30/11/08

O Manelito, porque As Vacas não São Sagradas


Ontem à noite o Canal 2 ofereceu-nos duas experiências cinematográficas fascinantes. Na habitual sessão dupla dos sábados, sucederam-se o “Belle Toujours” de Manoel de Oliveira e o “Magnólia”, de Paul Thomas Anderson. Foi como se tivesse colocado dois opostos lado a lado. O primeiro é dos objectos mais inanes da história da sétima arte, algo tipo filme série z- armado ao cagalhão; o segundo, bem pelo contrário, é uma obra a todos os títulos notável. O primeiro é o milionésino quarto filme e meio de um realizador quase centenário; o segundo é um dos primeiros filmes de um jovem cineasta; o primeiro comete a proeza de transformar Michel Piccoli num actor medíocre; o segundo comete o feito de transformar Tom Cruise num actor extraordinário. E por aí fora.
O facto de se terem sucedido um ao outro, enfim, foi particularmente interessante porque acentuou o contraste. E sobretudo porque acentuou o barro dos pés do “gigante” português. Já andava para escrever aqui alguma coisa sobre o Oliveira há muito, a propósito de gigantes pequenitos, como o Saramago que levou nas trombas ali para trás algures aqui no tapor – ressalvo aqui, no entanto, uma diferença fundamental entre os dois ícones da cultura portuguesa: Saramago sabe escrever, escreve bem e escreve livros realmente interessantes, não é isso que ponho em causa; já em relação a Oliveira, quanto melhor conheço a obra mais duvido da competência artística.
O mesmo canal 2 tem oferecido todos os sábados uma obra de Oliveira e tenho feito o esforço (com ênfase no “esforço) de ver ou rever a obra daquele a quem alguns chamam “mestre”. Para perceber, sobretudo, se a minha aversão antiga ao universo Oliveira era fruto de preconceito. Cheguei à conclusão que não era. Os filmes do homem são mesmo intragáveis, o que adensa o mistério em torno da aclamação que às vezes parece unânime, pelo menos entre uma certa comunidade cinéfila alegadamente mais intelectualizada e dada a cinematografias mais “densas” ou “alternativas”.
“Belle Toujors”, que pretende ser uma sequela/homenagem ao marco “Belle de Jour” de Bunuel, sintetiza em certa medida as “qualidades” do cinema de Oliveira, pelo menos aquele que tenho visto nas últimas semanas, e sobretudo aquele em que o realizador é também argumentista (quando a Agustina entra em campo, é certo, a qualidade sobe de tom). O resultado balança entre o trágico e o cómico, com diálogos e situações completamente inverosímeis e patéticas (a conversas entre o protagonista e o barman são de uma idiotice antológica!), duma superficialidade intelectualóide confrangedora, uma teatralidade rígida e vulgar, onde abundam os clichês e os simbolismos de pacotilha e encenações museológicas e cristalizadas.
Ver o “Belle Toujours” inspirou-me basicamente dois tipos de reacção: a repulsa e a gargalhada. E confirmou o carácter enigmático da popularidade do velho cineasta, cuja centelha de génio, digo eu, que se calhar não percebo nada disto, se esgotou no excelente Aniki Bobó. Seja como for e dada a dimensão mitológica da criatura, vou continuar a sofrer, perdão, a tentar perceber a lenda Oliveira. No próximo sábado à noite lá estarei à espera de um sinal, de uma centelha de talento, de algo que me desminta.

27/11/08

Timor-Leste A ilha insustentável, por Pedro Rosa Mendes, especial para O Público

Pedro Rosa Mendes, é escritor e jornalista, correspondente da Lusa em Timor, onde está radicado há cerca de dois anos. É o autor de Baía dos Tigres, romance marcante, traduzido em várias línguas e cuja leitura, o Porco aconselha vivamente. Pedro é um cidadão do mundo, uma daquelas personagens únicas que não param quietas e que nenhuma minudência, seja a insegurança, seja o perigo, consegue impedir de bisbolhotar. Pedro esteve na Índia, no Paquistão, em Zagrebe debaixo das bombas da Nato, na Guiné do Nino e do Kumba a apanhar com morteiros em directo, na Serra Leoa apocalíptica ou em Angola refèm de criminosos. Nos últimos anos, como disse, esteve em Timor, como correspondente da Lusa. Agora publicou este texto no Público que aqui reproduzo, com a devida vénia. O balanço final da estadia em Timor Leste? Tirei-o daqui, podem ir lá ver, ou podem simplesmente lê-lo aquino Porco: http://jornal.publico.clix.pt/magoo/noticias.asp?a=2008&m=11&d=25&uid=&id=285450&sid=56191
Com a devida vénia, aqui vai disto, fala quem sabe:


