A Itália ganhou. Perderam a França, o Zizou e o futebol. A França ainda bem que perdeu, o Zizou merecia melhor despedida o futebol perderia mesmo que a França ganhasse. O futebol perderia se a Alemanha ganhasse. Ou Portugal. O mesmo se acaso o Brasil ou a Argentina lograssem o título. Ou qualquer um, à excepção de uma nação africana. Aí sim, aí o futebol voltaria a encantar-me. Confesso que ando desencantado com este desporto, muito particularmente com os campeonatos do mundo. Não falo das suspeitas de manipulação e corrupção. Falo do tacticismo. O jogo está monótono, medroso, maçador, aborrecido e sonolento. Em 120 minutos há dois ou três remates para cada equipa. O resto é ansiedade e nada mais. Não há resquício de espectáculo. Não fora a memória que guardo de grandes campeonatos passados, uns testemunhados, outros apenas vistos em diferido com décadas de permeio, e o jogo não me atrairia minimamente. Compreendo os americanos que, em face das euforias europeias e sul-americanas, bocejam de tédio e perplexidade. O bocejo americano é tão emocianante como a taça Jules Rimet. O preocupante é que isto não é de agora. Desde o Itália 90, ao USA 94 e o Coreia / Japão 2002, com a louvável excepção do França 98, os campeões são indignos, as competições são chatíssimas, não há chama de glória, não há heróis, não há nada de memorável. E porquê? Porque razão o campeonato se tornou um longo bocejo, à excepção do França 98? Eu tenho uma explicação.
O encanto do jogo não é inerente ao jogo, é um acrescento, um suplemento encantatório. Quando inventado, era atlético e tacticista. Os sul-americanos, e muito particularmente os brasileiros, sobrepuseram a fantasia à táctica. A raiz africana e o factor-favela, entre outros aspectos determinantes, fizeram do jogo o espectáculo mais popular do planeta. Foram os anos dourados do Brasil e do Uruguai. O campeonato do Mundo conheceu os seus anos de glória. A par destes sucessos, e por causa da popularidade do jogo, o campeonato tornou-se alvo da cobiça política dos nacionalismos exacerbados. Não apenas dos ditadores, que nunca desprezaram a ocasião para alardearem a idiotice do nacionalismo imperialista. Francisco Franco teve, em 1964 e em casa, a oportunidade de, através de uma roubalheira histórica, humilhar os soviéticos na final. Não foi um Mundial, foi um Europeu, mas se o Caudillo estivesse à espera de um Mundial, ainda hoje era vivo e estava sentado.... à espera. Com outro alcance, já o inspirador Mussolini, mais do que a Itália, vencera em 1934 e 38. De igual modo, a Argentina dos Coronéis roubou indecentemente o Mundo em 1978. Se a roubalheira agrada aos ditadores, os democratas também não desprezaram o Campeonato do Mundo para exibirem as suas virtudes nacionais. Foi o caso da Alemanha reconstruída do pós-guerra que se reabilitou em 54, com uma roubalheira épica, às custas da Hungria. A RFA voltaria a ganhar em 1974, com justiça é certo, sendo que o derrotado, mais do que a Holanda, foi a RDA, incapaz de ombrear com o gémeo capitalista. A Inglaterra de 1966, contra a Alemanha, exibiu o seu chauvinismo com uma soberba autárcica e imperial. Poucos anos após aderiam à CEE. Hoje, permanecem eurocépticos e nunca mais ganharam nada.
A maior demonstração, e mais genial, de manipulação do jogo pelo nacionalismo foi o México 86. Mas, e isto é muito importante, a vingança nacional da Argentina face à Inglaterra, depois da derrota das Malvinas, foi feita com a mais justa batota da história do futebol, a célebre mão de Deus de Maradona. Só que, e a diferença é abissal, o aproveitamento não foi atlético , nem esmagador, nem descarado. Foi sim, mais uma vez, encantatório e apaixonante. A guerra quixotesca que a Inglaterra fez nas Malvinas, vingada por Maradona, foi um anacronismo idiota, pois mostrou o esgotamento do paradigma imperial e do conceito de soberania que vingou no mundo ocidental nos últimos 200 anos. De então em diante, a globalização, a miscigenação, as migrações, o reoordenamento das fronteiras e o realinhamento dos grandes blocos estratégicos, com a reunificação alemã, a implosão soviética, a balcanização de muitas regiões do globo, a criação de um espaço europeu, a clivagem civilizacional com o Islão, entre outros factores, vêm mostrar como o paradigma moderno do Estado-Nação está em desagregação. Ora, os jogos do Campeonato do Mundo assentavam sobre o embate de equipas nacionais. A sua emoção e o sucesso que alcançaram resultavam dessa condicionante. Esgotado o conceito, o jogo tacticizou-se. Foi a era dos Itálias 90, USA 94 e Coreia /Japão 2002. Com a honrosa excepção do França 98. Justamente a equipa mais multinacional e multicultural de que há memória na história da copa. Foi a equipa adequada ao seu tempo: não era uma equipa nacional. Daí a excepção. Outras selecções aceitaram esta imposição moderna e desataram a naturalizar jogadores. Deco, Marcos Senna ou Camoranesi são apenas alguns exemplos, entre muitos outros.
