sei. Mas como quer que eu viva com 6 reais? E 6 é nos dias bons! As latas velhas não sustentam ninguém. Os 10 reais da droga já me dão para qualquer coisa. Muitas das vezes gasto-os a comprar-me droga a mim mesmo: quando não acabo de vender o stock compensa-me mais comprar o que falta, para poder ganhar o dinheiro no dia seguinte.

E quando a fome aperta, roubo. A fome e a "fome", claro. Só faz sentido um rapaz não ter vícios enquanto tem uma vida. Depois de ser lixo não há droga que o faça pior do que já é. Deixa-o fora de você, faz com que você esqueça as coisas e que adapte comportamentos que não teria de outra forma? E não é isso uma vantagem para um monte de lixo, pô? Quem se quer lembrar daquilo que é, de como age, daquilo que sente, se não é mais do que o "podre" que estraga as ruas do Rio e que tem de ser "varrido" para que se tirem as fotos para o cartão postal?

É uma vida de lixo. Não merece ser vivida. A droga fazer mal à saúde é a maior vantagem que vejo nela...

Bem, amigo, vou ter de ir procurar latas. Estas aqui não chegam sequer a meio quilo e já está quase na hora de almoço. Isto hoje está fraco. Provavelmente haverá um furto no Flamengo ao anoitecer...

27/09/10

Os U2 No Meu Quintal, por Numb

É já no próximo dia 2 de Outubro e eu vou lá estar. Os U2 vêm tocar ao meu quintal. O bilhete para um sítio excelente, caiu-me praticamente do céu, uma sobra de um amigo que não gosta o suficiente da banda para enfrentar uma multidão. Eu também confesso que acho que os U2 resvalaram há muito para um terreno pop que não traz nada de novo. Boas canções que ficam no ouvido, mas não passam disso, a banda há muito que deixou de ser original. E se despirmos aquela música do tratamento high-tech em que vem embrulhada, não sobra muito. Já lá vai o primitivismo da fase irlandesa, o experimentalismo noire de Brian Eno, vá lá, a energia megatron de Zooropa e Achtung Baby. Os U2, musicalmente, já não são o que eram. Mas ao vivo não deve haver no planeta um espectáculo tão sofisticado do ponto de vista tecnológico, efeitos especiais, som, luz... E, portanto, são imperdíveis ao vivo, ainda por cima vindo tocar à minha porta.

De qualquer modo, sejamos justos: apesar da sua deriva pop, o último No line on the horizon é um belíssimo disco. Não fossem as expectativas serem tão altas e, possivelmente, eu estava aqui a desfazer-me em elogios... Não acreditam? Get on your boots:

21/09/10

Bandalheira, por Coqueteil Molotov

Fixem bem o jovem da foto da primeira página do Expresso. Este jovem é um símbolo. Uma espécie de bandeira, um testemunho vivo e expressivo da ideia de educação do governo do ingenheiro socas. O jornal conta a a história de Tó-Jó (chamemos-lhe assim, nem sequer fixei o nome), o aluno com a média mais alta de todo o Secundário: 20-valores-20, é obra! Há só um pormenorzito: esta média foi conseguida mediante a frequência nas espantosas Novas Oportunidades e a aprovação num único exame (de inglês). Tó Jó obteve 20 valores no exame de Inglês e com 20 valores ficou de média final. Com esta média Tó Jó entrou no Curso Superior que fiz, deixando, obviamente atrás de si, muitos outros colegas que perdeream o seu tempo a fazer os estudos secundários no ensino regular. E é possível? É.Vivemos no país disparatado e obsceno inventado pelo ingenheiro socas e sus incríveis muchachos xuxas!

Não é obviamente, o Tó Jó que eu critico. Limitou-se, apenas, a aproveitar uma aberração do sistema e fez muito bem. O que critico é um governo que é autor de uma coisa tão aberrante e obscena como as Novas Oportunidades, que permite um escândalo destes. O Tó Jó, de resto, nem sequer é caso único: o caso dele apenas deu brado porque a média de vinte valores que conseguiu deu muito nas vistas. Mas sabe-se que existem centenas senão milhares de alunos que, como o tó jó, aproveitaram a abébia e passaram a perna aos totós dos seus colegas do ensino regular que andam a perder quatro anos (se a coisa correr bem) para fazerem, como deve ser, o 9º, o 10º, o 11º e o 12º anos. Repito: totós!

Se o governo do ingenheiro permite que se passe pela porta do cavalo, se é possível fazer um só exame (à escolha) em vez de uns quantos, se se podem gastar 2 anos quando outros gastam 4, se se aprendem com êxito garantido conteúdos da treta em vez de coisas que interessam, com que legitimidade andamos a convencer os nosso alunos a frequentarem o ensino regular em vez das NO? Não estamos a enganá-los? Os professores das nossas escolas secundárias deviam aconselhar os seus alunos a deixarem o ensino regular e a passarem para as NO. Queria ver. Não passam porque são totós é o que é.

Toda esta história daria vontade de rir às gargalhadas se não fosse tão grave. E é vergonhoso que responsáveis do Governo ainda venham defender que isto está bem, que isto é «discriminação positiva» (sic) (mas de quem e porquê?) e que é muito delicado «fazer só um exame porque pode correr mal» (sic)... Incrível até onde chega a falta de decoro na apologia da mediocridade, da incompetência e da irresponsabilidade! Parabéns ao tó jó e a todos os tó jós deste país que passaram a perna a dezenas senão a centenas de estudantes que não entraram nos cursos que pretendiam porque foram ultrapassados pela malta das Novas Oportunidades.

Para o estado de ficção em que este país vive ser total, só faltava agora que se viesse a descobrir que temos um primeiro ministro que tirou a licenciatura no Omo, num domingo de Agosto, com trabalhos feitos em casa,com um mesmo professor amigalhaço a 4 cadeiras numa universidade compulsivamente encerrada porque estava ligada a actividades dúbias. Se isso fosse possível era pelo menos compreensível o caso do tó jó. Compreenderíamos, assim, porque é que a concepção que o governo xuxa tem da educação não é mais que uma sórdida, vergonhosa e irresponsável BANDALHEIRA!