21/11/04

Como se combate a idiotia?, por Idiota Jones

Escrevo hoje por dever e penitência. O dever ditado pelo arrependimento, a penitência sedenta de perdão. Deve a idiotia combater-se à paulada? Embora os idiotas não desmereçam do método, devemos optar pela negativa. A escolha é mais pragmática do que cristã. É que a paulada, embora castigadora, produz normalmente o efeito perverso de estimular a idiotia. Retenham o princípio: quanto mais se arreia num idiota, mais idiota o idiota se torna. A partir daqui, é só desnovelar a regra. Isto é, quanto mais idiota, mais pauladas, quanto mais pauladas mais idiota, e por aí fora. Arafat morreu sem ler este conselho, tal como não creio que Sharon leia o Tapor, e por isso o conflito israelo-árabe está como está. Crede pois, sou eu que vo-lo digo: não há pau que ilumine um idiota. Só há um remédio para a idiotia: classe! Há pessoas que têm classe. As pessoas que têm classe anulam os idiotas. Não há idiota que não arrenegue da idiotia em face da classe. E eu sei do que falo, meus irmãos. Eu fui um idiota! Em Julho de 2004, aqui neste blog de idiotas, eu levei a idiotia aos limites históricos. Poderia arrolar agora, qual arrependido na vara da justiça, inúmeras razões que explicassem a idiotia. Invocaria o contexto e a circunstância, o espírito jocoso e a inconsciência, o involuntarismo e a irreflexão, buscaria atenuantes e testemunhas abonatórias e talvez convencesse os idiotas ainda mais idiotas. Não há perdão, porém. Eu, idiota me confesso e prosterno-me humildemente aos pés da ofendida com o incomensurável peso da minha idiotia amarrado ao pescoço. A ofendida foi Filipa Pato. E se esta confissão tiver o dom de reduzir a idiotia, que não limpá-la totalmente posto que a má natureza se atenua sem que se anule, a causa é só uma: a classe de Filipa Pato.
Em Julho de 2004, provámos e não gostámos do «Ensaios» de Filipa Pato. Escrevi, a esse propósito, um post para o qual reclamo desde já o indisputável título do «post mais idiota do Tapor». O plural refere-se à confraria. Eu fui o responsável pelo post. Estranhas são, todavia, as leis que regem o universo. Não fossem estranhas essas leis e a Providência ter-nos-ia, justamente e para nosso infortúnio, privado para sempre do conhecimento da jovem enóloga. Mais não mereceria, diga-se, o deslustre que lhe endossei. Se tal desdouro merecera eu por castigo, decidiu a Divina Providência fazer claríssima demonstração do Seu sentido humoroso, dando ao injusto ofensor o imerecido prémio de conhecer a ofendida injustiçada. Quando Filipa Pato se nos dirigiu, de forma cordata e corajosa, desafiando-nos para uma prova de vinhos brancos, não foi só uma bela jovem determinada e inteligente que saiu ao nosso caminho. Foi mais do que isso, foi a sabedoria do Eterno, que nos Seus insondáveis e excelsos desígnios, lançou uma cavalheiresca e humorada bofetada às trombas deste seu servo, pobre degenerescência da Criação.
Na Sexta-feira, 19 de Novembro, tínhamos aprazado o jantar na Cova do Finfas, onde a D. Cilita, a célebre Dona Gata, nos aguardava com uma magnífica sopa de peixe e um extraordinário Robalo no Forno ao Sal a Arder. Sobre isso e sobre os vinhos em disputa, outros melhor se encarregarão de dar nota. A verdade é que ninguém acreditava que Filipa Pato aparecesse. Pelo caminho, interrogávamo-nos mutuamente. A resposta era invariável e sempre a mesma. Não, Filipa não apareceria, fosse porque a não merecêssemos, fosse porque alguém lhe usurpara a identidade numa piada de mau gosto, fosse porque, vendo bem, não somos gente que se recomende. Afinal, qual de nós, em pleno juízo, aceitaria jantar connosco? É daquelas perguntas que dispensam a resposta, pois vai directa à consciência, esse exótico lugar onde a mentira não cabe porque fruto não colhe. Não, eu se vos não conhecesse, meus amigos, jamais jantaria convosco. E tenho a certeza que cada um de vós pensa como eu. Por isso somos amigos, porque partilhamos esta incontornável verdade.
À hora marcada, porém, Filipa apareceu. Só. Corajosa mulher! Quem olhasse aquela mesa de convivas e observasse Filipa rodeada por aquela gente, inevitavelmente se lembraria de um qualquer episódio bíblico. Daniel na Cova dos Leões, Cristo no Templo com os doutores, eu sei lá, uma de entre as tantas por onde a natureza extraordinária do Filho de Deus se exaltasse pelo contraste dado pela fraca figura dos circundantes. Filipa brilhou, naturalmente. Mas também porque a nossa rude natureza ainda mais brilho lhe conferia. E falou de vinho, e exalou simpatia, inteligência e beleza. Lembro-me quando, em criança, no circo, via os domadores na jaula dos leões e me interrogava como conseguiam eles acalmar as feras. Sei-o agora: tal como a classe de Filipa se impõe sobre o espanto dos bárbaros desta confraria e deste idiota que outrora, no tal Julho de 2004, lhes deu voz e agora se penitencia.

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