20/12/04

Herbário de António, o Santareno

No Verão de 1996, tive nas mãos o herbário juvenil de António Martinho do Rosário, depois (e espero, apesar de tudo, que para o maior sempre possível) conhecido por Bernardo Santareno, o grande dramaturgo de ‘O Judeu’, ‘O Crime de Aldeia Velha’, “António Marinheiro” e de “Português, Escritor, 45 Anos de Idade”, entre tantas outras obras de lugar cativo na nossa tão rica como amnésica portugalidade. Estagiava eu então na RDP/Antena 2, onde, a troco de estar calado, fui remunerado com a riqueza de ouvir e ver coisas e pessoas de outra dimensão que não apenas esta nossa merceeira condição de sobreviventes a prazo e a malefício de inventário.
O herbário de António (não ainda Bernardo) é o que um herbário antigo tem de ser: uma antologia de folhas e flores coladas de costas ao papel do Tempo, esse impiedoso combustível. Enterneceu-me poder manusear um objecto criado pelas mãos do grande escritor quando moço. Por assim dizer, revisitei, pela mão dele, o tempo dele: as flores dele, as folhas dele, a botânica juvenilidade dele. Depois foram, para ele, os anos de Lisboa: médico psiquiatra, escritor de teatro, homossexual discreto, sombra solitária, portador de óculos de espessos aros, gravata decente, perpétuo cigarro ao canto da boca, sentido atento às vozes de dentro que, soltas dele, se tornavam fora corpos de actores. Os tablados dramáticos encheram-se dessas vozes, dessas vozes por assim dizer herbárias: borboletas vegetais alfinetadas pela revisitação das nossas História, Língua, Pátria, Moralidade, Sensualidade, Criação, Alma, Hipocrisia, Solidariedade, Tragédia; e dos nossos Drama, Desamparo, Confronto, Cérebro, Vazio, Frio, Fado, Exílio, Silêncio e Desconhecimento.
É justo que pouco ou nada disto vos interesse grande ou mínima coisa. É justo que sejamos diferentes, a começar pelos interesses. Esse é, aliás, um dos ganhos a obter da leitura da obra de Bernardo Santareno, esse senhor de quem alguns manuscritos andam perdidos por obra e desgraça da má hora em que deles tornou herdeiro um rapazelho de duvidosa honra e proxenética condição: a justiça da diferença contra a injustiça que toda a indiferença é.
Eu sei: o Povo (essa entidade concretamente humana que vive numa abstracção animal) não vai ao teatro, não gosta de pensar nem de se repensar, prefere mostrar as cáries no desbragamento da gargalhada, gosta mais de broa. Três décadas apenas depois do 25 de Abril, não estamos melhores por aí além. Não sabemos mais, não conhecemos mais nem minimamente nos reconhecemos: como Povo. Queremos ser da Europa sem saber ao certo onde é que isso fica. Deve ser ao pé da Turquia. Temos liberdade de expressão, é certo, mas não sabemos exprimir-nos. Votamos massivamente na Abstenção, desconfiados de que, seja quem for que lá ponhamos, é para nos roubar. E nem sabemos quem foi e o que fez Bernardo Santareno. Posso dar uma ajuda.
Era António. Juntou flores em pequeno.

OS TOFUS, por António Manuel

Na sequência de alguns posts e comentários abaixo sobre o tema da alimentação, julgamos importante prestar alguns esclarecimentos subordinados ao tema “Os Tofus”, alimento tão do agrado da comunidade vegetariana. É uma abordagem necessariamente ligeira do assunto, com base em algumas investigações recentes publicadas em revistas científicas de referência, as quais, aliás, estão a obter amplo reconhecimento dentro da comunidade científica. Assim, de acordo com esses estudos, o Tofu, que se pensava até há pouco tempo ser um preparado de leite de soja (e que ainda é vendido como tal por muitos comerciantes menos escrupulosos…) é, afinal, um organismo multicelular com um sistema nervoso central, rudimentar mas activo e funcional, para além de orgãos reprodutores e digestivos. Pensa-se até que estes pequenos seres terão surgido na época do Plioceneo, pois encontraram-se fósseis dos mesmos durante escavações realizadas no Arizona, nos arredores de Phoenix, em camadas estatigráficas onde se encontraram também alguns anabolites. As recentes pesquisas revelaram mesmo, de forma surpreendente, que estes organismos se mantêm vivos mesmo após a sua sujeição a tratamentos térmicos de 200 graus. A sujeição do Tofu aos sucos gástricos provoca, por outro lado, deformações dolorosas e irreversíveis no seu sistema nervoso parassimpático, causando-lhes assim, ao que se pensa, um considerável sofrimento, seguido de morte em agonia. Aliás, a aplicação de ultrasondas de raios gama enriquecidos com plutónio em tofus recolhidos nas fezes de vegetarianos, detectaram mesmo alguns sons semelhantes a gemidos. A palavra ao Dr. Ebenezer M. Scrooge, MD, Phd, director do American Association for the Study of the Tofu: “In spite of we thinked until now, the tofus are multicelular organisms from de Pliocenum. They possess a rather complex central nervous sistem and when stimulated with accid they react as if they were in great suffer.” (in Scientific Journal for the Research of Endangered Species, September, 2004). Chegados aqui, cabe dizer que não nos cabe moralizar ou aconselhar em matérias da consciência de cada um, nomeadamente no que aos prazeres da comida diz respeito. A cada um a sua decisão. Finalmente, e já que estamos neste tema, uma palavra sobre alguns estudos recentemente publicados que defendem que os coelhos são vegetais. Estas pesquisas, de acordo com o Dr. Scrooge, não foram ainda submetidas a avaliação científica independente, não lhes devendo, por isso mesmo, ser-lhes dado crédito.

15/12/04

Elogio do Mau Gosto, por Automotora

Um dia, aluguei no meu clube de video um filme de um realizador finlandês. Qualquer coisa assim, não me lembro bem. A partir daí, fiquei lá conhecido como “o senhor que leva filmes alternativos”. Sou um alternativo, portanto. Aquela espécie que vai tirar filmes da Atalanta à ponta esquerda da estante do lado mais húmido e pouco frequentado dos clubes de video. A verdade é que raramente tenho vontade de ir para aqueles lados, mas o empregado, de cada vez que lá entro, insiste em conduzir-me para lá, enquanto vai esfregando as mãozinhas, numa solicitude comovente e irritante. Começa pelo ponto de não retorno: “quer uma sugestão para um filme alternativo?” seguindo-se o fatal “chegou agora este. Não sei se conhece”. Este “não sei se conhece”, remete sempre para “filmografias”. A “filmografia” não é filmes, como diria o julinho; é “filmografia”, cinema feito em países de neblinas eternas para além do Danúbio (esses países são antes de mais um estado de alma, como se sabe). Mas então, como ia dizendo, acontece que me vejo de repente com o filme na mão. Olho então para o chão, e começo a desfiar uma ladainha ridícula e cobarde: “Olhe, eu hoje estou com um bocado de dor de cabeça, estou cansado, a vida corre-me mal, sofro de stress pós traumático, o iraque não se democratiza, a vida é dura e então quero levar um filme que não faça pensar muito. O amigo desculpe a desfeita, eu tenho muita pena, não é por mal, mas eu hoje vou levar o Mansão Assombrada III”. O empregado, pesaroso, lá sente obrigação de dizer “ah, sim, é um clássico, sim, sim…”. “Mas qual clássico, qual caralho? É só um filme, seu imbecil!”, penso eu, irritado. Mas lá vou dizendo, com humildade, “pois, desculpe… eu juro que para a próxima levo o Quintal das Cerejeiras em Flor, este grande clássico da filmografia da Letónia”. Feito o negócio, saio porta fora, a sentir nas costas o olhar desiludido do empregado. Fico então paranóico e imagino-o a ligar para os amigos: “ele hoje levou o Mansão Assombrada III, passa palavra”. Coincidência ou não, no fim-de-semana seguinte vou comprar peixe à praça e a dona Alzira olha-me com o cenho carregado e engana-me no peso do pargo. É claro que como sou boa pessoa, (além de cobardolas) uma vez em cada dez dias levo um filme alternativo. Lá vejo. Mas acontece que na maior parte das vezes quero é levar filmes, não sei como diga isto, de “suspanse”, daqueles que aparecem no Expresso com o seguinte aviso desprezivo: “para quem gosta”. Nem bom, nem mau, mas “para quem gosta”, que os vermes não têm escala de valores. Mas chegados aqui, atenção para o seguinte: Há os vermes que chegam aos clubes de video e perguntam: “chegou algum bom filme de suspanse?”, como se dissessem “tens hoje aí tintol do bom?”. E vai o empregado à pipa e tira um carrascão espumoso. E há os vermes, como eu, que não perguntam ao empregado porque já levam lista de compras, feita logo ali à porta da loja, com base nos cartazes grandes da montra. Mas não sou um verme todos os dias, é preciso que se note. Por exemplo, no outro dia, por acaso noutro clube de vídeo, vi um filme dos Monthy Python, mesmo junto ao balcão. Passei-me, claro. “Olha, tem aqui Monthy Python?!”. E então aconteceu o inesperado: o empregado revira os olhos e olha-me assim como se tivesse reconhecido um irmão da maçonaria. “Conhece? Você é o primeiro que aparece aqui a falar dos Monty Python! É fã?” Élá… pensei eu… se caio nesta, vou ser obrigado a levar também a trilogia do primo mais velho do Kusturica. Reajo então com grunhice marialva: “Eu? Eu ia precisamente perguntar que raio de título é este com dois ipsilons! Tem cá, cof cof, o Massacre no Texas?” Fiquei bem servido na mesma e no dia seguinte corri para a Worten, comprei os gloriosos malucos e fim da história. Um gajo para ter descanso, às vezes é melhor fazer-se de burro.

14/12/04

Austrália, por Cão Guru

Deu-se-me o caso de, uma ocasião, passear sozinho por uma duna. Foi num mar aqui perto. A duna fazia o que é de competência de toda a duna que se preze: ondulava muito láctea, muito derramada, muito lânguida. Tão lânguida, derramada e láctea, que, na pele da areia, certas florações escuras de que só os botânicos conhecem o nome me pareciam (valha-me Deus!) hirsutas emanações pélvicas. E mais não desenvolvo.
Lá ia eu, pois, muito bem indo, quando eis senão me desemboco, sem preparatório, com a visão já pouco distante, e em sentido a mim contrário (como quase tudo na vida, enfim), de uma senhora.
Dona da duna, por assim dizer e forçando o trocadilho, a senhora tornava-se mulher à medida que os metros entre nós se volviam meios metros. Ela caminhava com a competência de toda a mulher solitária ao colo de duna: ondulava, muito lacteante e languidamente. Perante isto, tremulei. Pudera.
Parei e dei-lhe o perfil. Pus-me, muito flautista, muito virado para o mar, a assobiar baixinho. Ai, amor: o vento levava-me o solfejo até à zona de desembarque das ondas, onde o oceano rebobina para sempre aquela madrugada de Junho na Normandia, 1944. Mas essa é outra História. À da duna voltemos.
Tivesse eu cauda e ao rabo estaria dando com fúria de limpa-pára-brisas no máximo. (Reconhece o cão que há em ti. Ou o lobo. No caso, do mar.)
Pois, e então a mulher já me estava tão perto, mas tão, que a mecânica da respiração se me tornou mais complicada que a casa de máquinas do Titanic. É que nem menos. Pois que ‘aquilo’ era todo um mulheraço, todo um mármore caminhante, um lençol cristalizado, uma geleia oftálmica toda. Ouvi perfeitamente, passando ela pela minha retaguarda, um amarfanho de papel caro: uma capa de revista ela era.
À falta de melhor, meti diálogo. Disse, naturalmente, a maior estupidez possível: “Linda manhã, hã!?”. Sim, assim: com triste involuntária rima. Ela parou, cegou-me com o magnésio de fotógrafo de casamento do seu olhar sem sombra e disse “I beg your pardon?”.
Devia ser australiana, conjecturei. E, num ápice, fui à enciclopédia da minha cultura demasiado geral para que me seja possível saber qualquer coisa em particular: “Cangurus, deserto e Ópera de Sydney, não é?”.
Ela encolheu os ombros, soerguendo a insuportabilidade da bandeja do busto. E seguiu caminho, sem mais, para fora da minha vida e para longe desta crónica. Limitei-me a acabar a duna, perfurei o trecho de pinhal que se lhe seguia, cheguei à bicicleta e apertei as bainhas das calças com as molas da roupa que a minha mulher não sabe que roubei do arame do quintal, o quintal onde amanho a minha couve, encano o meu feijão, choro a minha cebola e cultivo a minha tão masculina ignorância sobre tudo o que diga respeito a mulheres solitárias e à enciclopédica Austrália.

