«O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) emitiu um parecer em que defende que o Ministério da Saúde “pode e deve racionar” o acesso a tratamentos mais caros para pessoas com cancro, Sida e doenças reumáticas.»
RTP Notícias
Esta notícia faz-me lembrar a arrepiante cena final de Apocalipse Now: «the horror», dizia o coronel Kurtz, algures, em plena guerra, numa selva profunda do Vietnam. Esta designada «Comissão de Ética» não está nas profundezas do Vietnam, nem no meio de uma guerra sanguinária entre canibais que exibem as cabeças decapitadas dos inimigos; está em Portugal, na Europa civilizada (?) do século XXI! Este não é o parecer de uma comissão de contabilidade mas, pasme-se, de ética!!!Como é possível que estes senhores venham defender que, cito de memória, «não se justifica gastar muito dinheiro com pessoas cuja esperança de vida é, por exemplo, de dois meses». Como podem saber que os dois meses de vida que restam a um doente já não justificam despesas «exageradas»? Quem decide o que vale e quanto vale uma vida, a vida de outra pessoa? A partir de quantos meses se justificam os gastos para salvarmos uma pessoa?
O que estes senhores da ética proclamam é a mais cruel das insensibilidades: o abandono de outro ser humano perante os inimigos que a todos nos acossam - a morte, a doença, o sofrimento. Albert Camus rejeitava a pena de morte porque consistia, precisamente, na deserção do homem perante o sofrimento que, a todos, nos faz «próximos», homens e mulheres, pretos e brancos, justos e injustos, polícias e ladrões... Neste caso é do que se trata é de algo muito pior que a condenação à morte de um criminoso - aqui trata-se de cortar o apoio a quem dele mais necessita. É o Inimigo Comum que nos faz a todos seres humanos - mas em que é que nos tornamos quando esta solidariedade que a todos deve unir é esquecida? Que diria Camus?
No país das reformas pornográficas, das mordomias e dos salários estratosféricos de alguns, das obras faraónicas, dos governantes das frotas de automóveis, há uma comissão de ética (?!) que está preocupada com os gastos excessivos com aqueles que sofrem atrozmente. Está tudo do avesso quando aquilo que devia ser prioritário é desprezado. Sabem quando devemos abandonar os doentes terminais e as vítimas de doenças terminais? Isto eu sei: nunca, enquanto houver um tostão neste país.
Nestes casos nem se aplica o conceito de «despesa excessiva», tenho dificuldade em pensar que há gente que enche a boca com a ética capaz de conjugar a linguagem da solidariedade para com um doente de cancro com a dos «gastos excessivos». Portugal, afinal, não é assim tão diferente da selva profunda de Apoclypse Now...
1 comentário:
é desligar a ficha e ir buscar a forquilha ! que diabo são mais que os melões?
ass: coveiro
(“Os mortos complicam, sempre as coisas. Um tipo pode ser o homem mais inofensivo do mundo, mas se morrer,
vai complicar a vida de alguém.”)
luís sepulveda - últimas noticias do sul
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