
Como entender a mais misteriosa das intuições de Nietzsche? De um modo mais romântico e light como o faz Irving Yalom em Quando Nietzsche Chorou, ficção inspirada na figura do filósofo, mas sem pretensões de rigor biográfico ou ideológico? Ou de uma forma mais pesada e existencialista como decorre da leitura de Eugen Fink, um dos maiores intérpretes do trabalho de Nietzsche?
Segundo a versão mais ou menos light de Yalom, o Eterno retorno significa uma valorização extraordinária de todas as nossas escolhas, da mais simples à mais transcendente. Porque se tudo se repete eternamente, isso quer dizer que temos uma grande responsabilidade na opção que fazemos em cada momento: é que aquilo que eu escolher viver agora, vou vivê-lo para todo o sempre. Opto por comer mais um doce que sei que me provocará uma dor de barriga tremenda? Então estou condenado a viver essa dor durante toda a eternidade. Se não o comer evitarei uma dor eteerna e não só neste momento. Em cada opção carregamos a responsabilidade de toda a eternidade. Consequência desta concepção: uma espécie de revalorização eufórica do momento. Aproveita o dia, vive cada momento plenamente pois ele será repetido para todo o sempre.
Eugen Fink, um dos maiores comentadores de Nietzsche, por sua vez, encara o Eterno Retorno de outra maneira. Menos romântica, mas baseada na leitura efectiva e documentada do filósofo alemão, em particular em Assim Falou Zaratustra. Segundo Fink o sentido do Eterno Retorno relaciona-se com uma concepção de infinitude do tempo. O passado é para Nietzsche infinito, tal como o futuro. Isto quer dizer que todas as possibilidades do acontecer temporal já se passaram e passar-se-ão forçosamente no futuro. Se o tempo até ao presente tem uma extensão infinita isso quer dizer que a causa A que produziu o efeito B já se passou, mas igualmente a causa Não A que produziu o efeito Não B. E no futuro a mesma coisa.
Portanto todas as possibilidades que podem ocorrer vão forçosamente ocorrer quer no passado quer no futuro. No passado eu já escrevi este texto e voltarei a fazê-lo de novo no futuro; mas também já aconteceu o computador pifar e impedir-me de o fazer e, portanto, haverá também um futuro em que eu não escreverei este texto. Existe um passado em que Portugal deu 7-0 à Coreia do Norte que se repetirá eternamente, assim como um outro em que seremos nós a levar os mesmos 7 da Coreia. E no futuro voltaremos a viver as duas situações...
A visão de Yalom acaba por sublinhar o valor inestimável do momento. Desemboca numa espécie de carpem diem no qual a ideia de liberdade é valorizada (mas como é que eu posso ser livre se o meu presente já está determinado por uma escolha que eu já fiz algures no passado? Como conciliar a liberdade da escolha com a pré-determinação de um passado que já aconteceu, que eu não posso mudar e que, fatalmente, se repetirá?).
A de Fink, por sua vez, conduz a uma certa indiferença existencial. Fink não afirma um determinismo radical - eu não estou condenado a fazer algo pré determinado, pelo contrário eu tenho infinitas possibilidades de escolha. Mas, uma vez que toda a multiplicidade infinita de existências temporais ocorreu, ocorre e ocorrerá, forçosamente, que pertinência terá a minha liberdade? Afinal escolher uma coisa ou o seu contrário acaba por ser relativamente indiferente porque todas as possibilidades têm que ocorrer numa eterna repetição. Se tudo o que pode acontecer já aconteceu e acontecerá, de que nos serve a liberdade? Tanto nos faz escolher A como B... Ambos aconteceram e acontecem eternamente. Há um passado em que já me saiu o euro milhões, mas há um outro em que eu sou mendigo. O valor da nossa vida é, pois, muito relativo e devemos, talvez, digo eu, encará-la com alguma indiferença.
Yalom e Fink - duas leituras muito diferentes do Eterno Retorno Nietzschiano. Não sei de qual me aproximo mais, talvez da de Fink. O que sei é que não é fácil discutir este assunto à luz das categorias filosóficas racionais. Estamos no limiar da poesia, da religião (as ressonâncias budistas do Eterno Retorno estão aqui presentes), até do misticismo. É por isso que Niezsche sempre foi, filosoficamente, um apátrida.