O campeonato que hoje terminou, mais do que a derrota da França, a cabeçada e correspondente expulsão de Zizou, ou a vitória da Itália, mostra como o jogo, já não impulsionado por pulsões nacionalistas, não é mais do que um maçador exercício calculista e tacticista. A asfixia de Ronaldinho e a gordura de Ronaldo foram os factos mais relevantes, por sintomáticos. Por mim, é o fim anunciado. O Campeonato do Mundo não tem futuro.
O encanto do jogo não é inerente ao jogo, é um acrescento, um suplemento encantatório. Quando inventado, era atlético e tacticista. Os sul-americanos, e muito particularmente os brasileiros, sobrepuseram a fantasia à táctica. A raiz africana e o factor-favela, entre outros aspectos determinantes, fizeram do jogo o espectáculo mais popular do planeta. Foram os anos dourados do Brasil e do Uruguai. O campeonato do Mundo conheceu os seus anos de glória. A par destes sucessos, e por causa da popularidade do jogo, o campeonato tornou-se alvo da cobiça política dos nacionalismos exacerbados. Não apenas dos ditadores, que nunca desprezaram a ocasião para alardearem a idiotice do nacionalismo imperialista. Francisco Franco teve, em 1964 e em casa, a oportunidade de, através de uma roubalheira histórica, humilhar os soviéticos na final. Não foi um Mundial, foi um Europeu, mas se o Caudillo estivesse à espera de um Mundial, ainda hoje era vivo e estava sentado.... à espera. Com outro alcance, já o inspirador Mussolini, mais do que a Itália, vencera em 1934 e 38. De igual modo, a Argentina dos Coronéis roubou indecentemente o Mundo em 1978. Se a roubalheira agrada aos ditadores, os democratas também não desprezaram o Campeonato do Mundo para exibirem as suas virtudes nacionais. Foi o caso da Alemanha reconstruída do pós-guerra que se reabilitou em 54, com uma roubalheira épica, às custas da Hungria. A RFA voltaria a ganhar em 1974, com justiça é certo, sendo que o derrotado, mais do que a Holanda, foi a RDA, incapaz de ombrear com o gémeo capitalista. A Inglaterra de 1966, contra a Alemanha, exibiu o seu chauvinismo com uma soberba autárcica e imperial. Poucos anos após aderiam à CEE. Hoje, permanecem eurocépticos e nunca mais ganharam nada.
A maior demonstração, e mais genial, de manipulação do jogo pelo nacionalismo foi o México 86. Mas, e isto é muito importante, a vingança nacional da Argentina face à Inglaterra, depois da derrota das Malvinas, foi feita com a mais justa batota da história do futebol, a célebre mão de Deus de Maradona. Só que, e a diferença é abissal, o aproveitamento não foi atlético , nem esmagador, nem descarado. Foi sim, mais uma vez, encantatório e apaixonante. A guerra quixotesca que a Inglaterra fez nas Malvinas, vingada por Maradona, foi um anacronismo idiota, pois mostrou o esgotamento do paradigma imperial e do conceito de soberania que vingou no mundo ocidental nos últimos 200 anos. De então em diante, a globalização, a miscigenação, as migrações, o reoordenamento das fronteiras e o realinhamento dos grandes blocos estratégicos, com a reunificação alemã, a implosão soviética, a balcanização de muitas regiões do globo, a criação de um espaço europeu, a clivagem civilizacional com o Islão, entre outros factores, vêm mostrar como o paradigma moderno do Estado-Nação está em desagregação. Ora, os jogos do Campeonato do Mundo assentavam sobre o embate de equipas nacionais. A sua emoção e o sucesso que alcançaram resultavam dessa condicionante. Esgotado o conceito, o jogo tacticizou-se. Foi a era dos Itálias 90, USA 94 e Coreia /Japão 2002. Com a honrosa excepção do França 98. Justamente a equipa mais multinacional e multicultural de que há memória na história da copa. Foi a equipa adequada ao seu tempo: não era uma equipa nacional. Daí a excepção. Outras selecções aceitaram esta imposição moderna e desataram a naturalizar jogadores. Deco, Marcos Senna ou Camoranesi são apenas alguns exemplos, entre muitos outros.
O campeonato que hoje terminou, mais do que a derrota da França, a cabeçada e correspondente expulsão de Zizou, ou a vitória da Itália, mostra como o jogo, já não impulsionado por pulsões nacionalistas, não é mais do que um maçador exercício calculista e tacticista. A asfixia de Ronaldinho e a gordura de Ronaldo foram os factos mais relevantes, por sintomáticos. Por mim, é o fim anunciado. O Campeonato do Mundo não tem futuro.
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