30/07/09

O melhor desporto do Mundo, por Triger Woods




Aqui há uns anos, o Mau, vindo lá das Espanhas, pôs-nos a jogar golf. A malta olhou para o gajo desconfiada. Aqui neste fim de Mundo, andávamos mais habituados à malha e à bola no adro da igreja, no recreio da escola e no meio da rua. Essa merda do golf era coisa de ingleses velhos, ricos e barrigudos. Quando, pela primeira vez pegámos num taco, segurávamos como se fosse uma enxada, denunciando na rudeza do gesto séculos e séculos de apego à terra. O Mau, persistente, lá nos foi ensinando, com a paciência com que os enciclopedistas franceses do século XVIII tentavam ilustrar estes rudes campónios e com a abnegação com que S. Francisco Xavier evangelizava os gentios do Oriente. Ensinou-nos a pegar no taco, a posicionar os pés, a rodar a anca, o swing, o ombro, o punho, o back-swing, o cotovelo, o polegar, puta que pariu! Mas o Mau não desistia:
- Non pongas forza, coño, swinga soft, pasa los brazos....
E a malta lá foi, recalcando os modos da enxada e iniciando-se nos segredos do swing. A pouco e pouco, estes brutos foram-se civilizando. O Mau ensinou-nos a etiqueta, que não devíamos mandar o parceiro pó caralho, que não se chama filha da puta à bola, que não se grita golo, não se diz ao adversário para nos chupar nos colhões quando lhe ganhamos um buraco, etc. Fomo-nos civilizando. Agora, não é que sejamos uns sires britânicos, mas já estamos mais parecidos com aqueles Bijagós das missões a posar prà fotografia com a carapinha domesticada de risco ao meio, fato e gravata e olhar espantado. Estamos mais perto da civilização. E este desporto - o golf - já não é coisa de barrigudos ingleses. É o melhor desporto do Mundo. Não há árbitros, não há desculpas, evolui-se sempre, pode-se jogar com qualquer pessoa que o objectivo nunca é humilhar o parceiro. Uma vez que se entra no espírito do jogo, a coisa entranha-se. Tem qualquer coisa de opiácio, não se consegue abandonar e quanto melhor se joga em pior conta nos temos, a mais nos exigimos, mais tempo a ele dedicamos e entramos numa espiral ascensional da qual não se pode sair. Há gajos que sofrem dores horríveis com hérnias discais e, apesar de todas as contraindicações, não só não abandonam o golf como inventam argumentos espantosos para se convencerem que o swing faz bem à hérnia!
Hoje tive o meu momento de glória. Fui bater umas bolas para o range. Depois, fui dar uma volta ao pitch & put. A coisa corria bem. O campo tem 9 buracos e eu comecei do buraco 3. Chegado ao 8, já levava 2 abaixo do par. No buraco 8, à beira de um muro alto que separa o campo da estrada, eu ensaio o swing e disparo a bola. Atrás de mim, no buraco 4, dois ingleses hospedados no hotel empenhavam-se em confirmar aquela ideia antiga de que isto é um desporto de velhos barrigudos. A minha bola sobe, sobe bem, sobe muito bem. Não me espanto muito, pois sentira o swing solto e largara bem os braços. Aquele barulho quando o taco bate na bola confirmava que havia sido um bom shot. O tempo estava calmo, sem vento, e a bola desce bem. Desce mesmo muito bem. A direcção é perfeita. Eu levanto o pescoço. Começo a sentir um formigueiro no cimo da alma. A bola bate no green levemente, como uma folha seca apoiada pela brisa outonal. O formigueiro da alma alastra ao estômago e a bola rebola devagarinho. Aproxima-se do buraco e o formigueiro desce do estômago até aos colhões. Quando eu tenho formigueiro nos colhões é sinal de que alguma coisa de grandioso está para acontecer. Há gajos que lhes dói o dedo grande do pé quando está para chover. Eu é formigueiro nos colhões. A bola encontra uma linha perfeita na direcção do buraco e desliza como uma top model na passarelle. Aí vai ela. Devagarinho, rola, rola e...... ploc! Ploc? Hole-in-one! Eu lanço o taco ao chão, e meto-me de joelhos na relva com os dois punhos cerrados em movimentos oscilatórios para cima e para baixo e a berrar «golo»! Nestes momentos, estala o verniz e vêm ao de cima os nossos modos rudes e primitivos que, afinal, não desapareceram. Foram apenas enclausurados. Mas agora, soltam as amarras e libertam-se. E lá continuo eu aos pulos:
- Mambó, caralho! Foda-se! Chupa-mos! Pimba!
Lá atrás, no buraco 4, os ingleses, sem entenderem as minhas imprecações, assistiam a tudo e batiam palmas. Eu ouço-os. Começo a descer à realidade e apercebo-me então que, do outro lado do muro, aquele autocarro que a Câmara Municipal arranjou para passear os turistas, descapotável e de dois andares, passava na estrada. No andar de cima do autocarro, uma dúzia de turistas assistira a tudo e aplaudia de pé. Foi o meu momento de glória. É como um golo no estádio da Luz cheio. Vos garanto: um hole-in-one é melhor que foder. Quem acha que não, nunca fez nenhum!

28/07/09

O MAIOR ESPECIALISTA VIVO EM ARROZ, por Lletraferits


Já vai sendo tempo de vos apresentar mais um Titã aqui do Tapor e da Confraria. Esta terceira personagem nada tem a ver com o Maior Especialista Vivo em Saladas, que muitos conhecerão pelo cognome de Camus ou Venenoso, assim como nada tem a ver com esse espécime raro do Pior Estalajadeiro do Mundo, que responderá também ao nome de Granítico, Adelino, Avelino ou Asdrúbal.

Nada de confusões. Hoje falamos, nem mais nem menos, do que do Excelentíssimo Senhor Doutor Abranches Y Menezes, também conhecido por Capitão Nemo ou Octávio Malvado, aka, O Maior Especialista Vivo Em Arroz, Queijadas de Pereira & Peixinhos do Rio. Já se tratou aqui em postas anteriores das queijadas de pereira, bem como dos peixinhos do rio, mailo descascar dos morangos e o tirar do caroço à banana. São águas passadas.

Hoje vamos ao Arroz. E lembrei-me do meu amigo arrozeiro e descaroceiro da banana, precisamente porque ao atravessar a desinteressante e poluída avenida Fernão de Magalhães, dei de caras com um engarrafamento monumental à conta de uma manifestação dos arrozicultores do baixo Mondego, que ocuparam a dita cuja, com os seus mastodontes de quatro rodas mais reboques e animalejos de porte atacante.

