Para Albert, ao Sol é a crónica nº 28 da série Rosário Breve, todas as sextas-feiras, como hoje, 30 de Novembro de 2007, n'O Ribatejo (http://www.oribatejo.com/).
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Para Albert, ao SolCostumo comprar umas páginas de fiambre, manhã muito cedo, no minimercado da Vila. Saio, sento-me ao sol num muro e como-as sem metafísica nem pressa. Não como tudo. Na manhã que o sol não aquece, dou uma volta por ruas calçadas de bossas de granito e vou distribuindo fragmentos dessa literatura rósea e quase transparente aos carnívoros mais pobres da localidade: cães e gatos que vivem do tesouro simples ensinado por Albert Camus. Que tesouro simples?“ (…) achei-me colocado a meia distância entre a miséria e o sol.”, escreveu o Autor argelino-francês nascido em Mondori a 7 de Novembro de 1913 e nobelizado há precisamente 50 anos. Em 1935/36, com apenas 22 anos de idade, Camus publicou uma admirável colecção de prosas breves intitulada “O Avesso e o Direito”. Na década de 50, última que viveu por completo, reeditou tal obra fundadora, juntando-lhes os também admiráveis “Discursos da Suécia”, que orou, há meio século, nas cerimónias sequentes ao maior galardão literário do planeta.Entre aquele minimercado e esta pastelaria onde exerço a suave tristura da crónica, Camus dá comigo fiambre a cães e a gatos neste “mundo de pobreza e luz”. Tenho, portanto, um bom companheiro, aqui na serra e na terra.Foi já no entardenoitecer de 30 de Dezembro de 1983 que adquiri o livro (edição da Livros do Brasil, de que há ainda exemplares em livrarias tradicionais não “fnac-izadas” ainda). Na altura, folheei-o apenas. Ainda bem que o não li todo, então. Obra de jovem, “O Avesso e o Direito” é para ler e aproveitar na maturidade.A maturidade, sim, este limbo em que até os cães e os gatos sabem que umas páginas de fiambre são para ler ao sol: sem grande miséria, sem grande metafísica e sem pressa alguma.
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