29/08/11

Mundo Sonãdo, por Comandante

O quadro Mundo Soñado (1995) do pintor cubano Tonel ocupa um lugar de destaque no Museu Nacional de Cuba. O quadro de 270x480 constitui um bom exemplo do sonho internacionalista cubano, mas a realizar-se de facto, constituiria um autêntico pesadelo mundial. Tonel construiu um mapa mundo a partir de réplicas com a forma da ilha, entendidas, portanto, como uma espécie de sintagma (é pena que nem na net se encontrem imagens com um mínimo de qualidade dos artistas cubanos. Não foi só com Tonel que tive dificuldade em encontrar pics).

A mensagem é simples e directa: Tonel sonha com um mundo com a forma de Cuba, um mundo em que todos os países seriam uma reprodução do país de Fidel. Um pesadelo, pois! O quadro é pois uma representação fiel do chamado internacionalismo comunista cubano que levou, por exemplo, de 1961 até ao fim da década de 90, à mobilização de cerca de 200 00 cubanos para missões militares em África (Angola, Guiné, Etiópia, Argélia, etc).

Tive oportunidade de ver este trabalho ao vivo e achei curioso que nos pedaços de Cuba que correspondem à península ibérica falte, precisamente, o que corresponde a Portugal. A peça correspondente, por incrível incúria do staff do Museu, caiu, perdeu-se, esfumou-se. Pensei no imprevisto sentido que este desleixo deixou em aberto. Podemos interpretar o apagamento de Portugal como uma espécie materialização da ficção de Saramago - Tonel ou a manutenção do Museu sem o saber, materializou pictoricamente a Jangada de Pedra. Ou podemos pensar que o internacionalismo comunista realizaria a erradicação nuclear de Portugal...

De qualquer modo, no espaço que corresponde a Portugal, ficou um rasto sujo de cola (a cola com que a peça-sintagma tinha sido colada). Portanto, no lugar de Portugal, neste Mundo Soñado por Tonel, resta agora um sujo vestígio . Afinal sempre teremos deixado uma marca da nossa presença no mundo. Um ténue e persistente rasto de sujidade...


28/08/11

Havana, 2011



Havana, 2011 - há música por todo o lado e não é tocada por incautos. A revolução produz excelentes músicos mas péssimos construtores civis.

11/08/11

Cinema de Verão 1 - Ladrões de Bicicletas, por Pirlo

Fiz uma descoberta sensacional! Descobri um segundo Grunfo mas especializado em clássicos do cinema. O Grunfo é uma espécie de mediateca aqui da malta porcina, uma Fnac à borla que ainda por cima tem gosto em emprestar o material que lá tem, especilamente os livros que são muitos e bons. Agora descobri que o L., vamos chamar assim ao segundo grunfo,também tem um impulso coleccionista mas a este deu-lhe prás obras primas do cinema. Bem haja! E, portanto, estas férias fui-lhe lá a casa e saquei-lhe sacadas de filmes geniais. Vou deixando por aqui umas notazitas sobre os que vi até hoje, obrigado L. por me fazeres um gajo ainda mais feliz do que já sou. Começo por este:

Vittorio de Sica, Ladrões de bicicletas (1948). Vittorio de Sica e este seu Ladrões de Bicicletas é um bom exemplo de como os rótulos são tramados. Este filme levou com o malfadado rótulo de filme neo-realista e uma pessoa fica logo de pé atrás. «Vittorio de Sica? Ná, não gosto de neo realismo». Mas esqueçamos os rótulos e tentemos apreciar o filme apenas pelo que ele é. É excelente!

Foi num magistral documentário de Scorsese sobre o cinema italiano que LB me chamou a atenção. Scorsese adorou-o e eu também! Acho notável a simplicidade sofisticada do argumento: a forma como uma bicicleta é, para um desempregado miserável, a coisa mais valiosa do mundo comove-nos. Uma bicicleta não é nada mas para ele é condição de uma vida digna. Há aqui uma referência ao tema do fetichismo (Marcuse) próprio da sociedade capitalista e à forma como esta impõe o culto perverso dos objectos, um tópico que pode ser levado muito longe...

Mas é o lado humano do filme o que mais enternece. A relação entre o pai e o filho e o exagero sentimental que decorre da sua condição miserável, entre o ridículo e o dramático… A dupla faz lembrar um outro par adulto/criança do cinema - Chaplin e a criança. De Sica dá neste filme uma lição de como é possível andar na fronteira entre a lamúria ideológica e a pieguice sentimental sem nunca para lá resvalar. É um território muito instável e difícil, como caminhar num trapézio sem rede, mas ele consegue-o de uma forma brilhante. Outros mais recentes bem o tentaram, mas, claro, deu asneira e precipitaram-se no abismo da lamechice – falo dos insuportáveis Bellini e Tornatore, incomparavelmente ligeiros ao lado da magnitude de de Sica e deste Ladrões de Bicicletas. Sem dúvida, tarde mas a tempo, este tornou-se num dos meus filmes preferidos (obrigado mais uma vez, L., mafrende!).

09/08/11

Keith Richards - Life, por Dandelion

... E pronto, acabei de ler Life, biografia oficial de Keith Richards. O livro foi editado originalmente o ano passado e conta com a co-autoria de James Fox, amigo de Richards desde os anos 70. Life é o que se podia esperar de uma biografia directa e sincera e conta na primeira pessoa o que foi a vida do guitarrista dos Rolling Stones até hoje. Está, pois, lá tudo (ou quase) naquelas 630 páginas. O que interessa e o que não interessa também (como as receitas culinárias de Richards, os pormenores da sua infância e um excesso de detalhes familiares).