E qual não é o meu espanto que enquanto fazia gincana em volta de uma vaca de olhar vesgo e assassino, tropeço no Dr Abranches Y Menezes, que por ali evoluía entre os seus pares. Em defesa do Arroz o Dr Abranches estava presente. E supera o medo das vacas. Abaixo o Ministro! Abaixo o Jaime Silva! Abaixo o Agulha! Vivó Carolino do Baixo Mondego!

É que o Dr Menezes é o maior defensor vivo do Arroz Carolino do Baixo Mondego. Então quando lhe servem o dito cujo, mas do talhão da família Temudo Laranjeira e Filhos, o homem derrete-se e afunda-se no banco em estado de beatitude gastronómica.

Ao invés, é homem para sacar da Montblanc subitamente transformada em arma branca de açougueiro, sempre que lhe apresentam no prato arroz agulha ou ignomínia das ignomínias e com licença da palavra: basmati. Scchhh…, leiam baixinho que o homem ainda ouve…

Em certa altura, o pessoal satânico resolveu ir comer a excelsa Lampreia em poiso diverso do Bernardes e do Boa Viagem e vai de amesendar no novel tasco Mondego, do Porto da Raiva. Apesar de todas as combinações e avisos à navegação, a encantadora e juvenil estalajadeira teve a suprema infelicidade de servir o ciclóstomo com outra coisa que não o Carolino do Mondego. Foi feio. E arrepiante:

- Ó minha senhora, então o que é isto?
- Arroz de Lampreia, pois então, não foi isto que encomendaram?
- Está a brincar, pois não é, é uma partida aqui dos animais, que foram por detrás de mim falar consigo e acertar esta palhaçada…
- Peço desculpa, mas a Lampreia não está bem?
- Ai é a sério, você quer mesmo que a gente coma esta mistela com um arrozeco em molhaca solta e desensaborida?
- Mas o arroz tem algum problema?
- Ó Minha senhora, pelo amor da santa, atão acha que isto é arroz carolino do vale do Mondego? Foi esta mistela que eu combinei consigo?
- Mas não é…?
- Não, isto é arroz agulha, de marca branca e pelo aguadilha e cor, isto é prá aí do norte de Itália, do vale do pó, que são experts em porcarias deste género. Este arroz não tem os esporos do carolino, está a ver?
- Esporos?
- Pois claro, os abundantes esporos do bago do carolino, que absorve o dobro da água do mísero agulha e ensopa e engrossa o arroz, que até o sabor é outro. Isto que aqui está é uma coisa deslavada que não tem nada a ver com o se encomendou!

A simpática serviçal já tinha a lágrima ao canto do olho e o Abranches Y Menezes continuava à desfilada a afiambrar na estalajadeira e já falava em ir tudo embora e não pagar. A moçoila choramingava e quanto mais ajoelhava, mais o Y Menezes farpeava tão dorido e belo lombo.

Acontece que a malta estava esgalgarada com fome e com carolino ou sem carolino, a Lampreia cheirava muita bem e a mocinha era coisa que embevecia e vai dai travámos o ímpeto assassino do purista arrozeiro e saltámos todos em defesa da donzela apanhada nas mandíbulas do dragão.

Mas é certo que nunca mais se lá voltou. Com arroz não se brinca e com o Abranches Y Menezes também não. O São Jorge safou-se uma vez com o Dragão, mas não é certo que se safasse segunda vez.

21/07/09

O MAIOR SALADEIRO VIVO contra O PIOR ESTALAJADEIRO DO MUNDO na arena do PAELLADOR, por PaellaFerits


Calma, pessoal! É certo que o título é gongórico e estridente, mas tenham lá calma que não é caso para menos. No Domingo, perante estes olhos que a terra há-de comer, evoluíram juntos e ao vivo estes dois titãs, estas duas massas brutas de potência e ardor. Oh, e como arderam meu Deus. Arderam como deve ser! Vinde Demónios!


Antes da gesta, um pontito prévio. Como qualquer alma de deus que se preza, é questão de honra e de respeito dos pergaminhos antigos, que quando se recebe alguém em nossa casa, isto é, quando assumimos o papel de Estalajadeiro, há que fazer um esforço mínimo. O bem receber ou pelo menos o receber com um mínimo de dignidade por parte do Estalajadeiro é o paradigma base da essência humana. Do português, ao chinês, passando pelo guatemalteco e pelo esquimó, toda a gente faz algum esforço. É ponto de honra.


Toda a gente? Toda não! Quando se tropeça num empedernido e serrano exemplar da máfia granítica, a coisa chia fino! No passado Domingo, esta maltosa porcina tropeçou nO PIOR ESTALAJADEIRO DO MUNDO!


O nosso especialista em Paellas e Água Valenciana (Champanhe e Sumo de Laranja no ponto certo e de modo a que não se note o álcool), de seu nome O Mau, entendeu fazer uma Paelha para o pessoal, regada a Água Valenciana, no passado Domingo. E se bem o pensou, pior o fez, acertando que a coisa seria feita em casa do Granítico.


Coube-me a mim avisar a malta e vejam só com que esforço e custo estas coisas se fazem, que esta malta com comida não brinca:

- Tá lá, Mágico, ó pá é só pra te dizer que às 19 horas vamos papar uma Paella feita pelo Mau em casa do Granítico, como é, apareces?

- Ó pá, não dá muito jeito, mas eu arranco já e daqui a duas horas tou aí, chego lá prás 19.15.

- Mas onde é que tu estás, animal?

- Arcos de Valdevez, mas arranco já!


Fim de tarde. Paella a apurar em Paelhador próprio, mailos preciosos filamentos do caríssimo açafrão de La Mancha, sobre fogo de lenha aromática que o Mau não brinca em serviço. Outra coisa com que o Mau não brinca é com o golfe. Galo do catano. À hora precisa em que a Paella mais precisava de atenção, começou a dar na televisão o torneio de Golf de Augusta, Aurora, Adelaide ou da puta qui ló parió e zás, lixou-se a Paella e lixámo-nos nós que a comemos esturricada e mais se lixou ainda o coitado do Mágico que vindo de Arcos de Valdevez não conseguiu impedir a tempo que as manitas esfaimadas do Mangas e do Maior Saladeiro Vivo lhe limpassem a dose que supostamente lhe caberia. Esturricada e tudo. Com fome, esta gente comia a própria família enquanto o diabo esfrega um olho.


O Mangas, que era suposto escolher excelsas laranjas à razão de três quilos por toinada, veio-se com um quilito de laranjas valencianas secas, que deram uma Água Valenciana alcoolizada e praticamente imbebível. Foi limpa pelo Mangas e pelo Maior Saladeiro Vivo. Quem mais poderia ser?


E eis que entra em cena o nosso primeiro Titã, nada menos que O MAIOR SALADEIRO VIVO. O homem que nas suas próprias palavras é inigualável na feitura de salada, que até leva “dressing” e com um sabor tal que é capaz de ressuscitar o Pedro Páramo. Se ele o quisesse, o que duvido, siga o enterro. Adiante.


