31/12/08

Ontem Fui Passear à Baixa - parte II, por Averell D.

Não chegava a foleirice dos enfeites de Natal para estragar a Baixa. Pessoalmente detesto os enfeites de natal com o seu excesso de luzinhas berrantes, rotundas em versão néon dos autarcas que já não sabem o que fazer para contentar o mau gosto do povo. O pior é a música nas ruas. Só quem não passou este natal pelas ruas da baixa é que pode ignorar como aquilo é ensurdecedor. Um gajo nem falar pode, é como a porcaria da música que deram em meter no intervalo dos jogos da bola…
Os jingle bells e os merry christmas do costume sempre me meteram os nervos em franja. Não sei, sinceramente, como é que um desgraçado de um empregado de uma «grande superfície», por exemplo, consegue aguentar o dia inteiro a overdose maciça destas musicazetas de merda sem sucumbir a um ataque de nervos. Eu pensava que a música de natal era má porque era de natal. Agora, ao passear na baixa nesta quadra, descobri que não - que afinal é a própria existência de música nas ruas, por melhor que seja, que me desconcerta.
Entendamo-nos. As músicas que ouvi na Baixa são boas, algumas são até mesmo muito boas… Assim de rajada lembro-me de ter ouvido o Eleanor Rigby dos Beatles (suprema ironia aquele refrão gritado «Ah look at all these lonely people» nesta quadra natalícia do encontro e da comunhão), o The Great Gig in The Sky dos Pink Floyd, o My Way cantado pelo imortal Sinatra ou os fados da Marisa. Não se pode dizer que esteja mal…
Mas intervalar estas músicas com slogans natalícios e com publicidade às lojas da Baixa ainda é pior do que se fossem músicas do Tony Carreira. Aquelas músicas estão descontextualizadas ali, percebe-se que quem as escolheu tem bom gosto, mas que raio, quando eu quero ouvir os Beatles, os Pink Floyd ou a Marisa, não o faço na Baixa, mas no silêncio sagrado do meu quartinho ou no calor de um bom bar… Parece que se perdeu um certo sentido de sacralidade que devia estar associado à música. Como se esta se tivesse tornado numa espécie de irritante banda sonora de fundo em vez de ser, como merecem as músicas a sério, o objecto principal da minha atenção Ainda por cima não havia necessidade de tanta coluna por todo o lado com o volume tão insuportavelmente alto. Fica mal ouvir o John Lennon a berrar-me o Imagine aos ouvidos enquanto montras apocalípticas anunciam a Liquidação Total...
Pic da excelente Adbusters que um dia merecem um post...

30/12/08

A baixa da Baixa, por Baixote

Ontem fui passear na Baixa. Passear na Baixa foi, durante muitos anos, ainda antes da invenção dos shopings, um clássico coimbrinha. Mas a Baixa está diferente, está mesmo muito diferente... Agora salta a olho nu a decadência do pequeno (outrora grande) comércio com as suas montras foleiras que anunciam espantosos descontos de 50 e mais por cento em produtos que não interessam nem ao menino Jesus. E fazem falta os cafés, o Arcádia e a Brasileira, principalmente, agora substituídos por lojas de roupa em «Liquidação Total».
Mas há uma espécie de sublime justiça divina na putrefacção do comércio da Baixa. Chega a ser irónico que alguns comerciantes que nos seus bons velhos tempos tratavam os clientes com um desdém inenarrável venham agora recorrer ao slogan estafado do «atendimento personalizado» como imagem de marca que os diferenciaria dos shopings impessoais que cercam a cidade. Importam-se de repetir? «Tratamento personalizado» é coisa de que esta gente se lembrou quando já foi tarde demais. Mil vezes o anonimato do Fórum ao «tratamento personalizado» que dantes nos davam nas lojas da Baixa. É verdade que mete uma certa pena a desolação em que a Baixa se tornou, mas não deixa de haver uma espécie de justiça irónica nisto tudo.

29/12/08

A Lista 2008 do Mangas, por Mangas

Vocês lêm muito, pá!
Eu só li O Guarda do Pomar do Cormac MacCarthy, agora iniciei o Meridiano de Sangue, também dele; Sopa de Miso, Ryu Murakami - a noite do sexo e dos comportamentos afins em Tóquio, intenso -; reli a Antologia Indispensável da Flannery O`Connor - gosto muito deste livro, destas histórias, decobri-o pela mão do G. -; Insónia, Stephen King - absorvente para quem gosta do género -; Terminação do Anjo, do Daniel Abrunheiro, já aqui falado; E estou também com Os Homens Esquecidos de Deus, Albert Cossery - contos magistralmente escritos com fino humor e miseravel drama sobre a condição humana.

P.S. Na foto essa mulher horrível, repugnante, vulgar, esse «pãozinho sem sal», como um dia foi classificada pelo nosso Mangas...

23/12/08

Os meus livros de 2008, por Jágora

Em resposta ao desafio do Adérito e mesmo não tendo feito parte do círculo original de leitura liceal, aqui vai a minha lista de livros (não todos, mas alguns que me apeteceu destacar) que li em 2008. Alguns são audiobooks ou livros digitais de que se pode fazer download na net, e deixo link para o efeito.

As Cruzadas Vistas pelos Árabes
, Amin Maloouf. Lido de uma penada, o que é sempre bom sinal. Grandessíssimo livro deste escritor libanês, que introduz um ponto de vista refrescante sem ser faccioso sobre as cruzadas e o eterno estado de conflito (sobretudo entre muçulmanos…) no médio oriente.

Letter to a Christian Nation, Sam Harris (audiobook). Uma das figuras de charneira do chamado “novo ateismo” (a par com Richard Dawkins, Dan Dennet ou Christopher Hitchens), uma tendência mais afirmativa de combate e crítica às tradições religiosas e ao pensamento místico ou supersticioso. Do mesmo autor li também este ano O Fim da Fé que, este sim, está editado em Portugal e desenvolve com maior profundidade as suas ideias.

Império, Gore Vidal. Monumental romance histórico nos “bastidores” de figuras de charneira da história dos EUA, como Theodore Roosevelt ou William Randolph Hearst. Nos bastidores da ascensão dos Estados Unidos como incontestada potência mundial.

The Demon Haunted World, Carl Sagan (ebook). Um livro extraordinário que devia ser de leitura obrigatória, como era antigamente a tropa. Ao fim do liceu, zás, o jovem teria uma semana para ler esta obra iluminadora. Li o ebook em inglês mas está traduzido e editado em Portugal pela Gradiva.

A Cidade do Sol, Tommaso Campanella (ebook). Uma obra maior da literatura do Renascimento que qualquer um pode ler aqui. Nesta “onda” também aproveitei para ler, há uns dias atrás, o Utopia de Thomas Moore (aqui), outro livro que muito aconselho, sobretudo quando o autor debate a vida e o mundo com o sagaz aventureiro português Rafael Hitiodeu.

Uma História da Guerra, John Keegan. Uma obra monumental de um dos maiores historiadores militares da actualidade. O autor inglês vai às raízes antropológicas, sociais, políticas e culturais do fenómeno da guerra e da agressividade humana. Um tratado incontornável.

Walden, de Henry David Thoreau (audiobook acessível aqui que é um sítio onde há milhares de audiobooks fantásticos). Mais um livro sonoro, mais uma pérola da literatura e do ensaismo universal. Uma apologia da vida simples e da sintonia com a natureza. O relato cativante e inspirador de uma experiência de vida (dois anos de auto-suficiência numa cabana remota) de um dos mais influentes autores norte-americanos do século XIX.

Terminação do Anjo, Daniel Abrunheiro. Sobre este já escrevi ali mais para trás no Tapor.

Da (in)Humanidade da Religião, Raoul Vaneigem. Um livro furioso do pensador belga para arrasar com os misticismos que escravizam a mente humana. Leitura estimulante.

Mais Platão, Menos Prozac, de Lou Marinoff. Um dos livros mais estimulantes que li este ano. Marinoff é um dos expoentes de uma nova “corrente” da Filosofia, eventualmente mais próxima do quotidiano dos homens (e das mulheres). Há quem lhe chame “mais prática”. É precursor da cada vez mais popular “filosofia de aconselhamento”. Um excelente livro de estímulo ao gosto por uma disciplina do saber cada vez mais desprezada até nos currículos escolares. Recorrendo aos clássicos, o autor desce da “torre de marfim” e mostra numa linguagem acessível ao comum mortal a importância que o pensamento filosófico pode ter nas nossas vidas.

Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller. Obra interessante e de leitura muito agradável (ideal para tardes de praia). O título diz quase tudo, só não diz que é também uma compilação de reflexões em registo auto-biográfico. Um must para quem é devoto do autor.

Sobre Humanos e Outros Animais, de John Gray. Um autor bastante polémico que questiona aqui a ideia de progresso acarinhada pelo humanismo secular dominante na cultura ocidental. O filósofo inglês tenta reflectir criticamente, enfim, acerca do que é “ser humano”. Aconselha a reduzirmo-nos à nossa insignificância animal e a uma existência dedicada à contemplação. Um livro poderoso e controverso. Excelente e desconcertante leitura.

A Marioneta e o Anão, de Slavoj Zizek. Uma excelente compilação de ensaios ácidos sobre o cristianismo. Reitero o que disse o Adérito acerca do filósofo esloveno (quem não conheça pode começar por aqui).

Do Fanatismo – O Verdadeiro Crente e a Natureza dos Movimentos de Massas, de Erich Hoffer. Um ensaio muito aconselhável e ainda, ou cada vez mais, oportuno (foi escrito numa altura em que fascismos e comunismos despertavam maiores extremismos) de um grande livre-pensador norte-americano do século XX.

Iluminações e Uma Cerveja no Inferno, Arthur Rimbaud. Uma tradução de Cesariny para uma excelente edição bilingue da Assírio&Alvim de duas obras fundamentais de Rimbaud. Uma espécie de “testamento espiritual” do escritor francês. Leitura obrigatória e compulsiva. Está aqui o essencial da produção do poeta maldito francês.

Sobre a Liberdade, John Stuart Mill. Li finalmente este clássico incontornável de um grande pensador liberal inglês. Grande leitura.

As Onze Mil Vergas, Guillaume Apollinaire. Um colosso da literatura porno-erótica. Sadismo e sangue a rodos para alegrar os menos impressionáveis. Uma escrita soberba, na linha do também colossal libertino Marquês, para um estilo (literário e de vida) proscrito.

O Papalagui, excelente tradução de Luiza Neto Jorge (Antígona) para esta deliciosa recolha de impressões de um chefe tribal do Pacífico Sul (Samoa), de seu nome Tuiavii, acerca dos homens brancos ocidentais e dos seus costumes no início do século XX. Impressões que permanecem actualíssimas.

Baudolino, Umberto Eco. Outro finalmente. Um livro a todos os títulos magnífico. Um passeio pela história, uma epopeia fantástica e de uma imaginação delirante, apoiada em factos, mitos e lendas da época medieval. Um livro que se devora com prazer.

Fundação e Império, Isaac Asimov, terceiro volume do magistral ciclo Fundação. Mais uma prova, a juntar às Crónicas Marcianas citadas anteriormente pelo Adérito, que a Ficção Científica está longe de ser um género menor.

Gente Independente, Halldór Laxness. Uma obra maior do maior escritor islandês. Um romance extraordinário, de uma vitalidade telúrica cativante.

Estaline A Corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore, provavelmente A Biografia definitiva do ditador soviético. Uma viagem fascinante e rigorosa pela vida de Estaline e dos seus colaboradores mais próximos no Kremlin. Voando sobre um ninho de cucos.

Einstein e Buda Palavras Comuns
, Uma obra curiosa e de agradável leitura, que coloca em evidência as similitudes (algumas impressionantes, realmente), entre as ideias de gente como os físicos modernos Einstein, Max Planck ou Niels Bohr, e antigos preceitos budistas.

Ninguém Escreve ao Coronel, Gabriel Garcia Marquez. Releitura. Um regresso que confirmou a grandeza deste “livrinho” do escritor colombiano.

O Coração das Trevas, Joseph Conrad (audiobook). Outro regresso, desta vez ouvido entre viagens no seu original inglês. Um livro perturbador que continua fascinante.

Contra as Pátrias, Fernando Savater. Uma obra maior do escritor e pensador basco, um livro essencial que parte da realidade pluri-nacional espanhola e da luta independentista basca para a realidade maior e daninha dos nacionalismos.

Global Trends 2025 – A Transformed World. Um bocado fora do contexto, mas não deixa de ser um livro e não deixa de ter sido das leituras mais interessantes do ano. Um documento elaborado National Intelligence Council dos Estados Unidos, que congrega todas as agências de segurança e inteligência do país. Projecções para os próximos 20 anos que ajudam a perceber melhor o mundo em que vivemos. Acessível aqui.

Ps: Não sabia com que havia de ilustrar o post, por isso resolvi enfeitá-lo com uma gaja boa, que é sempre um bom enfeite e fica bem com qualquer coisa.

Hoje Fui às Compras de Natal Com o G., por Pê Agá

Para a vítima comum do «espírito natalício», esse vírus funesto que dá nas pessoas por esta altura do ano e que as leva a entupir, compulsivamente, os centros comerciais, o Natal é uma encasinação dos diabos. Lido diariamente - lidamos todos - com dezenas de pessoas que se mostram natalícios por fora e completamente à toa por dentro, enquanto zunem com inenarráveis listas de presentes de natal para 10, 20, 30 ou mais pessoas. Para o Abílio um livro (mas de que livros é que ele gostará?), para o Zeca um dvd (mas sei lá agora que género de filmes é que ele vê), para o sr. Soares uma camisola (usará gola alta? Gostará de preto?), para a Francisca um pompom (mas que sei eu de ponpoms, porca miséria?) and so on... Fazer uma lista de compras de natal para uma multidão é sempre, o cabo dos trabalhos, por mais que digam contrário.

Mas isto é para o comum dos mortais. Não para o G. O G. é um animal à parte que criou uma espécie de imunidade ao sacana do «espírito natalício». Hoje fui fazer compras de Natal com o G. e acreditem que para ele não tem nada que saber. O gajo entra na loja de vinhos do V., põe em fila indiana em cima do balcão umas 10 garrafas de tinto, pede um saquinho natalício para cada uma e prontos, tá resolvido o problema das compras de natal. Assim é fácil: 10 pessoas, 10 presentes, 10 garrafas de tinto, não tem nada que saber.Também, notou o V., você só dá vinho, só dá vinho... Nem ao menos uma aguardente velha, para variar...

22/12/08

A Minha Lista 2008, por Adérito



O hábito já vem do velho Liceu D. Maria. No final do ano, mais ou menos por esta altura, a malta juntava-se e elegia os melhores discos e livros que tinha ouvido e lido durante esse ano. O Cão era imbatível na lista de livros: ele lia sempre dez vezes mais que todos os outros e ainda hoje deve ser assim. A seguir vinha o Zebu que com o tempo se tornou num inveterado bibliófilo. Depois a lista dos livros que lemos no ano em cada ano que passa começou a ser postada aqui no Tapor, para desespero dos O. Malvados que acham que«estes gajos não têm mais nada que fazer». Já aqui foram publicadas, em anos anteriores, as listas das leituras da malta. Eu retomo de novo essa sã tradição e aqui vai a lista dos livros que eu li em 2008. Sobre alguns até fui escrevendo aqui no Tapor. Outros não porque não calhou ou porque, como diz o Octávio Malvado, tenho mais que fazer. E os vossos? Chovam as vossas listas que isso dá posts. Aí vai disto, a minha singela lista de leituras de 2008: 

Vladimir Bartol – Alamut. Adorei este livro! Uma obra prima.

Phillip Roth – Todo o Mundo. Este foi dos melhores que li em 2008...

Esteban Martin e outro gajo cujo nome não me recordo - A Chave Gaudi. Nem sei porque é que cheguei ao fim deste livro. Deve ter sido por causa da informação acerca de Gaudi, da sua arquitectura e da sua ligação ao hermetismo.

Umberto Eco – A História do Feio. Mais uma obra de consulta que outra coisa. Nesse género é muito interessante.

Olivier Rolin - O Cerco de Cartum. Asa. E não é que gostei?

Slavo Sisjek – Bem Vindo ao Deserto do Real. Uma obra incontornável de um pensador marcante da Filosofia contemporânea. O estilo ecléctico deste escritor esloveno que mistura cinema, psicanálise, filosofia política e literatura é uma pedrada no charco na era do pensmento especializado.

Luís Adão da Fonseca – D. João II, Círculo de Leitores. D. João II é uma das minhas personagens históricas favoritas. O livro só peca por execessivo academismo. Deveria ter sido depurado, tendo em conta o mercado alvo.

Don Delillo – O Homem em Queda. Este faz parte da lista dos que não cheguei a ler. Desisti, apesar das referências elogiosas.

Fernando Campos – A Esmeralda Partida, Difel. Uma obra prima. Um escritor Palop mas ao contrário.

Fernando Campos – O Prisioneiro da Torre Velha, Difel. Outro grande livro de um dos maiores escritores portugueses vivos... E o mais ignorado de todos os grandes, sem dúvida.

James Reston Jr. – Os Cães de Deus, Bertrand. Um exemplo de como se escreve história de uma forma não maçuda para o grande público.

Fernando Campos – O Lago Azul, Difel. O último livro de Fernando Campos está longe se ser o seu melhor.

Martin Page, A Primeira Aldeia Global, Casa das Letras. Mas como é que os ingleses conseguem falar da nossa história de um modo tão cativante?

Arturo Perez-Reverte, As Aventuras do Capitão Alatriste - Limpeza de Sangue, Asa. Regresso ao meu persoangem favorito de romances de capa e espada. Qual D`Artagnan?

Luís Miguel Duarte – Aljubarrota, Crónica dos anos de brasa, Academia Portuguesa de História, 2007. O contrário do livro de Adão da Fonseca. Um bom exemplo de como se escreve história para nós, os leigos.

Mário Domingues – Grandes Momentos da História de Portugal, Fundação Nacional Para a Alegria no Trabalho, 1958. Um regresso ao passado e ao «publicista» Mário Domingues. E no entanto, há um lado romanesco na escrita deste homem que acaba por valer a pena. A questão é: ciência ou ficção?

Fernando Campos, A Ponte dos Suspiros, Difel. E se D. Sebastião tivesse sobrevivido a Alcácer Quibir e regressado a Portugal?

Vírgilio Ferreira, Em Nome da Terra. Move-se nos mesmos territórios tenebrosos de um Roth ou de um Sartre, mas não tem a garra do primeiro nem a lucidez tranquila do segundo.


J. Lucas Dubreton, Os Bórgias, Círculo de Leitores. Uma péssima tradução. Mas teve o mérito de me chamar a atenção para a saga desta família. A coisa não parou aqui e a seguir li: 

Mário Puzo, A Família, ed. Bertrand. Brilhante! Vale a pena ver o filme que estreou em Portugal este ano e comparar com a versão de Puzo. O filme não chega à densidade do livro. 

Miguel Delibes, El Hereje, Ed. Destino. Uma revelação. Um grande livro de um autor que, infelizmente, não está traduzido entre nós ( e estão à espera de quê?).

Isabel La Católica - Não me lembro do autor, ando em arrumações cá em casa e não vou perder meia hora a procurar o livro. Para quem quiser saber da vida de uma das figuras mais importantes da História de Espanha. Eu quero.

Ray Bradbury, Crónicas Marcianas. E ainda há quem diga que a FC é um género menor?

Machado de Assis, O Alienista. Delicioso!

Theresa M. Schedel de Castello Branco, Na Rota da Pimenta, Presença. Um documento pedagógico sobre a História grandiosa ( e sanguinária) dos nosso vice-reis das Índias e muito mais.

Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Uma das obras primas de um dos grandes da língua brasileira. Assis prende-nos até quando não se passa nada!

Laurentino Gomes, 1808, Planeta. A saga da corte portuguesa em fuga para o Brasil dos exércitos napoleónicos.

Vários - Carlos V, El Pais. Apanhei-o num alfarrabista. Muito pedagógico acerca da colonização espanhola da América e sobre o imperador Carlos V.

Ballester – Daphne e Chloe. Outro que não consegui ler, eu que tenho magnífico D. Juan do mesmo autor como uma opbra prima absoluta! Ainda tenho que fazer a lista dos livros que tentei e não consegui ler em 2008. Uma vergonha é o que é...

Reverte, O Sol de Breda. De novo a saga do valente capitão Alatriste! É apanhá-los, aos livros da saga, e devorá-los. É o que fazem nuestros hermanos. O capitão Alatriste é um mega sucesso em Espanha.

Mário Vargas llosa, O Paraíso na Outra Esquina. Gauguin e uma activista francesa: o paraíso no outro lado do mundo e a revolução...

Leon Tolstoy, A Morte de Ivan Ilitch. Uma pequena grande obra prima da literatura russa! Um clássico.

Hermann Melville, Bartleby + Agamben , Ensaio sobre Bartleby. O que é mais escandaloso - ue eu nunca antes tenha lido o Bartleby de Melville ou Agamben?


Giorgio Agamben – A Ideia da Prosa. Um conjunto de textos brilhantes. Agamben é um grande filósofo, é notável a forma como retoma a grande tradição ontológica de Aristóteles a Heidegger. 