12/12/04

Bifes com batatas fritas, por Jocta do Tellado

Acabou o jogo e ganhou o Sporting. Como tal, o Zétó saiu contente do estádio em direcção à estação do metro de Campo Grande a agitar uma pequena bandeira verde e branca. Aí chegado encontrou um ribatejano inexpressivo encostado à máquina dos bilhetes que lhe disse:
- Zétó, meu filho da puta, não há meio de perceberes nada desta merda, corno dum cabrão. Nem sei se deva perder tempo contigo.
Disse-lhe isto como se fosse o Eanes a anunciar trovões. Surpreendido pela frontalidade sombria do alegado campino encostado, Zétó enganou-se e comprou à máquina o bilhete errado, desnecessariamente mais caro.
- Ora bolas. Reclamou timidamente o Zétó a olhar para o título e a abanar desolado a cabeça.
- O que é que te falta, afinal, ó ranhoso de merda, o que é que tu queres? Para onde é que tu vais? Quem é que tu pensas que és? O que é que tu pensas? Questionou o ribatejano com delicadeza felina e cínica, acrescentando: Anda cá que eu quero falar contigo.
- O senhor desculpe, já vi que é ribatejano, mas porque é que está a falar comigo assim?
- Senhor o caralho. Disse o presumível campónio imperturbável.
- Sabe que há quem não goste de palavrões? Se fosse a si refreava-me. Pode haver gente que não aprecie. Ripostou com a pequena bandeira verde e branca a meia haste.
- Está bem, pronto, desculpa lá. Não posso é prometer que não volta a acontecer. Mas isso também não é muito importante. Tens um minuto?
- Acho que sim. Depende.
- Pois, compreendo. Mas como é que fazemos?
- Não sei, sugira você.
O ribatejano e o Zétó tinham chegado a um embaraçoso impasse, que demorou cerca de dois minutos a quebrar. Enfim:
- Bem, podíamos ir conversar ao Ribatejo, mas penso que não te dê muito jeito… O que é que achas?
- Não posso. Só tenho bilhete para duas coroas.
- Nunca vi nenhum revisor no metro para o Ribatejo. Não deve haver problema. Embora daí. Desafiou o circunspecto campino.
- Epá, não dá, combinei ir beber umas canecas com os colegas. Para festejar, está a ver?... Não pode ser aqui?
- Seja, que se foda. Desculpa lá. Saiu-me sem querer.
- Não faz mal. Era pior um peido sonoro.
- O que eu te queria dizer era o seguinte: Tu que és um inútil dum imbecil sem emenda, diz-me lá qual é coisa qual é ela, qual é coisa qual é ela…
- Então, está a improvisar?
- Não, é o autor.
- Quer dizer, primeiro fala comigo como se me conhecesse desde a escola primária, insulta-me, depois vem com uma grande conversa sobre uma conversa, e agora não sabe o que é que há-de dizer? Fogo!
- Deixa-me pensar, isto não é fácil…. Já sei. E se o Kumba Ialá te fosse ao cu?
- Isso não me parece muito credível. Quem é o Kumba Ialá? Interrogou o Zétó face a um ribatejano desolado.
- Esquece. Mas por uma sílaba que não rima: kumba, cu… Noutro contexto seria interessante.
- Interessante é a situação internacional.
- Isso não sei, ó amigo. Para isso tens de falar com o ribatejano da estação do Rossio. Queres o telemóvel?
- Já agora. Zétó anotou o número do analista internacional na bandeirinha verde e branca. E, já agora, qual é a sua especialidade?
- Eu cá sou estivador.
- Não parece nada.
- Já não é a primeira pessoa que diz isso. Pensam que eu sou campino. Seja como for, vamos lá a despachar isto.
- Está bem, também já estou farto de estar aqui. Diga lá, então. Exortou o Zétó.
- Imagina que és uma isca de fígado… não, melhor, que és uma patanisca de bacalhau…. Já está? Pronto. Agora vai-te foder, não quero saber de ti para nada, és merda, abaixo de merda, pior que merda. Nem merda és.
- O que é que isso significa?
- É a vida caralho! É uma metáfora da vida, anormal! Respondeu o, por uma vez, alterado ribatejano, aprumando a compostura logo de seguida e passando a mão pelas farripas de cabelo que lhe caíam do barrete verde e vermelho para a testa: Ó meu amigo, eu até já falei demais, eu cá só faço perguntas e ponho as pessoas a pensar. Respostas é com o ribatejano do Intendente.
- Está bem, mas isto parece-me tudo um bocado ridículo.
- É uma maneira de entreter o tempo. Há piores. Pronto, já podes ir à tua vida. Queres o telemóvel do colega do Intendente?
- Pode ser.

10/12/04

Fotografia, por Cão

Perdi uma série de fotografias obtidas num domingo agora duas vezes pretérito. Na impossibilidade de reavê-las, resta-me tentar, hoje e aqui, revelá-las pela palavra.
Uma delas era de duas mulheres quase tão jovens quão pálidas. Apontavam a ninguém quatro olhos dotados da clarividência azul-cosmos dos cegos. Eram cegas, tinham seios perfeitos e apresentavam-se muito bem vestidas: talvez por serem manequins e se encontrarem expostas na montra de um pronto-a-vestir.
Outra das fotografias não conservava gente, fingida sequer, à superfície da eternidade que toda a foto ilude ser. Era de um cão dormindo entre as linhas de um caminho-de-ferro desactivado. Só eu sabia que o cão realmente dormia, que por ali comboio algum passava ainda. Um observador pensaria talvez no atropelamento mortal do cachorro.
A terceira foto (mas porquê “terceira”?; por que ordenamos ainda o que se perdeu?) revelava uma mansarda eriçada de vasos de sardinheiras. Entre as flores, assomava uma cabeça de mulher cuja maior evidência era a desolação da pobreza. O olhar da mulher, recordo-o bem, fixava directamente a minha objectiva, pelo que me é lícito assentar que foi ela a fotografar a própria fotografia que eu haveria de perder.
Lembro-me de ter interrompido o trabalho desse domingo duplamente irrecuperável para tomar um vermute e munir-me de cigarros num café de reformados que escutavam o relato de um Belenenses-Atlético para a Taça. Sem que o notassem, fotografei dois dos velhos à contraluz da montra pontuada de cocó de moscas, prospectos de bailes e editais venatórios.
Já cá fora, a grande tenda solar estava segura ao chão por estacas de árvores e carros estacionados para sempre. Cheirava ao que os domingos cheiram: a espera e a ruas vazias.
Fotografei de costas uma mulher de chapéu que caminhava com a graça involuntária de um charlot diurético.
Fotografei um telefone preto dos antigos, dos de discar. O telefone tocava, ninguém vinha atender, pareceu-me que até o som ficou gravado na fotografia. O som e a ausência de atendimento: ambos impressos na película perdida.
Foi um domingo de roubar luz, esse domingo. Trabalhei muito, depois devo ter guardado o rolo no bolso de um casaco cujo forro se me desforrou, como às vezes a vida se desforra de quem a não vingou.
O que vos ainda não revelei (verbo de fotógrafo) é isto: houve uma fotografia que não tirei nesse dia. Um par beijava-se na paragem do autocarro. Não um desses beijos lambidos, sôfregos, desses de dorsos linguais expostos ao basbaque dos velhos e à má-língua das velhas. Era um beijo bem posto, breve e simbiótico, um beijo dado por aquilo a que chamamos alma quando se usa a boca sem ser para falar ou comer. Não era coisa de adolescentes, mas um beijo claro entre um homem já maduro e uma mulher serôdia já. Não tirei o retrato dessa eternidade mínima.
E curiosamente, de todas as fotografias que tirei e perdi, essa foi, não a havendo tirado, a única que pude guardar para, hoje e aqui, vo-la revelar.

28/11/04

Pergunta de burro, por Porco Revoltado

O Henrique Chaves demitiu-se. É o grau zero. O Portugal do Santana não existe. Isto é uma palhaçada. Devemos apelar ao Sampaio para convocar eleições. Até o Cavaco bateu com a porta. Disse, e bem, que vai sendo tempo de os sérios e competentes correrem com esta escumalha. É triste, mas é verdade. A linha separadora do confronto político já não está no campo ideológico mas no domínio da ética política e da seriedade pessoal. Quer isto dizer que a esquerda e direita estão do mesmo lado da barricada contra os corruptos, oportunistas e incompetentes. É grave porque mostra ao que chegou esta merda. E é real porque temos o Soares e o Cavaco, adversários há muito pouco tempo, identificados no discurso crítico e devastador a Santana. Quer dizer que a situação política está abaixo de cão.
Ontem foi a enterrar uma referência da vida política portuguesa do século XX. O Dr. Fernando Vale, aos 104 anos, morreu descansado. Médico verdadeiro ao serviço dos doentes e não servindo-se dos doentes, republicano, democrata, maçon. Pessoa tolerante de grande empenhamento cívico. Nunca retirou vantagem da sua intervenção pública. Pelo contrário. Sofreu a prisão, a perseguição, a intolerância e o insulto. Nunca teve tachos. Foi apenas governador civil de Coimbra, porque lho pediram insistentemente e numa altura de grande agitação em que a res publica reclamava o seu contributo. Tão diferente desta canalha que exige tachos no conselho de administração das empresas públicas e municipais, exerce vereações a tempo inteiro com ajudas de custo e de representação, cartão de crédito e automóvel e telemóvel e etc e o caralho que os foda! E são vogais do conselho fiscal disto e daquilo, accionistas da puta que os pariu, metem cunhas para construir em terrenos protegidos, são veteranos das jótasèsseistoeaquilo aos 16 anos, movem influências para arranjar postos para os filhos e afilhados, cunhas para entrar em Medicina, despedem jornalistas como quem sacode pulgas, sonham com golfe em Bruxelas, embaixadas em NY, comissões de serviço em Madrid ou assessorias de imprensa em Londres, têm putas platinadas e amigos com ilhas privadas, fumam Cohibas que davam para matar a fome a muito desempregado. PUTA QUE VOS PARIU, ó Sanguessugas da Pátria!
O Gomes da Silva, no funeral de Fernando Vale apresentou o falecido como bom exemplo a seguir. E eu pergunto:
MAS POR QUE CARALHO É QUE NÃO SEGUEM O EXEMPLO DO DR. FERNANDO VALE? FODA-SE!