Timor-Leste A ilha insustentável
Pedro Rosa Mendes, especial para o PÚBLICO
Este é o retrato implacável de uma realidade que não podemos continuar a fingir que não existe. Estas são algumas das verdades, duras como punhos, sobre um país que sonhou ser diferente - e nos fez também sonhar
1. Timor não é um Estado falhado. É pior. Falhou o projecto nacional idealizado há uma décadaEm nove anos de liberdade, Timor-Leste não conseguiu assegurar água, luz e esgotos para a sua pequena capital. Baucau, a segunda "cidade", é uma versão apenas ajardinada da favela que é Díli, graças à gestão autárquica (oficiosa) do bispado.O resto, nos "distritos", é um país de cordilheiras que vive o neolítico como quotidiano, longe do mínimo humano aceitável. Chega-se lá pelas estradas e picadas deixadas pelos "indonésios". Há estradas principais onde não entrou uma picareta desde 1999.O bem público e as necessidades do povo são ignorados há nove anos com um desprezo obsceno. O melhor exemplo é a companhia de electricidade: durante cinco anos, a central de Díli não teve manutenção de nenhum dos 14 geradores - todos oferecidos -, até que a última máquina de grande potência resfolegou.O Hospital Nacional Guido Valadares, onde se inaugura esta semana instalações rutilantes, não teve até hoje um ecógrafo decente nem ventiladores nos Cuidados Intensivos. Não há um TAC no país (embora custe o mesmo que dois dos novos carros dos deputados); a menina timorense com que Portugal se comove teve o tumor diagnosticado pelo acaso de um navio-hospital americano que lançou âncora em Díli. A taxa de mortalidade infantil é apenas superada a nível mundial pelo Afeganistão. A mortalidade pós-parto é assustadora. Entretanto, cada mulher timorense em idade fértil tem em média 7,6 filhos.Circulam entre diplomatas e humanitários os "transparentes" de um relatório do Banco Mundial que conclui que "a pobreza aumentou significativamente" entre 2001 e 2007 (um balanço arrasador do consulado Fretilin, porque o estudo usa indicadores até 2006). Cerca de metade dos timorenses vive com menos de 60 cêntimos de euro por dia e, desses, metade são crianças. Timor é um país rico atolado na indigência, onde os líderes se insultam por causa de orçamentos que ninguém tem sequer unhas para gastar.2. A "identidade maubere"é uma ficção dispendiosaA identidade "nacional" do espaço político timorense não existe, como explicam os bons historiadores, que sempre referem no plural os "povos" de Timor. Sob o mito do "povo maubere" existe um mosaico de dezena e meia de entidades etnolinguísticas que se definem por oposição (em conflito, separação, desconfiança, distância) ao "outro", mesmo em aliança. O "outro" de fora, ou o "outro" de dentro. É um tipo de coesão circunstancial e oportunista que morre com o conflito, engendrando a prazo outros conflitos, em ciclos de calma e crise numa ilha com paradigmas medievais.A gesta "maubere" produziu, finalmente, uma inversão cronológica. A RDTL é uma cristalização política de uma sociedade que teve alforria de Estado antes de construir uma identidade que o sustentasse.A filiação de cada timorense continua a ser à respectiva "uma lulik" (casa sagrada) e às linhagens que definem outros territórios e outras leis que não passam por ministros, juízes nem polícias, mas por monarcas, oligarcas e chefes de guerra. É isto que os líderes tentam ser - ou, de contrário, não são.3. O Estado independente é sabotado pelas estruturas da resistênciaO Estado timorense funciona. Não significa, porém, que produza algum resultado, exceptuando a Autoridade Bancária de Pagamentos, única instituição onde a aposta na localização de quadros e a recompensa do mérito fizeram do futuro banco central um oásis de probidade nórdica.As estruturas operativas do país são paralelas, oficiosas e opacas. Vêm do tempo da resistência e não houve coragem ou inteligência para as formalizar no jovem Estado.Um caso óbvio é o dos veteranos das Falintil que não integraram as novas Forças de Defesa (FDTL). Em 2006, foi a 200 desses "civis" que o brigadeiro-general Taur Matan Ruak recorreu num momento crítico de sobrevivência do Estado. O Estado-Maior timorense está, porém, a contas com a justiça. Se passar da fase de inquérito, talvez o processo das armas e da milícia "20-20" abra um debate que devia ter acontecido antes. O lugar das "reservas morais" tem de ser formalizado, sob pena de não haver linha de separação entre patriotismo e delinquência. O major Alfredo Reinado ilustrou, de forma trágica, a facilidade deste salto.As estruturas paralelas, porém, não são exclusivo do sector de segurança. O ex-comandante Xanana Gusmão não esconde que a Caixa, a rede clandestina de "inteligência", continua activa. As fidelidades, mas também os reflexos e atavismos da resistência, continuam em vigor. A "velha" voz de comando é, por vezes, a última instância e, mesmo em Conselho de Ministros, o último argumento é por vezes o voto de qualidade por murro na mesa.José Ramos-Horta, diasporizado das Falintil e do mato até 1999, não tem cão mas caça com gato. O chefe de Estado, em linha com os símbolos maçónicos debruados nas suas camisas, é desde há dois anos o segundo "pai" da Sagrada Família. É uma sociedade fundada em 1989 pelo comandante Cornélio Gama "L7", que evoluiu para uma combinação algo mística de grupo religioso, partido político e milícia justiceira. Foi "L7", com a bênção de Xanana Gusmão, que apresentou a candidatura de Ramos-Horta à Presidência em Fevereiro de 2007, em Laga. Vários elementos da Sagrada Família integram a guarda do chefe de Estado.A República timorense é limitada e sabotada pela recorrência do ocultismo, apadrinhamento, vassalagem e mentalidade de célula. No entanto, se não fossem as redes informais de confiança e de comando, por onde passam também os códigos de fidelidade e os valores de grupo, a RDTL já teria implodido.Versão moderna dos Estados dentro do Estado: a última contagem, confidencial, dá conta de 350 assessores internacionais junto do IV Governo Constitucional.4. A estratégia dominante na sociedade está tipificada no Código Penal. Chama-se extorsãoA simpatia pela "causa" timorense estagnou num ideal de sociedade e de pessoa que é desmentido pela frustrante experiência quotidiana. Ignorância, trauma, miséria e negligência, polvilhados com os venenos da complacência, paternalismo e piedade, banalizaram comportamentos de rapina, desonestidade, egoísmo e má-fé. A solidariedade, a generosidade e a gratidão estão em minoria. O que é marginal ou criminal noutros sítios faz, no Timor de hoje, catecismo nas repartições, nos negócios, no mercado, no trânsito, no lar.A "liderança histórica" reina sobre um país intratável, em passiva desobediência civil, que pensa e age como se todo o mundo lhe devesse tudo e como se tudo estivesse disponível para ser colhido, do petróleo ao investimento e à atenção internacional. A cobiça e a inveja social infectam a esfera política, social, laboral e até familiar. "Aqui todos mandam e ninguém obedece", para citar um velho timorense educado em princípios que deixaram de ter valor