31/12/08

Ontem Fui Passear à Baixa - parte II, por Averell D.

Não chegava a foleirice dos enfeites de Natal para estragar a Baixa. Pessoalmente detesto os enfeites de natal com o seu excesso de luzinhas berrantes, rotundas em versão néon dos autarcas que já não sabem o que fazer para contentar o mau gosto do povo. O pior é a música nas ruas. Só quem não passou este natal pelas ruas da baixa é que pode ignorar como aquilo é ensurdecedor. Um gajo nem falar pode, é como a porcaria da música que deram em meter no intervalo dos jogos da bola…
Os jingle bells e os merry christmas do costume sempre me meteram os nervos em franja. Não sei, sinceramente, como é que um desgraçado de um empregado de uma «grande superfície», por exemplo, consegue aguentar o dia inteiro a overdose maciça destas musicazetas de merda sem sucumbir a um ataque de nervos. Eu pensava que a música de natal era má porque era de natal. Agora, ao passear na baixa nesta quadra, descobri que não - que afinal é a própria existência de música nas ruas, por melhor que seja, que me desconcerta.
Entendamo-nos. As músicas que ouvi na Baixa são boas, algumas são até mesmo muito boas… Assim de rajada lembro-me de ter ouvido o Eleanor Rigby dos Beatles (suprema ironia aquele refrão gritado «Ah look at all these lonely people» nesta quadra natalícia do encontro e da comunhão), o The Great Gig in The Sky dos Pink Floyd, o My Way cantado pelo imortal Sinatra ou os fados da Marisa. Não se pode dizer que esteja mal…
Mas intervalar estas músicas com slogans natalícios e com publicidade às lojas da Baixa ainda é pior do que se fossem músicas do Tony Carreira. Aquelas músicas estão descontextualizadas ali, percebe-se que quem as escolheu tem bom gosto, mas que raio, quando eu quero ouvir os Beatles, os Pink Floyd ou a Marisa, não o faço na Baixa, mas no silêncio sagrado do meu quartinho ou no calor de um bom bar… Parece que se perdeu um certo sentido de sacralidade que devia estar associado à música. Como se esta se tivesse tornado numa espécie de irritante banda sonora de fundo em vez de ser, como merecem as músicas a sério, o objecto principal da minha atenção Ainda por cima não havia necessidade de tanta coluna por todo o lado com o volume tão insuportavelmente alto. Fica mal ouvir o John Lennon a berrar-me o Imagine aos ouvidos enquanto montras apocalípticas anunciam a Liquidação Total...
Pic da excelente Adbusters que um dia merecem um post...

30/12/08

A baixa da Baixa, por Baixote

Ontem fui passear na Baixa. Passear na Baixa foi, durante muitos anos, ainda antes da invenção dos shopings, um clássico coimbrinha. Mas a Baixa está diferente, está mesmo muito diferente... Agora salta a olho nu a decadência do pequeno (outrora grande) comércio com as suas montras foleiras que anunciam espantosos descontos de 50 e mais por cento em produtos que não interessam nem ao menino Jesus. E fazem falta os cafés, o Arcádia e a Brasileira, principalmente, agora substituídos por lojas de roupa em «Liquidação Total».
Mas há uma espécie de sublime justiça divina na putrefacção do comércio da Baixa. Chega a ser irónico que alguns comerciantes que nos seus bons velhos tempos tratavam os clientes com um desdém inenarrável venham agora recorrer ao slogan estafado do «atendimento personalizado» como imagem de marca que os diferenciaria dos shopings impessoais que cercam a cidade. Importam-se de repetir? «Tratamento personalizado» é coisa de que esta gente se lembrou quando já foi tarde demais. Mil vezes o anonimato do Fórum ao «tratamento personalizado» que dantes nos davam nas lojas da Baixa. É verdade que mete uma certa pena a desolação em que a Baixa se tornou, mas não deixa de haver uma espécie de justiça irónica nisto tudo.

29/12/08

A Lista 2008 do Mangas, por Mangas

Vocês lêm muito, pá!
Eu só li O Guarda do Pomar do Cormac MacCarthy, agora iniciei o Meridiano de Sangue, também dele; Sopa de Miso, Ryu Murakami - a noite do sexo e dos comportamentos afins em Tóquio, intenso -; reli a Antologia Indispensável da Flannery O`Connor - gosto muito deste livro, destas histórias, decobri-o pela mão do G. -; Insónia, Stephen King - absorvente para quem gosta do género -; Terminação do Anjo, do Daniel Abrunheiro, já aqui falado; E estou também com Os Homens Esquecidos de Deus, Albert Cossery - contos magistralmente escritos com fino humor e miseravel drama sobre a condição humana.

P.S. Na foto essa mulher horrível, repugnante, vulgar, esse «pãozinho sem sal», como um dia foi classificada pelo nosso Mangas...

23/12/08

Os meus livros de 2008, por Jágora

Em resposta ao desafio do Adérito e mesmo não tendo feito parte do círculo original de leitura liceal, aqui vai a minha lista de livros (não todos, mas alguns que me apeteceu destacar) que li em 2008. Alguns são audiobooks ou livros digitais de que se pode fazer download na net, e deixo link para o efeito.

As Cruzadas Vistas pelos Árabes
, Amin Maloouf. Lido de uma penada, o que é sempre bom sinal. Grandessíssimo livro deste escritor libanês, que introduz um ponto de vista refrescante sem ser faccioso sobre as cruzadas e o eterno estado de conflito (sobretudo entre muçulmanos…) no médio oriente.

Letter to a Christian Nation, Sam Harris (audiobook). Uma das figuras de charneira do chamado “novo ateismo” (a par com Richard Dawkins, Dan Dennet ou Christopher Hitchens), uma tendência mais afirmativa de combate e crítica às tradições religiosas e ao pensamento místico ou supersticioso. Do mesmo autor li também este ano O Fim da Fé que, este sim, está editado em Portugal e desenvolve com maior profundidade as suas ideias.

Império, Gore Vidal. Monumental romance histórico nos “bastidores” de figuras de charneira da história dos EUA, como Theodore Roosevelt ou William Randolph Hearst. Nos bastidores da ascensão dos Estados Unidos como incontestada potência mundial.

The Demon Haunted World, Carl Sagan (ebook). Um livro extraordinário que devia ser de leitura obrigatória, como era antigamente a tropa. Ao fim do liceu, zás, o jovem teria uma semana para ler esta obra iluminadora. Li o ebook em inglês mas está traduzido e editado em Portugal pela Gradiva.

A Cidade do Sol, Tommaso Campanella (ebook). Uma obra maior da literatura do Renascimento que qualquer um pode ler aqui. Nesta “onda” também aproveitei para ler, há uns dias atrás, o Utopia de Thomas Moore (aqui), outro livro que muito aconselho, sobretudo quando o autor debate a vida e o mundo com o sagaz aventureiro português Rafael Hitiodeu.

Uma História da Guerra, John Keegan. Uma obra monumental de um dos maiores historiadores militares da actualidade. O autor inglês vai às raízes antropológicas, sociais, políticas e culturais do fenómeno da guerra e da agressividade humana. Um tratado incontornável.

Walden, de Henry David Thoreau (audiobook acessível aqui que é um sítio onde há milhares de audiobooks fantásticos). Mais um livro sonoro, mais uma pérola da literatura e do ensaismo universal. Uma apologia da vida simples e da sintonia com a natureza. O relato cativante e inspirador de uma experiência de vida (dois anos de auto-suficiência numa cabana remota) de um dos mais influentes autores norte-americanos do século XIX.

Terminação do Anjo, Daniel Abrunheiro. Sobre este já escrevi ali mais para trás no Tapor.

Da (in)Humanidade da Religião, Raoul Vaneigem. Um livro furioso do pensador belga para arrasar com os misticismos que escravizam a mente humana. Leitura estimulante.

Mais Platão, Menos Prozac, de Lou Marinoff. Um dos livros mais estimulantes que li este ano. Marinoff é um dos expoentes de uma nova “corrente” da Filosofia, eventualmente mais próxima do quotidiano dos homens (e das mulheres). Há quem lhe chame “mais prática”. É precursor da cada vez mais popular “filosofia de aconselhamento”. Um excelente livro de estímulo ao gosto por uma disciplina do saber cada vez mais desprezada até nos currículos escolares. Recorrendo aos clássicos, o autor desce da “torre de marfim” e mostra numa linguagem acessível ao comum mortal a importância que o pensamento filosófico pode ter nas nossas vidas.

Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller. Obra interessante e de leitura muito agradável (ideal para tardes de praia). O título diz quase tudo, só não diz que é também uma compilação de reflexões em registo auto-biográfico. Um must para quem é devoto do autor.

Sobre Humanos e Outros Animais, de John Gray. Um autor bastante polémico que questiona aqui a ideia de progresso acarinhada pelo humanismo secular dominante na cultura ocidental. O filósofo inglês tenta reflectir criticamente, enfim, acerca do que é “ser humano”. Aconselha a reduzirmo-nos à nossa insignificância animal e a uma existência dedicada à contemplação. Um livro poderoso e controverso. Excelente e desconcertante leitura.

A Marioneta e o Anão, de Slavoj Zizek. Uma excelente compilação de ensaios ácidos sobre o cristianismo. Reitero o que disse o Adérito acerca do filósofo esloveno (quem não conheça pode começar por aqui).

Do Fanatismo – O Verdadeiro Crente e a Natureza dos Movimentos de Massas, de Erich Hoffer. Um ensaio muito aconselhável e ainda, ou cada vez mais, oportuno (foi escrito numa altura em que fascismos e comunismos despertavam maiores extremismos) de um grande livre-pensador norte-americano do século XX.

Iluminações e Uma Cerveja no Inferno, Arthur Rimbaud. Uma tradução de Cesariny para uma excelente edição bilingue da Assírio&Alvim de duas obras fundamentais de Rimbaud. Uma espécie de “testamento espiritual” do escritor francês. Leitura obrigatória e compulsiva. Está aqui o essencial da produção do poeta maldito francês.

Sobre a Liberdade, John Stuart Mill. Li finalmente este clássico incontornável de um grande pensador liberal inglês. Grande leitura.

As Onze Mil Vergas, Guillaume Apollinaire. Um colosso da literatura porno-erótica. Sadismo e sangue a rodos para alegrar os menos impressionáveis. Uma escrita soberba, na linha do também colossal libertino Marquês, para um estilo (literário e de vida) proscrito.

O Papalagui, excelente tradução de Luiza Neto Jorge (Antígona) para esta deliciosa recolha de impressões de um chefe tribal do Pacífico Sul (Samoa), de seu nome Tuiavii, acerca dos homens brancos ocidentais e dos seus costumes no início do século XX. Impressões que permanecem actualíssimas.

Baudolino, Umberto Eco. Outro finalmente. Um livro a todos os títulos magnífico. Um passeio pela história, uma epopeia fantástica e de uma imaginação delirante, apoiada em factos, mitos e lendas da época medieval. Um livro que se devora com prazer.

Fundação e Império, Isaac Asimov, terceiro volume do magistral ciclo Fundação. Mais uma prova, a juntar às Crónicas Marcianas citadas anteriormente pelo Adérito, que a Ficção Científica está longe de ser um género menor.

Gente Independente, Halldór Laxness. Uma obra maior do maior escritor islandês. Um romance extraordinário, de uma vitalidade telúrica cativante.

Estaline A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore, provavelmente A Biografia definitiva do ditador soviético. Uma viagem fascinante e rigorosa pela vida de Estaline e dos seus colaboradores mais próximos no Kremlin. Voando sobre um ninho de cucos.

Einstein e Buda Palavras Comuns
, Uma obra curiosa e de agradável leitura, que coloca em evidência as similitudes (algumas impressionantes, realmente), entre as ideias de gente como os físicos modernos Einstein, Max Planck ou Niels Bohr, e antigos preceitos budistas.

Ninguém Escreve ao Coronel, Gabriel Garcia Marquez. Releitura. Um regresso que confirmou a grandeza deste “livrinho” do escritor colombiano.

O Coração das Trevas, Joseph Conrad (audiobook). Outro regresso, desta vez ouvido entre viagens no seu original inglês. Um livro perturbador que continua fascinante.

Contra as Pátrias, Fernando Savater. Uma obra maior do escritor e pensador basco, um livro essencial que parte da realidade pluri-nacional espanhola e da luta independentista basca para a realidade maior e daninha dos nacionalismos.

Global Trends 2025 – A Transformed World. Um bocado fora do contexto, mas não deixa de ser um livro e não deixa de ter sido das leituras mais interessantes do ano. Um documento elaborado National Intelligence Council dos Estados Unidos, que congrega todas as agências de segurança e inteligência do país. Projecções para os próximos 20 anos que ajudam a perceber melhor o mundo em que vivemos. Acessível aqui.

Ps: Não sabia com que havia de ilustrar o post, por isso resolvi enfeitá-lo com uma gaja boa, que é sempre um bom enfeite e fica bem com qualquer coisa.

Hoje Fui às Compras de Natal Com o G., por Pê Agá

Para a vítima comum do «espírito natalício», esse vírus funesto que dá nas pessoas por esta altura do ano e que as leva a entupir, compulsivamente, os centros comerciais, o Natal é uma encasinação dos diabos. Lido diariamente - lidamos todos - com dezenas de pessoas que se mostram natalícios por fora e completamente à toa por dentro, enquanto zunem com inenarráveis listas de presentes de natal para 10, 20, 30 ou mais pessoas. Para o Abílio um livro (mas de que livros é que ele gostará?), para o Zeca um dvd (mas sei lá agora que género de filmes é que ele vê), para o sr. Soares uma camisola (usará gola alta? Gostará de preto?), para a Francisca um pompom (mas que sei eu de ponpoms, porca miséria?) and so on... Fazer uma lista de compras de natal para uma multidão é sempre, o cabo dos trabalhos, por mais que digam contrário.

Mas isto é para o comum dos mortais. Não para o G. O G. é um animal à parte que criou uma espécie de imunidade ao sacana do «espírito natalício». Hoje fui fazer compras de Natal com o G. e acreditem que para ele não tem nada que saber. O gajo entra na loja de vinhos do V., põe em fila indiana em cima do balcão umas 10 garrafas de tinto, pede um saquinho natalício para cada uma e prontos, tá resolvido o problema das compras de natal. Assim é fácil: 10 pessoas, 10 presentes, 10 garrafas de tinto, não tem nada que saber.Também, notou o V., você só dá vinho, só dá vinho... Nem ao menos uma aguardente velha, para variar...

22/12/08

A Minha Lista 2008, por Adérito



O hábito já vem do velho Liceu D. Maria. No final do ano, mais ou menos por esta altura, a malta juntava-se e elegia os melhores discos e livros que tinha ouvido e lido durante esse ano. O Cão era imbatível na lista de livros: ele lia sempre dez vezes mais que todos os outros e ainda hoje deve ser assim. A seguir vinha o Zebu que com o tempo se tornou num inveterado bibliófilo. Depois a lista dos livros que lemos no ano em cada ano que passa começou a ser postada aqui no Tapor, para desespero dos O. Malvados que acham que«estes gajos não têm mais nada que fazer». Já aqui foram publicadas, em anos anteriores, as listas das leituras da malta. Eu retomo de novo essa sã tradição e aqui vai a lista dos livros que eu li em 2008. Sobre alguns até fui escrevendo aqui no Tapor. Outros não porque não calhou ou porque, como diz o Octávio Malvado, tenho mais que fazer. E os vossos? Chovam as vossas listas que isso dá posts. Aí vai disto, a minha singela lista de leituras de 2008: 

Vladimir Bartol – Alamut. Adorei este livro! Uma obra prima.

Phillip Roth – Todo o Mundo. Este foi dos melhores que li em 2008...

Esteban Martin e outro gajo cujo nome não me recordo - A Chave Gaudi. Nem sei porque é que cheguei ao fim deste livro. Deve ter sido por causa da informação acerca de Gaudi, da sua arquitectura e da sua ligação ao hermetismo.

Umberto Eco – A História do Feio. Mais uma obra de consulta que outra coisa. Nesse género é muito interessante.

Olivier Rolin - O Cerco de Cartum. Asa. E não é que gostei?

Slavo Sisjek – Bem Vindo ao Deserto do Real. Uma obra incontornável de um pensador marcante da Filosofia contemporânea. O estilo ecléctico deste escritor esloveno que mistura cinema, psicanálise, filosofia política e literatura é uma pedrada no charco na era do pensmento especializado.