Giorgio Agamben – A Comunidade Por Vir. É a partir da identidade que se cria o conflito. A vantagem do ser qual quer. Ainda a política pensada a partir da ontologia.


Machado de Assis, D. Casmurro. Eu era capaz de ficar a ler Assis durante anos mesmo que ele não tivese nada para dizer. Como é que se pode escrever com esta frescura? 

João Ubaldo Ribeiro – Diário do Farol. O farol: metáfora de Lícifer (o que traz a luz). Paradoxalmente, um livro negro. Ubaldo Ribeiro é uma bofetada contra a literatura académica e moralista.

Idem – A casa dos Budas Ditosos. Um dos melhores livros porno-eróticos que alguma vez li!


Idem – Viva o Povo Brasileiro. Fiquei a meio da obra prima de Ubaldo Ribeiro, em grande parte, pela dificuldade da linguagem. É que há ali páginas escritas em dialectos brasileiros que, pura e simplesmente, são chinês para mim... 

Vários – Os 100 Melhores Contos Brasileiros do Séc. XX. E olhem que há por aqui muita coisa mesmo muito boa...

António Sarabia – A Taberna da Índia, Asa. O mexicano Sarabia não é um grande escritor, mas é um escritor competente que sabe contar uma história sem descurar o necessário rigor histórico.

E agora saiam as vossas listas para serem postadas no Porco e guardadas para a posteridade. Vá lá. Fazemos posts com as listas de quem quiser. E não pagam nada...

18/12/08

Russofobismo, por Russofubu

Da mesma forma que duas mãos cheias (?) de génios criadores não fazem da Idade Média uma era de conhecimento e inovação, também duas mãos cheias de grandes artistas ou cientistas não fazem da Rússia uma referência de criatividade e sabedoria. Um Dostoievski não faz a Primavera e a Rússia apesar da antiguidade ainda é um pais politicamente incipiente e culturalmente segundo-mundista.

Os prémios Nobel, já agora, são uma batata mas também um bom indicador do grau de maturidade/produtividade intelectual de um país. É evidente que pode ser discutível, este critério, mas não tenho dúvidas de que é um indicador de qualquer coisa daquele género. Por exemplo, uma comparação do tipo guerra-fria: Os Estados Unidos têm 309 e a Rússia 22 (menos que, por exemplo, a Grã-Bretanha com 114, a Alemanha com 101, a França com 57 ou a Suíça com 25). Se pela produção intelectual se mede a maturidade cultural e criativa de um “povo”, então a Rússia é um adolescente - os países islâmicos serão catraios ranhosos, como aquelas pessoas que envelhecem mas não crescem. O que se torna mais estranho, dada a dimensão e os recursos do país, eventualmente à escala dos EUA ou maior.

A resposta para a disparidade criativa está, naturalmente, no campo da política, e sobretudo no campo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A Rússia é, antes de mais, um país democraticamente muito imaturo, mais imaturo do que Portugal e mais imatura até que a generalidade das novas repúblicas africanas pós-colonialismo – neste aspecto a Rússia “beneficia”, em termos de maior estabilidade social, de uma maior antiguidade enquanto estado nacional. Mas de facto, a experiência democrática russa tem pouco mais do que uma década e é extremamente deficiente e traumática. Como se o povo russo, depois de séculos de czares, imperadores vermelhos e pensamento único, tivesse sido formatado para a tirania. É óbvio que não, e que a persistência secular de uma administração estatal extremamente centralizada e autoritária, que o actual czar pós-estalinista Putin perpetua, é um factor determinante para que a democracia e as liberdades cívicas e económicas não floresçam. Mas a julgar pela popularidade maciça de Putin e do seu politburo de fiéis devotos do KGB (porque não existem ex-KGB’s), questionamo-nos realmente acerca da apetência democrática daquela gente.

Acho até que os chineses, precursores do chamado capitalismo de estado (sistema que o Kremlin está a tentar abraçar atabalhoadamente) lá chegarão mais depressa, à democracia de estilo liberal, às liberdades e a uma globalização mais ética e sustentável. Tenho a impressão, por exemplo, que os líderes chineses, apesar de tudo, são menos dogmáticos e mais pragmáticos, cada vez menos ideológicos. A China sonha com uma futura Era de Ouro, a Rússia sonha com uma era passada que só foi de ouro para as chefias e para a tropa.

As eleições presidenciais norte-americanas foram, a propósito, um banho e uma lição de vitalidade democrática e de como uma sociedade tão complexa, enorme e plural como é a norte-americana consegue mudar de rumo sem sangue nem revoluções.

Por tudo isto e mais alguma coisa, a Rússia, a par com o terrorismo, sobretudo islâmico, e os desastres naturais, é uma das grandes ameaças ao nosso futuro comum. É um país com mentalidade de cerco, sedento de replicar glórias equívocas, com gravíssimos problemas internos - do envelhecimento populacional à decrepitude das infra-estruturas civis e militares, passando pelo alcoolismo, uma riqueza gerada e distribuída ao estilo saudita e pelo crime organizado - e, como sempre, uma miragem de estado de direito. E é a segunda maior potência nuclear do mundo. Com um controle muito duvidoso desse arsenal. Tudo isto parece muito dramático e se calhar a realidade não é assim tanto e sou eu que tenho mentalidade de cerco, mas vem isto a propósito de uma notícia mais ou menos esquecida de 2008, lembrada pela revista Foreign Policy, numa lista de factos importantes do ano que passaram mais ou menos despercebidos. A propósito do “cerco” energético russo à Europa, em que caímos que nem uns patinhos, cantando e rindo. A propósito de gás e a propósito das zilionárias recentes investidas do Kremlin, por via das suas empresas estatais, em África. Sobretudo no Norte de África e em investimentos em infra-estruturas que, a vingarem os negócios, farão com que a Europa (toda a Europa, incluindo Portugal) esteja quase totalmente dependente de torneiras russas.

E se algo corre mal? E se algo semelhante à Georgia ocorre na Ucrânia? E se os polacos e os eslovacos e os checos e toda essa gente que já conheceu os russos mais de perto se envolvem? E se a coisa alastra? Que pode a Europa, ou a Nato, fazer perante um cenário de guerra regional ou mesmo perante uma agressão russa? Népias, zero, nada, não nos podemos mexer porque os homens cinzentos de Moscovo têm as mãos nas torneiras e podem paralisar a Europa num fósforo…

Não sei porquê, deve ser por gostar tanto de história, mas este tipo de notícias deixa-me perturbado.

17/12/08

Política de Retrete, por Sanita Jalomé

Zita Seabra é um dos exemplos mais claros do estado de aviltamento a que chegou a política em Portugal. Politicamente a Zita é um híbrido, um cruzamento entre a volatilidade da enguia e a resistência da barata. Um espécime artificial que se caracteriza pelo facto de sobreviver nas mais adversas condições, deslizando com agilidade de habitat político para habitat político, até encontrar aquele que mais a favorece. Assim foi quando resvalou do PC para o PSD, verdadeiro salto mortal da coerência; assim foi quando, não fazendo a mínima ideia do que é o distrito de Coimbra, aceitou ser candidata a deputada por este círculo eleitoral; e assim foi, agora, quando trocou a sala nobre pela casa de banho do Parlamento.

Refiro-me ao caso que agitou o país na semana passada (quer dizer, não agitou tanto quanto devia, agitou à medida da amostra do país apático que é o nosso) das faltas dos deputados à sessão parlamentar de sexta feira passada, véspera de fim de semana prolongado. Zita, soube-se então, veio esclarecer, muito indignada, que no seu caso não faltara à sessão parlamentar em que se votava a proposta do CDS de suspensão do modelo de avaliação dos professores. Não, nada disso: ela não é desses que vão de fim de semana à sexta à tarde ao arepio dos seus deveres de deputados! Ela até assinou o ponto e tudo...

O que se passou foi outra coisa, explicou: como não está de acordo com o voto da sua bancada que subscrevia a moção do CDS e não quis infringir a disciplina partidária, o que resolveu a zita fazer? Assumir corajosa a frontalmente a sua convicção e votar, em coerência, de acordo com os seus príncipios, em desacordo com a orientação do seu partido? Fazer uma declaração de voto na referida sessão em que justificasse a sua posição, o que não seria, aliás, mais que cumprir o dever de qualquer deputado da nação? Não! Não, nada disso - a zita resolveu sair no momento da votação para ir à casa de banho!
Uma pessoa ouve esta merda e nem quer acreditar... É mau de mais, é chocante! Não é só a atitude, já de si, medíocre, é, ainda por cima, a total ausência de discernimento e, já agora, de vergonha, em vir assumir uma cobardia deste calibre como se fosse motivo de orgulho!

Talvez o termo zitice passe a entrar no léxico da língua portuguesa para designar este tipo de atitude menor. Por exemplo, quando uma pessoa falar mal de outra nas costas desta, agora sempre podemos dizer simplesmente para essa pessoa se deixar de zitices. Ou quando, num restaurante, chegar a hora de pagar a conta e se reparar que há um alguém que ficou com uma vontade estratégica de ir à casa de banho, sempre podemos dizer: ó manel, pá, deixa-te lá de zitices e paga, ao menos, um euro prá gorja. E por aí adiante, são muitas as ocasiões que o quotidiano nos oferece para praticarmos zitices.

Ficamos então a saber que segundo a ideia que a dona zita tem da nobre missão da política, quando um deputado tiver convicções incómodas, o que deve fazer não é defendê-las com frontalidade. Não: as convicções contra a corrente têm, segudo a senhora, o seu espaço próprio, precisamente, o WC. Se a moda pega qualquer dia as sessões parlamentares passam a decorrer na casa de banho em vez de decorrerem na sala nobre. A sanita e o bidé em vez da cadeira nobre do parlamento! - eis uma boa imagem da degradação a que chegou a política em Portugal. Com deputados como a zita, meus amigos, a política já se transformou em portugal numa grande, infecta e malcheirosa sanita de uma vulgar casa de banho.

10/12/08

Atenas está a arder! por Hefestos

Como é óbvio a dimensão da guerra civil que está agora a ocorrer nas ruas da capital helénica, já nos tinha feito pensar que os gregos não protestam só por causa da morte (grave, claro) de um jovem por um polícia. O caso em referência foi apenas o catalisador de uma enorme tensão que se acumulou, como nitroglicerina, no interior da sociedade grega. Afinal, porque protestam os gregos encabeçados por jovens universitários armados de pedras e cocktails molotofs?

Percorro as notícias dos vários jornais e ouço/leio algumas das razões dos protestos: a política anti-social do governo que agravou nos últimos anos o fosso entre ricos e pobres (como cá, penso...); o desemprego crescente (como cá); a corrupção dos políticos (como cá) e a ineficiência da Justiça que não pode ou não lhes quer chegar (como cá); a protecção descarada dada pelo Governo aos bancos atulhados de lucros (como cá) cujos balcões foram dos primeiros a ser atacados no centro de Atenas; o ataque à escola e as políticas de educação do governo (COMO CÁ!) - os professores gregos entraram numa greve de proporções inéditas recentemente. Durou meses- os docentes iam-se revesando para poderem aguentar; o desinvestimento no ensino superior (como cá) que levou estudantes e professores universitários à vanguarda desta luta.