corrente no seu país.A "estabilidade" actual é comprada com um Natal todos os dias. Tudo é subsidiado, desde o arroz ao combustível, com uma chuva de benesses e compensações a um leque impensável de clientelas e capelas. A sociedade civil, digamos, é uma soma de grupos de pressão que recebem na mesma moeda em que ameaçam com incêndios e pedradas, desde os deslocados aos peticionários ou aos estudantes.Todo esse dinheiro nada produz. Algum sai para a Indonésia, que os novos-ricos timorenses consideram um sítio mais seguro para investir. O que fica compra motorizadas e telemóveis. A Timor Telecom vai fechar o ano com 120 mil clientes na rede móvel, 12 por cento da população, uma taxa ao nível de países com o triplo de rendimento per capita do timorense.A maioria dos timorenses não paga o que consome: água, electricidade (por isso o consumo aumenta 25 por cento ao ano, um ritmo impossível de acompanhar por qualquer investimento nas infra-estruturas), casa, terra, crédito, arroz. Este modelo de pilhagem e esbanjamento é insustentável na economia, na banca, na ecologia, na demografia e, a prazo, até na política.5. A ocupação indonésia foi implacável e a líderança timorense desmantela com zelo o que restava: a dignidadeO gangster mais conhecido do submundo de Jacarta nos anos 1990 - o timorense Hércules - é, hoje, o dono de obra no melhor jardim da capital. Os condenados por crimes contra a humanidade, como Joni Marques, da "Tim Alfa" (pôs Portugal de lenço branco em Setembro de 1999 com um massacre de freiras e padres), voltam às suas aldeias com indemnizações por casas que foram queimadas, enquanto eles estavam na prisão.Na Comissão mista de Verdade e Amizade (CVA), foi a parte timorense, perante a surpresa indonésia, que tentou conseguir uma amnistia geral para os crimes de 1999, com uma persistência de virar o estômago.O relatório da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), uma monumentae historica de 24 anos de dor em sete volumes, espera há três anos a honra de um debate no Parlamento. Duas datas estiveram marcadas em Novembro, mas, nos bastidores, os titulares políticos tentam obter uma prévia sanitização das recomendações da CAVR.Mari Alkatiri, Xanana Gusmão e José Ramos-Horta, ao sectarizar a memória da violência, desbarataram o capital obtido à custa de duzentos mil mortos (incluindo os seus entes queridos). A herança do genocídio é aviltada na praça como capital de risco e como cartão de visita. O resultado é uma distopia moral, um abismo de proporções tremendas em que se afunda um país cuja soberania teve, afinal, uma legitimidade essencialmente moral no seu contexto geográfico e histórico.Os mortos são a parte nobre de Timor, merecedores de tributos em rituais, lutos e deslutos. Mas nesta terra de cruzes, valas comuns e desaparecidos, não houve ainda a caridade de 200 mil euros para instalar um laboratório de ADN que permitisse, enfim, devolver os ossos ao apaziguamento dos vivos.A injustiça e a impunidade são valores seguros em Timor-Leste.6. Timor fala todas as línguas e nenhumaTimor é uma ficção lusófona onde a língua portuguesa navega contra uma geração culturalmente integrada na Indonésia, contra a geografia, contra manipulações políticas internas e contra a sabotagem de várias agências internacionais. A reintrodução do português só poderá ter êxito com a cumulação de duas coisas: firmeza política, em Díli, sobre as suas línguas oficiais; massificação de meios ao serviço de ambas.O Instituto Nacional de Linguística tem 500 dólares de orçamento mensal (exacto, seis mil USD por ano).Na "Babel lorosa'e", como lhe chamou Luiz Filipe Thomaz, não se fala bem nenhuma das línguas da praça (tétum, português, inglês, indonésio). Uma língua é a articulação de um mundo e do nosso lugar nele. Perdidos da gramática e do vocabulário, uma geração de timorenses chegou à idade adulta e ao mercado de trabalho sem muitas vezes conhecer conceitos como a lei da gravidade, o fuso horário ou as formas geométricas, apenas para dar exemplos fáceis.Aos poucos bancos com balcão em Díli (três) chegam projectos de investimento estrangeiro cujos planos de amortização não prevêem mão-de-obra timorense ou que contam os timorenses como peso-morto na massa salarial, ao lado de operários ou técnicos importados que responderão pela produção. 7. "Entrar nas Nações Unidas é ficar politicamente inimputável"Diz um diplomata que gosta do teatro de sombras javanês: "A ONU em Díli está em sintonia com os dirigentes timorenses. Todos fabricam fantasmas: o grande estratego, o grande diplomata, o grande guerrilheiro. Se não fosse assim, as máscaras cairiam e seria um grande embaraço..."A UNMIT, uma das missões mais caras da ONU, afunda-se penosamente no mesmo vazio moral da liderança timorense. Três mil funcionários, polícias e militares, uma massa crítica formidável que poderia ser um contrapeso à incompetência e à insensatez, são esmagados pelo cabotinismo carreirista do chefe de missão, Atul Khare, e de acólitos que acham bem em Timor aquilo que jamais admitiriam nos seus países desenvolvidos. "Entrar nas Nações Unidas é ficar politicamente inimputável", explicou um alto--funcionário da UNMIT.8. Não há nenhuma bandeira de Portugal no mar de TimorNão há interesses portugueses em Timor-Leste, porque não há condições objectivas mínimas para fazer vingar qualquer interesse mensurável. Não, decerto, pelos critérios que vigoram em qualquer outro lado. Seria bom que isto fosse entendido pelos nossos responsáveis políticos. Portugal concedeu mais de 440 milhões de euros de 1999 a 2007 em ajuda ao desenvolvimento a Timor-Leste, que consome quase metade do bolo total da nossa cooperação.Continuando uma tradição portuguesa, as projecções pós--imperiais e os fascínios com sucessivos aprendizes de Mandela ganham precedência sobre as informações que chegam dos operadores económicos no terreno. "Mas você nunca ouvirá um governante português dizer nada contra Timor", dizia, este ano, à mesa do café, um governante português de visita.9. "Tudo ainda não aconteceu"A ferida feia no corpo de Ramos-Horta, quando o Presidente jazia numa poça de sangue depois de levar dois tiros de cano-longo, é um buraco tão fundo como a vergonha da nação. A ressurreição do profeta-Nobel criou um cristo gnóstico mas as chagas, nesta terra dilacerada, já não fundam religiões com a facilidade com que há dez anos fundavam Estados.Díli, como um circo máximo de gladiadores, fervilha de jovens empurrados para a luta. Não têm emprego, educação ou perspectiva. Alguém lhes diz: "Não sois bandidos. Sois guerreiros." Mas dos aswain, os heróis das montanhas timorenses, resta-lhes a coragem física, um retalho de rituais dispersos por grupos rivais e a intransigente sacralização do seu território. Uma mistura inflamável para toda a nação. "A resistência continua mas agora sem rumo. E, sem rumo, só faz merda", diz o ex-assessor de Ramos-Horta para a Juventude José Sousa-Santos."Tudo ainda não aconteceu", avisava um "espírito" antepassado, pela voz de uma menina de Ermera, no Natal ainda inocente de 2005.Díli, Novembro de 2008

