Já não vejo há muitos anos um filme do Fernandel; por isso a recordação que tenho dele e dos seus filmes pode estar um pouco fora de prazo. Já é quase uma recordação de caricatura, impressionista. Então, é assim: Um homem grande, com umas mãos grandes, uns olhos esbugalhados, uma boca enorme, uma forma de cantar la-boulli-a-bai-se (saravá, mangas!), com uns olhos muito abertos e risonhos. É assim que o recordo, embora não me lembre sequer de alguma vez o ter ouvido cantar. A memória tem este hábito de se distorcer e recriar para se manter feliz. E até acerta, por vezes. Para mim, o Fernandel confunde-se com o Dom Camillo, o padre-cura que interpreta no filme com o mesmo nome do princípio dos anos 50 (fui ver à net: o filme chama-se em francês “Le petit monde de Dom Camillo”; não me lembro como era cá). Fazia uma dupla da espécie bucha e estica com o comunista Peppone, seu amigo e adversário, numa versão amável e morna da guerra-fria, então a começar. Mais donc, tu m’enerves mon vieux! Curiosamente, não reconheci o Fernandel no personagem do Dom Camillo dos livros do Giovanni Guareschi, ao contrário do que me aconteceu, por exemplo, com a figura do Comissário Maigret, dos romances do Simemon, criado pelo actor Bruno Cremer. Se há personagens definitivas criadas por um actor, esta é uma delas. Um dia falo nele noutro post. Mas voltando ao Fernandel, há outro filme dele que recordo com nostalgia: A Vaca e o Prisioneiro. Lembro-me apenas que o Fernandel era um prisioneiro fugido dos nazis que andava pela floresta acompanhado por uma vaca, com quem se fartava de conversar. Por falar nisso, o Dom Camillo também dava secas monumentais a Deus, em conversas meio profanas e bonacheironas. Os personagens do Fernandel faziam parte de um mundo antigo, rural e a preto a branco (a minha memória deles é a preto e branco, pelo menos…). Este mundo foi depois torpedeado pelo Tati, com o Playtime, a sua fabulosa paródia do mundo moderno. Era outro mundo que surgia, frenético e labirintico, outra linguagem e outros valores, um mundo technicolor à beira de um ataque de nervos. Talvez já estivesse na altura. Esta é a recordação que tenho e é recordação que me apetece ter. Quando revir os filmes, logo se vê o que calha. Há aquela máxima que diz que nunca devemos regressar ao local onde fomos felizes. Mas acho que não corro risco nenhum se voltar ao Fernandel. Se alguém tiver para emprestar, agradecido.
1 comentário:
Pesquisava sobre filmes em Português de Fernandel e passei por este sítio.Se não tiver nada contra piratear filmes, do Fernandel, no EMULE, há dezenas deles.
Moreira
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