21/02/12

Uma Dica: A Colecção Telo Morais em Coimbra, por Van Gago

Coimbra é uma pequena cidade de província onde, às vezes, muito raramente, acontecem coisas extraordinárias. Infelizmente praticamente ninguém dá por nada. O que de bom acontece nunca é devidamente publicitado e assim se vai instalando a habitual sensação da modorra conimbricense.

Uma das coisas espantosas que aconteceram a Coimbra foi a dádiva à cidade da imponente colecção de arte Telo Morais. Está instalada no edifício Chiado, na baixa, como colecção permanente desde 2001 e merece uma visita. Aliás merece bem mais que uma. Esta exposição contém uma importante colecção de pintura portuguesa dos séculos XIX e XX, exemplares significativos de cerâmica, escultura chinesa, escultura e arte sacra, pratas e mobiliário.

Salienta-se, entre o espólio, a magnífica colecção de pintura, pela sua qualidade intrínseca e pela coerência cronológica e temática. Sabendo nós que o português médio culto pouco sabe de pintura portuguesa compreende-se a importância deste espólio. Estão ali pedaços de história da arte portuguesa e algumas peças soberbas que para mim - que sou um desses leigos - foram uma extraordinária surpresa. Malhoa, Keil, Carlos Reis, Guimarães e muitos outros que ignoro de memória, está lá tudo. Colecções como esta evitam o risco de extinção da memória pública que paira sobre muitos destes grandes pintores portugueses injustamente desconhecidos do público médio.

Mas perante a qualidade desta exposição impõem-se algumas questões: será o Chiado o melhor espaço para uma colecção deste nível? Não só esta, mas outras colecções dispersas por vários espaços na cidade já justificavam que se pensasse num centro cultural que as albergasse todas.

E, já agora, será que custava muito arranjar uns bons guias explicativos/descritivos da exposição? Existe o catálogo, é verdade, que parece até ter boa qualidade, mas 30 euros? Não há possibilidade de colocá-lo a preço mais acessível? Fazer uma edição mais modesta, sei lá... O que é certo é que a muita e rica informação/sensação com que dali saímos perde-se algures nas brumas da memória algum tempo depois. Telo Morais merecia, de facto, um pouco mais da parte de Coimbra...

Pic - “Praia do Tamariz – Estoril”, aguarela de Alfredo de Morais, pintada em 1943

Decca Records - Malta Com Olho, por Lantern

Em 1962 os Beatles davam os primeiros passos. Guiados por Brian Epstein, o manager que os transformou nos meninos bonitos do Reino de Sua Majestade, foram fazer audições à poderosa editora discográfica Decca Records (na altura não era fácil gravar um disco). Mas chumbaram! Os espertos da Decca acharam que os rapazolas tinham jeito mas que jamais dariam que falar. Em vez dos Beatles a Decca preferiu assinar um contrato com uns formidáveis Já-Ninguém-se-lembra-Deles.
Os Fab Four interpretaram, à data, esta versão de Besame Mucho agora recuperada pelo you tube e que constava dos arquivos da editora. Mais tarde os Beatles voltaram a cantar a mesma canção numa audição da EMI que assinou com eles o contrato da sua vida e foi o que sabe... E vocês - também rejeitariam os Beatles a cantarem Besame Mucho?

Mas a história não acabou aqui. Um ano mais tarde, em 63, a Decca viu-se obrigada a assinar um contrato a peso de ouro com uma nova banda londrina que estava a dar os primeiros passos, forçada apenas pelo receio de perder dois fenómeno de massas em apenas dois anos seguidos. Desta vez tiveram sorte: a nova banda era os Rolling Stones!

20/02/12

Uma Sugestão de Leitura: Paolo Giordano - A Solidão dos Números Primos, por Pilsener

Uma grande revelação! Um dos melhores primeiros livros que já li! E é mesmo verdade que Giordano só tem vinte e tal anos? Espero ansiosamento o segundo livro.

A Solidão dos Números Primos é um non stop reading e faz lembrar o universo onírico e estranho do Murakami de Sputnick. Tal como o escritor japonês, Giordano é um criador de climas, um construtor de ambientes onde nos instalamos e dos quais é difícil sairmos. O livro tem um enredo, é certo, com princípio, meio e fim, mas mais que isso, foi essa indelével qualidade ambiental que me atraiu. Essa capacidade é rara e não está ao alcance de qualquer escritor.

12/02/12

A Estação de Rádio da Maçã Reineta, por F.M.

A antena 1 da RDP tornou-se uma não rádio, isto é, tornou-se a negação de tudo o que interessa. A estação leva à letra essa aberração legal que é a obrigação de passar uma percentagem brutal de música portuguesa. Resultado: na antena 1, com algumas excepções, só se ouve não música! Reduzida à oferta portuguesa a estação ignora olimpicamente a boa música que se faz no mundo para se tornar na estação dos andré sardets, dos abrunhosas, das mafaldas veigas e dos joões pedros pais. Pelo meio passa mais uma multidão de medíocres entre os quais se contam uns estranhos e desconhecidos fadistas de dimensão paroquial. Eu gosto de rádio e gostava de ouvir música na estação do estado. Mas não posso - para ouvir música a sério tenho que meter um cd porque, infelizmente, a rdp 1 leva a sério um preceito legislativo que parte do princípio de que mais vale a maçã reineta só porque é portuguesa que um bom camarão de moçambique porque não o é. Ora eu estou farto de ter gramar com bosta só porque tem lá o rótulo «made in portugal».

Ultimamente a rdp 1 tornou-se também numa não rádio a nível noticioso. Agora, além de fugir a passar música, também passou a fugir a dar notícias. O caso PRM é um exemplo flagrante. Desde que o jornalista foi censurado da grelha da antena 1, muita coisa se passou. Mas a rdp fez questão de o ignorar - não noticiou nem, muito menos, apresentou os desenvolvimentos deste caso que chegou à assembleia da república (soube-o pelos jornais e pela tsf, não pela 1). Foi como se não se tivesse passado nada!

Entretanto, os comentadores desta rádio, de um modo geral, continuam fazer crónicas sobre as violações dos direitos humanos na patagónia e sobre a cultura do arroz no indostão enquanto assobiam para o lado perante este caso de saneamento político do colega do lado. Filantropos com o dalai lama no tibete e indiferentes com o vizinho do lado. Até gosto de alguns comentadores da rdp 1 - mas acho espantoso como é que, nestas semanas todas, conseguiram passar ao lado deste caso (pelo menos a generalidade). Se não estão com o colega ao menos que declarem o seu apoio à administração - calados é que é intolerável!

E assim aquela que devia ser uma estação de serviço público passou a orientar-se ( não é só de agora, diga-se de passagem, isto já vem de trás) por critérios de natureza nacionalista -pacóvia e de subserviência política. E nós continuamos a sustentar estas abencerragens (junte-se-lhe a rtp) contra as próprias promessas eleitorais do governo. Privatizem-nas, já!

02/02/12

As Minhas Aventuras na Repúbica das Bananas, por Ali Bebé

Recebi em casa uma dessas horrendas cartas com o logotipo tenebroso das finanças. Não gosto de lidar com tal gente que considero não recomendável. Tenho sempre a sensação de que estou a ser comido por parvo. Mais uma vez assim foi.

A referida carta era uma «coima» de 15 euros ao abrigo do decreto xpto. Isto não se percebe à primeira leitura porque o arrazoado pseudo-técnico em que estas cartas vêm escritas é feito deliberadamente para não ser entendido. Assim pode ser que o cidadão não perceba mais um pormenor e acabe a pagar mais uma «coima».

Depois de decifrar aquela charada linguística, decidi pagar os 15 euros para não me chatear - eu pago só para não ter que lidar com aquela gente - mas passadas umas semanas eis que recebo uma nova carta, isto é, um novo tratado de má fé. A nova carta «intima-me» a pagar uma nova «coima», desta vez de 68.25 eur. ao abrigo do decreto xzpt e eu consigo perceber que tem uma relação remota qualquer com a «coima» de 15 euros que paguei anteriormente. Telefonei ao P. que é um gajo que sabe da ciência de decifrar manhas e ele explicou-me.

A «coima» de 68.25 eur. (30 de multa e mais 38.25 de «custas», é espantoso!) é porque eu deixei passar o prazo de pagamento da «coima» anterior de 15. euros. Hã?? Pois, traduziu o P., a multa de 15 euros foi porque paguei fora de prazo o imposto de circulação automóvel, certo? Sim... Só que paguei esses 15 euros fora de prazo e por isso tenho agora de pagar 68.25. Mas como é que eu podia saber o prazo em devia ter pago esta multa se a carta não me diz? Também diz - está lá em letras pequeninas, num nevoeiro de palavras ali postas deliberadamente para confundir ainda mais, que o contribuinte tem 10 dias para pagar após o prazo de recepção da carta. Porra, mas porque é que não dizem logo, como acontece na factura da água, do gás, do telefone, da tv, de tudo, enfim, que a data limite de pagamento é x? Suas excelências das finanças nem disso nos informam e um gajo tem que se pôr a calcular/deduzir/adivinhar quando é que vencem os tais 10 dias de prazo. E isto é legal?

Recapitulando: recebi uma primeira carta das finanças para pagar 15 euros não sei quando porque não me informam. E agora recebi uma segunda carta das finanças para pagar 68. 25 num prazo que também ignoro porque não me informam, embora saiba que é dentro de 10 dias a contar sabe-se lá de quando...

Mas pior que isso é que a contagem destes 10 dias está longe de ser uma coisa simples, pelo contrário, é um processo críptico. Acontece que a carta das finanças não diz em lado nenhum em que dia chegou à minha caixa do correio. E ainda por cima eu mandei o envelope fora, ó P. Não mandaste nada, esclareceu-me o bom do P. A carta vem dobrada e picotada. Pois é mas não diz a data em lado nenhum. Calma, tás a ver o código de barras no lado esquerdo da folha, diz-me o P? Pois, por baixo dele estão umas letras e uns números, tipo, 0TR009876549. Fónix, a data vem em código? Não acredito, estão a gozar comigo.... Eu pensava que o P. me ia informar que os primeiros três dígitos correspondiam à hora, os segundos dois ao dia e os últimos ao mês ou coisa que o valha. Mas não. A coisa tem requintes de maior malvadez.


Acontece que o tal código é uma senha de acesso a uma janela de um site dos CTT. Pois, é verdade. O cidadão que quer saber em que data recebeu, oficialmente, a carta dos humoristas das finanaças, temque ir a um site dos ctt, clicar não sei onde, depois seguir para a opção não sei quê, mais uma e outra e só depois, na opção x, introduzir o código. E então e só então sabe a data em que oficialmente recebeu a famigerada carta para a partir daí contar 10 dias!!! Parece o mapa ao tesouro em versão de adultos e para divertimento de um gozão qualquer instalado algures num escritório das finanças!

Pergunto: como é que um cidadão comum, firmemente apostado em pagar os seus impostos, sabe isto? Pode ser uma informação corrente para um funcionário administrativo, para um advogado ou para um génio das finanças... Mas não o é para um carpinteiro, para um trolha, para um médico, para um professor, para um engenheiro nem para um revisor da CP. Mas os senhores das finanças presumem que um gajo saiba esta merdice. E é legal? A lei admite que estes ininputáveis me definam uma data limite de pagamento sem sequer me dizerem claramente qual é? E, pior ainda, obrigando-me a um processo rocambolesco de descriptação? Se isto não é uma forma de assaltar o cidadão o que é? Esta gente devia ser responsabilizada pela utilização destes processos que só têm uma finalidade: extorquir dinheiro ao contribuinte mediante a criação de expedientes manhosos.

Foi assim que se passou comigo: quero cumprir a lei mas sou impedido de o fazer e punido com multas manhosas, simplesmente, porque as finanças não me dizem claramente como fazê-lo, pelo contrário, dizem-mo enviezadamente mediante o recurso a armadilhas dignas de chico espertos. E assim uma pessoa que devia ter pago, suponhamos 50 euros de imposto de circulação automóvel acaba a pagar 50 + 15 + 68 e veremos se não fica por aqui... Sei que os 50 são para as câmaras, mas os espertalhões das finanças arranjaram um processo vergonhoso de embolsarem muito mais nestas multazecas. Conheço uma pessoa que já vai em 400 euros só nestas multas crípticas.

Mas há pormenores ainda mais sórdidos nisto tudo. Por exemplo os 68. 25 que tive que pagar afinal não são 68.25 mas 68.25 - 15, uma vez que os 15 da multa anterior devem, por lei, ser descontados aos 68. 25 Então porque é que não me pedem o dinheiro certo? Pois, porque pega, porque são mais uns milhões a entrar nas finanças à custa da desinformação do cidadão.

Resumindo: recebi uma carta que me diz para pagar uma quantia que não é aquela, numa data que eu não faço ideia de quando seja! Espantoso, legal e ninguém é chamado à responsabilidade por este embuste... Pelo contrário os gajos das finanças ainda se vêm gabar para a comunicação social do seu grande desempenho e como nestes últimos anos conseguiram cobrar mais não sei quantos milhões de euros aos contribuintes! Assim? Pudera... Deviam era ter vergonha na cara.

Mas não é tudo. Kafka não morre assim. Acontece que a tal carta - esta e qualquer outra enviada pelas finanças - é uma carta registada simples. Quer isto dizer que eu não sou pessoalmente notificado da sua recepção, não assino nada que comprove que a recebi. Assim, segundo a lei, a partir do momento em que a carta chega aos corrreios e é entregue ao carteiro eu estou oficialmente notificado! Se a carta se perder, se o carteiro a rasgar, se eu mudei de residência, se um brincalhão me roubou a caixa de correio, nada disso importa - a data de recepção da carta é oficialmente a data do seu registo simples! Ou seja eu posso nunca receber a notificação e andar a vida toda a pagar multas e, no limite ser penhorado, porcausa de uma carta que nunca recebi. Recebesse, o problema é meu! Qualquer dia um gajo vai de férias em agosto e chega a casa em setembro e ela foi vendida por causa de uma multa que não paguei no prazo e de cuja existência nunca vim a saber... Já faltou mais.

E é assim que o estado e em particular essa máquina de má fé e desrespeito pelo cidadão que são as finanças tratam os cidadãos. Aqueles que querem cumprir. Porque aos outros, aos que traficam trutas, salmões, pescadas e robalos de ocasião, a esses ninguém lhes toca e ainda têm leis feitas a dedo para os defender. O pior numa democracia é quando o cidadão cumpridor perde a confiança nas instituições e, pior ainda, percebe que elas são simples máquinas de extorquir dinheiro, apoiadas por legislação iníqua que se limita a regularizar a farsa. Eu sei muito bem do que é que este país precisava. Sei, mas não digo...