25/11/08

Conversas em Família, por Quem Vê Tv

Tudo neste país cheira a mofo. Até a propaganda do regime é bafienta. O programa de televisão Prós e Prós (ou Contras, como eles dizem) é o mais fiel retrato da indigência mental e da desonestidade intelectual e propagandista ao serviço do governo. Num país decente, um programa como este, há muito que já estava banido da televisão pública para dar lugar a um verdadeiro espeaço de debate de ideias. O último episódio desta triste saga, acerca do modelo de avaliação de professores imposto pelo governo, é um exemplo paradigmático do que afirmo.

A começar pela apresentadora, impreparada, inculta, medíocre... A sra Fátima Pereira fala por cima dos seus convidados, corta-lhes o raciocínio, usa a mais elementar técnica de confusionismo quando lhes faz 4 perguntas seguidas -contei-as eu no programa de ontem - sem permitir as respostas devidas a cada uma delas, trata pelo nome os participantes que estão do lado contrário ao seu e pelo títulos os que estão do seu («a rosário gama e o sr. secretário de estado, o mário nogueira e o sr. secretário de estado», repetiu ao longo do programa), passa por cima de afirmações importantes que urgiria esclarecer, opina quando devia ser neutra, limita-se a assanhar ou a separar, pensa com chavões, enfim, desculpem-me o termo, esta senhora tem um desempenho que, como diria o paulo bento, «mete nojo». É lamentável que se preste a este papel, mas o pior é que ela é tão fraquinha, mas tão fraquinha que às vezes dá a impressão de que nem se apercebe da figura que faz.

