Já é uma tradição do Porco: as listas dos livros lidos durante o ano, uma tradição que é, aliás, anterior à própria blogosfera e até à internet. Vem dos tempos do Liceu D. Maria e eu faço questão de a reeditar todos os anos aqui no Porco. Fico a aguardar a vossa lista, pode ser mesmo nos comments que eu depois traduzo em forma de post)... A minha aí vai:
Robert Harris – Pompeia, Bertrand, 2003
O ano começou com a ficção histórica de Harris. Tinha lido o Fatherland, uma óptima ideia que achei mal explorada, mas ficou-me a apetência pelo autor. E havia uma referência elogiosa a este Pompeia de uma das mais ilustres leitoras deste blog.No entanto Pompeia foi para mim uma desilusão e confirmou a veia mais policial de Harris que, sinceramente, não me interessa muito…
Edward Peeters, História da Tortura, Teorema
Fiquei com este livro na cabeça desde que vi uma exposição sobre instrumentos de tortura no Pátio da Inquisição aqui em Coimbra. Na altura não o comprei e o livro transformou-se numa dessas espinhas atravessadas no meu consumismo. Até que o encontrei numa feira do livro na estação de S. Bento no Porto. Comprei-o mas… Que grande decepção. Uma banalidade absoluta muito longe da qualidade da exposição que, essa sim, foi marcante.
Nietzsche – O Anti Cristo, Guimarães
Uma releitura, porque é sempre imperioso voltar a Nietzsche. Agora voltei motivado pelo filme homónimo de Lars Von Trier.
Michael Streeter - Franco, Texto.
Franco é uma personalidade fascinante (como Salazar), um dos homens que mais marcou o destino da Ibéria. Apanhar esta versão digest da sua biografia foi que nem ginjas. Um bom começo para quem, como eu, quer aprofundar o tema.
V.S. Naipaul, Uma Vida Pela Metade, Bertrand.
Uma das mais gratas surpresas do ano! Descobri Naipaul por acaso numa estante cá de casa. E foi amor à primeira linha. Gostei do tema, da narrativa, da biografia multi-cultural do autor e da personagem do livro (um indiano que passa pela Inglaterra e pela África Portuguesa) e, sobretudo, do esplêndido estilo despojado e meridiano.
Roberto Bolaño, 2666, Bertrand.
2666 foi considerado um acontecimento literário. Bem, acho eu. 2666 não é um livro, são cinco e todos desiguais. É portanto um livro irregular porque não é verdadeiramente um só. Mas adorei três dos livros de 2666 e marquei Bolaño como um nome a ter em conta.
Selma Lagerloff, Os Milagres do Anti Cristo, Bertrand
Uma espécie de romantismo escandinavo. Selma Laggerlof foi Nobel da Litertura e é uma excelente escritora. Mas este livro, pese embora a notoriedade do estilo, não me marcou especialmente.
Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão, editora Record
Nunca tinha lido os Cem Anos, parecia impossível…
Eugen Fink, Nietzsche.
Estou sempre a voltar a Niezsche. Fink é um dos seus comentadores mais conceituados.
Paul Naudon, A Franco Maçonaria, Europa-América.
A quadratura do círculo. O formato é demasiado enciclopédico, quer dizer, parece um daqueles livros com dados que não foram feitos para se lerem de um trago, mas para consulta. E, contudo, é um livro de bolso Europa-América. Assim nem literatura histórica nem verdadeira obra de consulta…
Maria Cristina Pimenta, Guerras no Tempo da Reconquista – 1128/1249
Não é só este livro. Toda esta colecção de livros de História de Portugal editados, salvo erro, pela Associação de Professores de História ou coisa parecida, é um óptimo serviço à causa da divulgação da história nacional. E bem precisamos…
Carl Grimberg,História Universal, Europa- América, vol. … Roma
História Universal, vol.2 (Dos Persas à Grécia Clássica), 4 (Das origens à formação do império romano), 5, (O império romano) e 7 (Das cruzadas às guerras hussitas)
Começou o Verão e deu-me para me aventurar nos velhos volumes de uma História Universal da Bertrand que tinha cá por casa. Os clássicos são eternos(mas faltam-me alguns números como se pode verificar...)!
Sade, Os Infortúnios da Virtude, Europa- América
Excelente! Mas a seguir tentei A Filosofia na Alcova e achei que pouco tinha a ver com Justine. Sade perdeu-se no seu «sadismo», nas descrições da abjecção sexual. A parte filosófica parece colada a cuspo, como se fosse outro livro. Pelo contrário, Justine não é nada disso – porque sabe articular sem ser à força reflexão a trama narrativa, porque as cenas de sexo não aprecem como apêndices mas como partes essenciais da narrativa. Os Infortúnios é excelente, a Filosofia na Alcova é Marquês em saldo…
Camilo Castelo Branco, A Queda de um Anjo
Como é que eu não conhecia este Camilo? Um primor de erudição, de sentido de humor, de mestria literária. E ainda por cima um livro muito actual no seu retrato impiedoso da boçalidade convertida em deputada da nação, tão válido no tempo de Camilo como agora (mais agora…)
Laura Restrepo – A Noiva Obscura, Bertrand.