Mas vamos ao quase... Achei demasiado omissa a abordagem à morte de Brian Jones e fica até um travo de amargura pela forma como este foi tratado pelos Stones - a história em que Keith lhe rouba a namorada, Anita Pallenberg, numa célebre viagem a Marrocos, por exemplo, dava cabo de qualquer um. Keith e Anita chegaram ao ponto de abandonar o amigo/namorado doente em Barcelona, tendo seguido os dois até Marrocos. «Vai lá ter de avião, mene, a gente encontra-se lá em baixo». Um bocado chato...
Mas é claro que Brian também não era exactamente um santo - Keith conta que os membros da banda só souberam tardiamente que Brian ganhava um cachet especial da editora por se fazer pasar por líder dos Stones, apesar das músicas da banda serem uma criação Jagger/Richards. Mas a morte de Brian e as marcas desse suposto trauma ocupam pouco espaço no livro, comparativamente, por exemplo, com a importância que Keith dá à sua banda a solo, os X-Pensive Winos.

Achei o mesmo sobre o processo Brian Taylor - muito omisso. É conhecido o mito (ou realidade) que atribui a Keith ciúmes de Taylor pelo seu virtuosismo, com histórias de desentendimentos entre os dois (http://tapornumporco.blogspot.com/2009/08/o-outro-mick-por-dandelion.html). Life quase passa ao lado de Taylor, parece que foi apenas mais um que para ali andou com a banda e não é verdade, ele está no melhor e mais criativo período da vida dos Stones. Era um introspectivo, diz Keith. Ok, mas Bill Wyman também não era propriamente um exemplo de boa disposição...

Achei impressionante a narrativa dos anos 70 e, em particular, do tour americano de 72, a famosa STP (Stones Tour Party). Foi nesta digressão que os Rolling Stones, já então uma super banda, se consolidaram como Rock Stars. Keith não esconde que aquilo foi um forró permanente, um cocktail explosivo de orgias, drogas duras e rock n roll. Conta que no intervalo das canções chegavam a dar um pulo aos bastidores para snifar uma linha de coca e narra os seus incríveis tormentos com tentativas de cura, ressacas e «cold turkeys». É deste período o célebre filme de Robert Frank (autor da capa de Exile on Main Street) cuja exibição pública foi impugnada pelos Stones - Cock Sucker Blues, assim se chama o filme, era demasiado forte até para eles (mas no you tube, claro, lá está ele).

Também fui particularmente sensível às histórias relacionadas com as músicas: Keith explica como inventou uma nova forma de tocar e conta como foi a criação dos grandes clássicos como Satisfaction, JJF, Simpathy, Gimme Shelter, Brown Sugar, etc. E é espantoso que ele considere How can i Stop, uma música recente de Bridges to Babylon, uma das melhores canções de sempre dos Stones. É que eu pensava que só eu gostava dessa música! Para Richards, Exile é o melhor álbum da banda, eu não sou capaz de ser tão peremptório, mas é, sem dúvida, um dos que eu levaria para a cova.

Bem o livro tem milhões de pormenores que eu não posso aqui descrever. Estive atento, também, à relação entre Riff e Jagger, desde os tempos em que foram Nanker/Phelge (nome de um colega de quarto e pseudónimo da sua primeira música em co-autoria). Keith começa a separar-se de Jagger nos anos 70, aquando do exílio francês da banda por questões fiscais: Jagger começara a tornar-se socialite e Keith estava mais rebelde que nunca, metido a fundo no pavoroso mundo das drogas e das curas de desintoxicação. Conta como, já nos anos 90, Jagger pretendia fazer da banda qualquer coisa como «Mick Jagger and the Rolling Stones», o que enfureceu Richards e Watts e desenvolve os pormenores de excesso de ego de Mick Jagger e as suas imposições do tipo «ou sai o teu manager ou não faço o tour com a banda»... Amigos como sempre? Keith inventa uma fórmula interessante a esse respeito: «somos mais irmãos que amigos»...
E a ironia mortal por Mick se ter tornado sir, aceitando a homenagem da casa real? Ui, Keith é «homenzinho verde» (private joke aqui da malta porcina)... No fundo percebemos que Richards achou aquilo uma quase traição, uma cedência àqueles que durante uma vida inteira quiseram prendê-los injustamente em vários processos ligados ao consumo de drogas. A impiedade de Richars em relação ao poder é um espectáculo: ele conta que, aquando da recuperação de uma queda de uma célebre palmeira nos Barbados que lhe poderia ter sido fatal, recebeu, entre muitas outras uma carta de Tony Blair. O primeiro britânico começava por se declarar um grande fã de Richards e congratulava-se pela sua rápida recuperação. Ao que chegou a Inglaterra, comenta Riff, quando os nossos fãs já controlam o país! Veneno puro.

É pena que o livro não esteja traduzido em português, mas não temos mercado para isso (os brsileiros e os espanhóis já têm as suas traduções, mas nós somos pequenos). Bom, serve para dsenferrujar o inglês de praia! E, felizmente, nem a música dos Stones nem a música de Richards, precisam de tradução para serem apreciadas. Por falar nisso, Keith editou dois álbuns a solo, Talk is Cheap (88) e Main Offender (92). Ouçam-nos, por favor, são uma prova de que enquanto Richards estiver vivo, o Rock ainda tem esperanças: