Animals, dos Pink Floyd, é um álbum histórico para mim, quero dizer, faz parte da minha história pessoal. É por isso que o considero o melhor de todos os discos dos Pink Floyd, pelas razões mais fortes do mundo que são as razões pessoais, absolutamente subjectivas. Eu explico...
Animals saiu em 1977 em plena euforia do Rock Progressivo. Na altura eu era um miserável putarreco e a música que ouvia era apenas o lixo que passava na rádio e na TV, isto é, eu não ouvia realmente música. Mas nesse ano, em Dezembro, o mês do meu aniversário, o meu primo ofereceu-me a cassete do Animals dos Pink Floyd (sim eu ainda sou do tempo das cassetes). Foi uma verdadeira ruptura epistemológica! De repente pareceu-me obscena toda a piroseira que eu ouvia até então. Percebi que a música é muito mais que uma melodiazinha com um refrão engraçado. Dei atenção à versatilidade sonora daquela estranha cassete e fiquei espantado porque uma cassete inteira tinha apenas uma faixa ininterrupta com nomes tão estranhos como Pigs, Dogs, Sheeps, etc. Dei por mim a ouvir faixas instrumentais de dez minutos. Quando voltei a ver os meus amigos da altura que discutiam se o José Cid era melhor que o Paulo de Carvalho (!!!), compreendi que já tinha passado para outro universo. e nem lhes disse que agora tinha lá em casa uma cassete dos Pink Floyd que ouvia sem cessar.
Mas o Animals tinha vida. Em 1977, como disse, vivia-se a euforia do Rock Sinfónico. Mas pouco depois de receber a cassete do Animals, já não sei bem como, chegou-me ao deque velhinho que os meus pais me ofereceram duas outras cassetes que haviam de revolucionar ainda mais as minhas orientações estéticas. Eu não sabia o que era aquilo, o indivíduo que mas fez chegar só me disse que era rock «do bom». Só sei que aquelas duas novas cassetes me arrasaram completamente e que eram muito diferentes do Animals. Aquilo era rock do bom! Mais tarde vim a saber que aquelas cassetes eram, nem mais nem menos, o álbum Four dos Led Zeppellin e o crucial Love you Live dos Stones. Foi um novo corte epistemológico, desta vez com o Rock sinfónico que o Animals tão bem corporizava. Eu dava mais um salto na minha evolução musical.
Graças aos Stones e aos Zep eu iniciei-me nas magnas discussões sobre o futuro do Rock. Tive grandes discussões com o meu primo que continuava a ser um fanático do Rock Progressivo e até tinha no curriculum uma ida ao concerto dos Genesis em Cascais, a maior banda que alguma vez tinha tocado em Portugal. Vivi com entusiasmo a explosão do Punk e da New Wave e defendi furiosamente os argumentos segundo os quais as bandas de rock sinfónico como os Floyd estavam a assassinar o verdadeiro Rock and Roll. Na altura os Punks defendiam um back to basics como resposta aos excessos de virtuosismo e à erudição que tinham contaminado a música popular. Grupos como os Yes, os Genesis, os ELP, os Triunviratus ou os Kraftwerk eram acusados de estarem a desvitalizar o rock. Enaltecia-se o rock primitivo tocado por jovens adolescentes que sabiam quatro notas na guitarra, mas que tinham atitude certa em contraste com a parafernália instrumental e logística das super bandas; sublinhava-se o contraste entre os concertos Punk com a malta toda aos saltos e a atitude contemplativa dos velhos intelectuais do rock sinfónico que apreciavam os Yes com a mesma inércia com que os seus avós apreciavam Beethoven. Neste contexto a energia do Rock era muito melhor representada pelos Stones e pelos Led Zeppelin que pelos Genesis ou pelos Pink Floyd. De repente, o Animals tornou-se, para mim, um disco proscrito. Comprei uns jeans apertados e umas nike brancas e passei para o outro lado da barricada. Agora ouvia os It`s Alive dos Ramones. Definitivamente, eu renegara o Animals...
Felizmente o tempo tudo cura. E passados uns anos, quando se dissipou o efeito das discussões ideológicas entre os fãs do Punk e do rock mais duro e os do Rock Sinfónico, eu arranjei tranquilidade e paz de espírito para dar uma chance a Dark Side of the Moon no meu gira-discos (os gira discos tinham, entretanto, substituído os velhinhos deques). É claro que não fui capaz de dizer que o disco era mau. Embora contrariado, fui obrigado a reconhecer a genialidade dos Floyd, opinião que reforcei quando se deu a explosão do épico The Wall. O meu primo olhava então para mim com a sobranceria de um padre que acabava de converter um judeu.
E foi assim que voltei, de novo, a ouvir o primeiro disco a sério da minha vida, o disco que me fez começar a ouvir música: Animals dos Pink Floyd. Mesmo assim, a minha teimosia e a vaga sensação de traição ideológica ainda me assobravam: eu, um defensor dos Clash, dos Stranglers e dos Pistols, acabava, afinal, rendido à excelsa qualidade do Animals! Foram esses sentimentos que me impediram de comprar o disco durante muitos anos. Mas as músicas ficaram-me sempre na memória como uma recordação de um tesouro perdido. Só há uns anos mais tarde, enfim livre de preconceitos, é que acabei por comprar o Animals.
Agora tenho cá em casa toda a discografia dos Pink Floyd, claro. Gosto mais de uns e não gosto mesmo de alguns (como o Ummagumma, por exemplo, um verdadeiro delírio electrónico). Mas os três discos dos Floyd de que mais gosto são, adivinharam, o Dark Side of the Moon, o The Wall e, num cantinho especial, aquele que é, em certa medida, o mais importante disco da minha vida: o velhinho Animals que o meu primo me ofereceu, um dia, gravado numa cassete!
13 comentários:
Não esquecer o "Wish You Were Here" que é fantástico e foi dedicado ao Syd Barrett
Fã dos Pink
E os gloriosoe e magníficos Emerson Lake and Palmer? Esqueceste-te. Por volta dessa altura, andava eu no ciclo, reuniamos três ou quatro em casa de um gajo que tinha meia dúzia de discos e um aparelho (o cabrão do sortudo) e ouviamos rock progressivo. Era isso, ou o Demis Roussos. Os Stones ainda me passavam ao lado. Essa época, no imediato pré-punk, foi a época "medieval" da música, entre duas civilizações gloriosas, exactamente como a verdadeira.
Os Emerson Lake e coiso eram na altura conhecidos por terem três camiões cheios de material. Ena pá! três camiões. Logo a seguir, apareceu a fase do dois cavalos, com duas guitarras, uma bateria e um amplificador na mala, mais dois pares de jeans rotos e coçados. Those were the days. Excelente post, méne.
Ah, e os King Crimson, também.
Roberto Fripe
Ah, reparei agora que tens aí os ELP. Devem ser os fantásticos emersons sinfónicos.
Roberto Fripe.
É Pá, ó lunatic, quando falares do El Cid e de rock progressivo queda-te no genuflexório e genuflecte, genuflecte genuflecte...Atão não sabes que o homem em 1978 deu à luz, segundo a revista americana Billboard, um dos 100 melhores discos de Rock progressivo de sempre e para todo sempre,amen.
Chama-se "10.000 anos depois entre Vénus e Marte", foi editado pela Orfeu / Arnaldo Trindade em 1978, é uma obra prima de lirismo sinfónico espacial e ainda hoje é um disco de culto em Inglaterra e nos Estados Unidos.
Ó lunatic, o respeitinho é muita lindo!
Persignei-me,olhei para o céu - space is the place (salve Sun Ra!) - e cum catano, El Cid é do caralho!
10.000 Anos Entre Vénus e Marte
O Último Dia na Terra (José Cid) - 4:21[3]
O Caos (Manuel Lamas / Mike Sergeant) - 6:00 [3]
Fuga Para o Espaço (José Cid) - 8:10[3]
Mellotron, o Planeta Fantástico (José Cid) - 6:43[3]
10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte (José Cid - Zé Nabo) - 6:05[3]
A Partir do Zero (Ramon Galarza - José Cid) - 4:43[3]
Memos (José Cid) - 2:07
Bem feita pó Grunfo que hoje à tarde me disse que eu lá tinha escrito mais um post daqueles que ninguém lê. Obrigado malta, 5 comments é uma verdadeira lição para esse porco do Grunfo que em vez de amandar bocs tinhosas bem podia meter aqui uns postezitos nessa mate´ria que ele tão bem domina: o porno.
Fã dos Pink: eu tb gosto do wish, mas não é o meu disco preferido dos Floyd.