Luís Adão da Fonseca – D. João II, Círculo de Leitores. D. João II é uma das minhas personagens históricas favoritas. O livro só peca por execessivo academismo. Deveria ter sido depurado, tendo em conta o mercado alvo.

Don Delillo – O Homem em Queda. Este faz parte da lista dos que não cheguei a ler. Desisti, apesar das referências elogiosas.

Fernando Campos – A Esmeralda Partida, Difel. Uma obra prima. Um escritor Palop mas ao contrário.

Fernando Campos – O Prisioneiro da Torre Velha, Difel. Outro grande livro de um dos maiores escritores portugueses vivos... E o mais ignorado de todos os grandes, sem dúvida.

James Reston Jr. – Os Cães de Deus, Bertrand. Um exemplo de como se escreve história de uma forma não maçuda para o grande público.

Fernando Campos – O Lago Azul, Difel. O último livro de Fernando Campos está longe se ser o seu melhor.

Martin Page, A Primeira Aldeia Global, Casa das Letras. Mas como é que os ingleses conseguem falar da nossa história de um modo tão cativante?

Arturo Perez-Reverte, As Aventuras do Capitão Alatriste - Limpeza de Sangue, Asa. Regresso ao meu persoangem favorito de romances de capa e espada. Qual D`Artagnan?

Luís Miguel Duarte – Aljubarrota, Crónica dos anos de brasa, Academia Portuguesa de História, 2007. O contrário do livro de Adão da Fonseca. Um bom exemplo de como se escreve história para nós, os leigos.

Mário Domingues – Grandes Momentos da História de Portugal, Fundação Nacional Para a Alegria no Trabalho, 1958. Um regresso ao passado e ao «publicista» Mário Domingues. E no entanto, há um lado romanesco na escrita deste homem que acaba por valer a pena. A questão é: ciência ou ficção?

Fernando Campos, A Ponte dos Suspiros, Difel. E se D. Sebastião tivesse sobrevivido a Alcácer Quibir e regressado a Portugal?

Vírgilio Ferreira, Em Nome da Terra. Move-se nos mesmos territórios tenebrosos de um Roth ou de um Sartre, mas não tem a garra do primeiro nem a lucidez tranquila do segundo.


J. Lucas Dubreton, Os Bórgias, Círculo de Leitores. Uma péssima tradução. Mas teve o mérito de me chamar a atenção para a saga desta família. A coisa não parou aqui e a seguir li: 

Mário Puzo, A Família, ed. Bertrand. Brilhante! Vale a pena ver o filme que estreou em Portugal este ano e comparar com a versão de Puzo. O filme não chega à densidade do livro. 

Miguel Delibes, El Hereje, Ed. Destino. Uma revelação. Um grande livro de um autor que, infelizmente, não está traduzido entre nós ( e estão à espera de quê?).

Isabel La Católica - Não me lembro do autor, ando em arrumações cá em casa e não vou perder meia hora a procurar o livro. Para quem quiser saber da vida de uma das figuras mais importantes da História de Espanha. Eu quero.

Ray Bradbury, Crónicas Marcianas. E ainda há quem diga que a FC é um género menor?

Machado de Assis, O Alienista. Delicioso!

Theresa M. Schedel de Castello Branco, Na Rota da Pimenta, Presença. Um documento pedagógico sobre a História grandiosa ( e sanguinária) dos nosso vice-reis das Índias e muito mais.

Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Uma das obras primas de um dos grandes da língua brasileira. Assis prende-nos até quando não se passa nada!

Laurentino Gomes, 1808, Planeta. A saga da corte portuguesa em fuga para o Brasil dos exércitos napoleónicos.

Vários - Carlos V, El Pais. Apanhei-o num alfarrabista. Muito pedagógico acerca da colonização espanhola da América e sobre o imperador Carlos V.

Ballester – Daphne e Chloe. Outro que não consegui ler, eu que tenho magnífico D. Juan do mesmo autor como uma opbra prima absoluta! Ainda tenho que fazer a lista dos livros que tentei e não consegui ler em 2008. Uma vergonha é o que é...

Reverte, O Sol de Breda. De novo a saga do valente capitão Alatriste! É apanhá-los, aos livros da saga, e devorá-los. É o que fazem nuestros hermanos. O capitão Alatriste é um mega sucesso em Espanha.

Mário Vargas llosa, O Paraíso na Outra Esquina. Gauguin e uma activista francesa: o paraíso no outro lado do mundo e a revolução...

Leon Tolstoy, A Morte de Ivan Ilitch. Uma pequena grande obra prima da literatura russa! Um clássico.

Hermann Melville, Bartleby + Agamben , Ensaio sobre Bartleby. O que é mais escandaloso - ue eu nunca antes tenha lido o Bartleby de Melville ou Agamben?


Giorgio Agamben – A Ideia da Prosa. Um conjunto de textos brilhantes. Agamben é um grande filósofo, é notável a forma como retoma a grande tradição ontológica de Aristóteles a Heidegger. 

Giorgio Agamben – A Comunidade Por Vir. É a partir da identidade que se cria o conflito. A vantagem do ser qual quer. Ainda a política pensada a partir da ontologia.


Machado de Assis, D. Casmurro. Eu era capaz de ficar a ler Assis durante anos mesmo que ele não tivese nada para dizer. Como é que se pode escrever com esta frescura? 

João Ubaldo Ribeiro – Diário do Farol. O farol: metáfora de Lícifer (o que traz a luz). Paradoxalmente, um livro negro. Ubaldo Ribeiro é uma bofetada contra a literatura académica e moralista.

Idem – A casa dos Budas Ditosos. Um dos melhores livros porno-eróticos que alguma vez li!