Depois é a escolha cirúrugica dos convidados: começa pela ausência de figuras centrais que se tenham destacado no debate em causa - Paulo Guinote, Santana Castilho, Nuno Crato, por exemplo, deviam ser incontornáveis. Em alternativa escolhe-se um Aires Almeida, cheio de boas intenções, mas que se limita a meia dúzia de fórmulas radicais e nervosas que prejudicam, mais que favorecem a causa dos professores que seria suposto representar. Deixam-se de fora órgãos oficiais - o Conselho de Escolas , o CNE, outras confederações de pais que não a CONFAP que recebe chorudos subsídios governamentais.
Em vez disto estavam no programa uma storas presidentes de conselhos executivos que representaram os cerca de 20 Professores Socialistas que estão a afavor do modelo de avaliação do governo. Uma tia loura presidente de uma escola qualquer veio falar na cultura de escola da «minha escola»; uma Armandina de um conselho executivo que já não me lembro de onde era e que veio confessar-se assustada com o horrível clima de «intimidação física» em que vivem os cerca de 20 Professores Socialistas que defendem o governo e que são mostruosamente ameaçados pelo grosso dos seus colegas hooligans ( a intervenção desta senhora foi, aliás, de uma irresponsabilidade total porque se foi ameaçada só tem que dizer por quem, onde, quando e em que termos e apresentar queixa e não lançar a atoarda em geral). Agora, o que é chato, descobriram-se umas intervenções da senhora no isento órgão de informação oficial xuxialista o Acção Socialista... E ainda tivemos que gramar com uma sra especialista em ciências da educação - uma praga que devia ser varrida dos gabinetes do ministério da educação para bem do ensino neste país - que mais não fez que auto-promover-se num pedestal criado por ela própria (eu, eu, eu)... Tudo pensado: a «moderadora», os participantes de um e outro lado, tudo num nível próximo do zero.

Num país estragado pela qualidade medíocre e sem vergonha dos pê esses que nos governam, tudo isto bate certo. A propaganda em vez do debate, a confusão em vez do esclarecimento e sempre, mas sempre, a noção clara, de que o que é preciso é convencer o povo. Zé socras nunca esquecerá Souselas nem o braço de ferro a propósito da co-incineração que o fez passar, praticamente, de cola cartazes do pê-esse a primeiro ministro do país. É preciso percebermos que a guerra da avaliação nada tem a ver com os professores: eles são as vítimas, simplesmente, o bode expiatório de socras para tentar ganhar as próximas eleições. Quando faz ar de mau, não é a eles que socras e milu rodrigues se dirigem: o alvo é outro, a populaça que não grama os profes. Mas talvez se enganem, oxalá o tiro lhes saia pela culatra.

20/11/08

Ratazanaria, por Cão

Para vos dizer ao que esta semana venho, tive de inventar a palavra que dá título ao arrazoado da crónica: ratazanaria.Ratazanaria, entendo-a como a altanaria dos pobres de espírito. Manuela Ferreira Leite percebê-la-á como ninguém, sobretudo esta semana. Atiraram-se (e continuam a atirar-se) à garganta da senhora por causa daquelas palavras relativas à suspensão, por um semestre, da “Democracia”. São ataques ratazaneiros, os de dentro como os de fora.A líder (?) do PSD quis ser figurativa, metafórica, irónica, lateral, cotejante, graciosa, fina, melíflua, entrelinear. Tramou-se. Ou querem tramá-la.É um pouco triste, a ratazanaria de dentro do PSD: como se nunca tivessem ouvido os dislates pançudos do Jardim madeirense, as catilinárias higiénicas do Macário algarvio, as rés-chãs atoardas do Menezes gaiense, as irrelevâncias passarinheiras do Santana urbi et orbi.Triste é também a ratazanaria do PS: terão eles ouvido alguma vez os inenarráveis éditos de um tal Manuel Pinho, ou a crustácea metafísica de uma (in)certa Maria de Lurdes, ou as teixeiradas do senhor Santos das Finanças, ou, ainda, os histriónicos embaraços mariolinológicos? Hmm?Eu já sei o que vai acontecer em breve: o que vai acontecer é o Passos Coelho. Está tudo a fazer-se para ele. Incapaz de uma ironia, inapto para a brincadeira, fisicamente próximo do semblante nova-oportunidade, menino de muita jota-ésse-dê propedêutica, rapaz de razoável quilate vocálico, Passos Coelho is the way.O problema é que, Coelho ou Leite, o PSD, em 2009, perde sempre. A não ser que fosse possível adiar os votos por, digamos, seis meses. Aí, assim, talvez: afinal, há quantos anos andamos a viver uma Democracia adiada de facto?

18/11/08

Por Qué No Te Callas? por Estupefactum

Numa altura em que o governo socretino está em apuros, apertado por todos os sectores de opinião esclarecida do país; precisamente naquela que é talvez a pior semana de um governo em completo desespero em virtude da sua irresponsável e mentecapta teimosia política a propósito da sua política de educação, eis senão quando a líder do PSD vem lançar um inesperado balão de oxigénio. O doente agonizante, ligado à máquina suspirou de alívio momentâneo com as «bizarras»(Luís Filipe Menezes dixit), bizarras não, graves mesmo, declarações de Manela Ferreira Leite. A senhora «não vê possibilidades de reformas em democracia» e declara, sem corar de vergonha, que dava jeito era «parar 6 meses a democracia, para pôr tudo na ordem e retomar a seguir a dita cuja». E ainda se queixam de que a senhora passa muito tempo calada? Para dizer barbaridades que tais, ela não devia era abrir a boca...

14/11/08

Terminação do Anjo, por Leitor Intermitente

O último livro do Abrunheiro é como a Coca Cola do Pessoa. Primeiro estranha-se, depois entranha-se.