Fripe: claro que eu fiz uma referência aos ELp, tá lá como bem vise. Por acaso os crimson e o Frip são do melhor que ficou do rock progressivo. E ainda chegeuie a ver o peter Hammil (lembras-tre dos Van der Graf?) que também me deixou boas ecordações... E é muito bem vista essa coisa dos 3 camiõesVS a diane dos punks, meia bola e força.
Brit: tens toda a razão. Claro que conheço o 10.000 anos entre vénus e marte ( o título tem qualquer coisa do 20.000 lights here from home dos Rolling Stones que também andaram perdidos com essa coisa do rock sinfónico). E também achei um disco audível, mesmo o quarteto 1111 também do Cid, não era mau de todo. mas eu refiro-me no post ao Cid ícone da música parola, o da Anita, da Rosa que te Dei e essas tangas. Era isso que eu ouvia na rádio antes do Animals...
Lunatic
`Por acaso este post levanta uma questão gira que é a de sabermos até que ponto o nosso compromisso estético/ideoógico nos pode impdir de curtir as coisas boas que vão surgindo. Como digo no post, a minha opção pelo rock duro, pelo punk e pela new wave impediram-me durante anos de reconhecer a qualidade do rock sinfónico. Foi o mesmo com o disco sound. Muita gente, eu incluído, não reconheceu o disco sound como música de qualidade. Claro que há muita bosta no disco, como no progressivo, mas é a mesma coisa para o punk e para o rock mais clássico. Anos mais tarde comeceia achar que o night fever é uma exclente música . E é. Quanto é que vocês não davam para estarem agora numa disco a dançar esta pérola: http://www.youtube.com/watch?v=yUmJZ1kyYoU
tarados do catano...
esse grunfo é um porno...
Esquecemo-nos todos que na altura se chamava "rock planante" ou "música planante" à coisa. Era assim que diziamos. Outro must do género, versão mais "pastoral", eram o Jethro Tull, com aquela flauta do Ian Anderson para encantar carneirinhos. Até tenho medo de ouvir isso agora...
Lunatic, acho que tens razão nessa cena do disco sound. Em parte. Até que ponto muito da "qualidade" que reconhecemos hoje a essa música, não é mais do que nostalgia da nossa infância e adolescência e de uma música menos "cinica" e mais "bruta" como a que veio depois? Não é muito fácil delimitar essa fronteira, para mim, pelo menos. Não sou tão bom musicólogo como tu e ainda me confunde um bocado ouvir com prazer os Bee Gees, embora mais o género do How Deep is your Love, do que o Night Fever.
Vamos continuar com esta discussão, que está interessante.
Roberto Fripe
Os Jethro tinham uma música que eu adorava, com uma letra que já na altura era actual, quanto mais agora: too old to rock n roll too young to die. Mas os álbuns deles nunca me encantaram, acho que gostei do songs from the wood...
Quanto aos preconceitos as coisas que eu me impedi de ouvir por causa deeles... Até os Chic me parecem hoje uma banda interessante e na altura dava com um cajado na cabeça de um gajo que dissesse bem deles. Acho que até nisso os Stones foram pioneiros quando gravaram o Miss You ou o Emotional Rescue em plena fase de iconoclastia disco... E não são grandes músicas? Esta, por exemplo: http://www.youtube.com/watch?v=D2z3YbNkbGM
Lunatic
( há qualquer coisa de adolescente em odiar-se os Bee Gees. Na altura em que um gajo quer/precisa de afirmar a sua masculinidade as guitarradas pesadas do punk vinham mesmo a calhar. E os gajos cultivavam uma estética dirty, eram feios porcos e maus.
Já viram os Beegees? Completamente panisgas! E aquelas músicas melosas com melodias bonitas? Homem que é homem não pode gostar daquilo. Tem qualquer coisa de psicanalítico, a aversão aos beegees...)http://www.youtube.com/watch?v=zHnZS8mAKGM
Lunatic
Lunatic, não exageres, tu consegues ouvir Chic durante cinco minutos. Mais do que isso, estás a vomitar. Não tarda, estás a dizer que descobriste agora outra vez os Boney M. e andas deliciado… Olha que ainda tenho aqui guardado um cajado ;)
O “disco” dos stones é outra loiça.
Roberto Fripe
Enviar um comentário