Idem – Viva o Povo Brasileiro. Fiquei a meio da obra prima de Ubaldo Ribeiro, em grande parte, pela dificuldade da linguagem. É que há ali páginas escritas em dialectos brasileiros que, pura e simplesmente, são chinês para mim... 

Vários – Os 100 Melhores Contos Brasileiros do Séc. XX. E olhem que há por aqui muita coisa mesmo muito boa...

António Sarabia – A Taberna da Índia, Asa. O mexicano Sarabia não é um grande escritor, mas é um escritor competente que sabe contar uma história sem descurar o necessário rigor histórico.

E agora saiam as vossas listas para serem postadas no Porco e guardadas para a posteridade. Vá lá. Fazemos posts com as listas de quem quiser. E não pagam nada...

18/12/08

Russofobismo, por Russofubu

Da mesma forma que duas mãos cheias (?) de génios criadores não fazem da Idade Média uma era de conhecimento e inovação, também duas mãos cheias de grandes artistas ou cientistas não fazem da Rússia uma referência de criatividade e sabedoria. Um Dostoievski não faz a Primavera e a Rússia apesar da antiguidade ainda é um pais politicamente incipiente e culturalmente segundo-mundista.

Os prémios Nobel, já agora, são uma batata mas também um bom indicador do grau de maturidade/produtividade intelectual de um país. É evidente que pode ser discutível, este critério, mas não tenho dúvidas de que é um indicador de qualquer coisa daquele género. Por exemplo, uma comparação do tipo guerra-fria: Os Estados Unidos têm 309 e a Rússia 22 (menos que, por exemplo, a Grã-Bretanha com 114, a Alemanha com 101, a França com 57 ou a Suíça com 25). Se pela produção intelectual se mede a maturidade cultural e criativa de um “povo”, então a Rússia é um adolescente - os países islâmicos serão catraios ranhosos, como aquelas pessoas que envelhecem mas não crescem. O que se torna mais estranho, dada a dimensão e os recursos do país, eventualmente à escala dos EUA ou maior.

A resposta para a disparidade criativa está, naturalmente, no campo da política, e sobretudo no campo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A Rússia é, antes de mais, um país democraticamente muito imaturo, mais imaturo do que Portugal e mais imatura até que a generalidade das novas repúblicas africanas pós-colonialismo – neste aspecto a Rússia “beneficia”, em termos de maior estabilidade social, de uma maior antiguidade enquanto estado nacional. Mas de facto, a experiência democrática russa tem pouco mais do que uma década e é extremamente deficiente e traumática. Como se o povo russo, depois de séculos de czares, imperadores vermelhos e pensamento único, tivesse sido formatado para a tirania. É óbvio que não, e que a persistência secular de uma administração estatal extremamente centralizada e autoritária, que o actual czar pós-estalinista Putin perpetua, é um factor determinante para que a democracia e as liberdades cívicas e económicas não floresçam. Mas a julgar pela popularidade maciça de Putin e do seu politburo de fiéis devotos do KGB (porque não existem ex-KGB’s), questionamo-nos realmente acerca da apetência democrática daquela gente.

Acho até que os chineses, precursores do chamado capitalismo de estado (sistema que o Kremlin está a tentar abraçar atabalhoadamente) lá chegarão mais depressa, à democracia de estilo liberal, às liberdades e a uma globalização mais ética e sustentável. Tenho a impressão, por exemplo, que os líderes chineses, apesar de tudo, são menos dogmáticos e mais pragmáticos, cada vez menos ideológicos. A China sonha com uma futura Era de Ouro, a Rússia sonha com uma era passada que só foi de ouro para as chefias e para a tropa.

As eleições presidenciais norte-americanas foram, a propósito, um banho e uma lição de vitalidade democrática e de como uma sociedade tão complexa, enorme e plural como é a norte-americana consegue mudar de rumo sem sangue nem revoluções.

Por tudo isto e mais alguma coisa, a Rússia, a par com o terrorismo, sobretudo islâmico, e os desastres naturais, é uma das grandes ameaças ao nosso futuro comum. É um país com mentalidade de cerco, sedento de replicar glórias equívocas, com gravíssimos problemas internos - do envelhecimento populacional à decrepitude das infra-estruturas civis e militares, passando pelo alcoolismo, uma riqueza gerada e distribuída ao estilo saudita e pelo crime organizado - e, como sempre, uma miragem de estado de direito. E é a segunda maior potência nuclear do mundo. Com um controle muito duvidoso desse arsenal. Tudo isto parece muito dramático e se calhar a realidade não é assim tanto e sou eu que tenho mentalidade de cerco, mas vem isto a propósito de uma notícia mais ou menos esquecida de 2008, lembrada pela revista Foreign Policy, numa lista de factos importantes do ano que passaram mais ou menos despercebidos. A propósito do “cerco” energético russo à Europa, em que caímos que nem uns patinhos, cantando e rindo. A propósito de gás e a propósito das zilionárias recentes investidas do Kremlin, por via das suas empresas estatais, em África. Sobretudo no Norte de África e em investimentos em infra-estruturas que, a vingarem os negócios, farão com que a Europa (toda a Europa, incluindo Portugal) esteja quase totalmente dependente de torneiras russas.

E se algo corre mal? E se algo semelhante à Georgia ocorre na Ucrânia? E se os polacos e os eslovacos e os checos e toda essa gente que já conheceu os russos mais de perto se envolvem? E se a coisa alastra? Que pode a Europa, ou a Nato, fazer perante um cenário de guerra regional ou mesmo perante uma agressão russa? Népias, zero, nada, não nos podemos mexer porque os homens cinzentos de Moscovo têm as mãos nas torneiras e podem paralisar a Europa num fósforo…

Não sei porquê, deve ser por gostar tanto de história, mas este tipo de notícias deixa-me perturbado.