É impossível não vermos na situação helénica um espelho do portugal socretino e das suas políticas: ataque continuado à educação e à escola pública; apoio escandaloso aos bancos privados e ao grande capital, insensibilidade social permanente como imagem de marca (confundida com uma ideia mentecapta de autoridade). Também cá o que vemos é corrupção, desleixo e mediocridade da classe política; descrédito total da «classe» política (vidé o extraordinário caso das faltas ao Parlamento dos deputados e as desculpas esfarrapadas dos responsáveis ou o famigerado caso da licenciatura de socras, as reformas chorudas dessa gente, etc, etc, etc). Também por cá estamos perante uma Justiça que não chega aos poderosos, os quais ainda por cima se safam com indemnizações chorudas; também por cá assistimos à destruição lenta e penosa do sistema nacional de saúde e à privatização gradual e sistemática daquilo que devia ser a missão do estado (mas parece que não, parece que a missão do Estado é, afinal, proteger as grandes fortunas investidas nos BPP); também por cá assistimos ao desinvestimento no ensino superior que asfixia lentamente.
Ainda por cima, por cá, não sei se por lá, temos um primeiro ministro que reage a tudo isto com o riso pateta de quem não está bem a ver a dimensão do que o rodeia. Parece um lunático que vive num mundo de fantasia que só existe na sua imaginação - o Portugal do choque tecnológico, da ciência e do progresso, das grandes obras públicas, do «rigor», da «autoridade», do fatinho Armani, valha-o Deus...

Há uma diferença, claro, entre os casos grego e português. O Governo grego é conservador e é o PS de lá quem está na oposição. Ca é ao contrário. Mas isso só torna mais grave a política dos xuxialistas nacionais que, no nosso país, levam a cabo políticas que são precisamente o contrário do seu património histórico/ideológico e, mais que isso, são políticas mentirosas porque o que foi referendado em eleições era, precisamente, o oposto. Deviam era ter vergonha na cara, pê-esses a fingir!

Podiam ao menos aprender alguma coisa com a guerra civil de Atenas... Mas não: a julgar pelas declarações autistas e pelo sorriso parvo do primeiro ministro, parece que as políticas actuais são para prosseguir, alegremente. Qualquer dia admiram-se que o mesmo se passe em Portugal. Eu não, já não me admiro de nada nesta amostra de país. Tivéssemos ao menos um décimo da capacidade de indignação dos gregos - porque também não era preciso tanta, digo eu - e as coisas seriam muito diferentes.

09/12/08

Alônzí – Coisas Boas e até Bestiais para Prendinhas e Pedrinhas no Sapatinho dos Pés-Descalços, por Cão

– No fundo, no fundo, sou uma mulher como as outras– disse-me ela.E eu confirmei que sim, enquanto lhe fazia o serviço.Uma coisa muito boa das culturas multimilenares, como a China(“o comando é Mao”), é a gente entrar nos armazéns dos chineses e encontrar a oitenta cêntimos embalagens de dez lápis muito bons para sublinhar as culturas e os milénios e assim.

Toda a gente gastou já manhãs inteiras a solfejar o primeiro farrapo de música ouvido ao acordar. Aconteceu-me hoje, dia da Imaculada Concepção da Virgem Maria, com o Agosto em Portugal, do senhor Roberto Leal. Mas também bloguei logo a coisa para não ser infeliz sozinho.Hoje é feriado católico cá na república laica.E somos todos muito praticantes quando é feriado, pois não somos?


As putinhas casadas gostam muito mas mesmo muito por fora dos livros que vêm nas revistas por mais só 9,99 euros por terem lombadas (os livros) a cores que ficam a matar na única estante do living , logo atrás do retrato do corno com os filhotes.


O Natal é bestial para se perceber a casa pia que Portugal é: um menino nu entre um burro e uma vaca à espera que o crucifiquem não tarda nada.Um efeito evidentíssimo do carácter nefasto da globalização? Allons-y a ele: a insuportabilidade do James Blunt ser igualzinha às do João Pedro Pais, do André Sardet, do Represas e do Abrunhosa.


Na estação de serviço, uma moçoila de minissaia e blusa mostra-refegos servia-se de gasóile. Azar: gorda como uma gamela de unto, só lhe faltava um autocolante da PROBAR na nádega esquerda.O desespero a conta-gotas cura-se a litro.(Depois destas prendinhas-pedrinhas, não hesiteis em, infra, voltar para Portugal em Agosto com os nossos emigrantes. Allons-y!)


Casa, Souto, e Pombal, manhã de 8 de Dezembro de 2008

03/12/08

Assim Não Dá, Porra!, por Cegueta

Hoje foi dia de greve de professores. Não é necessário mais que, simplesmente, ter olhos na cara para se perceber que a adesão à greve foi esmagadora, mesmo em escolas que nunca ou raramente aderiram a outras greves no passado. As taxas de adesão andaram entre os 90 e os 100% . Os sindicatos contabilizaram cerca de 132 000 professores em greve num universo de 140 000. Nunca se viu coisa assim e isso foi claro no pulsar das cidades e vilas de Portugal.Um olhar atento às escolas às moscas à nossa volta, às notícias e reportagens da comunicação social, ao trânsito, insolitamente fluído para uma quarta feira, às próprias declarações dos responsáveis do ministério que admitem ter sido a greve «significativa» (inédito!), até aos jornais oficiais do governo pê-esse como o JN e o DN, bastavam para se perceber que é verdade: a adesão foi esmagadora.

No entanto o governo continua a querer negar a evidência... Para não destoar, aliás, do que é a sua prática corrente. Segundo o secretário de Estado da Educação, valter lemos, que falou à hora do almoço, a taxa de adesão às 11h da manhã era de 61%. Um gajo não acredita, não pode acreditar, isto é mentira e das descabeladas. Como é possível avançar-se com um número tão desfasado da realidade (ainda por cima com o pormenor rídiculo do «60 e 1», parecem os preços dos produtos dos hipermercados que custam 29.99 e assim)? O Blog A Educação do meu Umbigo (http://educar.wordpress.com/) explica como são feitas pelo ministério as contagens das adesões às greves nas escolas:

«Às 9/10h telefonam para as escolas a perguntar quantos Professores estão em greve a essa hora. E depois fazem as contas da % em relação ao total de Professores da Escola. Muitos entram às 10h ou mais tarde e alguns nem têm actividades lectivas hoje.Por exemplo, às 9h na minha escola só 23 Professores teriam aulas. No entanto, houve mais de 50 que fizeram greve, só que eles só contaram com estes 23!!! Além disso, parece que também contam com os que estão de baixa , de licença de maternidade, ou seja o total de Professores da Escola .»

Assim se explica que às 11 da manhã o secretário valter tenha vindo para as televisões anunicar os 61% (que ainda assim coinsiderou ser um número «significativo»!) e que, no balanço final, ao fim do dia, o ministério tenha confirmado os mesmos 61%. Ou seja, segundo o secretário valter e o seu colega pedreira, das 10 da manhã até às 6 mais nenhum prof fez greve!É claro que este método de contar as adesões é desonesto. Se houvesse um pouco de decência as coisas não eram feitas desta maneira, porque aquela gente sabe que isto não é sério.

Deixemos agora de lado a questão central, que é a de saber quem tem razão no meio desta guerra. Esta forma de actuar, revela um padrão, um modo de estar, uma prática e uma «filosofia» que têm sido recorrentes desde que socras chegou a primeiro ministro e resolveu, por razões propagandísticas, ofender, humilhar, apoucar e insultar toda uma classe profissional. Ainda há quem se admire não ser possível dialogar com esta gente? Mas como é que se dialoga com gente de tal quilate? Em vez de enfrentarem com coragem e honestidade a realidade que lhes entra pelos olhos adentro, eles teimam em negá-la e, de cada vez que o fazem, colocam mais mil professores em luta... Há alturas em que a negação da realidade é tão flagrante que já nem pode ser considerada mentira: só pode ser compreendida no âmbito da patologia. Pensando bem, isto nem mentira é. Tem outro nome, um nome clínico: isto, meus senhores, chama-se esquizofrenia!

02/12/08

O Meu Amigo Gourmet, por Zé Manel dos Ossos

Poucas pessoas se podem gabar de ter um gourmet entre os respectivos amigos. Quero dizer: um verdadeiro gourmet. Não me refiro às várias espécies sucedâneas de adeptos de boa comida como o gastrónomo, o bom garfo, o alarve ou o amador da culinária. Não, refiro-me mesmo ao gourmet que é, de entre todas as espécies de cultores do prazer da comida, o guru por excelência. Todos os meus amigos são fanáticos da boa comida, verdadeiros ogres de restaurante, tasca e afins. São todos alarves e a maior parte deles é mesmo bom garfo. Existem alguns amadores de culinária, embora raros. E há até um de nós que, desconfio, é um gastrónomo. Colecciona guias de restaurantes, está actualizado em matéria de vinhos, sabe os nomes dos principais chefs dos antros nacionais da comida e sonha, sonha mesmo, isto é tem sonhos, em que está no El Buli ou no Maxim. E ainda sabe fazer cabecinhas de leitão com cebola ao ponto crocante.

Mas goumet, gourmet a sério só o P.P. O que o distingue de todos os meus amigos alarves, como eu, não é a pulsão da comida que tem em comum comigo e com todos os outros. Não, por aí não há grande diferença. E embora saiba muito destas coisas, mais que nós todos e até que o G. que é gastrónomo, a grande diferença entre ele e nós é que ele gosta de cozinhar e sabe fazê-lo como ninguém. É por isso que, de entre todos os meus amigos, o P.P. é o único que merece o título de gourmet: ele é o único que alia o gosto, o saber e a saber-fazer numa só pessoa.

