Blog da RS.T - Real Esseponto do Tinto - Coimbra - Os Três Pastorinhos também bebiam o seu copito
28/07/16
Problemas de Tradução, por Fritz
Leu tanto Heiddeger em Português que acordou um dia a falar Alemão.
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filosofia
23/07/16
Hitchock Apresenta: ainda a final do Euro, por Crítico de Cinema

Assim de
memória lembro-me de alguns jogos de futebol absolutamente seminais: o Brasil –
Itália do mundial de 82, o França- Alemanha, creio que do mesmo mundial, o
célebre jogo em que o carniceiro Shumacher manda o Batistton para o hospital, o
Portugal-França do euro francês, com o Chalana e o Jordão a arrasarem, o
Benfica- Bayer Leverkussen do 4-3, o Holanda - Rússia, alguns Reais Madrid-Barcelonas
do passado e do presente (o da «manita» no Nou Camp com o dream team de Guardiola
e Messi), o Dínamo de Kiev- Atlético de Madrid numa final da taça das taças, o Alemanha –Itália
com o Bekenbauer a jogar de braço ao peito, etc, etc. Todos estes e muitos
outros foram jogos magníficos que marcaram a história do futebol. A última
final do euro da nossa consagração não fica na história dessa maneira; mas fica
na minha história não só pelo facto de Portugal se ter sagrado campeão europeu.
Este jogo teve uma virtualidade fantástica que nem todos têm: teve enredo.
O jogo
parece ter sido escrito por um grande realizador de cinema: o melhor jogador
português, logo de início, é abalroado por um francês, o vilão Payet, e é
obrigado a sair. Ronaldo chora, os portugueses ficam aterrorizados e o sonho
parece estar desfeito. Quem senão Ronaldo poderia salvar a pátria? Há um
pormenor de realização notável, quando uma traça vem pousar nas lagrimas de
Ronaldo. O filme está tão bem realizado que até símbolos tem…
Mas, contra
todas as expectativas, em vez do colapso que receamos, os jogadores unem-se
ainda mais. Quaresma entra para o lugar de Sebastião Ronaldo, Renato deriva da
direita para uma posição mais central e, de repente, a França que estava a ser
avassaladora, até então, perde a iniciativa de jogo. Portugal sacode a pressão
e começa a controlar a bola. Sem Ronaldo, afinal, melhoramos…
Depois de
mais algumas peripécias menores – como a dualidade de critérios de um árbitro
habilidoso, outro vilão no enredo – dá-se um novo momento crucial quando
Fernando Santos, um treinador geralmente conservador, decide arriscar e mete o
Éder. Éder é o anti herói, quase podíamos dizer, o anti-ronaldo: é preto quando
o outro é branco, humilde quando o outro tem
rei na barriga, discreto e não espalhafatoso, etc, etc, etc. E é este
herói improvável que foi alvo de chacota e de desconfiança da população de
adeptos portugueses, quem resolve o jogo num remate fantástico digno de figurar
na lista os melhores golos do Euro 2016. Éder vem da Adémia, do Tourizense, do colégio
Girassol, de um orfanato, da Guiné... Teve problemas familiares graves. Foi
treinado por um mister que jogou à bola comigo. É um tipo às direitas e tem uma
força mental do outro mundo. E é bom jogador, não é nenhum tosco, ao contrário
do que disseram tantos pseudo-mourinhos.
Se
repararmos bem, este jogo tem uma história do caraças, é uma espécie de conto
moral, acerca da força do colectivo sobre a individualidade, da vitória
daqueles que nunca desistem, mesmo quando ninguém neles acredita, uma parábola
sobre um herói improvável. É uma história bem urdida e tem, obviamente, um herói
principal, entre outros: Éderzito, o menino da Adémia.
Se eu fosse presidente
da junta da terra mandava fazer,
imediatamente, uma estátua do Éder de 3 metros na rotunda da Adémia com umas
bolas ainda maiores que as da estátua do Cristiano no Funchal. Mas no dia
seguinte, as primeiras páginas dos nosso jornais tinham todas o Ronaldo, apesar
deste Euro ter sido uma vitória do colectivo e do peso de cada individualidade
estar perfeitamente diluído na equipa. Uma excepção: a primeira página do
Público, uma obra prima gráfica por todo o simbolismo que carrega. Já que não
se pode ter uma estátua do Éder com uma bolas muita grandes na rotunda da
Adémia…
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futebol
19/07/16
Viagens no Tempo II, por Ziggy
No fim do concerto do Iggy (ver post anterior) estávamos sem respiração, eu e o Tex, e a noite estava mais que ganha, mas parecia-me incrível, ainda faltavam os Massive Atack. Tudo na mesma noite! A minha expectativa era enorme porque já os tinha visto naquele mesmo pavilhão à uns anos por altura da edição de uma das suas obras primas, Mezannine. Esse concerto foi simplesmente fabuloso, um dos melhores que já vi. É verdade que eu perdi um pouco o contacto com os Massive, principalmente depois do insípido 100 Windows, mas recentemente refiz o vínculo com Heligoloand. E o novo EP dos tipos, Ritual Sirit, é MA do melhor! Sabendo da genialidade da banda, conhecendo a sofisticação dos seus shows, eu estava convicto que ia ser grandioso, numa onda completamente diferente da de Iggy, mas grandioso, anyway… E foi!
