É uma óptima sugestão de leitura. Durante muitos anos foi praticamente impossível discutir a figura história de Salazar com um mínimo de objectividade. As razões foram mais que compreensíveis: o professor de Coimbra liderou durante meio século governos autoritários cujas marcas violentas ainda estavam muito frescas. A visão ideológica da nossa esquerda pós 25 de Abril fez o resto: Salazar foi definitivamente arrumado na prateleira dos fascistas do século XX, ao lado de Hitler, de Franco ou de Mussolini.
É compreensível - embora não deixe de causar espanto - que só agora, tantos anos depois do 25 de Abril de 74 se comece, finalmente, a discutir a figura e o regime de Salazar com um mínimo de objectividade. Podemos agora interrogar-mo-nos sobre ideias feitas e clichês ideológicos - tanto de esquerda como de direita - que têm impedido a realização de um debate sério sobre a figura de Salazar. Agora vemos pontos de interrogação onde até há bem pouco tempo víamos pontos finais: O Estado Novo foi realmente um regime fascista? Um um regime autoritário ditatorial conservador mas, ainda assim, diferente dos fascismos espanhol e italiano e substancialmente diferente do nazismo ou do estalinismo? E Salazar, foi apenas um ditador obcecado com o poder? Como conciliar essa visão do homem com a sua enorme erudição, a sua profunda formação académica, a sua dimensão, reconhecida internacionalmente nalgumas fases da sua governação, de grande estadista? O Estado Novo foi sempre despótico e violento? A sua vigência durante as décadas de 20 e de 30 - o célebre «milagre económico» - foi negativa? E a política de neutralidade levada a cabo por Salazar durante a segunda guerra foi censurável? A violência do regime foi comprável à de outros regimes da época - aos fascismos, ao estalinismo? E como julgar a teimosia de Salazar em manter-se no poder, depois da segunda guerra mundial? Como encarar a sua política repressiva para com a oposição - os casos do bispo dom António Ferreira, Humberto Delgado, Álvaro Cunhal, o Tarrafal, etc, etc? Não foi um erro histórico crasso a tentativa de manter as colónias contra a política dos EUA, da URSS, da Inglaterra, do mundo? Que dizer de claros excessos do ditador, como a sua dureza desnecessária para com Aristides de Sousa Mendes ou para o com general Vassalo e Silva e os 3500 soldados portugueses que nada puderam fazer em Goa aquando da anexação do território pela União Indiana? Que dizer da Pide? Etc, etc, etc, Salazar e o Estado Novo são realidades muito mais complexas do que os clichês esquerdistas ou direitistas pretendem.
Este livro de Filipe Ribeiro Menezes não responde a nenhuma das questões que aqui elenquei. Não é esse o seu papel. Mas baseando-se num acervo notável consultado pelo autor, num exaustivo trabalho de investigação, lança dados objectivos que ajudam a ver o ditador português sobre um outro prisma. Este trabalho, desenvolvido numa linguagem que foge aos academismos, é uma referência já que cria bases para que, finalmente, consigamos olhar o Estado Novo e o Salazarismo de acordo com uma perspectiva mais objectiva. Nos seus defeitos e- heresia das heresias! - nas suas virtudes!
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