Entrei mal na obra. Talvez porque não tenha uma relação fácil com a poesia em geral – gosto apenas de alguma pouca em particular, mais por falta de disponibilidade que por aversão, é daquelas coisas que estou a guardar para a velhice porque pressinto que são preciosas demais para se desperdiçarem em idades sem tempo para as verdadeiras preciosidades. Mas seja como for a poesia nunca foi o meu território literário de eleição. E o último livro do Daniel é, digo eu, um poema disfarçado de romance.

Comprei um exemplar no lançamento, abri-o expectante na primeira noite e confesso que comecei por não gostar. Custou-me a entrar naquele emaranhado de palavras exóticas. Demasiado palavroso, demasiado estiloso, demasiado objecto indeterminado, demasiado ovni. Resultado, o mecanismo da leitura padrão emperrou. Pelo meio (intro)meteu-se uma Grã Bretanha no meu caminho. Mas de regresso, já este mês, retomei a obra. Voltei ao início, disposto a não me deixar abater pelas primeiras impressões. Em boa hora.

Há livros difíceis. “Terminação do Anjo” não é um livro fácil. Isto é dito por alguém que adora palavras. Adoro o que elas significam, mas também me apaixona a forma como elas significam. Durante anos, antes de o matar, tive um blog chamado palavrar, um termo que descobri posteriormente foi também utilizado por Pessoa num dos seus versos. Palavrar celebra para mim o potencial plástico da palavra, aliás, celebra o potencial total das palavras, mas traz também para relevo o prazer da forma. Que é importante, quanto a mim, no mesmo sentido em que os poetas de antigamente e alguns de agora obedecem a regras métricas e a rimas estéticas: por uma questão de estilo. Porque “soam”, além de significarem. A junção das duas coisas numa frase, num texto, num verbo, num livro, resulta numa experiência ao mesmo tempo didática e estética. Pode ser boa, pode ser má, depende; nos dois sentidos ou apenas num. Mas pelo menos numa obra literária espera-se que as palavras sejam belas, além de sábias. As duas coisas juntas em maior intensidade, profundidade, mestria e criatividade, resultam por norma numa obra de génio.

Que se perceba, enfim, que gosto de palavras, das escritas. Em pessoa sou lacónico mas a escrever sou palavroso. E gosto de Mia Couto e de todos os novos autores de língua portuguesa espalhados pelo mundo a inovar com a língua, a mudá-la, a transfigurá-la, a não a deixar morrer ou a estagnar, a criar novas formas de e para a linguagem. Mas também gosto da ideia de equilíbrio e ao princípio o livro do Daniel foi-me desagradável, porque me pareceu de certa forma desafinado, com um sobre-peso de virtuosismo estético, na profusão vocabular. “Virtuosismo gongórico”, foi uma das expressões que me vieram à cabeça e que vim a saber mais tarde serem cruéis e injustas.

Apesar de ser algo que nunca escapa ao olhar de qualquer leitor experiente, as figuras de estilo normalmente escondem fragilidades, mas no caso deste livro percebi que é pelo contrário. Que é talvez mais uma excepção que confirma a regra, mostrando que também há casos em que palavrar demasiado é uma forma de encriptar informação preciosa.

Retomando, entretanto ultrapassei a Inglaterra e regressei ao livro, que se encontrava na mesinha de cabeceira, exactamente como se encontrava há três meses atrás, com a marca ainda esquecida para aí na página 40. Como se tivesse esperado por mim, paciente. Ou teimoso. Dei-lhe uma nova oportunidade e voltei ao início. Ao início da viagem de Camilo Ardenas, num autocarro expresso em direcção a Coimbra numa noite de Inverno. Curiosamente, à segunda deixou de ser tão difícil. E acabei por devorá-lo em duas noites, como quem devora um objecto estranho mas irresistível, tipo sopa agri-doce. Venci a repulsa inicial e consegui finalmente ver para além da beleza das palavras, ou melhor, consegui ver a beleza das palavras por dentro. Como quem diz, “desta vez percebi!”. Vi para além da embriaguez palavrosa e percebi uma obra grande, abundante em novidade, emoção e ensinamento. Recomecei e pouco depois estava a lê-lo na sua justa medida de poema em prosa. Que é isso que o Daniel Abrunheiro faz quanto a mim melhor: poesia.

Como o próprio título indica, esta é a história de um anjo terminal, perdão, terminador. Um anjo fatal e trágico como os anjos dos filmes de Wim Wenders, desses que andam ao nosso lado pelas ruas das nossas cidades familiares. Não me lembro dela ser alguma vez nomeada no livro, mas essa cidade por ondeia vagueia o anjo negro é Coimbra. E como sempre Daniel não faz cerimónias com a cidade, uma cidade que não é “enxuta” e onde pululam “poetas municipais”. Putas e vinho verde, diz a Coimbra do Daniel. Trata-se também de uma história (porque há uma história) em torno de livros e da paixão dos livros. Da paixão de os escrever, como se verá em última instância, mas inicialmente de os ler. E da paixão de os ter, que também é focada.

Mas “Terminação do Anjo”, não obstante ser também uma história, é um livro de poesia, tem a volúpia descontrolada da poesia, e a poesia, como se sabe, não se explica, lê-se e experimenta-se. Há uma narrativa, mas por todas as linhas deste ensaio sobre a memória há lirismo. E é assim, acho eu, que se lê melhor este último/primeiro/maisoumenos romance (« talvez») do Daniel Abrunheiro, mais um escritor a acrescentar definitivamente ao rol dos inovadores da língua portuguesa. E que merece e deve ser lido. Quem não acredita que vá ao blog dele.