Uma óptima surpresa! Para cortar a onda dos autores masculinos.
Ziraldo, Ziraldo.
Ele ficou mais conhecido como o autor da turma do Saci Pererê mas é muito mais que isso. Um óptimo livro numa excelente edição de luxo, como deve ser tratando-se, ainda por cima de belas artes, sobre um dos maiores artistas pop do Brasil.
John Updike, Coelho em Paz, Bertrand
Fabuloso! Updike é um dos grandes nomes da literatura americana do século XX. A descrição inicial da chegada da família ao aeroporto é magistral. Cinema em estado puro, ou literatura com uma qquidade visual que parece que não lemos mas vemos o que se passa.
Sade, A Filosofa na Alcova, Bertrand
Deste já falei em cima. Nem o consegui acabar. Acaba por se perder enquanto reflexão filosófica, tanto como enquanto livro pornográfico.
Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães, Bertrand
- Mina de Diamantes
- O Malhadinhas
Descobri Aquilino tarde mas a horas! Não conheço nenhum romancista com uma riqueza lexical tão vasta como a de Aquilino – nem Eça, nem Camilo. Comecei pela Casa Grande e li de enfiada os outros dois. Achei A Casa Grande uma obra prima, os experts que me desmintam…
Chico Buarque – Leite Derramado, D. Quixote.
Apesar do prémio não me pareceu um livro ao nível do que Chico já foi capaz de fazer, por exemplo em Budapeste. Um perigoso resvalar light…
Alberto Moravia, Uma Ideia da Índia, Tinta da China.
Fabuloso! Literatura de viagem é isto. Depois deste livro não aumentou só o meu conhecimento da Índia. Aumentou também o meu desejo de Índia. E num país, o nosso, onde é impossível arranjar uma história da Índia, este pequeno, simples e fantástico livro de Morávia tornou-se, para mim, um dos meus acontecimentos literários do ano de 2010.
Harold Bloom, Como Ler e Porquê, Caminho
Crítica literária sabedora. Contudo é claro que o autor vale-se de algumas formas pedantes, talvez por razões comerciais, do estilo «este é o melhor do mundo» e este quase que lhe chega aos pés, este bate aquele. E eu que pensava que a literatura não é um concurso de misses nem um campeonato de futebol…. Também é irritante a veneração a Shakespeare – parece que o homem já disse e fez tudo o que há a dizer e a fazer em literatura e que os outros mais não fazem do que dizer quase tão bem como ele. Achei a matriz anglo-saxónica demasiado marcante – a esmagadora maioria dos autores citados são anglo-saxónicos. Mas porquê Cormack Mccarthy e não Reverte ou Cela ou Lobo Antunes? Porquê Keats e não Baudelaire? Porquê Shaw ou Emile Bronté e não Aquilino ou Eça? (também reconheço, este meu estilo de crítica é lixado porque se aplica a seja qual for o nome escolhido. Mas, de facto, a matriz anglo-saxónica de Bloom torna-se o denominador comum às suas escolhas)
Ruy Castro – O Anjo Pornográfico, a Vida de Nélson Rodrigues, Companhia das Letras, 1992.
Eu nem fazia ideia de quem era Nélson Rodrigues até ler este livro (que nada tem a ver com pornografia, apesar do título). Mas o escritor carioca (não de origem mas por adopção) Ruy Castro é um contador de biografias (e não só) tão brilhante que eu não resisti. Se ele escrever uma biografia do Tatonas avisem que eu leio…
Pedro Flor, Nuno Gonçalves, quid novi, Público, 2010.
Um não livro. Uma nulidade absoluta de um autor que não sabe escrever, com uma disposição absurda das fotos. Um monumento à irrelevância e à doutorice da treta. Uma oportunidade perdida pelo Público de lançar uma boa ideia, esta dos pintores portugueses… E sobre este tema até temos a Teresa Castello Branco…
Jean Granier, Nietzsche, Lpm Pocke encyclopedia, 1999
Eu não digo? Granier foi um eminente professor de filosofia, especialista em Nietzsche e uma referência do jovem Albert Camus. Só podia dar algo de bom. E deu…
Mathias Énard – Zona, D. Quixote.
Definitivamente, por melhores que sejam, por mais nóbeis que ganhem, não leio escritores que fazem frases que duram três páginas sem pontuação. Definitivamente!