Restava a salada. A ser feita pelo dito cujo Maior Saladeiro Vivo. O qual arranjou um panelão e abriu lá para dentro um sacola de alface já cortada e lavada marca Continente, mais idêntica sacola de Rucula, e outra de Agrião, e vai de meter o Mangas a cortar meia dúzia de cebolas, mailos rabanetes, uns tomatitos cherry, e pimentos em barda. Seguiu tudo pró panelão e tudo regado com o famoso dressing, também conhecido por frasco de molho de vinagreta marca Continente. Ah, e esqueci-me de outro Continente, que era mais uma sacola de gorgonzola manhoso sob a forma de bolitas em cama de molhaca leitosa. Mistura e remistura e VOILÁ! A especialidade dO Maior Saladeiro Vivo. Uma coisa em forma de assim.


O pessoal olhou uns prós outros e voltámo-nos para o Estalajadeiro. O Granítico. Azar. Batemos com as fuças no segundo Titã: O PIOR ESTALAJADEIRO DO MUNDO. Como se já não bastassem os copos em forma de jarras de cemitério e a falta de serviço condigno, eis que se foi ao rabusco da cozinha do Demo. Num armário demos com um pacote de bolachas trincadas e bolorentas. Prazo de validade: 12-2004. Na parte de baixo do frigorifico, quatro ou cinco ameixas vivas, que aproveitaram a reincarnação para se metamorfosearem noutra coisa qualquer, que mexia e gemia. Por respeito ao sagrado não quisemos interferir com o processo. Numa gavetas, três peras verdinhas por fora e negras por dentro, agradeceram-nos o fim da penitência e o remanso do caixote de lixo. No congelador umas réstias de pão, congelado, mas com ar de ser do tempo dos mamutes. Na porta do Frederico, meia cola de litro e um quarto de água mineral. The End.


O Mangas sacou um amendoim dos calções de praia e houve mortos e feridos na disputa da alcagoita. Foi mais afoito o Xeko, que nestas coisas das cacáuhétas não perdoa.


E prontos, lá foi uma brigada expedicionária direita à excelentíssima Churrasqueira da Pedrulha para o very tipical portuguese grilled chicken. Os dois titãs também comeram que se fartaram do frango de churrasco.

20/07/09

A Geração dos Transístores, por Rádio Pirata


Fez hoje anos 40 anos que o homem foi à lua pela primeira vez. Foi uma coisa espantosa e, depois destes anos todos, a principal pergunta que me faço a mim próprio é: como foi possível? Não «como foi possível termos ido à lua», mas, pelo contrário, como foi possível nunca mais lá termos voltado. Estamos em 2009. Como foi possível que desde 1972, ano da última missão Apolo 17, nunca mais tenhamos posto um astronauta noutro planeta, ao menos, de novo, na lua?

Fico estarrecido quando penso que a Apolo 11 que pôs Arsmtrong, Aldrin e Collins na lua pela primeira vez foi em 1965! Estes homens foram à lua com a tecnologia do transístor! Os computadores da Apolo, sofisticadíssimos na época, hoje dar-nos-iam vontade de rir. Se os astronautas tivessem, à data, os computadores de brinquedo que agora oferecemos às nossas crianças ficariam eufóricos. E no entanto com meios que hoje ultrapassámos largamente, com tecnologia que consideramos primitiva, a geração dos nossos avós fez viagens à lua de 65 a 72! É fabuloso!

Que foi feito da coragem, da ambição, do pioneirismo, da curiosidade e das vistas largas da geração de 60? Dos anos 70 atá 2009 avançamos alguma coisa - principalmente no envio de sondas espaciais à superfíceie de Marte. Mas é tudo muito incipiente ao pé das missões Apolo. Esperava-se mais, muito mais... Deixou de haver homens de visão e inteligência na NASA, como o grande Carl Sagan? Já não há heróis, como Armstrong, Aldrin e Collins? Com a tecnologia de que hoje dispomos não há uma razão séria para termos desinvestido tanto da exploração espacial.

Eu sei que a corrida espacial foi acicatada pelo contexto da guerra fria, que foi uma espécie de guerra simbólica entre os USA e a URSS, mas se a lógica não fosse uma batata a cooperação internacional deveria, agora, permitir-nos ir ainda mais longe. E também é verdade que muita gente distinta criticou o projecto de exploração espacial, como Martin Heidegger, um dos maiores génios do século XX. Heidegger confessou-se chocado com o abandono do planeta mãe. Mas ele enganou-se muito, noutros temas também, como na política...

O semi-abandono da exploração espacial foi, para mim, um dos maiores escândalos da nossa geração. Neste aspecto, não mostrámos ser dignos daqueles homens que acreditaram numa viagem impossível a outro mundo. Não fomos dignos da sua coragem, nem da sua dádiva. Fomos mesquinhos e achámos que era muito caro, que fazíamos melhor em aplicar as avultadas verbas da exploração espacial a equipar exércitos com felinos aviões invisíveis e armas atómicas capazes de estoirarem com o nosso planeta num ápice.

Nos séculos XV e XVI, quando homens como D. Henrique, D. João II e D. Manuel, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Cabral decidiramdesafiar, com as suas caravelas, monstros desconhecidos, também se levantaram as vozes do costume. Como os astronautas de Apolo as suas naves eram obsoletas, à luz dos vindouros. Mas nada impediu os portugueses de darem início à viagem que Armstrong e os seus continuaram. Estamos em dívida para com uma geração. Mais: estamos em dívida para com a história! O repto é claro: para a lua primeiro e depois para Marte! O maior sonho do velho Buzz Aldrin é não morrer sem ver um homem em Marte. Infelizmente, creio que já não vamos a tempo de lhe dar essa alegria.

16/07/09

Pastéis de Belém e Tentugal, por Mangas

Confesso que nunca fui especialmente amante de doçaria, conventual ou regional. Os meus gostos são simples e não exigem requintes elaborados de ovos e açúcar, para além do arroz doce submerso em canela feito pela minha mãe, ou de uma mousse de chocolate que ela faz todos os natais absolutamente soberba, camadas finas de natas cobertas de outras mais espessas e duradouras de chocolate até ao topo, e pelo meio, escondidas entre duas bem aventuradas colheres de paraíso, amêndoas torradas, cortadas a meio ou inteiras que conferem aos maxilares, ao palato e ao gosto, breves, mas inextinguíveis razões de existência. Abro aqui uma excepções para os meus dois doces regionais favoritos e dos quais nunca me abstenho, assim essa oportunidade venha ao meu encontro, de comer e saborear meia dúzia ou os necessários até consolar a pança. O pastel de Belém e o pastel de Tentugal. Sobre o primeiro não me vou alongar muito, pois é sobre o segundo que vos queria falar. Conheci os pastéis de Belém quando era estudante e fui estagiar para o Hospital Egas Moniz em Alcântara, em 1986. Recordo-me bem que saía do hospital às 3h da tarde, em Março já o sol me apanhava na rua a espreguiçar os apontamentos e os processos dos doentes, mortinho para me pôr dali a andar em direcção a Carnaxide estava eu!, apanhava o eléctrico até Belém numa viagem curta sem pausas e com Tejo a poente, descia em Belém e passo acelerado entrava na Antiga Confeitaria de Belém (penso que é assim que se chama), e já saía dali aviado. Nada de açúcar em pó! O pastel de Belém já tem doce quanto baste e o único complemento que admite é a canela! Não precisa, nem deve levar açúcar correndo o risco de se tornar excessivamente adocicado e ser cortado naquele travo único do creme macio e sereno ao paladar, quando saboreado abundantemente com dentadas frugais mas respeitosas, porque majestoso é o pastel. A besta que considera um pastel de Belém igual ou uma variante do pastel de nata, é bronco ao paladar, simplista na apreciação e ofensivo à verdadeira essência das coisas, da vida e dos deleites que a sustentam. Adiante. O pastel de Tentugal chegou ao meu conhecimento pela televisão. Era eu miúdo e via sempre um programa chamado Sopa de Pedra, com um fulano gordo e barbudo que vestia o hábito de monge e visitava as capelinhas gastronómicas deste país. Lembram-se? O tipo aparecia nas cozinhas, falava com os cozinheiros das iguarias, dos pratos que celebrizaram cada região ou ermo perdido e alambuzava-se no final, antes de seguir caminho de rota batida para outro paraíso à mesa. Um desses episódios foi filmado em Tentugal. Muitos anos mais tarde, comi finalmente um desses pastéis. Hoje, esse gesto tornou-se uma rotina mais ou menos desprezada. Não terá em si, o mesmo significado místico de provar um vinho ou saborear um cubano, mas continua a ser uma invocação de prazer e bem estar. Um dia destes, estava eu sentado a ver o GNT, quando sou surpreendido com uma reportagem sobre os pastéis de Tentugal. Os brasileiro vieram cá e pasme-se, demoraram três quartos do programa a mostrar passo a passo a feitura, não do recheio ou do pastel no seu todo, mas do folhado que o cobre. E fiquei a saber o que até então nunca eu tinha imaginado. A coisa faz-se assim: no centro de uma sala enorme e preparada para o efeito, coloca-se sobre um tecido branco com a largura e comprimento da sala, um bloco de massa feita exclusivamente com farinha e água, segundo a D. Fátima que até tem nome de santa e abençoadas devem ser as suas mãos. Depois, de forma progressiva, firme, e segura, vai-se esticando essa massa do centro para a periferia. Movimentos a duas mãos, sincronizados para não abrir brechas na elasticidade da massa, no sentido dos ponteiros do relógio. Estica, puxa, estica, puxa. A massa vai-se tornando cada vez mais fina e extensa, como devem calcular. A certa altura, após uma ou outra esticadela, o ar invade o espaço entre a massa e o chão criando um efeito de balão: a massa chega quase a tocar o tecto, como um enorme pára-quedas a abrir-se para logo a seguir, descer quando o ar se escapa, muito lentamente, até ao pano branco outra vez, onde assenta. Incrível! Nem um golpe na sua integridade, nem uma brecha por ali se mostra. No final, a massa ocupa agora todo o perímetro da sala. Não imagino, mas seguramente alguns 10mx10m, talvez. Está agora reduzida à espessura de uma folha de papel transparente. Literalmente! É então que os bordos irregulares são cortados de forma geométrica, para em seguida se proceder ao corte de pequenos quadrados, centenas deles, que sobrepostos em quantidades proporcionais vão receber o recheio de ovos, ser enrolados e acabar no forno. Achei aquilo tudo de uma mestria absolutamente única. A manualidade, a simplicidade e ao mesmo tempo a complexidade do processo, fizeram-me achar que era algo digno de pertencer a este espaço e olhar para os pasteis de Tentugal com outros olhos, ainda que com a mesma boca.

13/07/09

A Sinfonia Pastoral de André Gide, por Canibal


Gide é um dos nomes maiores da literatura francesa contemporânea, Nobel da literatura em 1947. Admiro-lhe a fluidez e naturalidade da escrita, bem como as suas tensões permanentes e a densidade psicológica dos seus personagens. Trata-se de um autor que já estava na minha lista há anos, mas cujos livros nunca encontrei. Até que, na semana passada, fui à FNAC dos Fornos. Saí de lá com três Gides, este, A Porta Estreita e Os Moedeiros Falsos. Já li os dois primeiros e vou a meio do terceiro. Não sei, pois, se este post é sobre um livro de Gide, se sobre o papel incontornável da FNAC dos Fornos na minha educação literária…

O argumento deste Sinfonia Pastoral é uma coisa poderosa que, em certos aspectos, remete para Dorian Gray de Oscar Wilde. O cenário é o de um triângulo amoroso: uma rapariga cega, gradualmente, apaixona-se pelo seu preceptor, um pastor protestante, que também está apaixonado por ela mas que sublima essa paixão. O filho do pastor também se apaixona pela rapariga mas não é correspondido.

Entretanto há a possibilidade de uma operação devolver a visão à rapariga. E com esta perspectiva o pastor entra em pânico: será que, ao recuperar a vista, ela vai deixar de gostar dele? Passará a amar o filho dele? O dilema remete para a parábola bíblica - e a ressonância religiosa está sempre presente na obra de Gide - do «Olhar». Não será o cego, ou seja, aquele que está livre da ilusão da aparência física, quem vê mais profundamente? Como vemos melhor - com a visão física ou com os olhos da alma? O que é que é mais determinante - o ser físico, que apreendo pelos olhos, ou o ser «espiritual» que apreendo pelos «olhos da alma»?


12/07/09

How can I Stop

Uma Pérola Escondida na Discografia Recente (bem recente é como quem diz, Bridges to Babylon, o disco da canção é de 1997) dos Stones ou O Keith Richards é Mesmo o Maior, Fónix!

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10/07/09

Betos? Era matá-los!, por Ni-ga!


Sem mais comentários descnecessários, segue-se a publicação do excelente post do Ni-Ga,editado em estreia mundial absoluta no http://vaipaselva.blogspot.com/.

Decidi corresponder ao apelo do Mau-r-à-dona e fazer um texto sobre os betos. Vocês têm tanta aversão por Mitras ou Sangokus como eu tenho por Betos. Principalmente pelos "betos-da-solum" e pelos "betos-do-dona".


Quando olhamos para um Sangoku lembramo-nos logo do vegeta ou do Son Goku. Eu quando olho para um beto lembro-me do Fernando Pessoa. Ou, outro tipo de betos, fazem-me lembrar morangos. Mas não são uns morangos quaisquer: são Morangos Com Açúcar.


Eu explico. Há dois tipos de betos: os betos rebeldes (morangada) e os betos-certinhos (Fernandos Pessoas).


Os betos-certinhos são o tipo de pessoa que só se topa através de uma curta conversa. Normalmente são tímidos e usam as calças e camisas bem engomadinhas que a mãe lhes prepara, quer tenham 10, 15 ou 20 anos. Andam com a roupa escolhida pela mãe, não sabem o que são gajas, passam a vida em explicações e não fazem nada do que é politicamente incorrecto.


Sempre que olho para eles imagino-os com um chapéu e uns óculos como o Fernando Pessoa. Imagino-os a ler livros profundos e a fazer reflexões em voz alta ou a declamar poemas enquanto jogam xadrez com os amigos:

“O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.”


Este tipo de betos é criticável mas não tão irritante como o segundo tipo. Os Fernandos Pessoas não vivem. Não sabem o que é divertir-se. Será que alguém pode dizer que já viveu sem nunca ter fumado um cigarro, sem nunca ter snifado qualquer coisa, sem nunca ter posto alguma cena para a veia, sem beber álcool, sem ter pertencido a um gang urbano ou sem nunca ter andado à porrada? Acham que a vida é ler, jogar xadrez ou declamar poemas? A vida é curta e dura, sócios! Aproveitem-na. Não é por se drogarem uma vez ou outra que vão morrer muito mais cedo!


O segundo tipo de betos é o dos betos-morangos. São os típicos betos-da-solum: passam a vida no S. José do Gira com os seus capacetes das motos que os pais riquinhos compraram aos meninos porque eles fizeram birrinha. Andam sempre de camisinha mete-nojo, às vezes para dentro das calças, óculo de sol e sapatinho lambidão, com o cabelo à frente dos olhos e a ser afastado com um movimento de pescoço que puxa o cabelo para trás e o volta a meter à frente dos olhos (para ser afastado mais uma vez e outra e outra…). E, claro, fazem a depilação, como bons maricas que são… É por isto e por outras razões que – não digo para não me alongar mais – que acho que os betos (suínos) da solum são uns parasitas sociais!


São mais irritantes porque são ricos, filhos de bons papás e com a mania que são superiores. Drogam-se, bebem e fumam tal como os Mitras ou os Sangokus. Mas têm uma diferença essencial: estilo! Acham-se os donos do mundo e das gajas. Normalmente andam rodeados delas, com aquela meiinha puxada até ao joelho e as calças um bocado mais curtas, para se poder ver a meia de marca e o sapato de vela. Metem-me um nojo! Ia aos cornos a todos no momento!


É que ainda por cima estes moranguitos têm a mania que são maus. Mas na altura da porrada é que se vê quem manda. Os Mitras são muito superiores. Estes morangos não gostam de ler nem de escrever. Têm más notas e chumbam montes de vezes. São pessoas fracas intelectualmente mas que acham que por ter dinheiro são os donos do mundo. A única diferença intelectual e mental entre este espécime e os Sangokus é que os Betos se acham os donos do mundo. O dinheiro compra tudo, não é verdade?


Ah! E outra coisa que me irrita: estou farto de ver aqueles putos que no 6º ano usam calças da resina e são bueda maus, e depois quando crescem, mesmo que não queiram, mudam a sua identidade deixando crescer o cabelo e ficando betolas. O que é isto? Só querem babes? Se não se sentem bem com isso porque mudam? Têm medo de ser chacinados pela sociedade? A sociedade é hipócrita sócios. A sociedade é hipócrita! Ninguém se respeita. Ninguém respeita a diferença. Quando ando na rua ouço risinhos. E daí? Caguei e andei! Afinal ser diferente é ser à frente.


Agora vou-vos falar dos momentos mais felizes da minha vida enquanto mitra: quando chega o verão e vou para a figueira com os meus primos de França e passamos o dia no aquapark! Isso sim é vida! Temos muito a aprender com os mitras franceses, vulgarmente chamados “Avecs”. Eles são o santo graal do estilo. São uma epopeia da expressão! Estão na vanguarda da moda! E eles lá não são criticados como cá! Por isso tirem as vossas ilações e vejam se não chegam à conclusão de que se respeitassem os mitras o mundo era muito melhor!


Como nós dizemos: mas que vida a nossa… Comer, beber e andar de carroça!

07/07/09

«Vencer a Crise… Com Vergonha na Cara», por Ubick



O último cartaz do ps para as legislativas ameaça tornar-se um clássico na categoria fancaria. Mas tem, pelo menos, o mérito de ser um sintoma do estado a que o ps chegou. O ps tornou-se um partido completamente descredibilizado muito à custa das piruetas e trapalhadas do seu líder. Este cartaz revela exemplarmente este traço de carácter – a inautenticidade - de um partido que cultivou durante o mandato socretino uma péssima relação com a verdade. É, pois, um cartaz mentiroso como o partido que representa.

Começando pelos fundos, aparece-nos meio escondido, timidamente, à esquerda no cartaz, o ex ministro da saúde, correia de campos. Este indivíduo foi desautorizado e corrido pelo seu próprio governo, quando levou a cabo uma série de embrulhadas que afectaram muitas populações do país. No entretanto não fez ondas, esteve sossegadinho, e viu-se agora recompensado com a inclusão, em lugar elegível, na lista xuxa para Bruxelas. Paga pelos seus bons trabalhos? Mas então porque o demitiram? Percebe-se que ocupe o lugar mais escondido do cartaz: o homem tem vergonha e o partido também. Está com um ar de «desculpem qualquer coisinha». Se pudesse nem lá aparecia. Mas não pode.

No extremo oposto aparece um senhor cuja cara não me é estranha. Associo-o a disparate, sabe-se lá porquê, mas não me lembro do nome do sujeito. Discreto, nem se dá por ele. Tá ali a fazer peso, a compor a imagem que precisava de um contraponto ao correia de campos, escondido do outro lado. Adiante.

Depois, por uma questão de cavalheirismo, aparecem as três senhoras da lista: a última é a ana gomes, uma anedota do panorama político português. Depois de se ter distinguido por ser uma crítica severa dosocas, surge, agora, súbita e surpreendentemente, como candidata a Bruxelas! Se tivesse vergonha apareceria neste cartaz com a cara pintada de preto para não ser reconhecida. Infelizmente não tem e aparece de cara descoberta, embora muito disfarçada pela maquilhagem. É um exemplo de alguém que, entre a coerência e a sobrevivência, tratou da segunda e esteve-se nas tintas para a primeira. Afinal a vida custa a todos... Mas a ana não está nada contente, parece até um pouco envergonhada (eu estava se fosse ela).Mas prontos, talvez o excesso de maquilhagem com que se apresenta no cartaz lhe tenha dado a vaga esperança de passar despercebida. Ela também.

A ana gomes forma com a presença seguinte, a dona elisa ferreira, o duo fantasmagórico do cartaz. São dois fantasmas porque estão lá mas não estão. São duas candidatas às europeias e também a duas câmaras municipais: gomes a Sintra e ferreira ao Porto. São, pois, ubíquas, pois pretendem estar em dois lados ao mesmo tempo! Não percebem que os portugueses vêm na sua presença no cartaz o óbvio: um eleitor do Porto não vota na elisa porque acha que ela vai para Bruxelas e um eleitor que a quer em Bruxelas também desconfia que ela fica no Porto. E o mesmo para a gomes, substituído o Porto por Sintra. São presenças ubíquas e, porque a ubiquidade não existe, as mais fantasmagóricas e embusteiras do cartaz. E as pessoas não gostam disto, é claro, muito em particular os Portuenses que já foram comidos uma vez da mesma maneira com o fernando gomes. Mas o ps não aprende nada é o que é…Não sei porquê mas parece-me que o Rui Rio já ganhou as eleições...

Depois aparece-nos uma senhora com um ar entradote que é a dona edite que dantes fazia uns programas sobre português bem escrito e bem falado mas que agora apoia um governo que nos quer pôr a todos a escrever «fato» sem o cê devido antes do tê e tá tudo boé da bem, vamo nessa galera… A dona edite faz parte de um dos lobbies xuxas mais tenebrosos da trupe que inclui o armando vara, o morais que foi professor do socas de 4-cadeiras-4 na Independente e o próprio socas. É uma gente que tem de ser recompensada pelos bons serviços e por isso, cá vai também para Bruxelas.

Finalmente em primeiro plano aparece o líder, o candidato europeu xuxialista: o avô Cantigas, também de ar tímido, ele que já foi ex comunista. Neste caso o nosso espanto também é grande porque pensamos logo que isto é publicidade a um novo disco do cantor patusco, agora acompanhado por uma nova banda. Pobre avô cantigas: para além de, ele próprio, ter sido uma escolha infeliz, ainda precisavam de lhe arranjar uma banda de músicos forçados? Com um ar tão envergonhado não os estou a ver tocarem nada de jeito… Estamos, pois, perante um cartaz cujos figurantes mais parecem monos de sorrisinhos amarelos que preferiam claramente não estar lá (no cartaz, só no cartaz). Olha-se para este cartaz e os figurantes parecem implorar-nos: tirem-nos daqui, por favor, tirem-nos daqui!

06/07/09

PS 2009


Retiradp de http://blasfemias.net/

04/07/09

Brasil de John Updike, por Tó Negão


«O ar dos trópicos sugere, durante o dia, que nada se pode realizar, que a decadência e a lassidão são próprias do homem. Mas à noite o ar parece cheio de emoção e acção em potência. Há uma promessa húmida e perfumada à espera de se realizar.»
John Updike

Updike concilia uma dimensão densa e poética na sua escrita com a clareza e a precisão meridianas da linguagem objectiva. Ele realiza uma espécie de quadratura do círculo literária porque consegue harmonizar estas duas características da escrita que são frequentemente exclusivas uma da outra. A linguagem clara costuma ser o contrário da linguagem entrópica, mais própria da poesia. Updike é dos escritores que melhor consegue conciliar esses dois pólos frequentemente opostos.

O livro é um fresco muito interessante do Brasil, das suas contradições, da sua história e evolução (?) recentes. Trata-se de um livro que exigiu trabalho ao seu autor, um livro que não é resultado, apenas, da inspiração do daimon. Pessoalmente gosto de livros assim, não costumo apreciar literatura mandriona, por mais brilhante que seja. Mas para além do trabalho de pesquisa por ele realizado – e declarado no posfatio com a referência aos nomes de Levi-Strauss, Assis, Freyre, etc – há ali uma potência vital que só pode sentir e transmitir alguém que viveu e se apaixonou pelo Brasil.

Brasil começa com uma história de amor que a princípio parece banal – o cliché Tristão e Isolda transportado da Idade Média Gótica para o Brasil contemporâneo tropical – mas que depois conhece variações inesperadas. Tristão é o negro favelado das praias de Copacabana; Isabel a filha da alta burguesia dirigente. E há na sua história uma moral principal: é que o amor de Tristão e Isabel vive apenas na adversidade, enquanto são excomungados e perseguidos; quando esse amor é finalmente aceite pela classe social e familiar de Isabel, isto é, quando passa a comprazer-se na facilidade de uma vida burguesa, acaba porque Tristão desiste

03/07/09

O Descalabro - quase poema quase pátrio escrito agora mesmo, tarde de 3 de Julho de 2009, no intervalo das notícias e tal, por Cão

Vale muito a pena ir lendo os livros anteriores a tudo isto.
Isto: esta gente.
Aprender a língua de cá e as outras que por aí andam - vale a pena.
Sair, ir ver o mar, dar uma volta boa pelas cidades outonais que restam, consultar a Primavera possível da luz.
Criar os filhos à imagem e semelhança deles mesmos.
Saber algumas coisas, o porquê dos nomes das ruas, os tipos de árvores que por aqui se dão melhor, guardar os rios da fobia e da avidez suinícola.
Ser eólico, cada um por si a favor do outro.
Estimar o velho que se vê passar aturdido pela pressa do Tempo.
E devolver os cornos a quem no-los põe, em democracia.

Também vale a pena ter pena da pobre gente.
Dessa que não vai ao teatro saber o que fazem as pessoas-personagens.
Dessa que é pobre de bmw por todo o lado.
Dessa que, coitada, nos quer em outra ortografia, outro desespero, outra nova oportunidade perdida.
Vale muito a pena sabermo-la irremediável, triste, bacocazita, suicida defecadora de giletes.

Gosto do nosso descalabro pátrio.
Diverte-me - e é que já vou estando em idade de me não importar doentiamente com a saúde.
Ontem à noite, até interrompi a leitura da poesia de José do Carmo Francisco e de Luís F. Adriano Carlos para ver aquele menino-ministro a fazer aquilo com os dedos na Assembleia "abúlica", como lhe chamou o poeta João Apolinário.

Tenho medo de que não valha muito a pena saber o bom e o mau das coisas.
Sei que vale, mas receio que se não dê valor a saber.
Saber o bom e o mau, o que é uma igreja bem iluminada, um bairro bem ordenado e com árvores e assim.
Conhecer para além do preço das bananas, distinguir a colonização da Nova França de uma caixa de sapatos vazia.
Conhecer que é mais grave a pianista Maria João Pires renunciar à cidadania portuguesa do que as eleições do Benfica.