O que acho mesmo é que sobretudo os amantes da veia poética do Daniel, se forem persistentes, vão gostar muito deste livro sobre a arte de criar histórias, de criar (e tirar) vidas. Sobre mais uma série de temas, anatomias, almas e geografias interessantes. Mas se à primeira não entrar, salvo seja, poderá não ser má táctica fazer como eu fiz, ler primeiro uma parte, viajar e voltar uns tempos depois para ler o resto. É um livro a que vale a pena regressar.

11/11/08

Avaliação já! por Tó Pê

A ministra da educação foi hoje recebida em Fafe por cerca de 300 alunos e que a brindaram com os apupos da praxe. A novidade é que desta vez também lhe atiraram com uma chuva de ovos. Incrivelmente não lhe acertaram. Pergunta-se: que andam a fazer os professores de educação de física? Andebol? Tiro ao alvo? Zero. Nem um só ovo acertou na ministra, uma incompetência incrível dos profes de educação física que não souberam preparar estes alunos para acertar, digamos, num elefante a dois passos... Ah pois é, e depois não querem ser avaliados...

10/11/08

Psicopatolgia Política, por LSD

Já o velho Freud falava nas percepções alucinadas da realidade. Quando a realidade é frustrante e decepcionante, o doente perturbado e incapaz de aceitar que o mundo não se subordina aos seus desejos, acaba por viver num mundo literalmente ficcionado. Alguns exemplos de percepções alucinadas da realidade:O doente mental não aceita que um ente querido tenha desaparecido e teima que se encontra com ele todos os dias à hora do café. Ninguém o convence que está sozinho à mesa. Esta percepção do real é uma forma de alienação: o doente foge ao real e refugia-se no seu próprio universo autista onde não existem resistências aos seus desejos.

Milu rodrigues e zé socras são dois casos típicos que encaixam como uma luva nesta noção de percepções alucinadas da realidade. Também eles teimam em recusar a realidade que teima em fugir-lhes ao controlo. Milu rodrigues disse na sic que não se podia contabilizar o descontentamento dos professores pelo número (assombroso!)dos 120 00 docentes que sairam à rua. Essas coisas não se medem assim. Então como é que se medem?, perguntou o estupefacto jornalista. Contam-se «administrativamente«(sic), pelo número de escolas que são a maioria que continua o proceso de avaliação. Mas os profs da manif são os mesmo das escolas e estão na rua a pedir a sua demissão, lembrou o jornalista. Pois, mas não conta, o que vale são os números oficiais das escolas que continuam a fazer a avaliação. Ou seja, é a típica lógica retorcida de uma mente alucinada. O princípio é simples: se a realidade é desmentida pelos números administrativos, então suprima-se a realidade! A ficção passa a ser a realidade e arealidade a ficção.

Zé socras revelou também traçosdeste tipo de personalidade alucinada a propósito do mesmo caso da manif dos profs. Embora, é certo, se tivesse expressado de uma forma mais subterrânea e enviesada. O homem não percebe porque é que o processo de avaliação dos professores correu bem o ano passado e este ano não (sic). Aqui trata-se simplesmente de uma MENTIRA. Socras sabe que o modelo de avaliação que está em vigor actualmente não é, nem de longe nem de perto, o mesmo que o ano passado serviu para avaliar uma parte (e só uma parte) dos docentes contratados. É inteiramente diferente: são outros paéis, outro modelo, é tudo diferente. Mas não se coibiu de afirmar que é o mesmo. Mente, uma vez que sabe que se tratam de coisas inteiramente diversas. Neste caso a estratégia alucinada é básica: a mentira sempre foi a forma mais ordinária de negação da realidade.

Nos dois casos, tanto milu rodrigues como zé socras (perdoe-se-me o tratamento, mas já não consigo tratar estes personagens como ministros, perdi-lhes todo o pouco respeito que ainda lhes podia ter)não fazem mais que aplicar no discurso político o velho princípio da lógica alucinada, de que falava Freud. Quando Galileu Galilei mostrou através do seu telescópio que afinal a superfície da lua era feita de rocha e de calhaus como a da terra e não de uma matéria celestial diferente, houve um inquisidor que se recusou a olhar por tal diabólico aparelho. Socras e milu estão na mesma, recusam-se a olhar para os factos indesmentíveis que e passam mesmo à frente dos respectivos narizes. São, afinal, um e o mesmo caso da mesma lógica junkie retorciada que enuncia lapidarmente: se a droga te prejudica os estudos... deixa de estudar.

08/11/08

O Saramaguito, porque As Vacas Não São Sagradas

Fora dos livros, Saramago é um homem sem grandeza. Um cidadão com ideias regra geral banais, desinteressantes, pequeninas e azedas. E com uma forte tendência para o disparate. Uma espécie de Noam Chomski dos pobrezinhos. Ou de Soares da literatura. E o Nobel e o filme do brasileiro agravaram-lhe os piores tiques, como a vaidade, não que seja má coisa em si mesma, mas no sentido em que lhe dá mais vontade de falar, sente-se legitimado para a pregação, para dizer o que pensa aos quatro ventos. Então em alturas de lançamentos, quando está realmente por todo o lado, é um fastio ainda maior.