Nota: foto de http://www.asbeiras.pt/ edição on-line de 27 Nov 2004

21/11/04

Como se combate a idiotia?, por Idiota Jones

Escrevo hoje por dever e penitência. O dever ditado pelo arrependimento, a penitência sedenta de perdão. Deve a idiotia combater-se à paulada? Embora os idiotas não desmereçam do método, devemos optar pela negativa. A escolha é mais pragmática do que cristã. É que a paulada, embora castigadora, produz normalmente o efeito perverso de estimular a idiotia. Retenham o princípio: quanto mais se arreia num idiota, mais idiota o idiota se torna. A partir daqui, é só desnovelar a regra. Isto é, quanto mais idiota, mais pauladas, quanto mais pauladas mais idiota, e por aí fora. Arafat morreu sem ler este conselho, tal como não creio que Sharon leia o Tapor, e por isso o conflito israelo-árabe está como está. Crede pois, sou eu que vo-lo digo: não há pau que ilumine um idiota. Só há um remédio para a idiotia: classe! Há pessoas que têm classe. As pessoas que têm classe anulam os idiotas. Não há idiota que não arrenegue da idiotia em face da classe. E eu sei do que falo, meus irmãos. Eu fui um idiota! Em Julho de 2004, aqui neste blog de idiotas, eu levei a idiotia aos limites históricos. Poderia arrolar agora, qual arrependido na vara da justiça, inúmeras razões que explicassem a idiotia. Invocaria o contexto e a circunstância, o espírito jocoso e a inconsciência, o involuntarismo e a irreflexão, buscaria atenuantes e testemunhas abonatórias e talvez convencesse os idiotas ainda mais idiotas. Não há perdão, porém. Eu, idiota me confesso e prosterno-me humildemente aos pés da ofendida com o incomensurável peso da minha idiotia amarrado ao pescoço. A ofendida foi Filipa Pato. E se esta confissão tiver o dom de reduzir a idiotia, que não limpá-la totalmente posto que a má natureza se atenua sem que se anule, a causa é só uma: a classe de Filipa Pato.
Em Julho de 2004, provámos e não gostámos do «Ensaios» de Filipa Pato. Escrevi, a esse propósito, um post para o qual reclamo desde já o indisputável título do «post mais idiota do Tapor». O plural refere-se à confraria. Eu fui o responsável pelo post. Estranhas são, todavia, as leis que regem o universo. Não fossem estranhas essas leis e a Providência ter-nos-ia, justamente e para nosso infortúnio, privado para sempre do conhecimento da jovem enóloga. Mais não mereceria, diga-se, o deslustre que lhe endossei. Se tal desdouro merecera eu por castigo, decidiu a Divina Providência fazer claríssima demonstração do Seu sentido humoroso, dando ao injusto ofensor o imerecido prémio de conhecer a ofendida injustiçada. Quando Filipa Pato se nos dirigiu, de forma cordata e corajosa, desafiando-nos para uma prova de vinhos brancos, não foi só uma bela jovem determinada e inteligente que saiu ao nosso caminho. Foi mais do que isso, foi a sabedoria do Eterno, que nos Seus insondáveis e excelsos desígnios, lançou uma cavalheiresca e humorada bofetada às trombas deste seu servo, pobre degenerescência da Criação.
Na Sexta-feira, 19 de Novembro, tínhamos aprazado o jantar na Cova do Finfas, onde a D. Cilita, a célebre Dona Gata, nos aguardava com uma magnífica sopa de peixe e um extraordinário Robalo no Forno ao Sal a Arder. Sobre isso e sobre os vinhos em disputa, outros melhor se encarregarão de dar nota. A verdade é que ninguém acreditava que Filipa Pato aparecesse. Pelo caminho, interrogávamo-nos mutuamente. A resposta era invariável e sempre a mesma. Não, Filipa não apareceria, fosse porque a não merecêssemos, fosse porque alguém lhe usurpara a identidade numa piada de mau gosto, fosse porque, vendo bem, não somos gente que se recomende. Afinal, qual de nós, em pleno juízo, aceitaria jantar connosco? É daquelas perguntas que dispensam a resposta, pois vai directa à consciência, esse exótico lugar onde a mentira não cabe porque fruto não colhe. Não, eu se vos não conhecesse, meus amigos, jamais jantaria convosco. E tenho a certeza que cada um de vós pensa como eu. Por isso somos amigos, porque partilhamos esta incontornável verdade.
À hora marcada, porém, Filipa apareceu. Só. Corajosa mulher! Quem olhasse aquela mesa de convivas e observasse Filipa rodeada por aquela gente, inevitavelmente se lembraria de um qualquer episódio bíblico. Daniel na Cova dos Leões, Cristo no Templo com os doutores, eu sei lá, uma de entre as tantas por onde a natureza extraordinária do Filho de Deus se exaltasse pelo contraste dado pela fraca figura dos circundantes. Filipa brilhou, naturalmente. Mas também porque a nossa rude natureza ainda mais brilho lhe conferia. E falou de vinho, e exalou simpatia, inteligência e beleza. Lembro-me quando, em criança, no circo, via os domadores na jaula dos leões e me interrogava como conseguiam eles acalmar as feras. Sei-o agora: tal como a classe de Filipa se impõe sobre o espanto dos bárbaros desta confraria e deste idiota que outrora, no tal Julho de 2004, lhes deu voz e agora se penitencia.

17/11/04

Have a Cigar, por Zé Gilmour, admirador de António José Saraiva, director do ESPESSO

Hoje é o Dia Mundial do Não Fumador. O governo anunciou, à semelhança de outros Estados da União Europeia, uma série de medidas drásticas com o objectivo combater os hábitos tabágicos da população portuguesa. Proibição de fumar nas escolas e nos hospitais. Mesmo nos espaços públicos, como os restaurantes e centros comerciais. E até nos bares e discotecas. A razão justifica-se. Fuma-se cada vez mais. Os fumadores passivos reclamam direitos. O Estado despende quantias enormes no tratamento das doenças causadas pelo tabaco. Eu fui fumador até ao dia que deixei de fumar. Sou, portanto, um ex-fumador. Há quem não seja. Por exemplo, o confrade Grunfo. O Grunfo fuma charutos há pouco tempo. ('tás a ver, ó Marisa, sua nazi de merda, aqui é que leva agá). Embora só fume aos fins-de-semana, pode considerar-se um fumador. E, porque fuma, não é um ex-fumador. Como não são ex-fumadores todos os outros que começam agora a fumar. Jovens. Principalmente raparigas. Ora, como todos sabemos, as raparigas de hoje serão as mães de amanhã. Algumas, pelo menos. ('tão, Marisa, já te veio o período?). E é entre as raparigas adolescentes e as grávidas que o consumo de tabaco tem aumentado nos últimos anos. Compreende-se. Primeiro fode-se e depois fuma-se. O melhor é produzir um pacote legislativo onde se proíba o sexo em conjunto com o tabaco. Se não se foder não se engravida. Se não se engravidar, as grávidas deixam de existir. Se não houver grávidas, deixa de haver o grupo estatístico onde o consumo de tabaco mais cresce. Então, o consumo de tabaco deixa de crescer. Isto é, decresce. Se decresce acabam as campanhas anti-tabágicas. Se há menos campanhas anti-tabágicas, já não seremos obrigados a ver aqueles cartazes idiotas e violentíssimos. Olé!

14/11/04

O nacionalismo é a ideologia dos burros, por Nossa Senhora Macuda

O «Público» de ontem anunciava o novo hino do pêpêdêpêéssedê do Sant'Ana Nos Valha: Somos actores da História/ de coragem e glórias/ pátrio orgulho do passado/ abraçado pelo mar./ Para vencer os desafios/ desse povo soberano/ abre a porta do destino/ que o futuro quer entrar./ Queremos mais Portugal/ grande luso pequenino/ nova força para o mundo/ geração Portugal./ Grita Viva Portugal/ pede a alma, bate o peito/ nova força para o mundo/ meu orgulho Portugal./ Tempo novo de acreditar/ de ser mais feliz/ de ser PSD/ sempre mais e melhor./ Santana Lopes é a voz/ na vanguarda do futuro/ de norte a sul/ de todos nós./ Grita viva Portugal/ meu orgulho, meu país/ nova força para o mundo/ grita Portugal./ Grita viva Portugal/ meu orgulho, meu país/ nova força para o mundo/ viva Portugal. Conseguem imaginar pior? Está cá tudo: o historicismo nacionalista que acha que o nosso umbigo é o mais bonito de todos os umbigos, a virilidade marialva, o triunfalismo patético, as banalidades recorrentes, o prospectivismo messiânico que tenta disfarçar a medicridade indisfarçável, o ensimesmamento missionário de quem se julga concebido para grandes missões e o próprio nome do timoneiro citado em hino. Desde o Mao que não se via uma coisa assim. Será possível ir mais baixo? Somos mesmo obrigados a aturar esta malta?

11/11/04

O Fernandel, por Tinoni

Já não vejo há muitos anos um filme do Fernandel; por isso a recordação que tenho dele e dos seus filmes pode estar um pouco fora de prazo. Já é quase uma recordação de caricatura, impressionista. Então, é assim: Um homem grande, com umas mãos grandes, uns olhos esbugalhados, uma boca enorme, uma forma de cantar la-boulli-a-bai-se (saravá, mangas!), com uns olhos muito abertos e risonhos. É assim que o recordo, embora não me lembre sequer de alguma vez o ter ouvido cantar. A memória tem este hábito de se distorcer e recriar para se manter feliz. E até acerta, por vezes. Para mim, o Fernandel confunde-se com o Dom Camillo, o padre-cura que interpreta no filme com o mesmo nome do princípio dos anos 50 (fui ver à net: o filme chama-se em francês “Le petit monde de Dom Camillo”; não me lembro como era cá). Fazia uma dupla da espécie bucha e estica com o comunista Peppone, seu amigo e adversário, numa versão amável e morna da guerra-fria, então a começar. Mais donc, tu m’enerves mon vieux! Curiosamente, não reconheci o Fernandel no personagem do Dom Camillo dos livros do Giovanni Guareschi, ao contrário do que me aconteceu, por exemplo, com a figura do Comissário Maigret, dos romances do Simemon, criado pelo actor Bruno Cremer. Se há personagens definitivas criadas por um actor, esta é uma delas. Um dia falo nele noutro post. Mas voltando ao Fernandel, há outro filme dele que recordo com nostalgia: A Vaca e o Prisioneiro. Lembro-me apenas que o Fernandel era um prisioneiro fugido dos nazis que andava pela floresta acompanhado por uma vaca, com quem se fartava de conversar. Por falar nisso, o Dom Camillo também dava secas monumentais a Deus, em conversas meio profanas e bonacheironas. Os personagens do Fernandel faziam parte de um mundo antigo, rural e a preto a branco (a minha memória deles é a preto e branco, pelo menos…). Este mundo foi depois torpedeado pelo Tati, com o Playtime, a sua fabulosa paródia do mundo moderno. Era outro mundo que surgia, frenético e labirintico, outra linguagem e outros valores, um mundo technicolor à beira de um ataque de nervos. Talvez já estivesse na altura. Esta é a recordação que tenho e é recordação que me apetece ter. Quando revir os filmes, logo se vê o que calha. Há aquela máxima que diz que nunca devemos regressar ao local onde fomos felizes. Mas acho que não corro risco nenhum se voltar ao Fernandel. Se alguém tiver para emprestar, agradecido.

27/10/04

LANÇAMENTOS

Lança-se livro, "Diálogos com a Cidade", texto e fotofragmentos de João Paulo Cruz e Susana Paiva, sábado (30/10) pelas 17h00, Ed. Chiado, traje informal. Demora pouco.
classificados do porco o segredo do sucesso

07/10/04

Informação útil, por Carmelinda Pereira

A quem possa interessar, abaixo se transcreve o ponto 2 do apêndice III que esclarece a regra 5 das regras oficiais de golf elaboradas pela Royal and Ancient Golf Club of St. Andrews que, desde 1897, é unanimemente reconhecida como a autoridade reguladora das regras do jogo, contando actualmente com mais de cem países filiados. Este apêndice refere-se exclusivamente à bola e o ponto 2 que ora se transcreve define o seu tamanho:
«O diâmetro da bola não pode ser inferior a 1680 polegadas (42,67 mm). Esta especificação considera-se satisfeita se, sob o seu próprio peso, uma bola passar por um anel de ensaio com 1680 polegadas de diâmetro menos de 25 vezes, num total de 100 posições escolhidas ao acaso, sendo este ensaio feito a uma temperatura de 23º +/- 1ºC»
O Tapor presta aos seus leitores um verdadeiro serviço público, satisfazendo assim os diversos pedidos de esclarecimento que têm chegado à nossa redacção. Para a semana, ensinaremos a tirar nódoas de aguardente de cana dos tapetes de sisal e prometemos que brevemente desvendaremos todos os mistérios do universo a começar pelos anéis de Saturno. Adeus amiguinhas, beijos da vossa
Carmelinda

05/10/04

Mariposa, por Cão

E então uma mariposa, grande e inóspita como um helicóptero de combate, apareceu no ar gorduroso do restaurante à cheia hora do cozido. Gerou-se de imediato um vietnam de porras, braçadas e xôs. Guardanapos anti-aéreos desfraldaram patriotismos de caça higiénica. Intrusa involuntária, e aturdida de tanto pano predador, a mariposa tentou colar o ventre à pá do heliventilador, de onde foi sacudida sem mercê por um comedor de farinheira que se tinha empoleirado com garbo e sem cautela num banco precário. Tão precário efectivamente, que deu de si, o banco, dando com ele, o da farinheira, no chão, nadir frio do zénite ventilador. Houve risadas. O tombado, caído sem querer nem remédio no ridículo, amuou e foi continuar o cozido numa mesa que não era a dele, facto que aproveitou para reenfarinhar-se a gosto e à borla.
Entretanto, a voz da razão tentava serenar os desânimos, que pela sala guardanapavam ainda com luxúria, mas tanto menos acuidade quanto mais nervo. A mariposa resistia num voo copérnico, imprevisível, desesperado e desesperador. Pertenciam, a tal voz e a tal razão, a uma senhora afinal mais esbracejadora que uma deusa hindu ou um sinaleiro lusitano, desses de antigamente que, de capacete cor de cueca e do alto de uma peanha de lata, desorientavam vauxhalls e NSUs a caminho do ferro-velho do destino.
De repente, já não havia mariposa. Havia, em vez dela e tão-só, um restaurante de preço popular virado de pantanas. O vinho derramado pelo chão consubstanciava um lúgubre onanismo cor de sangue, um guardanapo pendia como uma mão de velho do poster do Sporting local, duas cadeiras tombadas juntas armavam uma aranha octoplégica, tudo somado a um dono da casa perfeitamente estarrecido de desconcerto perante a evidência do prejuízo.
Mas, enfim, lá se recompuseram mesas e cadeiras, fraldas de camisa e respirações. Famílias desunidas redesuniram-se e voltaram aos enchidos, crianças de colo foram reencontradas já púberes, uma senhora amelanciou o decote farto, o telejornal foi posto em som mais alto que de costume e a ordem do mundo voltou ao mundo, o nosso mesmo mundo que só precisa de uma mariposa para soprar na gentinha o escabroso tufão da loucura.