Também seria bom que nos não pusessem tanto os cornos.

Não espero já que nas escolas a juventude identifique o retrato do senhor Alexandre Herculano.
Espero tão-só que as minhas filhas sejam felizes todos os dias, mesmo quando o dia não for feliz, mesmo quando, sozinhas e por si mesmas, descubram a fundamental infelicidade do País em que nasceram.

Gosto das minhas filhas - como toda a gente gosta dos filhos de que foi capaz.
Não gosto do brasil-ao-contrário da língua falada nas retretes televisivas.
Quase me ri, quando vi a Bethânia com o Marco Paulo cantando compungidamente em Fátima.
Quase já não tenho tempo senão para ser sincero.

Não tem importância que o Joaquim de Almeida, coitado, ganhe a vida a fazer de Nicolau Breyner em Hollywood.
Importância nenhuma.
Nem que o País quase lacrimeje de orgulho a ver aquele rapaz do nariz chamado João Garcia a subir montanhas em vez de traballhar qualquer coisita para o PNB.
Estas coisas fazem parte, elas existem com o mesmo direito natural à estupidez que nos subjaz a todos.
É como chamarem "escritor" ao Peixoto, coitado.
É como delirar com a puerilidade do Mia Couto, coitado.
É como fingir que o papão nosso de cada dia não há - e que se chama Imbecilidade, o papão.

Não, não tem importância.
Por mim, tenho muita pena de não ser o Prévert.
Eu gostaria muito de ser o Prévert: de já ter morrido, de ter escrito aqueles poemas que faz bem ler com um sorriso cúmplice nos beiços.
Cagar e andar, naturalmente, para o Torga, para o Eugénio, para o Ramos Rosa, para a seita toda que não seja Carlos de Oliveira, António Osório, Ruy Belo, Camões.

Aprender a mudar os fusíveis, ser útil aos vizinhos, amar nos animais a memória profunda do nascimento mais inocente.
Matar as moscas à palmada para poucar nos clorofluorcarbonetos que dão cabo do ozono.
Perdoar o catolicismo ao Graham Greene, ir a Peniche adorar a Nau dos Corvos, ler a senhora Rodoreda e recomendá-la às pessoas que desligam a televisão quando nos convidam para jantar.

O senhor Manuel Pinho já não faz mal nenhum.
Pensando bem, nunca fez, coitado.
Ele é só aquilo, coitado, ele se calhar gosta da mulher e da nossa Pátria.
Se calhar, ele não saberia escolher entre Paul Celan e a Júlia Pinheiro.
Ele, se calhar, gosta da Mariza e da Dulce Pontes e assim.
Ele, se calhar, preferiria - como todos nós, homens - ter nascido Richard Gere e não Manuel Pinho: ou até, por baixo, Joaquim de Almeida, Manuel Pinho é que nunca
mais.

O que me fascina nisto é ter em casa só para mim a edição da Ulisseia de "Bosque Proibido", sim, que o antropólogo Mircea Eliade também foi romancista.
Tendo a edição da Ulisseia de "Bosque Proibido", que é que me interessa que um ministro faça corninhos digitais na Assembleia da Abúlica?

O que me fascina nisto é fazer um quase poema quase pátrio sem falar no Chefe, no menino-de-ouro, no Filho que é Pai à direita do Espírito Santo e
dos outros bancos todos.

Nenhum de nós pode nem deve, assim de repente, chegar às aldeias e dizer às mães que telefonam para as rádios locais que na TSF se fala à americana com hãs no intervalo das sílabas para a informação ser mais, precisamente, americana.
Nenhum de nós pode nem deve, assim de repente, chegar às aldeias e dizer às mães que o ensino técnico-profissional pode produzir gouchas apresentadoras, por assim dizer, significando aqui "gouchas" como aportuguesamento de "esquerdas" a partir do francês "gauches".

Nós temos todos é de ser felizes sempre que possível.
Ele ainda há hipóteses.
Uma delas é aproveitar o sol e a chuva e ainda respirarmos e termos sido amados a ponto de amar sabermos.
De modo que Angola não tem importância, o avião presidencial, a filha presidencial, os diamantes, a conversão católica da senhora Maria Barroso, os saiotes melífluos do sacerdote Melícias, a coluna cor-de-rosa do Carlos Castro no "Correio da Manhã", o cinzentismo obrigatório do "Diário de Notícias", o esquerdismo reformado da "Visão-ex-O-Jornal", o mcdonaldismo alegadamente informativo do "Expresso" de trazer nas manhãs-de-saco dos sábados-de-plástico, a Santa TVI analfabetizando militantemente os cafés rurais da Nação - nem a alegada Educação Nacional.

A Educação Nacional, senhores e senhoras: isto dos exames de cacaracacá, isto tão aborrecido de ensinar & aprender a ler-escrever-contar-e-pensar, isto dos professores, coitados, isto das peregrinações-a-Lurdes, coitados.

A Saúde Nacional, senhoras e senhores: as prenhes a desprenhar-se à pressa nas ambulâncias, os centros de saúde infestados de médicos contrariados e de enfermeiras com a menopausa aos coices e de administrativas que jogam ao solitário e ao imeile dos sáites de encontros amorosos com gajos brasileiros e de administrativos que jogam ao solitário e ao imeile dos sáites de encontros amorosos com gajas brasileiras.

A Justiça Nacional, meninos e meninas, cheia de desprovedores por tudo quanto é canto, e de moitas-flores conselheiros por tudo quanto é praça-da-alegria e assim, e de desembargadores embargados de lágrimas de há-ali-gueitór, e de valentins- e-ou-dias-loureiros.

O Bairro Social Nacional, meninas e meninos, carregadinhos até aos dentes dos restos escoriais do colonialismo, atravancadinhos de rendimentós mínimos de rintintinserção-social e outras merdas às cores.

Se me dessem a escolher entre a Pátria e o Descalabro, eu não escolheria o que não pode ser separado.
Se me dessem a escolher entre dormir sexualmente com uma gaja das boas e ter o nº 117 da Colecção Vampiro, eu escolheria o nº 117 da Colecção Vampiro porque a Pátria já não tem gajas boas para dormir sexualmente, só tem descasadas da 24 de Julho e brasileiras dos restantes 364 dias.

Ao contrário, portanto, do que o senhor Manuel Pinho possa pensar, o senhor Manuel Pinho não tem importância, no que, aliás, a Pátria o imita tremendamente.