Neste fim de semana tive a grata oportunidade de merecer um convite do P.P. para almoçar lá em casa, um almoço de degustação preparado por ele ( acho que a razão do convite se deveu ao facto do Glorioso ter apanhado 5 na pácom uns gregos quaisquer a meio da semana. Assim ele tinha a garantia de gozo enquanto cozinhava, duvido que ele me fizesse o convite se o resultado fosse o mesmo mas a favor do Benfica). Começámos a almoçar à 1. 30 da tarde e acabámos por volta das 5.30, noite dentro, portanto. Passei o almoço entre a cozinha e a mesa da sala de jantar a apreciar o espectáculo que é vê-lo cozinhar. Ele explicou-me a excelência dos produtos, a arte dos pormenores - como a utilização de flor de sal com pimenta no foie gras, em vez de sal - e a sensibilidade dos timings certos na cozinha. Acho que nunca tinha estado tanto tempo numa cozinha, mas gostei imenso. Comemos um camarão de Moçambique preparado num molho especial à base de laranja acompanhado com uma salada magistral; seguimos para um foie gras directamente confeccionado por ele a partir de um inteiriço peito de pato (transmutação mágica o inestético peito transformar-se em foie gras) seguimos por um risoto divinal acompnhado com bifes de pato. No final fechámos com queijos e gelado. Um espumante 3B Filipa Pato abriu as hostilidades e casou-se divinalmente com o camarão. Seguiu-se um branco Riesling que pessoalmente muito apreciei, apesar de algumas críticas do nosso gourmet e fechámos com um Termeão tinto (Campolargo) que, sendo excelente, não confirmou toda a enorme expectactiva que nele depositávamos. Tudo isto servido num irrepreensível serviço de mesa com os copos, os pratos, os talheres comme il faut. Touché!
No fim do almoço?, lanche?, jantar?, fui para casa dedicar-me ao nobre desporto do jiboianço, praticamente até ao dia seguinte, feriado da restauração nacional. Quando se é amigo de um gourmet a sério, até o jiboianço é de alta competição.

30/11/08

O Manelito, porque As Vacas não São Sagradas


Ontem à noite o Canal 2 ofereceu-nos duas experiências cinematográficas fascinantes. Na habitual sessão dupla dos sábados, sucederam-se o “Belle Toujours” de Manoel de Oliveira e o “Magnólia”, de Paul Thomas Anderson. Foi como se tivesse colocado dois opostos lado a lado. O primeiro é dos objectos mais inanes da história da sétima arte, algo tipo filme série z- armado ao cagalhão; o segundo, bem pelo contrário, é uma obra a todos os títulos notável. O primeiro é o milionésino quarto filme e meio de um realizador quase centenário; o segundo é um dos primeiros filmes de um jovem cineasta; o primeiro comete a proeza de transformar Michel Piccoli num actor medíocre; o segundo comete o feito de transformar Tom Cruise num actor extraordinário. E por aí fora.
O facto de se terem sucedido um ao outro, enfim, foi particularmente interessante porque acentuou o contraste. E sobretudo porque acentuou o barro dos pés do “gigante” português. Já andava para escrever aqui alguma coisa sobre o Oliveira há muito, a propósito de gigantes pequenitos, como o Saramago que levou nas trombas ali para trás algures aqui no tapor – ressalvo aqui, no entanto, uma diferença fundamental entre os dois ícones da cultura portuguesa: Saramago sabe escrever, escreve bem e escreve livros realmente interessantes, não é isso que ponho em causa; já em relação a Oliveira, quanto melhor conheço a obra mais duvido da competência artística.
O mesmo canal 2 tem oferecido todos os sábados uma obra de Oliveira e tenho feito o esforço (com ênfase no “esforço) de ver ou rever a obra daquele a quem alguns chamam “mestre”. Para perceber, sobretudo, se a minha aversão antiga ao universo Oliveira era fruto de preconceito. Cheguei à conclusão que não era. Os filmes do homem são mesmo intragáveis, o que adensa o mistério em torno da aclamação que às vezes parece unânime, pelo menos entre uma certa comunidade cinéfila alegadamente mais intelectualizada e dada a cinematografias mais “densas” ou “alternativas”.
“Belle Toujors”, que pretende ser uma sequela/homenagem ao marco “Belle de Jour” de Bunuel, sintetiza em certa medida as “qualidades” do cinema de Oliveira, pelo menos aquele que tenho visto nas últimas semanas, e sobretudo aquele em que o realizador é também argumentista (quando a Agustina entra em campo, é certo, a qualidade sobe de tom). O resultado balança entre o trágico e o cómico, com diálogos e situações completamente inverosímeis e patéticas (a conversas entre o protagonista e o barman são de uma idiotice antológica!), duma superficialidade intelectualóide confrangedora, uma teatralidade rígida e vulgar, onde abundam os clichês e os simbolismos de pacotilha e encenações museológicas e cristalizadas.
Ver o “Belle Toujours” inspirou-me basicamente dois tipos de reacção: a repulsa e a gargalhada. E confirmou o carácter enigmático da popularidade do velho cineasta, cuja centelha de génio, digo eu, que se calhar não percebo nada disto, se esgotou no excelente Aniki Bobó. Seja como for e dada a dimensão mitológica da criatura, vou continuar a sofrer, perdão, a tentar perceber a lenda Oliveira. No próximo sábado à noite lá estarei à espera de um sinal, de uma centelha de talento, de algo que me desminta.

27/11/08

Timor-Leste A ilha insustentável, por Pedro Rosa Mendes, especial para O Público

Pedro Rosa Mendes, é escritor e jornalista, correspondente da Lusa em Timor, onde está radicado há cerca de dois anos. É o autor de Baía dos Tigres, romance marcante, traduzido em várias línguas e cuja leitura, o Porco aconselha vivamente. Pedro é um cidadão do mundo, uma daquelas personagens únicas que não param quietas e que nenhuma minudência, seja a insegurança, seja o perigo, consegue impedir de bisbolhotar. Pedro esteve na Índia, no Paquistão, em Zagrebe debaixo das bombas da Nato, na Guiné do Nino e do Kumba a apanhar com morteiros em directo, na Serra Leoa apocalíptica ou em Angola refèm de criminosos. Nos últimos anos, como disse, esteve em Timor, como correspondente da Lusa. Agora publicou este texto no Público que aqui reproduzo, com a devida vénia. O balanço final da estadia em Timor Leste? Tirei-o daqui, podem ir lá ver, ou podem simplesmente lê-lo aquino Porco: http://jornal.publico.clix.pt/magoo/noticias.asp?a=2008&m=11&d=25&uid=&id=285450&sid=56191
Com a devida vénia, aqui vai disto, fala quem sabe:


Timor-Leste A ilha insustentável
Pedro Rosa Mendes, especial para o PÚBLICO
Este é o retrato implacável de uma realidade que não podemos continuar a fingir que não existe. Estas são algumas das verdades, duras como punhos, sobre um país que sonhou ser diferente - e nos fez também sonhar
1. Timor não é um Estado falhado. É pior. Falhou o projecto nacional idealizado há uma décadaEm nove anos de liberdade, Timor-Leste não conseguiu assegurar água, luz e esgotos para a sua pequena capital. Baucau, a segunda "cidade", é uma versão apenas ajardinada da favela que é Díli, graças à gestão autárquica (oficiosa) do bispado.O resto, nos "distritos", é um país de cordilheiras que vive o neolítico como quotidiano, longe do mínimo humano aceitável. Chega-se lá pelas estradas e picadas deixadas pelos "indonésios". Há estradas principais onde não entrou uma picareta desde 1999.O bem público e as necessidades do povo são ignorados há nove anos com um desprezo obsceno. O melhor exemplo é a companhia de electricidade: durante cinco anos, a central de Díli não teve manutenção de nenhum dos 14 geradores - todos oferecidos -, até que a última máquina de grande potência resfolegou.O Hospital Nacional Guido Valadares, onde se inaugura esta semana instalações rutilantes, não teve até hoje um ecógrafo decente nem ventiladores nos Cuidados Intensivos. Não há um TAC no país (embora custe o mesmo que dois dos novos carros dos deputados); a menina timorense com que Portugal se comove teve o tumor diagnosticado pelo acaso de um navio-hospital americano que lançou âncora em Díli. A taxa de mortalidade infantil é apenas superada a nível mundial pelo Afeganistão. A mortalidade pós-parto é assustadora. Entretanto, cada mulher timorense em idade fértil tem em média 7,6 filhos.Circulam entre diplomatas e humanitários os "transparentes" de um relatório do Banco Mundial que conclui que "a pobreza aumentou significativamente" entre 2001 e 2007 (um balanço arrasador do consulado Fretilin, porque o estudo usa indicadores até 2006). Cerca de metade dos timorenses vive com menos de 60 cêntimos de euro por dia e, desses, metade são crianças. Timor é um país rico atolado na indigência, onde os líderes se insultam por causa de orçamentos que ninguém tem sequer unhas para gastar.2. A "identidade maubere"é uma ficção dispendiosaA identidade "nacional" do espaço político timorense não existe, como explicam os bons historiadores, que sempre referem no plural os "povos" de Timor. Sob o mito do "povo maubere" existe um mosaico de dezena e meia de entidades etnolinguísticas que se definem por oposição (em conflito, separação, desconfiança, distância) ao "outro", mesmo em aliança. O "outro" de fora, ou o "outro" de dentro. É um tipo de coesão circunstancial e oportunista que morre com o conflito, engendrando a prazo outros conflitos, em ciclos de calma e crise numa ilha com paradigmas medievais.A gesta "maubere" produziu, finalmente, uma inversão cronológica. A RDTL é uma cristalização política de uma sociedade que teve alforria de Estado antes de construir uma identidade que o sustentasse.A filiação de cada timorense continua a ser à respectiva "uma lulik" (casa sagrada) e às linhagens que definem outros territórios e outras leis que não passam por ministros, juízes nem polícias, mas por monarcas, oligarcas e chefes de guerra. É isto que os líderes tentam ser - ou, de contrário, não são.3. O Estado independente é sabotado pelas estruturas da resistênciaO Estado timorense funciona. Não significa, porém, que produza algum resultado, exceptuando a Autoridade Bancária de Pagamentos, única instituição onde a aposta na localização de quadros e a recompensa do mérito fizeram do futuro banco central um oásis de probidade nórdica.As estruturas operativas do país são paralelas, oficiosas e opacas. Vêm do tempo da resistência e não houve coragem ou inteligência para as formalizar no jovem Estado.Um caso óbvio é o dos veteranos das Falintil que não integraram as novas Forças de Defesa (FDTL). Em 2006, foi a 200 desses "civis" que o brigadeiro-general Taur Matan Ruak recorreu num momento crítico de sobrevivência do Estado. O Estado-Maior timorense está, porém, a contas com a justiça. Se passar da fase de inquérito, talvez o processo das armas e da milícia "20-20" abra um debate que devia ter acontecido antes. O lugar das "reservas morais" tem de ser formalizado, sob pena de não haver linha de separação entre patriotismo e delinquência. O major Alfredo Reinado ilustrou, de forma trágica, a facilidade deste salto.As estruturas paralelas, porém, não são exclusivo do sector de segurança. O ex-comandante Xanana Gusmão não esconde que a Caixa, a rede clandestina de "inteligência", continua activa. As fidelidades, mas também os reflexos e atavismos da resistência, continuam em vigor. A "velha" voz de comando é, por vezes, a última instância e, mesmo em Conselho de Ministros, o último argumento é por vezes o voto de qualidade por murro na mesa.José Ramos-Horta, diasporizado das Falintil e do mato até 1999, não tem cão mas caça com gato. O chefe de Estado, em linha com os símbolos maçónicos debruados nas suas camisas, é desde há dois anos o segundo "pai" da Sagrada Família. É uma sociedade fundada em 1989 pelo comandante Cornélio Gama "L7", que evoluiu para uma combinação algo mística de grupo religioso, partido político e milícia justiceira. Foi "L7", com a bênção de Xanana Gusmão, que apresentou a candidatura de Ramos-Horta à Presidência em Fevereiro de 2007, em Laga. Vários elementos da Sagrada Família integram a guarda do chefe de Estado.A República timorense é limitada e sabotada pela recorrência do ocultismo, apadrinhamento, vassalagem e mentalidade de célula. No entanto, se não fossem as redes informais de confiança e de comando, por onde passam também os códigos de fidelidade e os valores de grupo, a RDTL já teria implodido.Versão moderna dos Estados dentro do Estado: a última contagem, confidencial, dá conta de 350 assessores internacionais junto do IV Governo Constitucional.4. A estratégia dominante na sociedade está tipificada no Código Penal. Chama-se extorsãoA simpatia pela "causa" timorense estagnou num ideal de sociedade e de pessoa que é desmentido pela frustrante experiência quotidiana. Ignorância, trauma, miséria e negligência, polvilhados com os venenos da complacência, paternalismo e piedade, banalizaram comportamentos de rapina, desonestidade, egoísmo e má-fé. A solidariedade, a generosidade e a gratidão estão em minoria. O que é marginal ou criminal noutros sítios faz, no Timor de hoje, catecismo nas repartições, nos negócios, no mercado, no trânsito, no lar.A "liderança histórica" reina sobre um país intratável, em passiva desobediência civil, que pensa e age como se todo o mundo lhe devesse tudo e como se tudo estivesse disponível para ser colhido, do petróleo ao investimento e à atenção internacional. A cobiça e a inveja social infectam a esfera política, social, laboral e até familiar. "Aqui todos mandam e ninguém obedece", para citar um velho timorense educado em princípios que deixaram de ter valor corrente no seu país.A "estabilidade" actual é comprada com um Natal todos os dias. Tudo é subsidiado, desde o arroz ao combustível, com uma chuva de benesses e compensações a um leque impensável de clientelas e capelas. A sociedade civil, digamos, é uma soma de grupos de pressão que recebem na mesma moeda em que ameaçam com incêndios e pedradas, desde os deslocados aos peticionários ou aos estudantes.Todo esse dinheiro nada produz. Algum sai para a Indonésia, que os novos-ricos timorenses consideram um sítio mais seguro para investir. O que fica compra motorizadas e telemóveis. A Timor Telecom vai fechar o ano com 120 mil clientes na rede móvel, 12 por cento da população, uma taxa ao nível de países com o triplo de rendimento per capita do timorense.A maioria dos timorenses não paga o que consome: água, electricidade (por isso o consumo aumenta 25 por cento ao ano, um ritmo impossível de acompanhar por qualquer investimento nas infra-estruturas), casa, terra, crédito, arroz. Este modelo de pilhagem e esbanjamento é insustentável na economia, na banca, na ecologia, na demografia e, a prazo, até na política.5. A ocupação indonésia foi implacável e a líderança timorense desmantela com zelo o que restava: a dignidadeO gangster mais conhecido do submundo de Jacarta nos anos 1990 - o timorense Hércules - é, hoje, o dono de obra no melhor jardim da capital. Os condenados por crimes contra a humanidade, como Joni Marques, da "Tim Alfa" (pôs Portugal de lenço branco em Setembro de 1999 com um massacre de freiras e padres), voltam às suas aldeias com indemnizações por casas que foram queimadas, enquanto eles estavam na prisão.Na Comissão mista de Verdade e Amizade (CVA), foi a parte timorense, perante a surpresa indonésia, que tentou conseguir uma amnistia geral para os crimes de 1999, com uma persistência de virar o estômago.O relatório da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), uma monumentae historica de 24 anos de dor em sete volumes, espera há três anos a honra de um debate no Parlamento. Duas datas estiveram marcadas em Novembro, mas, nos bastidores, os titulares políticos tentam obter uma prévia sanitização das recomendações da CAVR.Mari Alkatiri, Xanana Gusmão e José Ramos-Horta, ao sectarizar a memória da violência, desbarataram o capital obtido à custa de duzentos mil mortos (incluindo os seus entes queridos). A herança do genocídio é aviltada na praça como capital de risco e como cartão de visita. O resultado é uma distopia moral, um abismo de proporções tremendas em que se afunda um país cuja soberania teve, afinal, uma legitimidade essencialmente moral no seu contexto geográfico e histórico.Os mortos são a parte nobre de Timor, merecedores de tributos em rituais, lutos e deslutos. Mas nesta terra de cruzes, valas comuns e desaparecidos, não houve ainda a caridade de 200 mil euros para instalar um laboratório de ADN que permitisse, enfim, devolver os ossos ao apaziguamento dos vivos.A injustiça e a impunidade são valores seguros em Timor-Leste.6. Timor fala todas as línguas e nenhumaTimor é uma ficção lusófona onde a língua portuguesa navega contra uma geração culturalmente integrada na Indonésia, contra a geografia, contra manipulações políticas internas e contra a sabotagem de várias agências internacionais. A reintrodução do português só poderá ter êxito com a cumulação de duas coisas: firmeza política, em Díli, sobre as suas línguas oficiais; massificação de meios ao serviço de ambas.O Instituto Nacional de Linguística tem 500 dólares de orçamento mensal (exacto, seis mil USD por ano).Na "Babel lorosa'e", como lhe chamou Luiz Filipe Thomaz, não se fala bem nenhuma das línguas da praça (tétum, português, inglês, indonésio). Uma língua é a articulação de um mundo e do nosso lugar nele. Perdidos da gramática e do vocabulário, uma geração de timorenses chegou à idade adulta e ao mercado de trabalho sem muitas vezes conhecer conceitos como a lei da gravidade, o fuso horário ou as formas geométricas, apenas para dar exemplos fáceis.Aos poucos bancos com balcão em Díli (três) chegam projectos de investimento estrangeiro cujos planos de amortização não prevêem mão-de-obra timorense ou que contam os timorenses como peso-morto na massa salarial, ao lado de operários ou técnicos importados que responderão pela produção. 7. "Entrar nas Nações Unidas é ficar politicamente inimputável"Diz um diplomata que gosta do teatro de sombras javanês: "A ONU em Díli está em sintonia com os dirigentes timorenses. Todos fabricam fantasmas: o grande estratego, o grande diplomata, o grande guerrilheiro. Se não fosse assim, as máscaras cairiam e seria um grande embaraço..."A UNMIT, uma das missões mais caras da ONU, afunda-se penosamente no mesmo vazio moral da liderança timorense. Três mil funcionários, polícias e militares, uma massa crítica formidável que poderia ser um contrapeso à incompetência e à insensatez, são esmagados pelo cabotinismo carreirista do chefe de missão, Atul Khare, e de acólitos que acham bem em Timor aquilo que jamais admitiriam nos seus países desenvolvidos. "Entrar nas Nações Unidas é ficar politicamente inimputável", explicou um alto--funcionário da UNMIT.8. Não há nenhuma bandeira de Portugal no mar de TimorNão há interesses portugueses em Timor-Leste, porque não há condições objectivas mínimas para fazer vingar qualquer interesse mensurável. Não, decerto, pelos critérios que vigoram em qualquer outro lado. Seria bom que isto fosse entendido pelos nossos responsáveis políticos. Portugal concedeu mais de 440 milhões de euros de 1999 a 2007 em ajuda ao desenvolvimento a Timor-Leste, que consome quase metade do bolo total da nossa cooperação.Continuando uma tradição portuguesa, as projecções pós--imperiais e os fascínios com sucessivos aprendizes de Mandela ganham precedência sobre as informações que chegam dos operadores económicos no terreno. "Mas você nunca ouvirá um governante português dizer nada contra Timor", dizia, este ano, à mesa do café, um governante português de visita.9. "Tudo ainda não aconteceu"A ferida feia no corpo de Ramos-Horta, quando o Presidente jazia numa poça de sangue depois de levar dois tiros de cano-longo, é um buraco tão fundo como a vergonha da nação. A ressurreição do profeta-Nobel criou um cristo gnóstico mas as chagas, nesta terra dilacerada, já não fundam religiões com a facilidade com que há dez anos fundavam Estados.Díli, como um circo máximo de gladiadores, fervilha de jovens empurrados para a luta. Não têm emprego, educação ou perspectiva. Alguém lhes diz: "Não sois bandidos. Sois guerreiros." Mas dos aswain, os heróis das montanhas timorenses, resta-lhes a coragem física, um retalho de rituais dispersos por grupos rivais e a intransigente sacralização do seu território. Uma mistura inflamável para toda a nação. "A resistência continua mas agora sem rumo. E, sem rumo, só faz merda", diz o ex-assessor de Ramos-Horta para a Juventude José Sousa-Santos."Tudo ainda não aconteceu", avisava um "espírito" antepassado, pela voz de uma menina de Ermera, no Natal ainda inocente de 2005.Díli, Novembro de 2008

25/11/08

Conversas em Família, por Quem Vê Tv

Tudo neste país cheira a mofo. Até a propaganda do regime é bafienta. O programa de televisão Prós e Prós (ou Contras, como eles dizem) é o mais fiel retrato da indigência mental e da desonestidade intelectual e propagandista ao serviço do governo. Num país decente, um programa como este, há muito que já estava banido da televisão pública para dar lugar a um verdadeiro espeaço de debate de ideias. O último episódio desta triste saga, acerca do modelo de avaliação de professores imposto pelo governo, é um exemplo paradigmático do que afirmo.

A começar pela apresentadora, impreparada, inculta, medíocre... A sra Fátima Pereira fala por cima dos seus convidados, corta-lhes o raciocínio, usa a mais elementar técnica de confusionismo quando lhes faz 4 perguntas seguidas -contei-as eu no programa de ontem - sem permitir as respostas devidas a cada uma delas, trata pelo nome os participantes que estão do lado contrário ao seu e pelo títulos os que estão do seu («a rosário gama e o sr. secretário de estado, o mário nogueira e o sr. secretário de estado», repetiu ao longo do programa), passa por cima de afirmações importantes que urgiria esclarecer, opina quando devia ser neutra, limita-se a assanhar ou a separar, pensa com chavões, enfim, desculpem-me o termo, esta senhora tem um desempenho que, como diria o paulo bento, «mete nojo». É lamentável que se preste a este papel, mas o pior é que ela é tão fraquinha, mas tão fraquinha que às vezes dá a impressão de que nem se apercebe da figura que faz.