Aquilo a que assisti não foi um simples concerto – foi algo muito maior, um espectáculo de ambição global, uma super produção (a começar na enorme panóplia de músicos e instrumentos e recursos tecnológicos e audio visuais)… Aquilo é música, dança, artes plásticas, agit-prop, poesia … Como é possível fazerem tão bem coisas tão diferentes? Ouvem-se as primeiras músicas e parece-nos trip-hop, mas também há ressonâncias de rock progressivo, de hard rock, de etno music, de electrónica… É visceral e high tech ao mesmo tempo. Se Iggy foi uma viagem aos anos 70, agora viajamos, claramente, no futuro.
O espectáculo dos MA
é demasiado multifacetado para descrever aqui todos os aspectos que me
interessaram. Deixo apenas alguns tópicos:
- Esqueçam os
hits. O formato comercial do concerto em que as pessoas vão lá para reconhecer
as músicas e se entusiasmarem com isso não é para eles. Dos hits da banda,
apenas tocaram, um, a fechar, Unfinished
Simpathy (Safe From Harm, a abertura de Blue Lines também pode ser considerado
como tal, ok). O espectáculo deles tem uma coerência própria e é isso que nos
apresentam, se o hit não cabe, não há cedências.
- A presença
da banda em palco é relativamente discreta (a iluminação é geralmente escura e
os músicos estão na sombra ou surgem como silhuetas recortadas) mas o
espectáculo visual é empolgante. O palco é iluminado com jogos de luzes muito
fortes (vermelho e verde vivos, branco, preto, contrastes fortíssimos) que nos
absorvem por completo. Eu nem olhei para os écrans laterais, o palco é o
próprio espectáculo, o foco de atenção visual e quando digo palco digo as
verdadeiras peças visuais que nele ocorrem.
Quem são os MA? Não são apenas os músicos, mas os criadores visuais e os
mestres dos textos – embora a música seja fundamental, este espectáculo é,
também, visual.
Alguns
exemplos dessa qualidade visual-plástica do espectáculo: numa das primeiras
músicas passam no écran pequenas frases a uma velocidade tal que não as
conseguimos reter. No entanto fixamos, involuntariamente, algumas palavras
isoladas destas frases, como Party, Trust, Peace, etc. Numa sequência mais à
frente o écran é bombardeado com essas palavras que miraculosamente fixamos no
meio de tanta frase disparada a 500 à hora.
- Há placards
de aeroportos com horários dos voos e de repente o écran fica vermelho com
inscrições de Delayed para todo o lado, numa sugestão de caos que se concilia
com a música (Risingson de Mezaninne se não estou em erro). Há explosões de
zeros e uns (principalmente em 100 Windows), bandeiras de países mais ou menos
hostis, islamistas e outros, logotipos de marcas capitalistas globais…
Um dos jogos
mais interessantes é desenvolvido durante a execução de Inertia Creeps: começa
com a injecção no écran de frases, em português, sérias e alarmantes, não
exactamente as que passo a enunciar: «atentado em Nice faz 30 mortos», «Russos
constroem bombardeiro nuclear», «Coreia do Norte ameaça Coreia do Sul»,
«Atentado em Dallas faz xx vítimas» e, pelo meio aparece-nos um «Carolina
Patrocínio apanha um escaldão na praia», e o público reage, finalmente, «Carro
bomba explode em bagdad» entrecortado com «Luciana Abreu vende carro» e voltam
as mensagens graves, para se seguir, «Portugal é campeão europeu» e a sala vem
literalmente abaixo e ainda mais com «milhares de pessoas recebem a secção em
lisboa»… Percebe-se a ideia: a denúncia da forma como os media nivelam o grave
e o no fútil e, o sério e ridículo, como se fosse tudo igual. Tudo parece ter o
mesmo peso quando não tem, efeito perverso da vertigem da velocidade mediática.