Quando posso, leio o suplemento "Babélia" do "El País", claro.
Quando posso, vou à Figueira da Foz comer sardinhas assadas e rever aquele amarelo das casas que é único no meu mundo.
Quando posso, vou a Coimbra entristecer deliciosamente entre o Botânico e a Casa do Sal, permeável à nostalgia dos comboios, à graça pobrezinha do Choupal, à humidade da Adelino Veiga, à pederastia gerontológica da Estação Nova, às porcarias de papelão que os ciganos deixam pela borda do rio, ao perfume a lixívia das divorciadas de Celas e dos Olivais, à devastação da ex-Zona ex-Industrial da minha Pedrulha.

Quando posso, sou português sem dizer nada a ninguém.
Só tenho pena é de já não beber.
Quando bebia, era mais fácil indignar-me depressa e sem consequências.
Quando bebia, também andava por aí a fazer corninhos com os dedos.
Quando bebia, também amava muito a Pátria, mesmo com o Scolari.

Agora, dou-me a Préverts e a Eliades.
Percebo a necessidade de Deus em Graham Greene.
E vou à minha vida em português, certo de ter filhas lindas e portuguesas,
mas lindas.

E um dia vamos todos ter duas datas a seguir ao nome
e nenhuns cornos,
finalmente.

Crónica afro-ribatejana, por Cão (porque o Michael ainda mexe...)


Não sei que fazer à ou da minha vida desde que o Michael Jackson deixou de estar entre nós. Já quando foi aquilo do O.J. Simpson, a coisa também não esteve fácil. Com o Rodney King, safei-me mais ou menos bem. Com o Luther também King, também. A cena do motel com o Sam Cooke ainda me está aqui atravessada. O avião do Otis Redding, também está. O pai do Marvin Gaye a matar o filho a tiro, enfim, há que pesar muito bem os prós e os contras destas situações. É ver aquilo do Johnny Ace, que também morreu cedo de mais: acontece com alguma frequência, sobretudo quando se brinca com uma pistola afinal carregada. A Billie Holiday, esse “estranho fruto”, não é menina para ajudar muito a adoçar a pílula. Aquilo da Ella Fitzgerald ter casado com um vigaristazito branco (e norueguês) só me veio amargar o rebuçado, aliás. Claro que ele há sempre o Denzel Washington, o Sidney Poitier, o Morgan Freeman, o Samuel L. Jackson, o Stevie Wonder e a Pam Grier. Pois há. Mas ele há também a Oprah (bufa) para descompensar. Eu sei, eu sei: Mahalia Jackson, Nina Simone, Bessie Smith, Sarah Vaughan e tal. Tudo gente boa. Mas agora sem o Michael como é que faço? Como é que fazemos? Já nem o Prince se chama Prince, quanto mais… Há-de valer-me muito andar a desculpar o Miles Davis pelas maluqueiras do fim da vida (tipo uma nota sozinha cada 43 compassos). Vem mas é logo o Charlie “Bird” Parker autoperseguir-se até à morte de velhice com apenas 34 anos de idade. Sempre posso contrabalançar a coisa com o gigantismo de uns Duke Ellington, Count Basie, Dizzy Gillespie, John Coltrane, pois posso. O Louis Armstrong não me interessa por aí além. Sobretudo desde que me falta o Michael, coitadinho.

Coitadinho mas é de mim, que cresci a ouvir o Duo Ouro Negro. “Vou levar-te comigo, meu irmão” Michael. Etc.

P.S. Os serviços de copy desk do Porco verificaram que este post continha uma grave omissão: a não inclusão do nome do grande jimi hendrix na lista. Coontactado pelo nosso departamento editorial, o cão reconheceu a falha e comentou: «Caraças, o Jimi, pois é. Mas é que eles são muitos...» E vai daí achámos por bem inserir no post uma foto do Jimi, como forma de reparação ao seu bom nome.

02/07/09

Manel Pinho e a Hipocrisia Política, por Hipócrates

Manel Pinho, o mesmo da farinha maizena e do «Portugal, paraíso da mão de obra barata para chineses», foi demitido, hoje, de ministro da economia por ter feito um sinal de conotações taurinas que ofendeu a dignidade da Assembleia da República. Não sei o que ele quis dizer com aquele estranho gesto de elevar os indicadores à altura da cabeça. Sabe-se que se dirigia a um deputado do pcp, mas o que quis dizer exactamente com o seu gesto taurino? Pode haver muitas interpretações como, por exemplo, «vai marrar cum comboio», «és um animal de chifres», «sou um animal de chifres», «saíste-me um etê daqueles com antenas e tudo», «caracol», «abelha maia», «tenho capacidades de percepção extra sensoriais», etc, etc. Seja como for, o gesto foi-lhe fatal e o sr 1º ministro até veio à TV e tudo, com aquele ar de animal manso que ele adoptou depois da derrota nas Europeias, declarar que «nada justifica aquela reacção». Não por acaso, certamente, foi socas quem veio pedir desculpa à assembleia pelo gesto do sr pinho. Pedir desculpas é coisa que encaixa como uma luva no seu novo papel de animal manso...

Mais que a falta de educação do sr pinho, que já nem é novidade, e que teve como epílogo o único desfecho razoável, o que me parece mesmo escandaloso é aquele ar muito pesaroso e a total falta de pudor que permitem a socas vir anunciar a demissão do seu ministro. Socas está envolvido em casos muito mais graves que nunca conseguiu explicar cabalmente: fripó, licenciatura na independente, projectos de ingenharia da guarda/covilhã, dúvidas na compra de um apartamento de luxo por metade do valor, etc, etc. Qualquer um destes casos é muito mais grave que o do gesto de pinho. E no entanto, socas teimou e teima em alapar-se ao poder e em assobiar para o lado. E ainda é capaz - pasme-se! - de vir dizer, com um ar muito digno e moralista, que aquele comportamento do ministro pinho «é inaceitável»! O decoro - para não lhe chamar outra coisa - devia ter limites. Infelizmente parece que não tem.

Fica a dúvida acerca da atitude que tomaria socas se, em vez dos conselhos de marketing que o transformaram em animal manso, ele ainda estivesse na sua fase pré-derrota eleitoral de animal feroz. Pessoalmente tenho as minhas dúvidas se ele teria demitido manel pinho... Encaro este episódio como mais um capítulo na lenta metamorfose zoológica do sr 1º ministro. Mas seja como fôr, a comprovada inautenticidade de socas, bem como a sua absoluta falta de autoridade moral, não o inibem de representar este papel de paladino da ética. O homem não tem qualquer problema, como se não tivesse passado nem presente, como se fosse uma personalidade completamente rasa.O que só prova que o seu objectivo número um é conservar o poder, ainda que à custa de uma contradição tão crua entre o que proclama e o que faz. Bem pregava frei Tomás: «faz o que eu digo mas não faças o que eu faço»...