Gosto de alguns livros dele, mas, de facto, nunca simpatizei com a personagem. Talvez, inicialmente, por influência de convívio com colegas jornalistas mais velhos, daqueles que conheceram o homem nos tempos do PREC e de outros arraiais dos nossos seventies, de jornais nacionalizados e controlados pelo PCP e de censuras e saneamentos e coisas antipáticas afins, e de como Saramago era um dos intelectuais de estimação e de serviço do pessoal moscovita. Aliás, ainda é, pelo menos de estimação; mas até nisso é pequenino, é vira o disco e toca o mesmo. E repete um discurso que continua a não trazer nada de excitante, de mobilizador, de original. Mas acho, basicamente, que é um tipo filosoficamente pobre.

Por esses e outros episódios, atitudes e palavras, lá fui concluindo ao longo dos anos que o senhor é um bom artesão de letras mas efectivamente não tem grandeza universal, muito menos a que costuma vir associada a um Nobel, que o transformou também numa espécie de embaixador português no mundo. É o Ronaldo e o Saramago. São as nossas duas grandes figuras de referência no mundo. E isso é triste. Eu acho. Até o Eduardo Lourenço faria melhor figura. Ou o Lobo Antunes, que é um tipo sem dúvida nenhuma muito mais interessante e inteligente. Até o pedantismo cínico do Antunes é superior ao pedantismo árido do Saramago. O Miguel Esteves Cardoso, que regressa à ribalta em grande forma, outro tipo muito mais interessante e importante, por exemplo. Só em Portugal há mais e melhor.

Mas, definitivamente, no palco internacional nota-se muito mais a diferença e Saramago não tem a grandeza de espírito nem a sabedoria de uma Doris Lessing, de um Orhan Pamuk ou mesmo de um Gunter Grass, só para mencionar alguns contemporâneos, que realmente interessa ler e ouvir com atenção. Ou mesmo na sua área política, um Slavoj Zizek. Nem de longe nem de perto. A entrevista que saiu ontem num dos suplementos do Público e a conversa recente com Carlos Vaz Marques na TSF, confirmaram as minhas suspeitas. As ideias do Saramago esgotam-se nos livros.

Diz que este último, o do elefante que vai morrer à Áustria, é decente. Espero que sim, e que seja um sucesso e que o homem continue a ganhar muito dinheiro com a sua escrita. Para mim, fora dos livros, é um Saramaguito.

Mas quem quiser perceber melhor do que aqui falo, por favor verifique as diferenças, entre um intelectual interessante e outro nem por isso.

03/11/08

A Morte dos Mestres, por Alves

Segundo números oficiais, só no último ano, reformaram-se cerca de 5000 professores que não estiveram para aturar as barbaridades em série das cabeças valterianas do ministério da educação. Mesmo com prejuízo monetário efectivo estes 5000 professores preferiram antecipar a reforma.

Claro que num ministério onde proliferam personalidades tacanhas isto até é bom. Vão estes vêm outros mais baratos. Mas acontece que a situação é dramática. Ao logo da minha vida tive bons, maus e razoáveis professores. Mas os melhores, aqueles que mais me marcaram eram professores com uma certa idade, professores que andavam na casa dos quarenta/cinquenta, precisamente a idade de muitos dos que agora se reformaram precocemente. Estas são, precisamente, as idades em que um professor está no seu apogeu. Mas o espantoso governo socretino, apostado em fazer-lhes a vida negra, prefere criar-lhes condições para sairem do sistema.

Penso nos grandes profs da minha vida: nos professores Monteiro e Beatriz e nas inesqueciveis viagens no tempo que fazíamos nas suas aulas de História, na grande Lívia Múrias, uma sumidade em literatura portuguesa e não só, na erudição de Miguel Baptista Pereira, um gigante que teve o azar de ter nascido em Portugal... Assusto-me só de pensar que nunca teriam sido meus professores se na altura o país fosse governado por um governo como o actual. Todos eles, obviamente, ter-se-iam reformado se estivessem dependentes de um ministério da educação tão acéfalo como este. E, sem eles eu não teria aprendido as coisas que eles me ensinaram e seria uma pessoa, certamente, muito diferente do que sou hoje. Para pior, claro. É assutador pensar que os profs Miguéis, Deolindas, Lívias e Monteiros ainda existem mas estão-se a reformar precocemente por causa dos ininputáveis que nos governam. Tremo só de pensar que a sinistra ministra está a sacrificar uma geração inteira de Mestres e, consequentemente, a retirar aos alunos o direito e o privilégio irrepetível de conviverem e de aprenderem com eles. Estão a matar a alma das escolas. Estão a matar os mestres impunemente. Pobre da sociedade que assiste a isto passivamente, acriticamente, aqui e ali até com aplausos próprios dos que ferecem maiorias absolutas a granel.

Olho para os putos de hoje e tenho pena deles. Numa escola sem exigência em que o que importa é o milagre estatístico do sucesso os Mestres sentem-se a mais, estão a mais, despedem-se, vão-se embora. Quem perde são os putos. Na sua pequenez assustadora, esta gente que nos governa nunca conseguirá compreender a dimensão do mal que lhes causou.

Pic - par de sapatos de Van Gogh.