17/12/08

Política de Retrete, por Sanita Jalomé

Zita Seabra é um dos exemplos mais claros do estado de aviltamento a que chegou a política em Portugal. Politicamente a Zita é um híbrido, um cruzamento entre a volatilidade da enguia e a resistência da barata. Um espécime artificial que se caracteriza pelo facto de sobreviver nas mais adversas condições, deslizando com agilidade de habitat político para habitat político, até encontrar aquele que mais a favorece. Assim foi quando resvalou do PC para o PSD, verdadeiro salto mortal da coerência; assim foi quando, não fazendo a mínima ideia do que é o distrito de Coimbra, aceitou ser candidata a deputada por este círculo eleitoral; e assim foi, agora, quando trocou a sala nobre pela casa de banho do Parlamento.

Refiro-me ao caso que agitou o país na semana passada (quer dizer, não agitou tanto quanto devia, agitou à medida da amostra do país apático que é o nosso) das faltas dos deputados à sessão parlamentar de sexta feira passada, véspera de fim de semana prolongado. Zita, soube-se então, veio esclarecer, muito indignada, que no seu caso não faltara à sessão parlamentar em que se votava a proposta do CDS de suspensão do modelo de avaliação dos professores. Não, nada disso: ela não é desses que vão de fim de semana à sexta à tarde ao arepio dos seus deveres de deputados! Ela até assinou o ponto e tudo...

O que se passou foi outra coisa, explicou: como não está de acordo com o voto da sua bancada que subscrevia a moção do CDS e não quis infringir a disciplina partidária, o que resolveu a zita fazer? Assumir corajosa a frontalmente a sua convicção e votar, em coerência, de acordo com os seus príncipios, em desacordo com a orientação do seu partido? Fazer uma declaração de voto na referida sessão em que justificasse a sua posição, o que não seria, aliás, mais que cumprir o dever de qualquer deputado da nação? Não! Não, nada disso - a zita resolveu sair no momento da votação para ir à casa de banho!
Uma pessoa ouve esta merda e nem quer acreditar... É mau de mais, é chocante! Não é só a atitude, já de si, medíocre, é, ainda por cima, a total ausência de discernimento e, já agora, de vergonha, em vir assumir uma cobardia deste calibre como se fosse motivo de orgulho!

Talvez o termo zitice passe a entrar no léxico da língua portuguesa para designar este tipo de atitude menor. Por exemplo, quando uma pessoa falar mal de outra nas costas desta, agora sempre podemos dizer simplesmente para essa pessoa se deixar de zitices. Ou quando, num restaurante, chegar a hora de pagar a conta e se reparar que há um alguém que ficou com uma vontade estratégica de ir à casa de banho, sempre podemos dizer: ó manel, pá, deixa-te lá de zitices e paga, ao menos, um euro prá gorja. E por aí adiante, são muitas as ocasiões que o quotidiano nos oferece para praticarmos zitices.

Ficamos então a saber que segundo a ideia que a dona zita tem da nobre missão da política, quando um deputado tiver convicções incómodas, o que deve fazer não é defendê-las com frontalidade. Não: as convicções contra a corrente têm, segudo a senhora, o seu espaço próprio, precisamente, o WC. Se a moda pega qualquer dia as sessões parlamentares passam a decorrer na casa de banho em vez de decorrerem na sala nobre. A sanita e o bidé em vez da cadeira nobre do parlamento! - eis uma boa imagem da degradação a que chegou a política em Portugal. Com deputados como a zita, meus amigos, a política já se transformou em portugal numa grande, infecta e malcheirosa sanita de uma vulgar casa de banho.

10/12/08

Atenas está a arder! por Hefestos

Como é óbvio a dimensão da guerra civil que está agora a ocorrer nas ruas da capital helénica, já nos tinha feito pensar que os gregos não protestam só por causa da morte (grave, claro) de um jovem por um polícia. O caso em referência foi apenas o catalisador de uma enorme tensão que se acumulou, como nitroglicerina, no interior da sociedade grega. Afinal, porque protestam os gregos encabeçados por jovens universitários armados de pedras e cocktails molotofs?

Percorro as notícias dos vários jornais e ouço/leio algumas das razões dos protestos: a política anti-social do governo que agravou nos últimos anos o fosso entre ricos e pobres (como cá, penso...); o desemprego crescente (como cá); a corrupção dos políticos (como cá) e a ineficiência da Justiça que não pode ou não lhes quer chegar (como cá); a protecção descarada dada pelo Governo aos bancos atulhados de lucros (como cá) cujos balcões foram dos primeiros a ser atacados no centro de Atenas; o ataque à escola e as políticas de educação do governo (COMO CÁ!) - os professores gregos entraram numa greve de proporções inéditas recentemente. Durou meses- os docentes iam-se revesando para poderem aguentar; o desinvestimento no ensino superior (como cá) que levou estudantes e professores universitários à vanguarda desta luta.