24/09/04

Silva Go West, um conto de cóbois e pioneiros por Jócta Apitou Três Vezes

John Sanabagana sempre fora uma besta estúpida. Estamos em meados do século XIX mas a infância do estupor decorreu por inícios do mesmo século, em Boston, Machachucha, mais precisamente no matadouro do tio, ao fundo à esquerda da sebosa Downbythewaterfront Street. John cresceu órfão de pai e mãe e delirava com o abate do gado. Ao fim do dia divertia-se a escorregar pelo chão do matadouro, como quem patina, nas grandes poças de sangue das vacas e dos bois massacrados. Na escola fugia ao recreio para ir ver esfaquear animais de grande porte. Quando cresceu, depois de uma irregular carreira no negócio dos abates (a força física e o entusiasmo pela morte violenta dos animais não chegavam para compensar a inaptidão completa para gerir negócios ou outra coisa qualquer) e depois de estripar pela enésima vez um marinheiro nas docas da cidade numa noite de borracheira, John Sanabagana fugiu. Nos matadouros de Boston corria o boato que fugira para o West, tese credível na medida em que toda a gente em Boston naquela altura fugia nessa direcção sem lei, onde John poderia expressar livremente as suas potencialidades destrutivas construindo algo.
O John cresceu mais um bom bocado, e encontramo-lo finalmente em meados do século XIX, onde estamos. É onde vemos, afinal, Big John Sanabagana, grande rancheiro do Arizona, dono e senhor de um quarto do Estado (uma carrada de estádios de futebol) e das respectivas cabeças, de gado ou outras. A ascensão de John a Big não foi fulgurante. Nada disso, foi árdua, violenta e lenta. Épica! O John precisou de suar suor e sangue, dos outros, às golfadas, até chegar ao poder em que o encontramos em meados do tal século. Índios, outros sanabaganas, pretos, amarelos, mineiros, engenheiros dos caminhos de ferro, pastores luteranos, senhoras da Avon, mais índios, juízes, cobras, carteiros, xérifes, prostitutas, tatus, mulheres em geral, homens em geral, etc., etc., etc. Quase todos ali naquela parte do velho west dos states sentiram o fio aguçado da famigerada e grande faca de matar porcos de John, homem de aço e não de chumbo, zás-tum-tunga, mestre da naifa, zum… Foi longa e árdua a gesta do carniceiro de Boston. Big John Sanabanaga. The man.
Já soberanamente instalado no Big Ranch, em meados, John contemplava o seu império agro-pecuário. De pé no alpendre da enorme vivenda, o fazendeiro impiedoso e ignorante coça os tomates. Dá dois passos para a frente, escarra no chão do alpendre e diz para o xerife, que parecia esperar alguma coisa, humilde, de chapéu torcido à frente dos genitais, na poeira do acesso ao alpendre, dois metros abaixo do John:
- Hoje não quero conversa, nem boa tarde nem o caralho, nem quero olhar para ti que metes nojo. Amanhã de manhã vais ao Hotel da outra puta, da tua amiga, e metes um tiro nos cornos ao palhaço. À hora de almoço vens aqui dizer assim: está feito, senhor Big John Sanabagana, obrigado. Baza
Big John escarrou outra vez, desta vez na direcção do xerife, e assobiou com dois grossos e sebentos dedos de cada mão entalados nos lábios, soando com a potência de um sirene. Como que nascendo da terra, dos mais variados pontos do rancho, cerca de duas dezenas de cães grandes e feios como os trovões começaram a correr e a ladrar como demónios na direcção do dono odioso. O xerife entrou no carro em pânico e só voltou no dia seguinte, pela hora de almoço. Onze da manhã pelo horário de Big John. O palhaço morreu às sete da manhã. Morreu muito cedo porque o xerife estava ansioso por agradar ao aborto do rancheiro. Foi fácil, o palhaço não ofereceu resistência porque estava a dormir. Depois foi só uma questão de esperar pela hora de almoço indicada. No velho West, no entanto, os verdadeiros pioneiros sabiam ser pacientes quando era preciso.
- Está feito, senhor Big John Sanabagana, obrigado.
- Agora vai-te foder.
- Obrigado, senhor.
- Não, estúpido do caralho, estava a gozar contigo. Anda cá p’ró pé de mim, aqui juntinho ao meu ombro, anda cá, dá cá o teu ouvidinho, dá cá. Agora, quero que deixes o cabrão do palhaço morto estendido ao sol, uns tempitos, tipo um dia, depois cortas-lhe a piça e vais levá-la à puta da Laurinda, que há-de estar em casa dela. Embrulhas num paninho, entregas em mão e dizes só que vai da minha parte. Xô, andor daqui para fora, senão chamo os cães.
- Obrigado.
- Vai-te foder meu… ai os tomates... Rosnou Big John Sanabagana entre dentes, como quem chama por cães.
A Laurinda era a corista principal do saloon e compreensivelmente não gostou da prenda de Big John. Mesmo no antigo West há limites. Nem um palhaço merece tal sorte. Principalmente um palhaço que é pai. Mas sobretudo um palhaço que é nosso pai. O palhaço era, pois, pai da Laurinda, que fervia de ódio, qual Mercedes McCambridge. Olhando para a bolsa aberta, a corista fez umas contas de cabeça e gritou:
- Óh Silva!
Solicito, o Silva correu para junto da senhora.
- Diga, minha senhora. Disse o Silva, que era o idiota da aldeia.
- Olha, dou-te o dinheiro todo que tenho na carteira e faço-te um bóbó se me fizeres um favor.
- É para já, minha senhora.
- Vais lá acima ao Big Ranch e dás um tiro nos cornos ao Big John.
- Precisa para agora?
- Se puder ser.
- Vou ver o que é que posso fazer. Acho que tinha um servicito para as três, deixe cá ver no filo-fax… não, foi desmarcado. Pronto. Sendo assim estamos combinados. Até já… E o bóbó, como é, venho cá logo à noite a sua casa, vai lá à barraca, como é que é?
- Vens aqui ter.
- Está bem. E uma garrafita de tinto?
Silva nem sempre foi o idiota da aldeia. Ou melhor, sempre fora idiota e sempre fora da aldeia, mas não fora, de longe, O idiota da aldeia, The Number One. O português chegou, começou um negócio de cortumes, espalhou-se, concorreu a xérife, ganhou, veio o John e meteu-o no olho da rua porque naquele dia esquecera-se da faca de matar porcos na vivenda. O Silva nunca mais pensou no assunto e meteu-se nos copos e a fazer biscates às putas e às coristas. Hoje, em meados do século XIX, o Silva de Fornos de Algodres vai roto, bêbado e aos esses por uma vereda do Arizona. Ao chegar aos degraus do alpendre da vivenda do infame Big John Sanabagana, o Silva pára e diz.
- Olhe faz favor, mandaram-me dar-lhe um tiro nos cornos.
Big John Sanabagana nem tugiu nem mugiu porque dormia sentado no banco do alpendre quando levou com os chumbos grossos no meio da testa e ficou sem metade da cabeça, e um buraco enorme na parede da vivenda. Só então os cães despertaram do estupor da torreira, para fugir com o susto do balázio da caçadeira de canos serrados do imbecil do Silva.
À noite, Mary-Lou Laurinda, cuja avó paterna era natural da Ilha Terceira, fez o bóbó ao estúpido do Silva, que deixou de beber e voltou a apostar no negócio dos cortumes. Idiota crónico, espalhou-se. É outra vez xérife e correu com a Laurinda, que dava mau nome à aldeia.

23/09/04

BAD BOY, de ERIC FISCHL, por BOM RAPAZ

O quadro anexo chama-se “Bad Boy” e é do pintor americano Eric Fischl, que o pintou em 1981. Fischl, já anteriormente havia chocado as boas consciências, transportando para a arte um sentido voyeur e ilícito, quando em 1979 pintou o “Sleepwalker”, quadro que mostra um rapaz adolescente de pé, numa piscina de jardim, em pleno acto de masturbação. Com este “Bad Boy”, Fischl pregou mais uma cavilha no puritanismo americano. Como sempre e antes da consagração, o pintor foi repudiado e declarado maldito. Hoje faz parte de qualquer colectânea de pintura moderna, embora não certamente da colectânea da Irmã Wendy Becket, que até o Balthus relega para segundo plano.

Neste “Bad Boy”, o voyeurismo e a transgressão sexual invadem a tela. O rapaz vê a mulher e nós vemos tudo. A mulher, madura e nua, plena de luxúria, permanece na cama, indiferente ao tempo e à pressa. Não parece haver culpa da parte dela. Ao invés, o rapaz vestiu-se à pressa. Está completamente vestido e pronto a sair. Pela pressa da vestimenta, transparece alguma culpa no rapaz, a qual, contudo, o não demove de meter a mão na massa.

As cores usadas por Fischl são escuras e frias, mas o quadro transborda de calor e desejo. As persianas reflectem-se no corpo da mulher, num gradeamento sugestivo de prisão. O puto é novinho, macaco, mas está-se nas tintas para as bananas e prefere o roubo da carteira. Joga jogo duplo, certamente descansado de que não vai haver acusação pública.

A cena é tabu, obscena e perversa. Fischl transpõe nas suas telas o eterno jogo da transgressão, na arte como na vida.

21/09/04

Salvem as Sardinhas, Ó Pá!, por Tinó

Eu detesto golfinhos e tartarugas. O golfinho, então, é particularmente irritante, com aquele seu sorrisinho cínico de Giocônda. Há um mito segundo o qual os golfinhos são nossos amigos. Pois sim, com papas e bolos se enganam os tolos, e mais não digo para não me acusarem de alarmismo… Ainda por cima esses animais têm um tratamento privilegiado em relação aos outros animais, em nome de um estatuto hierárquico que nunca percebi. No outro vi uma reportagem na televisão sobre uma “inocente” tartaruga (reparem como coloco inocente entre aspas..) que tinha sido recolhida no mar com um anzol no estômago. Pois foi uma correria de zoólogos e veterinários a acudir à “inocente” tartaruga! E que fizeram então, para a reabilitar? Deram-lhe a comer… sardinhas. O operador de câmara filmou, sem vacilar, a cena do tratador da “inocente” tartaruga a atirar sardinhas para o aquário. Não vêm nada de ontologicamente errado aqui? Não haverá qualquer coisa de estranho em condenar um animal para salvar outro? Ora, eu julgo que está na altura de equilibrar as coisas, antes que seja tarde. Eu tenho um sonho. Eu imagino o dia em que finalmente saia a seguinte notícia:

Foi encontrada no Mar do Norte, por um arrastão de pesca ao golfinho, uma sardinha com um anzol cravado nas guelras. De acordo com o pescador que a recolheu, e que por isso está a receber tratamento psicológico, o animal estava debilitado e parecia sofrer bastante. A sardinha, a quem puseram o nome de Flipper, foi de imediato levada para o Centro Internacional de Reabilitação de Sardinhas do Cartaxo, onde está a ser vigiada por um grupo de cientistas e alimentada a pedacinhos de tartaruga. Em todo o país têm surgido manifestações de júbilo pelo salvamento da sardinha e as crianças têm enviado para o Centro postais com bonitos desenhos e poemas para a animar. Prevê-se que no prazo máximo de um mês, a sardinha recupere a sua saúde e estabilidade emocional e possa assim ser devolvida ao seu habitat natural.

Ou esta:

Um grupo de activistas da ONG “Save the Sardines”, invadiu ontem o Sardinha Fun, parque de diversões aquático no Jardim Zoológico, para exigir a libertação do cativeiro das sardinhas que ali se exibem para as crianças. “É impressionante que em pleno século XXI ainda se use a sardinha como motivo de diversão, atentando contra a sua dignidade de sardinha”, afirmou um dos activistas. O responsável do parque de diversões, por sua vez, disse compreender as preocupações dos manifestantes, mas garante que os animais são bem tratados. Segundo ele, e citamos, “a saúde das sardinhas é vigiada por veterinários e gastamos com elas cerca de vinte quilos de carne de golfinho por dia. E acrescentou: “Queria chamar também a atenção para o facto de muitas das sardinhas terem já nascido em cativeiro, pelo que é quase certo que não se iriam habituar ao mundo selvagem lá fora, ficando sem defesa para se defender de predadores daninhos como o golfinho e a tartaruga”

Ou ainda esta:

Foi descoberta na Lagoa da Vela, em Quiaios, uma praga de golfinhos. Um trabalhador da Câmara Municipal disse à nossa reportagem: “Caramba, ainda há pouco tempo andámos a arrancar o limo da lagoa e agora aparece-nos isto! Não há descanso! Se cai ali uma criança é que eu quero ver como é!”