Depois é a escolha cirúrugica dos convidados: começa pela ausência de figuras centrais que se tenham destacado no debate em causa - Paulo Guinote, Santana Castilho, Nuno Crato, por exemplo, deviam ser incontornáveis. Em alternativa escolhe-se um Aires Almeida, cheio de boas intenções, mas que se limita a meia dúzia de fórmulas radicais e nervosas que prejudicam, mais que favorecem a causa dos professores que seria suposto representar. Deixam-se de fora órgãos oficiais - o Conselho de Escolas , o CNE, outras confederações de pais que não a CONFAP que recebe chorudos subsídios governamentais.
Em vez disto estavam no programa uma storas presidentes de conselhos executivos que representaram os cerca de 20 Professores Socialistas que estão a afavor do modelo de avaliação do governo. Uma tia loura presidente de uma escola qualquer veio falar na cultura de escola da «minha escola»; uma Armandina de um conselho executivo que já não me lembro de onde era e que veio confessar-se assustada com o horrível clima de «intimidação física» em que vivem os cerca de 20 Professores Socialistas que defendem o governo e que são mostruosamente ameaçados pelo grosso dos seus colegas hooligans ( a intervenção desta senhora foi, aliás, de uma irresponsabilidade total porque se foi ameaçada só tem que dizer por quem, onde, quando e em que termos e apresentar queixa e não lançar a atoarda em geral). Agora, o que é chato, descobriram-se umas intervenções da senhora no isento órgão de informação oficial xuxialista o Acção Socialista... E ainda tivemos que gramar com uma sra especialista em ciências da educação - uma praga que devia ser varrida dos gabinetes do ministério da educação para bem do ensino neste país - que mais não fez que auto-promover-se num pedestal criado por ela própria (eu, eu, eu)... Tudo pensado: a «moderadora», os participantes de um e outro lado, tudo num nível próximo do zero.

Num país estragado pela qualidade medíocre e sem vergonha dos pê esses que nos governam, tudo isto bate certo. A propaganda em vez do debate, a confusão em vez do esclarecimento e sempre, mas sempre, a noção clara, de que o que é preciso é convencer o povo. Zé socras nunca esquecerá Souselas nem o braço de ferro a propósito da co-incineração que o fez passar, praticamente, de cola cartazes do pê-esse a primeiro ministro do país. É preciso percebermos que a guerra da avaliação nada tem a ver com os professores: eles são as vítimas, simplesmente, o bode expiatório de socras para tentar ganhar as próximas eleições. Quando faz ar de mau, não é a eles que socras e milu rodrigues se dirigem: o alvo é outro, a populaça que não grama os profes. Mas talvez se enganem, oxalá o tiro lhes saia pela culatra.

20/11/08

Ratazanaria, por Cão

Para vos dizer ao que esta semana venho, tive de inventar a palavra que dá título ao arrazoado da crónica: ratazanaria.Ratazanaria, entendo-a como a altanaria dos pobres de espírito. Manuela Ferreira Leite percebê-la-á como ninguém, sobretudo esta semana. Atiraram-se (e continuam a atirar-se) à garganta da senhora por causa daquelas palavras relativas à suspensão, por um semestre, da “Democracia”. São ataques ratazaneiros, os de dentro como os de fora.A líder (?) do PSD quis ser figurativa, metafórica, irónica, lateral, cotejante, graciosa, fina, melíflua, entrelinear. Tramou-se. Ou querem tramá-la.É um pouco triste, a ratazanaria de dentro do PSD: como se nunca tivessem ouvido os dislates pançudos do Jardim madeirense, as catilinárias higiénicas do Macário algarvio, as rés-chãs atoardas do Menezes gaiense, as irrelevâncias passarinheiras do Santana urbi et orbi.Triste é também a ratazanaria do PS: terão eles ouvido alguma vez os inenarráveis éditos de um tal Manuel Pinho, ou a crustácea metafísica de uma (in)certa Maria de Lurdes, ou as teixeiradas do senhor Santos das Finanças, ou, ainda, os histriónicos embaraços mariolinológicos? Hmm?Eu já sei o que vai acontecer em breve: o que vai acontecer é o Passos Coelho. Está tudo a fazer-se para ele. Incapaz de uma ironia, inapto para a brincadeira, fisicamente próximo do semblante nova-oportunidade, menino de muita jota-ésse-dê propedêutica, rapaz de razoável quilate vocálico, Passos Coelho is the way.O problema é que, Coelho ou Leite, o PSD, em 2009, perde sempre. A não ser que fosse possível adiar os votos por, digamos, seis meses. Aí, assim, talvez: afinal, há quantos anos andamos a viver uma Democracia adiada de facto?

18/11/08

Por Qué No Te Callas? por Estupefactum

Numa altura em que o governo socretino está em apuros, apertado por todos os sectores de opinião esclarecida do país; precisamente naquela que é talvez a pior semana de um governo em completo desespero em virtude da sua irresponsável e mentecapta teimosia política a propósito da sua política de educação, eis senão quando a líder do PSD vem lançar um inesperado balão de oxigénio. O doente agonizante, ligado à máquina suspirou de alívio momentâneo com as «bizarras»(Luís Filipe Menezes dixit), bizarras não, graves mesmo, declarações de Manela Ferreira Leite. A senhora «não vê possibilidades de reformas em democracia» e declara, sem corar de vergonha, que dava jeito era «parar 6 meses a democracia, para pôr tudo na ordem e retomar a seguir a dita cuja». E ainda se queixam de que a senhora passa muito tempo calada? Para dizer barbaridades que tais, ela não devia era abrir a boca...

14/11/08

Terminação do Anjo, por Leitor Intermitente

O último livro do Abrunheiro é como a Coca Cola do Pessoa. Primeiro estranha-se, depois entranha-se.

Entrei mal na obra. Talvez porque não tenha uma relação fácil com a poesia em geral – gosto apenas de alguma pouca em particular, mais por falta de disponibilidade que por aversão, é daquelas coisas que estou a guardar para a velhice porque pressinto que são preciosas demais para se desperdiçarem em idades sem tempo para as verdadeiras preciosidades. Mas seja como for a poesia nunca foi o meu território literário de eleição. E o último livro do Daniel é, digo eu, um poema disfarçado de romance.

Comprei um exemplar no lançamento, abri-o expectante na primeira noite e confesso que comecei por não gostar. Custou-me a entrar naquele emaranhado de palavras exóticas. Demasiado palavroso, demasiado estiloso, demasiado objecto indeterminado, demasiado ovni. Resultado, o mecanismo da leitura padrão emperrou. Pelo meio (intro)meteu-se uma Grã Bretanha no meu caminho. Mas de regresso, já este mês, retomei a obra. Voltei ao início, disposto a não me deixar abater pelas primeiras impressões. Em boa hora.

Há livros difíceis. “Terminação do Anjo” não é um livro fácil. Isto é dito por alguém que adora palavras. Adoro o que elas significam, mas também me apaixona a forma como elas significam. Durante anos, antes de o matar, tive um blog chamado palavrar, um termo que descobri posteriormente foi também utilizado por Pessoa num dos seus versos. Palavrar celebra para mim o potencial plástico da palavra, aliás, celebra o potencial total das palavras, mas traz também para relevo o prazer da forma. Que é importante, quanto a mim, no mesmo sentido em que os poetas de antigamente e alguns de agora obedecem a regras métricas e a rimas estéticas: por uma questão de estilo. Porque “soam”, além de significarem. A junção das duas coisas numa frase, num texto, num verbo, num livro, resulta numa experiência ao mesmo tempo didática e estética. Pode ser boa, pode ser má, depende; nos dois sentidos ou apenas num. Mas pelo menos numa obra literária espera-se que as palavras sejam belas, além de sábias. As duas coisas juntas em maior intensidade, profundidade, mestria e criatividade, resultam por norma numa obra de génio.

Que se perceba, enfim, que gosto de palavras, das escritas. Em pessoa sou lacónico mas a escrever sou palavroso. E gosto de Mia Couto e de todos os novos autores de língua portuguesa espalhados pelo mundo a inovar com a língua, a mudá-la, a transfigurá-la, a não a deixar morrer ou a estagnar, a criar novas formas de e para a linguagem. Mas também gosto da ideia de equilíbrio e ao princípio o livro do Daniel foi-me desagradável, porque me pareceu de certa forma desafinado, com um sobre-peso de virtuosismo estético, na profusão vocabular. “Virtuosismo gongórico”, foi uma das expressões que me vieram à cabeça e que vim a saber mais tarde serem cruéis e injustas.

Apesar de ser algo que nunca escapa ao olhar de qualquer leitor experiente, as figuras de estilo normalmente escondem fragilidades, mas no caso deste livro percebi que é pelo contrário. Que é talvez mais uma excepção que confirma a regra, mostrando que também há casos em que palavrar demasiado é uma forma de encriptar informação preciosa.

Retomando, entretanto ultrapassei a Inglaterra e regressei ao livro, que se encontrava na mesinha de cabeceira, exactamente como se encontrava há três meses atrás, com a marca ainda esquecida para aí na página 40. Como se tivesse esperado por mim, paciente. Ou teimoso. Dei-lhe uma nova oportunidade e voltei ao início. Ao início da viagem de Camilo Ardenas, num autocarro expresso em direcção a Coimbra numa noite de Inverno. Curiosamente, à segunda deixou de ser tão difícil. E acabei por devorá-lo em duas noites, como quem devora um objecto estranho mas irresistível, tipo sopa agri-doce. Venci a repulsa inicial e consegui finalmente ver para além da beleza das palavras, ou melhor, consegui ver a beleza das palavras por dentro. Como quem diz, “desta vez percebi!”. Vi para além da embriaguez palavrosa e percebi uma obra grande, abundante em novidade, emoção e ensinamento. Recomecei e pouco depois estava a lê-lo na sua justa medida de poema em prosa. Que é isso que o Daniel Abrunheiro faz quanto a mim melhor: poesia.

Como o próprio título indica, esta é a história de um anjo terminal, perdão, terminador. Um anjo fatal e trágico como os anjos dos filmes de Wim Wenders, desses que andam ao nosso lado pelas ruas das nossas cidades familiares. Não me lembro dela ser alguma vez nomeada no livro, mas essa cidade por ondeia vagueia o anjo negro é Coimbra. E como sempre Daniel não faz cerimónias com a cidade, uma cidade que não é “enxuta” e onde pululam “poetas municipais”. Putas e vinho verde, diz a Coimbra do Daniel. Trata-se também de uma história (porque há uma história) em torno de livros e da paixão dos livros. Da paixão de os escrever, como se verá em última instância, mas inicialmente de os ler. E da paixão de os ter, que também é focada.