É impossível não vermos na situação helénica um espelho do portugal socretino e das suas políticas: ataque continuado à educação e à escola pública; apoio escandaloso aos bancos privados e ao grande capital, insensibilidade social permanente como imagem de marca (confundida com uma ideia mentecapta de autoridade). Também cá o que vemos é corrupção, desleixo e mediocridade da classe política; descrédito total da «classe» política (vidé o extraordinário caso das faltas ao Parlamento dos deputados e as desculpas esfarrapadas dos responsáveis ou o famigerado caso da licenciatura de socras, as reformas chorudas dessa gente, etc, etc, etc). Também por cá estamos perante uma Justiça que não chega aos poderosos, os quais ainda por cima se safam com indemnizações chorudas; também por cá assistimos à destruição lenta e penosa do sistema nacional de saúde e à privatização gradual e sistemática daquilo que devia ser a missão do estado (mas parece que não, parece que a missão do Estado é, afinal, proteger as grandes fortunas investidas nos BPP); também por cá assistimos ao desinvestimento no ensino superior que asfixia lentamente.
Ainda por cima, por cá, não sei se por lá, temos um primeiro ministro que reage a tudo isto com o riso pateta de quem não está bem a ver a dimensão do que o rodeia. Parece um lunático que vive num mundo de fantasia que só existe na sua imaginação - o Portugal do choque tecnológico, da ciência e do progresso, das grandes obras públicas, do «rigor», da «autoridade», do fatinho Armani, valha-o Deus...

Há uma diferença, claro, entre os casos grego e português. O Governo grego é conservador e é o PS de lá quem está na oposição. Ca é ao contrário. Mas isso só torna mais grave a política dos xuxialistas nacionais que, no nosso país, levam a cabo políticas que são precisamente o contrário do seu património histórico/ideológico e, mais que isso, são políticas mentirosas porque o que foi referendado em eleições era, precisamente, o oposto. Deviam era ter vergonha na cara, pê-esses a fingir!

Podiam ao menos aprender alguma coisa com a guerra civil de Atenas... Mas não: a julgar pelas declarações autistas e pelo sorriso parvo do primeiro ministro, parece que as políticas actuais são para prosseguir, alegremente. Qualquer dia admiram-se que o mesmo se passe em Portugal. Eu não, já não me admiro de nada nesta amostra de país. Tivéssemos ao menos um décimo da capacidade de indignação dos gregos - porque também não era preciso tanta, digo eu - e as coisas seriam muito diferentes.

09/12/08

Alônzí – Coisas Boas e até Bestiais para Prendinhas e Pedrinhas no Sapatinho dos Pés-Descalços, por Cão

– No fundo, no fundo, sou uma mulher como as outras– disse-me ela.E eu confirmei que sim, enquanto lhe fazia o serviço.Uma coisa muito boa das culturas multimilenares, como a China(“o comando é Mao”), é a gente entrar nos armazéns dos chineses e encontrar a oitenta cêntimos embalagens de dez lápis muito bons para sublinhar as culturas e os milénios e assim.

Toda a gente gastou já manhãs inteiras a solfejar o primeiro farrapo de música ouvido ao acordar. Aconteceu-me hoje, dia da Imaculada Concepção da Virgem Maria, com o Agosto em Portugal, do senhor Roberto Leal. Mas também bloguei logo a coisa para não ser infeliz sozinho.Hoje é feriado católico cá na república laica.E somos todos muito praticantes quando é feriado, pois não somos?


As putinhas casadas gostam muito mas mesmo muito por fora dos livros que vêm nas revistas por mais só 9,99 euros por terem lombadas (os livros) a cores que ficam a matar na única estante do living , logo atrás do retrato do corno com os filhotes.


O Natal é bestial para se perceber a casa pia que Portugal é: um menino nu entre um burro e uma vaca à espera que o crucifiquem não tarda nada.Um efeito evidentíssimo do carácter nefasto da globalização? Allons-y a ele: a insuportabilidade do James Blunt ser igualzinha às do João Pedro Pais, do André Sardet, do Represas e do Abrunhosa.


Na estação de serviço, uma moçoila de minissaia e blusa mostra-refegos servia-se de gasóile. Azar: gorda como uma gamela de unto, só lhe faltava um autocolante da PROBAR na nádega esquerda.O desespero a conta-gotas cura-se a litro.(Depois destas prendinhas-pedrinhas, não hesiteis em, infra, voltar para Portugal em Agosto com os nossos emigrantes. Allons-y!)


Casa, Souto, e Pombal, manhã de 8 de Dezembro de 2008

03/12/08

Assim Não Dá, Porra!, por Cegueta

Hoje foi dia de greve de professores. Não é necessário mais que, simplesmente, ter olhos na cara para se perceber que a adesão à greve foi esmagadora, mesmo em escolas que nunca ou raramente aderiram a outras greves no passado. As taxas de adesão andaram entre os 90 e os 100% . Os sindicatos contabilizaram cerca de 132 000 professores em greve num universo de 140 000. Nunca se viu coisa assim e isso foi claro no pulsar das cidades e vilas de Portugal.Um olhar atento às escolas às moscas à nossa volta, às notícias e reportagens da comunicação social, ao trânsito, insolitamente fluído para uma quarta feira, às próprias declarações dos responsáveis do ministério que admitem ter sido a greve «significativa» (inédito!), até aos jornais oficiais do governo pê-esse como o JN e o DN, bastavam para se perceber que é verdade: a adesão foi esmagadora.

No entanto o governo continua a querer negar a evidência... Para não destoar, aliás, do que é a sua prática corrente. Segundo o secretário de Estado da Educação, valter lemos, que falou à hora do almoço, a taxa de adesão às 11h da manhã era de 61%. Um gajo não acredita, não pode acreditar, isto é mentira e das descabeladas. Como é possível avançar-se com um número tão desfasado da realidade (ainda por cima com o pormenor rídiculo do «60 e 1», parecem os preços dos produtos dos hipermercados que custam 29.99 e assim)? O Blog A Educação do meu Umbigo (http://educar.wordpress.com/) explica como são feitas pelo ministério as contagens das adesões às greves nas escolas:

«Às 9/10h telefonam para as escolas a perguntar quantos Professores estão em greve a essa hora. E depois fazem as contas da % em relação ao total de Professores da Escola. Muitos entram às 10h ou mais tarde e alguns nem têm actividades lectivas hoje.Por exemplo, às 9h na minha escola só 23 Professores teriam aulas. No entanto, houve mais de 50 que fizeram greve, só que eles só contaram com estes 23!!! Além disso, parece que também contam com os que estão de baixa , de licença de maternidade, ou seja o total de Professores da Escola .»

Assim se explica que às 11 da manhã o secretário valter tenha vindo para as televisões anunicar os 61% (que ainda assim coinsiderou ser um número «significativo»!) e que, no balanço final, ao fim do dia, o ministério tenha confirmado os mesmos 61%. Ou seja, segundo o secretário valter e o seu colega pedreira, das 10 da manhã até às 6 mais nenhum prof fez greve!É claro que este método de contar as adesões é desonesto. Se houvesse um pouco de decência as coisas não eram feitas desta maneira, porque aquela gente sabe que isto não é sério.

Deixemos agora de lado a questão central, que é a de saber quem tem razão no meio desta guerra. Esta forma de actuar, revela um padrão, um modo de estar, uma prática e uma «filosofia» que têm sido recorrentes desde que socras chegou a primeiro ministro e resolveu, por razões propagandísticas, ofender, humilhar, apoucar e insultar toda uma classe profissional. Ainda há quem se admire não ser possível dialogar com esta gente? Mas como é que se dialoga com gente de tal quilate? Em vez de enfrentarem com coragem e honestidade a realidade que lhes entra pelos olhos adentro, eles teimam em negá-la e, de cada vez que o fazem, colocam mais mil professores em luta... Há alturas em que a negação da realidade é tão flagrante que já nem pode ser considerada mentira: só pode ser compreendida no âmbito da patologia. Pensando bem, isto nem mentira é. Tem outro nome, um nome clínico: isto, meus senhores, chama-se esquizofrenia!

02/12/08

O Meu Amigo Gourmet, por Zé Manel dos Ossos

Poucas pessoas se podem gabar de ter um gourmet entre os respectivos amigos. Quero dizer: um verdadeiro gourmet. Não me refiro às várias espécies sucedâneas de adeptos de boa comida como o gastrónomo, o bom garfo, o alarve ou o amador da culinária. Não, refiro-me mesmo ao gourmet que é, de entre todas as espécies de cultores do prazer da comida, o guru por excelência. Todos os meus amigos são fanáticos da boa comida, verdadeiros ogres de restaurante, tasca e afins. São todos alarves e a maior parte deles é mesmo bom garfo. Existem alguns amadores de culinária, embora raros. E há até um de nós que, desconfio, é um gastrónomo. Colecciona guias de restaurantes, está actualizado em matéria de vinhos, sabe os nomes dos principais chefs dos antros nacionais da comida e sonha, sonha mesmo, isto é tem sonhos, em que está no El Buli ou no Maxim. E ainda sabe fazer cabecinhas de leitão com cebola ao ponto crocante.

Mas goumet, gourmet a sério só o P.P. O que o distingue de todos os meus amigos alarves, como eu, não é a pulsão da comida que tem em comum comigo e com todos os outros. Não, por aí não há grande diferença. E embora saiba muito destas coisas, mais que nós todos e até que o G. que é gastrónomo, a grande diferença entre ele e nós é que ele gosta de cozinhar e sabe fazê-lo como ninguém. É por isso que, de entre todos os meus amigos, o P.P. é o único que merece o título de gourmet: ele é o único que alia o gosto, o saber e a saber-fazer numa só pessoa.

Neste fim de semana tive a grata oportunidade de merecer um convite do P.P. para almoçar lá em casa, um almoço de degustação preparado por ele ( acho que a razão do convite se deveu ao facto do Glorioso ter apanhado 5 na pácom uns gregos quaisquer a meio da semana. Assim ele tinha a garantia de gozo enquanto cozinhava, duvido que ele me fizesse o convite se o resultado fosse o mesmo mas a favor do Benfica). Começámos a almoçar à 1. 30 da tarde e acabámos por volta das 5.30, noite dentro, portanto. Passei o almoço entre a cozinha e a mesa da sala de jantar a apreciar o espectáculo que é vê-lo cozinhar. Ele explicou-me a excelência dos produtos, a arte dos pormenores - como a utilização de flor de sal com pimenta no foie gras, em vez de sal - e a sensibilidade dos timings certos na cozinha. Acho que nunca tinha estado tanto tempo numa cozinha, mas gostei imenso. Comemos um camarão de Moçambique preparado num molho especial à base de laranja acompanhado com uma salada magistral; seguimos para um foie gras directamente confeccionado por ele a partir de um inteiriço peito de pato (transmutação mágica o inestético peito transformar-se em foie gras) seguimos por um risoto divinal acompnhado com bifes de pato. No final fechámos com queijos e gelado. Um espumante 3B Filipa Pato abriu as hostilidades e casou-se divinalmente com o camarão. Seguiu-se um branco Riesling que pessoalmente muito apreciei, apesar de algumas críticas do nosso gourmet e fechámos com um Termeão tinto (Campolargo) que, sendo excelente, não confirmou toda a enorme expectactiva que nele depositávamos. Tudo isto servido num irrepreensível serviço de mesa com os copos, os pratos, os talheres comme il faut. Touché!
No fim do almoço?, lanche?, jantar?, fui para casa dedicar-me ao nobre desporto do jiboianço, praticamente até ao dia seguinte, feriado da restauração nacional. Quando se é amigo de um gourmet a sério, até o jiboianço é de alta competição.