Rosário de tristes contas, por Perro Caliente

O ministro das Finanças, Bagão Félix, nunca deixa de me atrair a atenção. Não só pelo que diz como pela curiosa mistura que o rosto e a expressão argamassam: sob um olhar jesuíta, aquele nariz semita e aquela fina boca de canivete. Tudo na figura dele me acorda para o mau pesadelo de Salazar. Nas mãos, em vez da papeleta do discurso ou da caderneta de poupança, adivinha-se-lhe um rosário. Na lapela, quase lobrigo um alfinete de ouro com a águia da Luz. Nunca estive perto do senhor, mas não me é difícil adivinhar que dele emanará uma fragrância mista de bolacha e água benta. Em seu gabinete, é natural que pondere entre madeiras escuras, numa meia-luz de sacrário que imporá aos assessores um silêncio de martírio tranquilo. Mas, enfim, nada isto é importante. Importante é o que sofremos por causa de o Governo ser constituído por figuras destas.
Quando gizou o novo Código Laboral, deve ter-se benzido: afinal, quem o sofre é quase tudo cristãos. Apreciei o ar de pardal repugnado com que esvoaçou, apesar de tudo incólume, entre a revoada triste do processo da Casa P(edofil)ia. Mas não gostei que lhe tivesse faltado a dignidade mínima de fazer o que Manuela Ferreira Leite fez: virar as costas a Santana e ir trabalhar, que é o que ele gosta de nos mandar fazer depois de nos condenar ao desemprego.
Agora empossado nas Finanças, apareceu na televisão com aquele ar entre o seráfico e o mefistotélico, aspergindo-nos com os perdigotos de extrema-unção das contas públicas. Que o Estado não tem cheta, diz ele (como se o Estado não fôssemos nós). Que o défice público vai deixar de ser uma obsessão (afinal, era uma obsessão, Manuela). Que vai haver crescimento (de número de assessores, suponho, não exactamente do PIB). Que o tabaco vai aumentar (deve aumentar os mesmo cêntimos que as pensões e os salários).
Acontece que eu acredito que o ministro acredite naquilo que diz. Eu é que não acredito. Não acredito, pronto. Falta-me a fé(lix). E ando sem bago, quanto mais bagão.
Com os anos, uma espécie de ateísmo político emaranha-se-me no optimismo, tornando-me incréu. Incréu e azedo.
Depois, penso com amargura nas pessoas que deram o corpo e a alma ao manifesto para que um dia este País proporcionasse trabalho aos cidadãos livres de o procurar. Educação para todos, idem. Saúde, habitação, justiça, essas coisas, ibidem. Mas não. Portugal descola-se cada vez mais dos campos, onde uma população inculta amanha a couve à espera que o filho venha do Luxemburgo em Agosto. As fábricas declaram falências não raro fraudulentas. Os mais abastados fogem ao fisco como o Diabo da Cruz, mas ninguém os obriga a prestar contas. Impostos e duplas tributações, que as paguem os raros empregados do comércio, os vendedores, os professores, os electricistas, os sérios, enfim.
O senhor ministro não concordará nada comigo, naturalmente. Por isso será ministro. Mas não do meu país, saiba o senhor. O meu país é outro, embora os meus impostos sejam deste. O meu país é o de Ruy Belo, que o senhor desconhecerá. Ruy Belo disse: “Portugal não é pátria mas país”. Ponha lá mais esta no rosário, senhor ministro.

18/09/04

Publicidade, por joctapc

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DIA 2 DE OUTUBRO, EDIFÍCIO CHIADO, RUA FERREIRA BORGES, 3, AO FINAL DA TARDE

GRANDIOSA LIQUIDAÇÃO DE LIVROS NOVOS A ESTREAR E SEM MICRÓBIO! COM A PRESENÇA DE DISCURSOS (MAIS DO QUE UM) E DIREITO A UMA GENUINA RUBRICA DO AUTOR, A QUEM PODERÁ DIZER QUALQUER COISA E VICE-VERSA!
GRANDE STOCK DE LIVROS POR MANUSEAR E POR ABRIR A CHEIRAR A GRÁFICA! O LIVRO CHAMA-SE “DIÁLOGOS COM A CIDADE – COIMBRA, VERÃO” E FOI FEITO POR ESTE QUE ORA PUBLICITA E PELA FOTÓGRAFA SUSANA PAIVA QUE FEZ PARA ELE DEZ FOTO-FRAGMENTOS DA CIDADE! COMPRE COMPRE!
PODE COMPRAR SÓ UM QUE A GENTE NÃO SE IMPORTA! ACHAMOS TAMBÉM QUE A EDITORA, QUE É A MINERVA, PASSA FACTURAS.
LIVRO GARANTIDAMENTE RARO DAQUI A CEM ANOS! UM INVESTIMENTO DE FUTURO! FICA BEM EM QUALQUER ESTANTE!
AJUDAM NA VENDA PÚBLICA OS DOUTORES PIO DE ABREU E CARLOS DE ENCARNAÇÃO. NÃO PERCA E TRAGA DINHEIRO (ACHAMOS QUE NÃO HÁ MULTIBANCO).

Ps: Para provar que isto é verdade, enviei para o senhor que costuma pendurar aqui a bonecada um dos foto-fragmentos de Coimbra da Susana Paiva. Mais um exclusivo mundial do Taporco em primeira mão.
Pss: Dia 2 é um sábado e não servimos couratos.
Psss: Cuidado com as peças das exposições. Não é que sejam perigosas, mas podem estragar, se caírem, ou coisa parecida, e é chato, e fica mal.

12/09/04

As minhas férias, por Tom Cruze

Este ano passei as minhas férias de barco. Bom, parte delas, pelo menos. Para ser ainda mais preciso, vi um. Se bem que em rigor não possa assegurar que fosse um verdadeiro barco, isto porque nessa altura me encontrava na imensa pradaria do Arkansas. Pensando bem, aquilo que vi ao longe parecia-se mais com um camião com um longo atrelado. Bom, mas o que interessa mesmo é que cumpri um sonho de infância: atravessar a grande nação americana pela mítica Route 66, desde Chicago a Los Angeles. Tudo começou quando cheguei a esse notável país e, sem saber o que fazer, me dirigi ao guichet do American Dream, Inc.: Perdão, acabei de chegar e gostaria de saber o que um homem pode fazer de interessante por aqui. Well, pode comer um Big Mac com cebola e extra queijo, respondeu-me a recepcionista. Não me parece mal, disse eu, mas queria algo ainda mais emocionante, qualquer coisa que me faça sentir mais em casa nesta grande nação. Bom, se preferir, pode optar pelo menu completo, com batata frita, alface, e ainda um boneco do schrek à escolha. Tem também direito a chamar-se Steve durante um período de doze horas, automaticamente prorrogável. Aproveitei, claro. Depois dessa experiência, e como só tinha bilhete de regresso para daí a dez dias, voltei ao guichet e perguntei como deveria ocupar o resto do tempo. Bem Steve, respondeu a moça, agora temos para si este cadillac com mudanças automáticas e chifres no radiador para percorrer a Route 66 que sai de Chicago todos os dias às 15 horas e quarenta minutos. Que mais podia eu querer?. Dirigi-me então a Chicago e anunciei-me. Estávamos à sua espera, Steve, respondeu-me um rapaz de dentes perfeitamente alinhados. Aqui tem o roteiro, um pacote de pronúncias do midwest e uma harmónica programada com cinco melodias tocadas pelo Clint Eastwood, intercaladas com disparos de Smith&Wesson. E lá me meti ao cam inho. Não tinha rodado mais do que setenta milhas, quando me deparo com um marco de estrada que dizia: “Milha 70 da Route 66”. Hhhmmm, que mais me irá acontecer, pensei eu, emocionado. Estive por ali mais um bocado, e segui viagem. Mais setenta milhas decorridas, vejo uma paragem de autocarro, uma mítica paragem de autocarros americanos, que todos conhecem de filmes como Paragem de Autocarro ou Intriga Internacional. Estacionei e vi passar três autocarros. Um quarto autocarro parou e largou um homem magro e alto de suspensórios. Fiquei por ali a vê-lo afastar-se, heróico, até desaparecer no horizonte, como o Tom Joad no Vinhas da Ira. Continuei então a minha peregrinação e trezentas milhas decorridas deparo-me com algumas daquelas peculiares e extremamente cénicas formações de pó e lixo, que podem ser vistas em filmes como Duel o em OK Corral. Passei ali umas boas três horas a vê-las rodopiar com o vento, ao som da minha harmónica. Um pouco mais à frente, encontrei um posto de bombas de gasolina, do género dos que podem ser apreciados em filmes de perseguição automóvel. Encostei por ali e travei com um genuíno velhote, sentado numa genuína caixa de garrafas de coca-cola, o diálogo mais emocionante da minha vida: So… how are you? I,m fine, Steve. You are from out of town, aren’t you? Yes I am, I’m from Portugal! Where the hell is that? Is in Europe! So, where the hell is that? Is in the other side of the ocean! Damn japanese! Emocionado, verti uma lágrima e despedi-me. Ao fim do dia, parei, montei a tenda e fiquei durante toda a noite a ouvir coiotes e cavalos a trotar e cowboys a praguejar e manadas de vacas em direcção a Kansas City. Mas não estou bem certo. Talvez fosse antes o som de buzinas de camião, como as que se ouvem em filmes como O Comboio dos Duros, ou Perseguição na Auto-Estrada. Já de madrugada levantei-me, olhei em volta, e constatei emocionado que o meu carro tinha desaparecido, tal e qual como no…bem, vocês sabem. Definitivamente, estes eram os dias mais felizes da minha vida. Tive de percorrer então a pé as quinhentas e setenta milhas seguintes, seguido por aqueles maravilhosos pássaros, conhecidos por abutres, que povoam a minha imaginação desde que via aos domingos à tarde os filmes do John Wayne. E atingi então o destino, chegando a Los Angeles. Só então me dei conta de que não me tinha aparecido ao caminho um louco homicida a pedir boleia com um machado, um balde de ácido, ou com longas unhas de aço afiado. Oh well, pensei eu conformado, não se pode ter tudo. Agora que estou de volta vou fazer em casa um pequeno museu, com trezentas e cinquenta pontas de flecha usados pelos índios na batalha de Little Big Horn, que me foram vendidos pelo simpático velhinho das b ombas de gasolina, e quinhentas peças de esqueleto de bisonte que fui apanhando pelo caminho. Mas acho que preciso de descansar bastante primeiro. E como foram as vossas férias?

07/09/04

Campainha, por Cão

A trapalhada monumental que este (des)governo armou contra os professores e os alunos (e, portanto, contra o futuro) consubstancia a degradação da democracia à portuguesa. Apenas três décadas depois do 25 de Abril, o País vê-se devolvido, e aparentemente sem remédio, aos cabeças-de-abóbora, aos botas-de-elástico, e aos lambe-botas-de-elástico. Campeiam a ignorância voluntária, a cegueira ilustre, a desonestidade alegre e a peluda corrupção. As pessoas sérias, por nojo, afastam-se (ou são afastadas) dos lugares de decisão, deixando-(n)os entregues à viscosa lesma da irresponsabilidade.
O senhor Presidente da República não existe.
O senhor ex-Primeiro Ministro foi jogar para o Chelsea.
Quem agora manda é, de Caras, um artigo de Lux que trabalha quanto pode no sentido de fazer desta choldra uma espécie de Disneylândia com campinos e peixeiras. Tenho pena, mas isto é verdade.
Lembro-me vagamente de ter sido professor do ensino secundário. Na altura, havia aulas. Já então, os sucessivos ministros da Educação eram fraquinhos, mas nada permitia supor o pior. E o pior é isto: hoje.
Milhares de professores por colocar, gente casada e com filhos que desconhece a próxima porta, o próximo pão, o próximo dia. Em Lisboa, porém, tudo corre alegremente. Milhares de funcionários jogam às copas no computador. Um senhor a quem, decerto por piada, chamam secretário de Estado vem ao Louriçal desconhecer publicamente a Carta Educativa do concelho. Uma alegria. Entretanto, nada.
Tudo isto tornou o pessimismo coisa sinónima de realismo. Desprezar a Saúde é mau, porque intoxica o País. Desprezar a Justiça é mau, porque injustifica o País. Desprezar a Educação é mau, porque invalida o País. Mas quê, não tivemos a Euroforia? Não arrancámos três medalhas nos Jogos Olímpicos? Não vamos arrancar muitas mais nos Paralímpicos? Não começou já a Superliga para ver quem fica em primeiro a seguir ao Porto? Tivemos. Arrancámos. Começou.
O que não temos, nem arrancamos, nem começamos, é o ano lectivo, esse luxo a que habituámos (mal) crianças, jovens e docentes. Estudar para quê, realmente? Para ser caixa de hipermercado? Para adjunto de ucraniano? Para angariador de rifas de sorteio de cegos? Para arrumador? Para Tó Chico Dependente?
Se o tema me corrói de má bílis, é porque sim. Acredito que o povo mais bem educado e mais bem formado é o povo mais apto a viver em democracia. Por contraste, sei que o povo mais analfabeto é o mais fácil de governar pelos patos-bravos que só acreditam no dinheiro, no roubo, no estupro, na clientela, na prima e no espelho. Se vos pareço danado com o assunto (e com o Governo), é porque estou danado mesmo. Sinto-me mal governado, mal entregue, mal responsabilizado.
Mas se calhar nem é nada por causa da tragicomédia do arranque do ano lectivo. Se calhar, é porque ainda me não devolveram o IRS e eu tinha de dizer mal de alguém ou de alguma coisa. Pronto, já disse. Aula acabada.

