04/02/05

Mas afinal, o que está uma puta a fazer no Panteão? por Grande Empernador

Se algum nacionalista místico-casticista, dos muitos que por aí grassam, se acha ainda membro participante dessa merdunça alienante a que o romantismo oitocentista chamou alma nacional, o que quer que isso seja, e que presuntivamente se expressa através de coisas tão vagas - tais como, uma alma lírica, um espírito universalista, uma mentalidade sebastianista e messiânica, costumes brandos, etc. etc. - e que tem como uma das formas preferenciais de expressão o fado, pois fique sabendo que, no que ao fado concerne, tem alma de puta! Por outras palavras: se o fado é a canção nacional pela qual se expressa o espírito místico da nação, então, eu lamento que a Nação se exprima como uma Puta! Esqueçam as larachas sentimentalistas que mitificam as origens do fado com umas nebulosas raízes mouriscas, esqueçam a patranhada que relaciona o fado com o cantar dos trovadores medievais, esqueçam as histórias que metem guitarradas e fadistas nos escombros de Alcácer Quibir ou a bordo das caravelas, esqueçam as origens remotas. Na verdade, a coisa é muito mais simples: o fado tem pouco mais de cem anos e é canção de putas e rufias. Veio do Brasil, onde a cultura afro-ameríndia produziu o lundum, dança brejeira e erótica cheia de empernanços, apalpadelas, pernas a roçar, etc. e etc. A gente sabe como é! Quando me lembro de um funaná dançado com uma mulata na festa dos estudantes caboverdianos ainda fico com tusa, apesar de muita água já ter passado debaixo das pontes! Punha-se um vinil da Cesária, do Ildo Lobo, do Travadinha ou lá o que era e depois juntavam-se os pares. A minha moça, boa como o milho, metia-me a perna no meio das coxas e o joelho roçava-me os tomates. E lá ia eu, dalalim dalalum com o escroto a coçar-lhe o joelho, dalalum para lá, dalalim para cá. Depois era a minha vez e sentia-lhe os grandes lábios a espreguiçarem-se no meu recto femoral. Dava um pau do caralho! Se eu fosse Inquisidor é claro que proibia. Se fosse puritano espreitava, se fosse depravado metia-me ao barulho, se fosse nacionalista aproveitava a música. Quer dizer, Amália é assim como prima de Cesária. Do Brasil, esta pouca vergonha saltou para as tascas de Lisboa pela mão dos marinheiros. Por entre naifadas, putedo, copos de vinho, rufias, brigas, estivadores, fumo, álcool e alguns petiscos, cantava-se o fado. A Severa foi o primeiro grande mito. Amante do conde de Vimioso foi retratada por Malhoa como antítese da Clara. Dentro desta estética naturalista, a Severa, com o seu proxeneta, num ambiente peumbroso de tasca, era o símbolo da decadência moral e física da raça portuguesa. A regeneração viria do mundo rural, onde as virtudes se conservavam intactas e saudáveis. É claro que este maniqueísmo simplista frutificaria. O fado cantava-se nas hortas, durantes os passeios pelos arredores de Lisboa e, lentamente, a boémia aristocrática começou a interessar-se por putas. Do interesse pelas putas veio o gosto do fado. E a pouco e pouco o fado foi ganhando dignidade social. Não tarda, as meninas de família começarão a cantar fado acompanhado ao piano, os meninos de família vão para Coimbra e dão roupagem erudita ao fado. No final, a Amália acaba no Panteão nacional, depois de ter tornado a canção em símbolo da alma nacional. Pelo que o título deste post se justifica plenamente. Sem ofensa pela Senhora Dona Amália (se houver por aí alguém capaz de me explicar porque razão nos devemos referir à Amália Rodrigues como Senhora Dona Amália, eu cá agradecia, 'brigadinhos) Pelo meio, a nossa aristocracia, uma das vergonhas nacionais popularizou-se e começou a achar piada ao fado. Teresa de Noronha terá sido o expoente de uma tradição que persiste com Pinto Basto e o clã dos Câmara Pereira. Fado fino, sem putas e com muita mística nacionalista. Canta-se a Virgem tal como os estudantes de Coimbra cantam as tricanas e os arrebatadíssimos amores de estudante. Claro que, aqui chegados, as origens do fado devem esconder-se. Como não há glória sem genealogia, escondidas as verdadeiras origens, há necessidade de inventar umas. E daí vem a patranhada do costume: D. Sebastião, caravelas, fatalismo mourisco, jograis, trovadores e etc. Eu, por mim, gosto desta alma de puta. Embora deteste o fado e a sua corte de merdosos: os aristocratas, o Carlos do Carmo o Paulo Bragança, o Marceneiro e essa cocozada toda. Gosto da Senhora Dona Amália, acho-a genial. Acho que não devia estar no Panteão porque aqueles anormais todos não são dignos de estar ao pé da Senhora Dona Amália. Devíamos fazer um monumento especial para a senhora dona Amália. A minha ideia é um altar num bordel com a senhora dona Amália abraçada ao Santo António do Rafael Bordalo Bordalo. Fotografava e punha na bandeira nacional!
Quem quiser ler mais, leia o excelente livro de Rui Vieira Nery publicado pelo «Público», cuja capa se reproduz. Silêncio agora, que se vai cantar o fado!

1 comentário:

Unknown disse...

Gostava de saber em que fontes de informação se baseia para fazer tais afirmações.
Obrigado.