Pior: a promoção da futilidade que ultrapassa aquilo que realmente importa,
como o demonstram as reacções do público que caiu na armadilha ao reagir às
notícias fúteis, deixando na indiferença a gravidade. Num écran mais à frente,
somos confrontados com mensagens que convidam à reflexão deste estado de coisas
como: «quem decide o que vemos? O que vemos é real? Quem somos?, etc… O
espectáculo dos MA não é mera diversão, mas tem uma peocupação política e
filosófica notória. Eles mostram-nos que é possível voltar a conciliar a
dimensão de fruição da grande música urbana com a reflexão inteligente.
- Musicalmente
(eles são músicos em primeiro lugar, não o esqueçamos) houve momentos
fabulosos, marcados pelo contraste, pelos crescendos, pela criação de tensões e
explosões. Gostei da utilização dos samplers (em Unfinished Simpathy o efeito
foi fantástico) e retenho como momento muito alto a actuação dos Young Fathers
que acompanharam a banda na execução de Ritual Spirit, o mais recente EP dos
Massive. Voodoo in my mind foi superior, outro momento incrível, a coordenação
vocal, a coreografia, a combinação entre o ancestral e o tecnológico foi
exímia: Adorei Inertia Creeps e Heligoland.
Eu já sabia
que estava perante seres superiores. Não pensei que voltassem ao nível a que
tinham estado da primeira vez que os vi. Mas afinal estiveram muito acima. A
energia proto-punk de Iggy primeiro e o visceralismo High-tech dos Massive, na
mesma noite, uau, afinal as viagens no tempo são possíveis!
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Música
Viagens no Tempo, por Ziggy
Todo o
melómano que se preze tem o sonho irrealizável de ver o seu ídolo a dar um
concerto só para si. Pois bem, ontem foi o que pareceu. O resto do concerto até
podia ter sido horrível (não foi, muito pelo contrário, foi excelente), mas a
minha entrada no pavilhão atlântico a coincidir com a entrada do Iggy Pop em
palco a tocar No Fun, foi um momento absolutamente inesquecível que, só por si,
já teria valido a noite.
Eu descrevo
melhor: com um atraso de uns bons dez minutos eu e o Tex entramos no recinto do
festival; damos uma volta de reconhecimento, o ambiente está bom, o espaço é
fabuloso; perdemos mais uns minutos nisto até que olho para o relógio e digo ao
Tex, pá, já passa da hora, e dirigimo-nos ao pavilhão que não está lotado,
longe disso, está perfeito, carregado de energia e espaço mais que suficiente
para nos chegarmos à frente do palco. Ainda estamos a andar e a tentar escolher
o lugar onde ficar, quando as luzes se apagam e Iggy Pop é anunciado nos
altifalantes. O timing é perfeito, parece que o homem estava à nossa espera
para começar o concerto, não começo sem eles, fónix, o que me dá uma vaga
sensação de estar a realizar o tal sonho. Iggy, tronco nu pele de couro velho
curtido, entra a correr e ouvem-se os acordes de No Fun. No Fun, porra, uma das
minhas preferidas, o momento é mágico, o som está no máximo, a ferir os
tímpanos, nem se nota a diferença entre o baixo e a guitarra, o efeito é de
barragem sonora, um wall of sound ultra energético. Deliro, mas a magia do
momento não acaba no fim dos 4 minutos de No Fun porque, é incrível, o tipo
esteve mesmo à nossa espera, soam os acordes de I wanna be your dog. Duas das
minhas preferidas, do meu álbum preferido dos Stooges, sinto-me na Factory nos
anos 70. Com I wanna be your dog o pavilhão vem abaixo e eu também. São dez
minutos de pura magia, inesquecíveis!
O resto do
concerto sucedeu-se numa sequência imparável de grandes canções, como
Passenger, Real wild one, Lust for life, 1969 (outra do primeiro dos Stooges)…
Eu esperava ouvir Gardenia do último mas só tocaram Sunday e foi uma pena terem
deixado de fora China Girl que a memória de Bowie exigia.
O concerto
foi uma viagem no tempo, um regresso a 1970, a um concerto Punk com todos os
números do catálogo, desde o salto para a assistência, aos gritos de bad ass,
motherfucker e afins. O som estava exageradamente alto e, dois dias depois,
ainda sinto zumbidos nos ouvidos, mas punk é punk e é mesmo assim, trata-se de
uma explosão de energia e não de um desfile de virtuosismos instrumentais.