03/09/04

A Dor, por Jóta

Ossétia do Norte, Beslan: 150 mortos e cerca de 500 feridos, entre 1500 reféns. Dezenas de crianças mortas. Vi há pouco pela Sic Notícias. Cheguei a casa e procurei na net por mais novidades deste horror. CNN, Reuters, TSF, todos a debitar horror em directo. Mais morto, menos morto, que mundo de merda é este? Porquê? Para quê isto? Para que é que serve o sofrimento humano afinal? Acho que cabe aqui uma justa homenagem a esta tragédia que nos devia angustiar a todos. Afinal, também são traumas e pesadelos. Proponho um pouco de dor por aquela gente, faço a mesma proposta de Munch naquele quadro desesperado e violento que ilustra este texto. Como que horrorizado com o seu próprio lado negro, o seu coração das trevas, a parte mais medonha de uma sua natureza íntima e irresistível, monstruosa. Porquê?

18/08/04

Vinho, por Jottita Maria (com o ajudante Millôr Fernandes)

A fonte do Millôr é inesgotável e genial! E não resisti a acompanhar o repto do porco-bacalhau, colocando aqui uma prosa divinal do humorista brasileiro, sobre um tema que sei apaixonar a maioria da vara: A Binhaça!

Como nasceu o vinho (por Millôr Fernandes)
10/07/2002

«Ao leitor desavisado pode parecer incrível aquilo que vou dizer, mas é a verdade mais pura: houve um tempo em que não havia uísque sobre a face da terra (nem de nenhum outro planeta, ao que se saiba). Nem uísque, nem qualquer bebida destilada, nem qualquer bebida alcoólica de qualquer natureza. Nem mesmo o vinho, fabricado na simples fermentação, pai, ou mãe, de todas as bebidas. Basta dizer que, nessa época inglória e tediosa da humanidade, os homens se reuniam nos bares (que um negociante mais hábil já abrira à espera de que alguém inventasse as bebidas) e bebiam água, a terrível água potável que os próprios compêndios definem como inodora, insossa e incolor. Evidentemente, os mais machões botavam dentro da água escorpiões, pimenta malagueta, e outras especiarias picantes e assim salvavam sua reputação diante da posteridade, chegando mesmo, alguns, a fingir um porre que só os séculos vindouros haveriam de trazer. Um dia, porém, sem que esse tivesse nada de extraordinário, um indivíduo chamado Álvaro saiu de uma aldeia em direção a outra, montado na sua mula de estimação, e, com essa viagem normal e rotineira, entrou para a história pela larga porta dos bares do mundo. Álvaro não era um homem fora do comum, era até meio idiota, mas acontece que a história é feita tanto pelo materialismo dialético quanto pelos acasos que a tecem e a regem. E o acaso era que Álvaro levava na sua bagagem alguns cachos de uva com que se entreter durante a viagem. E, como não gostava da casca nem dos caroços da uva, teve a idéia de gênio de espremer o caldo, apenas o caldo, dentro do cantil. Assim preparado, e daquela forma montado, lá se foi ele pelos caminhos de sempre, no troloc-troloc de todas as mulas. Quis, porém, o destino, que dormisse. E quis mais - que a mula perdesse o rumo. Foram sete dias de caminhadas por lugares ínvios e tropicalíssimos, o debilóide Álvaro nada tendo com que se alimentar a não ser o caldo de uvas que levava no cantil. Estranhamente, porém, a partir do terceiro dia, ele notou que o caldo que levava espumava, mudava de cor e gosto. E que, ao tomar o caldo, ele, Álvaro, se sentia de novo recomposto e pronto para viajar mais 24 horas. Tanto que, quando chegou a seu destino, depois de uma semana, ele declarou logo que, apesar de tudo, fizera a viagem mais maravilhosa de sua vida. Não fora, positivamente, uma bad-trip. Imediatamente, todo mundo quis experimentar a bebida de Álvaro, mas, como a bebida acabasse rapidamente, inúmeros candidatos a bêbedo começaram a percorrer o mesmo trajeto que ele, munidos de alforjes cheios de suco de uva, escondidos embaixo do traseiro quente. E logo a estrada se transformou na maior via turística da Espanha, e a Municipalidade, querendo aumentar a produção do milagroso líquido, transformou a estrada no labirinto mais sinuoso e complicado de toda a cristandade. Uma vez, porém, uma mula, teimosa como todas as de sua raça, resolveu empacar no meio da estrada, ficou uma semana em pleno sol sem se mover do lugar e o dono do animal descobriu, subitamente, um avanço na fabricação da bebida, concluindo que não era a caminhada que a produzia, mas a fermentação através dos raios solares. E aí se inventaram os alambiques. E aí se criaram os vinhos especiais, os álcoois em geral e as aguardentes em particular. E aí vieram as cervejas, as garrafas e as latas indestrutíveis e sem devolução. E aí foi inventada a poluição. Mas isso é outra história.
PS - Por que a bebida se chamou vinho? O homem se chamava Álvaro, como dissemos. Na intimidade, Alvinho. A homenagem foi apenas natural.
MORAL: O verdadeiro toque de gênio do primeiro bêbedo da história foi se lembrar de levar caldo de uva para se dessedentar. Se, por exemplo, tivesse levado leite, o mundo hoje teria que se contentar em se embriagar com coalhadas e ricotas.» (Crónica extraída do livro "Fábulas Fabulosas")

14/08/04

Paris Hilton

Um dos maiores sucessos da internet: o video caseiro da herdeira da cadeia de hóteis, o melhor ícone da pós-modernidade: Paris Hilton. Siga o link, veja o video inteiramente grátis e contribua para a ascensão do Tapor.

08/08/04

O dia dos três Bês, por Bibi

A Confraria Satânica anda dispersa: Trinitá&Bambino banham-se a Sul, Mangas transporta a família, Nestum às voltas com a tese, o Banderas com muito trabalho e o Tinó deve andar nas ilhas gregas. Os outros não sei. Restamos eu e o Mau. Somos apenas dois confrades, mas tivémos ontem um dia em grande. O dia dos três Bês. Ou the BBB day. Bê de birdie, Bê de Bacalhau e Bê de broche. Por outras palavras: golf em Montebelo, tibornada de bacalhau em Tondela no 3 Pipos e até podia ter havido brochada no IP3 se aquela drogada desdentada que costuma estar na curva da Aguieira não se tivesse baldado. Como não estava, poupámos 5 euros cada um.
Em Montebelo, o jogo foi excelente. Experimentámos os tacos novos. Desta vez jogámos à tarde. Evitámos os inconvenientes do golf madrugador e saímos de Coimbra depois de almoço. Começámos a jogar pelas 4 da tarde e acabámos já perto das oito. O campo estava por nossa conta. Pelas sete horas, o Sol começa a esvanecer-se e gera-se magicamente aquela luminosidade coada e amarela. Interrompemos o jogo e espojamo-nos na relva. Silêncio absoluto a toda a volta. Não se vê viv'alma. Sente-se só o cheiro da relva a aliviar-se do calor e o ranger dos pinheiros. Sopra uma brisasinha de encomenda, muito leve. O céu está azul. Ao fundo, o Caramulo. Do outro lado, a Estrela reluzente aos últimos raios de Sol. Se os sinos da torre da igreja da aldeiazinha próxima tocassem uma «Avé Maria», aposto que até o Villaret era capaz de aparecer: Tocam os sinos na torre da igreja, / Há rosmaninho e alecrim pelo chão... etc. etc..
Não sei em que é que o Mau estava a pensar. Eu, cá por mim, no meio daquela rusticidade idílica, pensava: «isto agora ia mas era uma brochada!». Mas não havia putas e poupei masi cinco euros. Havia era passarinhos. A passarada andava num rodopio a aproveitar as últimas horas do dia. E nós ali espojados. No fim, um duche relaxador e fica-se com uma sensação de alma cheia. Estamos com fome e rumamos a Tondela, ao restaurante Três Pipos. Recomenda-se. O ambiente é rústico, familiar e acolhedor. Uma sala pequena, íntima e confortável. Serviço atencioso e competente. Como entradas, colocaram-nos umas tacinhas com uma punheta de bacalhau, polvo ensalsado e favas guisadas com chouriço. Bom, muito bom. O indicado para atenuar a fome. Depois, escolhemos cabrito assado no forno e tibornada de bacalhau. O cabrito estava bom, mas a tibornada estava melhor. Migas de broa com couve galega a acompanhar bacalhau cozido e desfiado. Regado com muito e bom azeite, gratinado no forno em taça de barro. Soube muito bem. Tudo acompanhado por um «Foral Grande Escolha 1998» por 11 euros o que, num restaurante, é preço aceitável. A carta de vinhos é, aliás, muito diversificada e tem de tudo. Desde o «Barca Velha 95» a 380 euros até ao «Pedra da Sé» a 4 euros. No final, sobremesas (eu comi um doce da casa feito de mousse, leite creme, natas, bolacha e noz moída, e o Mau comeu já não me lembro o quê) e café. 20 euros a cada um. Está bem, é um preço justo.
Pelo caminho, falámos de muita coisa. O Mau informou que anda a ler uma biografia de Goya e que este apelido é basco. Falámos de Goya. Por isso e lembrando-me também do post sobre a Olympia de Manet, onde o Grunfo referiu nos comentários como a Maja de Goya infuenciou a tela de Manet, decidi alinhar algumas reflexões.

06/08/04

Junk post nº 2

Advertência prévia:
Para rebentar de vez com as coronárias da dupla de censores Trinitá&Bambino autoproclamados como de fino gosto e autoridades vigilantes da qualidade postal do Tapor. Quando chegarem de férias e digitarem nos teclados www.tapornumporco.blogspot.com, hão-de sentir-se como aquelas famílias cheias de apelidos, como duplos éles e ipsilons nos nomes que foram passar a Páscoa de 74 à Suíça e quando regressaram às herdades viram a malta camarada da UCP a limpar o cu às rendas de bilros, as galinhas a pôr ovo nas mesinhas de jogo de pau-santo, o oratório da avó e o contador indo-português postos na coelheira e o faqueiro de prata a trinchar galinha velha mais os cristais alemães para sorver vinho a martelo. Mas é assim mesmo, o Porco é do povo, o Tapor está em auto-gestão. Como estamos na silly season, seguimos o exemplo do «Público» com aquela nova secção inominável assinada por pseudónimos originais, criativos e engraçados como Liv Vulva e Linda Copolace, e mandamos disparate para a frente. Pedimos desculpa por qualquer inconveniente e recomendamos os posts do Mangas.
Pela Comissão de Trabalhadores:
Sandokan


E agora, o post propriamente dito:
- Já cá vieram os senhores da SIC ou da TVI, ou lá o que eram eles, mas se os senhores quiserem eu volto a contar tudo outra vez.
- Se não se importa. Zé, estás pronto? Ok. Vamos lá então. Pronto. Comece lá então, minha senhora.
- Eu estava aqui atarefada com a lida da casa, quando tive que ir lá abaixo, à loja, comprar um raminho de coentros para pôr nos pézinhos. Ora, sucede que quando regressei, senti um barulho esquisito no quarto. Chamei pelo meu Armando mas ele não respondeu. Fui devagarinho e abri a porta porque ouvi o homem a arfar, a arfar, como se estivesse com a asma, assim com uma gosma muito funda. Quando entrei e acendi a luz da mesinha de cabeceira, foi então que a vi em cima do meu Armando. Apanhei um susto que até dei um salto para trás que até ia caindo, o que vale é que me agarrei ao cortinado. Estava ela, uma brasileira com umas cuecas daquelas muito pequeninas que até se lhe metiam pelo rego dentro e com um sutiã assim de pele de leopardo ou coisa que o valha, posta em cima do meu homem a chupá-lo com tanta força que ele, coitadinho, até estava sem respiração. E ela, a puta de merda, chupava, chupava com tanta força que nem me ouviu. Eu peguei no telemóvel e telefonei para a minha filha mais velha,ela até está a estudar Comunicação Social e casou agora há pouco tempo, e disse-lhe para vir cá depressa que o paizinho dela estava aflito a ser chupado por uma puta brasileira. Ela chegou num instante, foi mais rápido do que o diabo a esfregar um olho. Ela queria ir lá salvar o paizinho. Eu é que não deixei. Sabe-se lá o que podia acontecer. A minha filha chamou logo os bombeiros que separaram a desgraçada da brasileira que deixou a piça do meu homem toda cheia de nódoas negras, cheinha de chupões. O desgraçadinho teve que ir de urgência para o hospital de Santa Maria, que nem podia respirar. Mas a senhora doutora que o atendeu já disse que ele está melhorzinho e se Deus quiser vai ficar bom.
- E teve apoio de alguém? Psicólogo, ou assim?
- Tive sim senhor. Lá isso não me posso queixar. O senhor presidente já foi visitar o meu marido e até lhe deu a Grã Cruz da Ordem de Santiago.

04/08/04

DELÍRIOS de VERÃO (autênticos), por Gajo sem Férias

O doutor Fausto Cruz da Silva andava em campanha eleitoral pela província. Era cabeça de lista pelo círculo de Valença e foi visitar um lar da terceira idade com a SIC e a RTP atrás. A meio do lanche, com os velhinhos arranjados para a televisão, o candidato falou dos anos que levava ao serviço da comunidade.
- Ao serviço da comunidade, o caralho! Puta que o pariu! Que diga que anda há mais de duas dúzias de anos a chupar nas tetas da porca, a engordar a pança. Serviço da comunidade o caralho que o foda...
- Calma, senhor Ambrósio, olhe que ainda lhe dá alguma coisa...
- Calma mas é o caralho, este chulo do caralho vem aqui foder-me os ouvidos com esta merda de paleio de puta e você, sua vaca do caralho, ainda me manda ter calma? Vá mas é para o c....arghhhh...nhec....clak...grrrrr...aghhhh...ufffff....arf..arfff..
- Acudam, está a dar um ataque ao senhor Ambrósio. Depressa, plano 1 de emergência.
E da porta da cozinha, daquelas portas tipo saloon do far-west saem duas gajas em lingerie de pele de leopardo. Da porta das traseiras vem uma loura toda nua com as mamas a abanar (cahalop, cachalop), de trás do cortinado salta uma mulata brasileira com a bunda redonda que se atira ao senhor Ambrósio. Enquanto as da lingerie lhe despem as calças, cumprindo os procedimentos de emergência para estas situações, a senhorita das mamas a abanar afaga-lhe os colhões enquanto a brasileira se apresta para o fellatio recomendado nestas situações. De súbito, a governanta do lar «O Alegre Idoso», licenciada em Serviço Social, solta um grito indignada:
- Pára! Stop! Mas que é esta merda? Uma brasileira? De onde é que você é, minha querida?
- Ué... como assim? Eu sou lá do Nordeste. Porquê? Não presta, não?
- Pó caralho! - berra a governanta - estou farta desta merda. Na receita estava «uma brasileira do Rio Grande do Sul» e estes cabrões trocam-me a receita! O broche tem que ser feito por uma brasileira do Rio Grande do Sul, não pode ser do Nordeste, senão o paciente corre risco de vida!
- Ué! Eu não sabia não. E agora?
- Agora, foda-se! Agora segue em frente, mas vai levar um processo disciplinar!
Apesar deste incidente, o senhor Ambrósio foi salvo. O Presidente Sampaio agraciou a governanta Leontina com a medalha de mérito industrial. E fez um discurso lindo. Na hora da despedida, o presidente Sampaio arrebatou os aplausos da multidão e concluiu o discurso com um pedido dito com a voz embargarda de comoção:
- E tragam-me a taça de Atenas. Já que não ganhámos o Euro, tragam pelo menos a medalha de ouro na modalidade «Save Ambrosio, that great son of a bitch»

23/07/04

Uma Merda Qualquer, por Jota Tózito

(...) Como não tenho assim de repente comezainas dignas de relato e de vinhos não sei teorizar, muito menos polemizar (só se for gratuito, assim tipo o vinho é uma merda e provoca acidentes rodoviários), vou aqui escrever de uma merda qualquer só para cumprir a quota de produção quinquenal do porco. E assim de repente apeteceu-me escrever precisamente sobre uma merda qualquer, que é precisamente a atitude e a natureza da obra que aqui venho comentar. São uns gajos quaisqueres, num escritório qualquer, a dizer umas merdas quaisqueres. Um ambiente “de merda” qualquer. E é hilariante! A coisa chama-se The Office, podia ser vista até há pouco tempo na Britcom da RTP2, e só me admira não ter sido ainda aqui grunhida. Para quem não viu, resumidamente, é um escritório qualquer, numa cidade qualquer na Inglaterra, onde trabalha um jovem bando de gente banal, uma equipa de trabalho, alguns perfeitamente “normais”, mas a maioria deliciosamente ridícula e idiossincrática, onde se realçam os super-cromos, como o chefe, que ele sozinho é uma série humorística. Este contexto é, enfim, o material base desta genial série humorística inglesa, filmada e encenada numa paródia aos reality shows como o Big Brother, a presença das câmaras está lá mas é como se não estivesse e os actores como que “fingem” que as câmaras não estão lá. A intenção é realçar à série a sua natureza de “vida real num escritório”, com um monte de gente que só diz merda. Com um elenco do melhor que há, um mimo, dignos sucessores, os criativos e os actores, do glorioso e terrível gang do Fliyng Circus (E um poste sobre A vida de Brian?). À cabeça, incontornável, o chefe pintas com a mania que tem piada mas sem piada nenhuma mas que acaba por ser o que tem mais piada: David Brent (interpretado por Ricky Gervais, a dançar para o pessoal numa festa de angariação de fundos para caridade na foto afixada neste poste). Um portento de cagar a rir com as suas investidas de charme falhadas, com a sua auto-estima inabalável e a sua ânsia de “animar a malta” e ser popular (ou populista) a contar anedotas de merda e a fazer figuras tristes. Outra figurinha gigante é Gareth Keenan (Mackenzie Crook), empregado do escritório, magricelas e penteado à foda-se dos anos 80 (Limal e assim essa gente), que tem sempre umas saídas fabulosas, principalmente com as mulheres, com a subtileza de um rinoceronte cruzado de Fernando Rocha, e anda sempre rodeado de objectos hilariantes. Na secretária ao lado merece menção ainda o gajo certinho deste filme, o empregado Tim Canterbury (Martin Freeman), talvez o mais afectado pela mediocridade que o rodeia, como adianta o site da série http://www.bbc.co.uk/comedy/theoffice, e que nutre uma irresistível atracção pela loira mamalhuda da recepção, apesar do grunho do namorado desta, que parece passar a vida, de resto, pendurado no escritório da namorada. Esta série, segundo julgo saber, saiu recentemente em DVD, portanto não deve ser muito difícil de encontrar e vale a pena.É um espelho fabuloso. E acho que chega para espicaçar a curiosidade, para ninguém reclamar com o peso e para preencher a Quota do Porco.

19/07/04

Morreu o Euro, renasceu o cinema!, por D. Vito

Nas últimas duas semanas, resolvi actualizar a minha agenda de filmes que ainda não tinha visto e precisava desesperadamente de ver. Foi óptimo. Vi, apenas, os seguintes filmes:



Shreck 2 - Para além de acabar de vez com a lamechice pegada e a moral politicamente correcta dos filmes da Disney – imaginem um casal de ogres que se peida na lama, dá cabeçadas em príncipes bonitos e faz festas malucas ao som dos Chic e do Ricky Martin –, os cenários parecem sonhos arrancados à nossa cabeça de quando éramos miúdos. ****


E a tua mãe também, Alfonso Cuarón - Há neste filme um sentido de humor que tem algo de latino, burlesco e cruel. Uma viagem no México, é também um choque entre a energia de viver e os tabus sociais. ****


Black Hawk Down, Ridley Scott – Ideologicamente pode ser mistificador, com a sua mensagem muito simples: «fazemos isto pelo gajo do lado»... A violência é tanta que chega a ser enjoativo. E os Somalis ganharam a guerra… Mas é uma excelente realização. ***




Red Dragon, Brett Ratner - Um bom filme, mas é o menos bom da trilogia. Deixa na sombra o personagem mais interessante, precisamente, o Dr. Lecter. Não consegue ultrapassar a condição de filme policial, embora seja excelente, enquanto tal. A relação entre o Dragão e a mulher cega é o aspecto mais interessante do filme (remete para Sartre e para a sua poderosa metáfora do olhar). ***



Hannibal, Ridley Scott – Excelente. Uma história de amor com o mesmo encanto da de Shreck, quem diria?*****
 



Elephant, Gus Van Sant – O massacre de Colombine chega ao cinema. Já tinha decorrido meia hora de filme e eu preparava-me para desistir quando, de repente, deu-me um click. É excelente, filma um segmento temporal muito reduzido de uma maneira muito peculiar à luz das diferentes perspectivas dos vários personagens. A mesma cena vista a partir do olhar das várias personalidades que por ali se cruzam. Amoral. ****



Cidade de Deus, Fernando Meirelles - O melhor filme brasileiro que alguma vez me foi dado a ver. Um manifesto de violência, a história da favela que a história oficial nunca faria. A narrativa é brilhante e transcende a linearidade do argumento. *****

11/07/04

Viva a República! O génio não é hereditário, provam-no os vinhos da Filipa Pato! Hoje, vou escrever à Saramago que foi agraciado com o título de doutor honoris causa na universidade de Coimbra. (Na verdade, o post foi alterado alguns dias depois, porque o autor não percebeu o que escrevera). Em sua homenagem vou escrever à maneira do escritor com a testa mais esquisita da história da literatura, talvez só equiparável ao Anatole France que tinha uma cabeça com dimensões incompatíveis com os feitos literários de acordo com os saberes científicos daquele seu ingrato tempo. Fosse tal prova ainda necessária e pela bizarria craniana do genial autor de Memorial do Convento se contestariam as teses de Johann Gaspar Spurzheim, fundador da frenologia, bem assim como de todos os frenólogos que já não existem. Perdoe-me o leitor estas minhas considerações prévias que mais não são do que preparativos para atacar o que no início deixei dito a propósito da república, da hereditariedade, do génio e da estreia enófila da bela filha de Luís Pato, célebre produtor da Bairrada. Ou melhor, das Beiras, caso prefira ter em consideração as divergências do autor da Vinha Pan ,Vinha Barrosa,Vinha Barrio, Quinta do Moinho e outras preciosidades, com destaque para o mítico Quinta do Ribeirinho Baga Pé Franco. Quero eu dizer então que se o génio dos escritores se não mede pela testa, assim também se não avaliará a qualidade dos enólogos pelo apelido de família ou pela formosura do rosto, posto que se assim procedêssemos seguramente a bela flor oriunda de Óis do Bairro nos mereceria os mais elevados encómios. Mas não, e é pena que os vinhos desmereçam a beleza do rosto que os concebe. Fosse esta regra uma das leis do universo e excelentes seriam os vinhos de Filipa, contrastando com os de seu pai. É porém Republicano o Mundo, e assim a qualidade do vinho deve ao génio tanto quanto é alheio à beleza das mãos que o criam.
Espero, aqui chegado, contar com a compreensão do meu caro leitor e agora lhe confidencio que a Real Esseponto do Tinto se deslocou na passada sexta-feira à cidade de Aveiro. Jantámos no Salpoente uma sopa de peixe que não estava má. Para alguns estava mesmo excelente, que não para mim que não vi suplantada a sopa de peixe do famoso e há já muito remodelado Centenário. Tal como a caldeirada que a quase todos agradou, que não a mim, mais uma vez ficando já eu amedrontado por ser tomado do contra. Mas, também aqui, não consegui ver ultrapassada a memória das belas caldeiradas de Peniche. Enfim, bem servidos. Presença marcaram, para além deste cronista humilde imitador e grande admirador de Fernão Lopes nesta tarefa de legar ao futuro marca dos feitos memoráveis, como quem carimba o tempo com as palavras do presente, o nosso Grão, o Mister (que atende pesados telefonemas às 3 da manhã), o Corneiro, o Banderas mais um convidado, o Mau, o Chulé, o Camisa Rosa, o Nini e o Vice. O abstémio Nini ganhou a prova cega com vinho de meia dúzia de euros - um tal de Barroso - que a todos agradou, provando-se como a lição do José Neiva é seguida por outras bandas. Surpresa foi porém, já no final do concurso quando encarapuçados só restavam dois tintos - um destinado à glória do lugar mais alto do podium e o outro a lançar à lama da ignomínia. No momento imediatamente anterior ao desvendar da resultado final, conformado estava o abstémio Nini com o lugar derradeiro que julgava seu, tanto mais que o parceiro na disputa, sabia-o ele, era um Filipa Pato de seu nome Ensaios. Julgo eu, e sabia-o o Nini, pertencente ao Vice, dado que o acompanhou de Coimbra à longínqua Águeda onde, sob generoso conselho, encontrou uma garrafeira disposta a ceder uma garrafa desta estreia da jovem filha do génio de Óis do Bairro. Aí chegados, o garrafeiro informou o nosso Vice que só dispensava a ambicionada garrafa às caixas de meia dúzia, exigência que não convidou o nosso confrade à reflexão, pois que se rara fosse a qualidade do vinho, intensa seria a demanda e doseada a venda. Mas não. Inverso era o que ali se passava e meia dúzia de garrafas comprou o nosso Vice. Com uma garrafita de Barroso se aconselhou o Nini e a adquiriu no mesmo estabelecimento. Voltemos pois à mesa do Salpoente, sabendo agora o leitor que na disputa final entre a glória e a desonra se encontravam dois peregrinos de Águeda: um portador satisfeito da obra de Filipa e o outro desinteressado apresentador de um vinho que o próprio mal conseguia nomear. Lançada estava a sorte e feito estava o escrutínio. Faltava apenas saber a quem seria entregue o troféu do vencedor. Convencido estava o Nini da derrota e discretamente ufano o Vice se antevia já na vitória. E eis que, quando o Mau desencarapuça o último lugar, se desvenda o primeiro por lógica exclusão. Caído o manto se revela o Ensaio de Filipa! Fosse o vinho reflexo da beleza do enólogo que o criou e de outro modo se entenderia este despir da garrafa que assim se exibiu aos olhos incrédulos de todos, provocando a gargalhada incontida do Abstémio e inesperado vencedor, o escárnio de todos os que mais uma vez renovaram a satânica tradição de calcar o vencido e o inconsolável desânimo do vencido Vice que agora se via com cinco indesejadas garrafas de Filipa Pato na bagageira do carro. Garrafas que poucas horas antes formavam um tesouro entretanto desqualificado. Tal é o efeito do juízo dos confrades, inversa alquimia se pode designar, e que por secretas sentenças unanimemente rejeitaram o Ensaio de Filipa, quais carbonários que fulminaram a herdeira do Pato.

02/07/04

'Bora rebentar com o Google

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(post inspirado em Garrafa Vazia Segunda-feira, Abril 26, 2004)

01/07/04

Pele curta, por Cão Maniche: Caniche

Um homem ficou sem gasolina num pinhal muito ermo. Era noite alta. Não havia telemóveis. Entre as árvores, o perdido viu uma luz eléctrica. Dirigiu-se lá. Era uma casa. Bateu à porta. Um homem veio abrir. Vivia ali sozinho. Não tinha telefone. Disse o homem da casa: “O melhor é você dormir aí no sofá da sala, que de manhã logo se vê.” O visitante agradeceu a hospitalidade, mas avisou: “Mas olhe que tenho a doença da pele curta...” O da casa disse: “Homem, isso não me interessa. Você no sofá e eu na minha cama!” E pronto, lá se foram deitar.
O resto da noite foi horrível para o dono da casa. Um cheiro insuportável tornou-lhe o sono impossível. De manhãzinha, irritado e olheirento, ralhou com a visita: “Um gajo oferece a casa e você faz dela uma suinicultura ilegal, gaita!”. O hóspede respondeu: “Mas eu disse-lhe que sofria da doença da pele curta...” E o da casa: “Mas que porra de doença é essa?” E o outro: “Sabe, é que tenho a pele tão curta, que, quando fecho os olhos para dormir, abre-se-me o olho do cu...”
O leitor desculpe. Mas esta anedota, que me foi contada pelo meu máximo amigo Fernando Nabais, é o que me ocorre quando vejo uma das milhares de bandeiras nacionais ao eurovento. Por mais bandeiras que estiquem, não é possível tapar o défice, nem o esgoto a céu aberto, nem o tribunal degradado, nem a escola fechada, nem a impostura dos impostos, nem a Ribeira dos Milagres, nem o futuro.
Nem é pela bandeira ser curta. É por fecharmos os olhos.

23/06/04

Entrevista ao Nosso Primeiro (exclusivo mundial do Porco)

O Grande Chefe confessa: «Eu acho que sim»

Por Jocta Silva das Neves i Mendez Arrazabal Supino i Joselito Antunes (com ajudantes)

Numa altura de conjuntura internacional, o Nosso Primeiro Ministro de Portugal acedeu a conversar connosco, três anos depois de solicitada a entrevista. Tivemos sorte com o timing porque calha em cima do Campeonato Europeu da Bola que, como todos alegadamente sabemos, se realiza no nosso País. Sem papas na língua, cárie nos dentes ou escorbuto nos lábios, o governante falou connosco e para o gravador no seu gabinete de trabalho, com cortinas beje debruadas a folhos azul celeste. E foi assim que aconteceu:

Pergunta: Bem, estamos aqui com o Nosso Primeiro numa entrevista exclusiva, em termos mundiais, para o Tapornumporco. Bom dia, Senhor Primeiro, o que é que acha?
Resposta: Eu acho que sim. Estou perfeitamente convicto que sim.
P: Sim senhor, estamos a gostar da sua frontalidade. Então e sobre o Europeu da Bola? O que é que pensa?
R: Bem, sobre essa matéria, já pedi aos meus assessores que estudassem aprofundadamente o dossier e estou à espera das conclusões. Sabe que estas coisas são muito demoradas.
P: Pois muito bem. E qual é a sua opinião pessoal?
R: Sobre essa matéria penso que temos possibilidades de lá chegar, e a minha mulher concorda comigo. Mas, lá está, também há possibilidades de não termos, por isso há que ser cauteloso nos prognósticos. E é como digo, quando tiver nas mãos o estudo aprofundado poderei responder com outra profundidade. Sabe que estas coisas requerem muito estudo, mas há que ser optimista, temos de ter fé, não é? Pois, eu também acho que sim. De resto, fui ontem à pastelaria ali ao lado do Governo tomar a bica e um pastelinho, e sai de lá convencidíssimo que sim, reforcei esta convicção.
P: Porquê?
R: Fundamentalmente porque o senhor do balcão, cidadão anónimo e como tal insuspeito, concordou comigo. É o pulsar do povo.
P: Concordou consigo em quê, sôtor Primeiro?
R: Nisso, precisamente, que temos todas as possibilidades de lá chegar se tivermos fé.
P: E força na verga?
R: Sim claro, isso também é fundamental.
P: Sim senhor, muito bem. Então e o que é que achou da eliminação da Bulgária?
R: Pois, lá está, são coisas da vida dos búlgaros. Mas estou a gostar muito, está a ser uma festa bonita e estou convicto que podemos lá chegar.
P: Chegar onde?
R: Lá está, é a esse tipo de questões que o estudo deve responder, mas espere aí um bocadinho… Ó Isabel, mande chamar o Chico, se faz favor…
P: Quem é o Chico?
R: É um dos meus assessores… Ó Chico, desculpe lá, vocês já chegaram à parte do Para Onde Vamos?
Chico (assessor): Já senhor Primeiro, por acaso foi logo das primeiras coisas que analisámos, a seguir ao primeiro capítulo, que tratava do De Onde Viemos. E chegámos a conclusão que devíamos ir até onde pudéssemos.
R: Está a ver? Está tudo previsto. Vamos até onde for possível. Não acha que é um bom objectivo?
P: Quem faz as perguntas sou eu. Então e quanto ao país? O que é que acha?
R: O mesmo. Que sim.
P: Que sim o quê?
R: Então, o que é que havia de ser? O mesmo, fé, força na verga e havemos de lá chegar. Não é assim Chico?
Chico (assessor): Exactamente, é precisamente isso que os nossos estudos indicam.
P: E o défice público?
R: Também há-de lá chegar, também há-de lá chegar, temos de ser pacientes. Como dizia o Custer, um bom défice é um défice morto.
P: Isso não é um bocado radical?
R: Talvez, mas eu também não sou o Custer. Seja como for, gosto mais de pastéis.
P: Ah, isso é interessante. E quais prefere?
R: Os de bacalhau.
P: Isso é bom, sim senhor. Então e filmes? Tem ido ao cinema?
R: Epá, não tenho tido tempo nenhum para essas coisas. Pergunte-me outra coisa.
P: Está bem. Já foi infiel à sua mulher? Já alguma secretária lhe fez um broche no seu gabinete?
R: Sabia que a infidelidade é um estado de espírito? Li anteontem numa revista. Quanto aos broches, não, nem pensar nisso, nego tudo, as minhas secretárias não são pagas para isso. Para tratar dessas matérias tenho assessores extremamente competentes. E quando eles estão muito ocupados com os estudos, a minha mulher faz o favor de vir cá ao gabinete de vez em quando, quando é preciso.
P: Sim senhor. E quanto ao aquecimento global?
R: Isso já acho muito mal.
P: Mas o Governo tem feito alguma coisa?
R: Então não tem?!... Muita coisa… Ó Chico, responda aqui ao senhor jornalista.
Chico (assessor): A última medida nesse sentido foi lançar um concurso público internacional para modernizar os aparelhos de ar condicionado nos gabinetes do Governo.
P: Há quem diga, no entanto, que os ares condicionados ainda estragam mais a camada de ozono. O que é que tem a responder aos críticos?
R: Quem é que diz isso? É uma calúnia infame! Ó Chico, tem de ver quem é que anda a dizer essas coisas, devem ser os sindicatos, de certeza. É só fumaça. Aliás, a prova é que ainda há pouco tempo demos um subsídio, substancial, devo sublinhar, à camada de ozono. Basta ver o PIDDAC, vem lá tudo, tim-tim por tim-tim.
P: Desvaloriza, então, as críticas.
R: Eu acho que sim.
P: Gosta de enchidos?
R: Boa pergunta. Olhe, gosto de alheiras.
P: Só?
R: De momento sim. Mas em solteiro gostava muito de chouriço de sangue.
P: E de azeitonas, gosta?
R: Claro, daquelas amargas, muito curadas, sabem?
P: Sabemos. E o que acha das dez mil visitas ao porco?
R: Ah, uma maravilha! Ainda ontem à noite comentei isso com a minha mulher e ela até comentou: "Ó Zé, mas isso é maravilhoso!". Nós concordamos em muita coisa. Eu acho que sim, definitivamente.
P: Obrigado, senhor Nosso Primeiro pela entrevista que nos concedeu. E parabéns pelas cortinas.
R: Obrigado eu.
P: De nada.
R: Ora essa.
P: Por quem sois.
R: Ó Chico, acompanhe estes senhores à porta.
P: Está então optimista?
R: Então mas isto já não acabou?
P: Sim, mas está-se aqui tão bem que pensámos que podíamos ficar mais um bocadinho a conversar consigo. Assim tipo off the record, conversa fiada e tal.
R: Ah, está bem. Ó Chico traga uns tintos aqui para estes senhores, se faz favor, daquele maduro que trouxemos do congresso.
P: Um leitãozito também marchava, se não fosse pedir muito.
R: Ora essa.
P: Por quem sois… A sua secretária é que é boa como o milho. Trata-se bem, o Nosso Primeiro! AhAhAh!
R: Foi a minha mulher que escolheu, se quiserem sirvam-se. Só não faz é broches, que a minha mulher é ciumenta.
P: Vidaço!
R: Tem que ser, é assim a vida. Então mas essa merda ainda está a gravar?
P: Não!!!
P: Então que luzinha é essa?
R: É das pilhas.
P: Ah, é que eu queria contar umas anedotas e com isso ligado não posso, não é? Ficava mal. O que é que tu achas ó Chico?
Chico (assessor): Eu acho que sim Nosso Senhor Primeiro.