Pedro Rosa Mendes – Peregrinação de Enmanuel de Jhesu, D. Quixote.
O regresso do autor de Baía dos Tigres. Peregrinação é um bom livro, mas poderá o Pedro Rosa Mendes libertar-se alguma vez do ponto estratosférico que atingiu com o seu primeiro romance (Baía dos Tigres)?
Phillip Dick, Depois da Bomba,
Espaço para ficção científica psicadélica e delirante de Dick. Um virar de página no estilo, depois dos clássicos Clark e Asimov…
Aquilino Ribeiro – Aventura Maravilhosa de D. Sebastião Rei de Portugal, Bertrand, 1975
Encontrei-o na feira das velharias por 1 euro! A primeira parte com a descrição da batalha de Alcácer Quibir é brilhante. E a parte final, o encontro de D. Sebastião com o rei e primo Filipe uma grande epílogo. Pelo meio fica um certo sabor a romance de aventuras, mas do melhor…
Eça de Queirós, A Relíquia, Bertrand.
Eis aqui um Eça que tinha sobrevivido à euforia que foi para mim a sua descoberta há muitos anos atrás, altura em que devorei todos os Eças que apanhei. Este tinha-me escapado e li-o, só agora, como quem encontra uma jóia num sótão de tesouros perdidos. E o melhor é que ainda me falta pelo menos um romance de Eça de Queirós ( A Ilustre Casa…)...
Carl Sagan – Contacto, Gradiva.
Que Sagan era um génio, já se sabia. O que eu não sabia é que a sua genialidade também se materializou no formato romance de ficção científica. O livro leva mais longe as excelentes ideias que já se conheciam do filme homónimo de Zemeckys.
Laurentino Gomes, 1822, Porto Editora.
Laurentino Gomes, um jornalista brasuca dedicado à investigação histórica, tinha sido uma das minhas revelações do ano anterior com o excelente 1808 que narra a história da fuga e permanência da família real portuguesa no Brasil. 1828 é uma espécie de continuação e conta-nos a história da independência do Brasil com D. Pedro I e seu filho D. Pedro II. Oxalá Laurentino Gomes não pare por aqui…
Arthur C. Clarck – O Leão de Comarre
Li-o com interesse para perceber melhor o contraponto cristalino com a prosa delirante (mas não menos aliciante)de Phillip Dick…
Arturo Perez Reverte – A Sombra da Águia, Porto Editora.
Sobre este saiu post mais em abaixo...
Jorge de Sena, Sinais de Fogo, Público.
Jorge se Sena é essencialmente um poeta – romances publicados, apenas este Sinais de Fogo. Quanto ao mais, uma novela (o excelente O Físico Prodigioso), contos e o resto é poesia e ensaios. Sinais de Fogo passa-se, sobretudo na Figueira da Foz à data da guerra civil de Espanha (e a Figueira que sempre foi um destino de espanhóis até ser um destino de ninguém)…
Ruy Castro – Rio de Janeiro, Carnaval de Fogo, Asa.
E prontos! Ruy Castro para fechar o ano em beleza. É um livro belíssimo daquele escritor de quem eu leria até a biografia do Tatonas. Castro escreve sobre o Rio mas numa interessante perspectiva que cruza os tempos, as diferentes cidades que existem numa só, as que existiram e já não existem, as que nunca chegaram a existir… Para quem ama a melhor cidade do mundo, este livro lê-se como um vício: não se consegue largá-lo e quer-se lê-lo de um só fôlego. Pode-se dizer melhor de um livro e de um escritor?
E para finalizar deixo um conjunto de obras que muito me influenciaram no ano de 2010. Li-as ao longo do ano, não de seguida, claro. Limito-me a deixar a sugestão sem mais comentários, não vá disparar a caixa dos comments em habituais ataques de que sou alvo pelo bando de hereges que me conhece, quando me refiro ao tema em causa:
Henry Arvon – O Budismo, Eur- Am.
Dalai Lama, A sabedoria do Coração, pergaminho,
Alan W. Watts, O Budismo Zen, Meridianos
Tony Morris, Em que acreditam os budistas, D. Quixote
Malcolm David Eckel, Conhecendo o Budismo - Origens, Crenças, Práticas, Textos Sagrados, Lugares Sagrados, editora Vozes
4 comentários:
Em vez da Noiva Roubada de Laura Restrepo, não será o Noiva Obscura?
ass: digo eu de que
É, concerteza. Grato pela correcção.
escreve-se com certeza (e não concerteza). deve ser de ler muito
Obrigado anónimo. O Porco está aberto à tua contribuição. Precisamos de colaboradores instruídos como tu para nos ensinarem a escrever. Chega lá à frente que nós cá estamos...
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