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Música
15/07/16
Somos todos campeões, por Jorge Best
Portugal é
campeão da Europa. Pelo menos do ponto de vista do impacto, não apenas mediático, é o maior feito da
história do desporto português. Hoje, dois dias depois do grande feito, ainda
não se fala noutra coisa e ainda paira num ar um sentimento de orgulho, de irmandade
nacional, de vaidade, até. Gente que não liga a futebol ou que, até mesmo, o
odeia, discute encarniçadamente as virtualidades do 4-3-3 e do 4-4-2. Brotam da
terra especialistas que nunca deram um singelo chuto numa bola a perorarem
sobre a famigerada entrada de Payet sobre Ronaldo. Percebo esta transmutação –
até de género, de repente, as mulheres transformaram-se em gabrieis alves de
saias. Só indirectamente tem a ver com bola.
Trata-se antes de nacionalismo sublimado, do mesmo orgulho nacionalista, que dantes se manifestava a propósito das guerras e dos regressos dos guerreiros. Os nossos heróis e os vilões inimigos… Se isto fosse há mais tempo teríamos capturado o Payet e tê-lo-íamos passeado, para gáudio da multidão, pelas ruas da capital, encerrado numa gaiola para efeitos de ultraje público. Não o fizeram os romanos com Vercingétorix?
O nacionalismo é uma espécie de apendicite do ego, uma inflamação do mesmo sob a forma da nação. A nação é o ego inflamado à escala de um colectivo. E é por essa razão egoísta que de repente se descobrem à nossa volta tantos repentinos adeptos de futebol. Quando a selecção portuguesa de futebol se sagra campeã da europa, não se trata de uma simples vitória num jogo – não, somos nós que nos sagramos campeões, campeões da vida, campeões do mérito e da nobreza. A vitória dos jogadores é a nossa: «bom dia campeão», assim me saúda o sorridente empregado da loja onde me dirigi e que não me conhece de lado nenhum… Mas hoje é meu irmão, português como eu, campeão como eu…
Olho à minha volta e não consigo deixar de estranhar: aquele tipo baixinho, vestido com uma camisola de cava mais própria para a sesta, calção de banho apertado e chanatos decrépitos nos pés, também é campeão? O homem passeia-se aos esses no centro comercial, jornal infecto debaixo do ombro, tom de pele de inverno em pleno julho e mãozinha marota a coçar as partes baixas intrabolso. Também é campeão? Claro que sim e aqui temos a razão de ser do impacto desta vitória. Todos temos um pouco deste grunho que se passeia no shopping e todos nos sentimos, como ele, campeões pelo feito dos nossos. E é por isso que esta vitória é tão fantástica e há nisto algo de irracional e ao mesmo tempo de lógico. Ontem, hoje, amanhã, durante mais uns tempos, somos todos campeões.
Trata-se antes de nacionalismo sublimado, do mesmo orgulho nacionalista, que dantes se manifestava a propósito das guerras e dos regressos dos guerreiros. Os nossos heróis e os vilões inimigos… Se isto fosse há mais tempo teríamos capturado o Payet e tê-lo-íamos passeado, para gáudio da multidão, pelas ruas da capital, encerrado numa gaiola para efeitos de ultraje público. Não o fizeram os romanos com Vercingétorix?
O nacionalismo é uma espécie de apendicite do ego, uma inflamação do mesmo sob a forma da nação. A nação é o ego inflamado à escala de um colectivo. E é por essa razão egoísta que de repente se descobrem à nossa volta tantos repentinos adeptos de futebol. Quando a selecção portuguesa de futebol se sagra campeã da europa, não se trata de uma simples vitória num jogo – não, somos nós que nos sagramos campeões, campeões da vida, campeões do mérito e da nobreza. A vitória dos jogadores é a nossa: «bom dia campeão», assim me saúda o sorridente empregado da loja onde me dirigi e que não me conhece de lado nenhum… Mas hoje é meu irmão, português como eu, campeão como eu…
Olho à minha volta e não consigo deixar de estranhar: aquele tipo baixinho, vestido com uma camisola de cava mais própria para a sesta, calção de banho apertado e chanatos decrépitos nos pés, também é campeão? O homem passeia-se aos esses no centro comercial, jornal infecto debaixo do ombro, tom de pele de inverno em pleno julho e mãozinha marota a coçar as partes baixas intrabolso. Também é campeão? Claro que sim e aqui temos a razão de ser do impacto desta vitória. Todos temos um pouco deste grunho que se passeia no shopping e todos nos sentimos, como ele, campeões pelo feito dos nossos. E é por isso que esta vitória é tão fantástica e há nisto algo de irracional e ao mesmo tempo de lógico. Ontem, hoje, amanhã, durante mais uns tempos, somos todos campeões.
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