30/11/08

O Manelito, porque As Vacas não São Sagradas


Ontem à noite o Canal 2 ofereceu-nos duas experiências cinematográficas fascinantes. Na habitual sessão dupla dos sábados, sucederam-se o “Belle Toujours” de Manoel de Oliveira e o “Magnólia”, de Paul Thomas Anderson. Foi como se tivesse colocado dois opostos lado a lado. O primeiro é dos objectos mais inanes da história da sétima arte, algo tipo filme série z- armado ao cagalhão; o segundo, bem pelo contrário, é uma obra a todos os títulos notável. O primeiro é o milionésino quarto filme e meio de um realizador quase centenário; o segundo é um dos primeiros filmes de um jovem cineasta; o primeiro comete a proeza de transformar Michel Piccoli num actor medíocre; o segundo comete o feito de transformar Tom Cruise num actor extraordinário. E por aí fora.
O facto de se terem sucedido um ao outro, enfim, foi particularmente interessante porque acentuou o contraste. E sobretudo porque acentuou o barro dos pés do “gigante” português. Já andava para escrever aqui alguma coisa sobre o Oliveira há muito, a propósito de gigantes pequenitos, como o Saramago que levou nas trombas ali para trás algures aqui no tapor – ressalvo aqui, no entanto, uma diferença fundamental entre os dois ícones da cultura portuguesa: Saramago sabe escrever, escreve bem e escreve livros realmente interessantes, não é isso que ponho em causa; já em relação a Oliveira, quanto melhor conheço a obra mais duvido da competência artística.
O mesmo canal 2 tem oferecido todos os sábados uma obra de Oliveira e tenho feito o esforço (com ênfase no “esforço) de ver ou rever a obra daquele a quem alguns chamam “mestre”. Para perceber, sobretudo, se a minha aversão antiga ao universo Oliveira era fruto de preconceito. Cheguei à conclusão que não era. Os filmes do homem são mesmo intragáveis, o que adensa o mistério em torno da aclamação que às vezes parece unânime, pelo menos entre uma certa comunidade cinéfila alegadamente mais intelectualizada e dada a cinematografias mais “densas” ou “alternativas”.
“Belle Toujors”, que pretende ser uma sequela/homenagem ao marco “Belle de Jour” de Bunuel, sintetiza em certa medida as “qualidades” do cinema de Oliveira, pelo menos aquele que tenho visto nas últimas semanas, e sobretudo aquele em que o realizador é também argumentista (quando a Agustina entra em campo, é certo, a qualidade sobe de tom). O resultado balança entre o trágico e o cómico, com diálogos e situações completamente inverosímeis e patéticas (a conversas entre o protagonista e o barman são de uma idiotice antológica!), duma superficialidade intelectualóide confrangedora, uma teatralidade rígida e vulgar, onde abundam os clichês e os simbolismos de pacotilha e encenações museológicas e cristalizadas.
Ver o “Belle Toujours” inspirou-me basicamente dois tipos de reacção: a repulsa e a gargalhada. E confirmou o carácter enigmático da popularidade do velho cineasta, cuja centelha de génio, digo eu, que se calhar não percebo nada disto, se esgotou no excelente Aniki Bobó. Seja como for e dada a dimensão mitológica da criatura, vou continuar a sofrer, perdão, a tentar perceber a lenda Oliveira. No próximo sábado à noite lá estarei à espera de um sinal, de uma centelha de talento, de algo que me desminta.

1 comentário:

Anónimo disse...

Dizes bem. Eu tambem ainda touà espera de um filme do oliveira que me convença. espero avidamente a mensagem, a mensaem, a mensagem, que não chega. Mas o que é certo é que eu não suporto um filme do velho ao meio quanto mais até ao fim.
James Bonga