Mas “Terminação do Anjo”, não obstante ser também uma história, é um livro de poesia, tem a volúpia descontrolada da poesia, e a poesia, como se sabe, não se explica, lê-se e experimenta-se. Há uma narrativa, mas por todas as linhas deste ensaio sobre a memória há lirismo. E é assim, acho eu, que se lê melhor este último/primeiro/maisoumenos romance (« talvez») do Daniel Abrunheiro, mais um escritor a acrescentar definitivamente ao rol dos inovadores da língua portuguesa. E que merece e deve ser lido. Quem não acredita que vá ao blog dele.

O que acho mesmo é que sobretudo os amantes da veia poética do Daniel, se forem persistentes, vão gostar muito deste livro sobre a arte de criar histórias, de criar (e tirar) vidas. Sobre mais uma série de temas, anatomias, almas e geografias interessantes. Mas se à primeira não entrar, salvo seja, poderá não ser má táctica fazer como eu fiz, ler primeiro uma parte, viajar e voltar uns tempos depois para ler o resto. É um livro a que vale a pena regressar.

11/11/08

Avaliação já! por Tó Pê

A ministra da educação foi hoje recebida em Fafe por cerca de 300 alunos e que a brindaram com os apupos da praxe. A novidade é que desta vez também lhe atiraram com uma chuva de ovos. Incrivelmente não lhe acertaram. Pergunta-se: que andam a fazer os professores de educação de física? Andebol? Tiro ao alvo? Zero. Nem um só ovo acertou na ministra, uma incompetência incrível dos profes de educação física que não souberam preparar estes alunos para acertar, digamos, num elefante a dois passos... Ah pois é, e depois não querem ser avaliados...

10/11/08

Psicopatolgia Política, por LSD

Já o velho Freud falava nas percepções alucinadas da realidade. Quando a realidade é frustrante e decepcionante, o doente perturbado e incapaz de aceitar que o mundo não se subordina aos seus desejos, acaba por viver num mundo literalmente ficcionado. Alguns exemplos de percepções alucinadas da realidade:O doente mental não aceita que um ente querido tenha desaparecido e teima que se encontra com ele todos os dias à hora do café. Ninguém o convence que está sozinho à mesa. Esta percepção do real é uma forma de alienação: o doente foge ao real e refugia-se no seu próprio universo autista onde não existem resistências aos seus desejos.

Milu rodrigues e zé socras são dois casos típicos que encaixam como uma luva nesta noção de percepções alucinadas da realidade. Também eles teimam em recusar a realidade que teima em fugir-lhes ao controlo. Milu rodrigues disse na sic que não se podia contabilizar o descontentamento dos professores pelo número (assombroso!)dos 120 00 docentes que sairam à rua. Essas coisas não se medem assim. Então como é que se medem?, perguntou o estupefacto jornalista. Contam-se «administrativamente«(sic), pelo número de escolas que são a maioria que continua o proceso de avaliação. Mas os profs da manif são os mesmo das escolas e estão na rua a pedir a sua demissão, lembrou o jornalista. Pois, mas não conta, o que vale são os números oficiais das escolas que continuam a fazer a avaliação. Ou seja, é a típica lógica retorcida de uma mente alucinada. O princípio é simples: se a realidade é desmentida pelos números administrativos, então suprima-se a realidade! A ficção passa a ser a realidade e arealidade a ficção.

Zé socras revelou também traçosdeste tipo de personalidade alucinada a propósito do mesmo caso da manif dos profs. Embora, é certo, se tivesse expressado de uma forma mais subterrânea e enviesada. O homem não percebe porque é que o processo de avaliação dos professores correu bem o ano passado e este ano não (sic). Aqui trata-se simplesmente de uma MENTIRA. Socras sabe que o modelo de avaliação que está em vigor actualmente não é, nem de longe nem de perto, o mesmo que o ano passado serviu para avaliar uma parte (e só uma parte) dos docentes contratados. É inteiramente diferente: são outros paéis, outro modelo, é tudo diferente. Mas não se coibiu de afirmar que é o mesmo. Mente, uma vez que sabe que se tratam de coisas inteiramente diversas. Neste caso a estratégia alucinada é básica: a mentira sempre foi a forma mais ordinária de negação da realidade.

Nos dois casos, tanto milu rodrigues como zé socras (perdoe-se-me o tratamento, mas já não consigo tratar estes personagens como ministros, perdi-lhes todo o pouco respeito que ainda lhes podia ter)não fazem mais que aplicar no discurso político o velho princípio da lógica alucinada, de que falava Freud. Quando Galileu Galilei mostrou através do seu telescópio que afinal a superfície da lua era feita de rocha e de calhaus como a da terra e não de uma matéria celestial diferente, houve um inquisidor que se recusou a olhar por tal diabólico aparelho. Socras e milu estão na mesma, recusam-se a olhar para os factos indesmentíveis que e passam mesmo à frente dos respectivos narizes. São, afinal, um e o mesmo caso da mesma lógica junkie retorciada que enuncia lapidarmente: se a droga te prejudica os estudos... deixa de estudar.

08/11/08

O Saramaguito, porque As Vacas Não São Sagradas

Fora dos livros, Saramago é um homem sem grandeza. Um cidadão com ideias regra geral banais, desinteressantes, pequeninas e azedas. E com uma forte tendência para o disparate. Uma espécie de Noam Chomski dos pobrezinhos. Ou de Soares da literatura. E o Nobel e o filme do brasileiro agravaram-lhe os piores tiques, como a vaidade, não que seja má coisa em si mesma, mas no sentido em que lhe dá mais vontade de falar, sente-se legitimado para a pregação, para dizer o que pensa aos quatro ventos. Então em alturas de lançamentos, quando está realmente por todo o lado, é um fastio ainda maior.

Gosto de alguns livros dele, mas, de facto, nunca simpatizei com a personagem. Talvez, inicialmente, por influência de convívio com colegas jornalistas mais velhos, daqueles que conheceram o homem nos tempos do PREC e de outros arraiais dos nossos seventies, de jornais nacionalizados e controlados pelo PCP e de censuras e saneamentos e coisas antipáticas afins, e de como Saramago era um dos intelectuais de estimação e de serviço do pessoal moscovita. Aliás, ainda é, pelo menos de estimação; mas até nisso é pequenino, é vira o disco e toca o mesmo. E repete um discurso que continua a não trazer nada de excitante, de mobilizador, de original. Mas acho, basicamente, que é um tipo filosoficamente pobre.

Por esses e outros episódios, atitudes e palavras, lá fui concluindo ao longo dos anos que o senhor é um bom artesão de letras mas efectivamente não tem grandeza universal, muito menos a que costuma vir associada a um Nobel, que o transformou também numa espécie de embaixador português no mundo. É o Ronaldo e o Saramago. São as nossas duas grandes figuras de referência no mundo. E isso é triste. Eu acho. Até o Eduardo Lourenço faria melhor figura. Ou o Lobo Antunes, que é um tipo sem dúvida nenhuma muito mais interessante e inteligente. Até o pedantismo cínico do Antunes é superior ao pedantismo árido do Saramago. O Miguel Esteves Cardoso, que regressa à ribalta em grande forma, outro tipo muito mais interessante e importante, por exemplo. Só em Portugal há mais e melhor.

Mas, definitivamente, no palco internacional nota-se muito mais a diferença e Saramago não tem a grandeza de espírito nem a sabedoria de uma Doris Lessing, de um Orhan Pamuk ou mesmo de um Gunter Grass, só para mencionar alguns contemporâneos, que realmente interessa ler e ouvir com atenção. Ou mesmo na sua área política, um Slavoj Zizek. Nem de longe nem de perto. A entrevista que saiu ontem num dos suplementos do Público e a conversa recente com Carlos Vaz Marques na TSF, confirmaram as minhas suspeitas. As ideias do Saramago esgotam-se nos livros.

Diz que este último, o do elefante que vai morrer à Áustria, é decente. Espero que sim, e que seja um sucesso e que o homem continue a ganhar muito dinheiro com a sua escrita. Para mim, fora dos livros, é um Saramaguito.

Mas quem quiser perceber melhor do que aqui falo, por favor verifique as diferenças, entre um intelectual interessante e outro nem por isso.

03/11/08

A Morte dos Mestres, por Alves

Segundo números oficiais, só no último ano, reformaram-se cerca de 5000 professores que não estiveram para aturar as barbaridades em série das cabeças valterianas do ministério da educação. Mesmo com prejuízo monetário efectivo estes 5000 professores preferiram antecipar a reforma.

Claro que num ministério onde proliferam personalidades tacanhas isto até é bom. Vão estes vêm outros mais baratos. Mas acontece que a situação é dramática. Ao logo da minha vida tive bons, maus e razoáveis professores. Mas os melhores, aqueles que mais me marcaram eram professores com uma certa idade, professores que andavam na casa dos quarenta/cinquenta, precisamente a idade de muitos dos que agora se reformaram precocemente. Estas são, precisamente, as idades em que um professor está no seu apogeu. Mas o espantoso governo socretino, apostado em fazer-lhes a vida negra, prefere criar-lhes condições para sairem do sistema.

Penso nos grandes profs da minha vida: nos professores Monteiro e Beatriz e nas inesqueciveis viagens no tempo que fazíamos nas suas aulas de História, na grande Lívia Múrias, uma sumidade em literatura portuguesa e não só, na erudição de Miguel Baptista Pereira, um gigante que teve o azar de ter nascido em Portugal... Assusto-me só de pensar que nunca teriam sido meus professores se na altura o país fosse governado por um governo como o actual. Todos eles, obviamente, ter-se-iam reformado se estivessem dependentes de um ministério da educação tão acéfalo como este. E, sem eles eu não teria aprendido as coisas que eles me ensinaram e seria uma pessoa, certamente, muito diferente do que sou hoje. Para pior, claro. É assutador pensar que os profs Miguéis, Deolindas, Lívias e Monteiros ainda existem mas estão-se a reformar precocemente por causa dos ininputáveis que nos governam. Tremo só de pensar que a sinistra ministra está a sacrificar uma geração inteira de Mestres e, consequentemente, a retirar aos alunos o direito e o privilégio irrepetível de conviverem e de aprenderem com eles. Estão a matar a alma das escolas. Estão a matar os mestres impunemente. Pobre da sociedade que assiste a isto passivamente, acriticamente, aqui e ali até com aplausos próprios dos que ferecem maiorias absolutas a granel.

Olho para os putos de hoje e tenho pena deles. Numa escola sem exigência em que o que importa é o milagre estatístico do sucesso os Mestres sentem-se a mais, estão a mais, despedem-se, vão-se embora. Quem perde são os putos. Na sua pequenez assustadora, esta gente que nos governa nunca conseguirá compreender a dimensão do mal que lhes causou.

Pic - par de sapatos de Van Gogh.