15/04/04

A pornografia na História, por Zé Manel Piroca

A pornografia na História. Um pudibundo contributo (onde não se explica qual foi e como foi a melhor foda da história do cinema pornográfico): A arte de foder para entreter
A arte de foder para os outros verem é tão antiga, ou quase, como o homo sapiens. Ou seja, tão antiga como foder por prazer e quando apetece. E na medida em que as criaturas irracionais praticam cópula sem arte ou sentido lúdico. De facto, inúmeros indícios têm surgido, revelando o carácter lúbrico, por exemplo, das célebres vénus, estatuetas pré-históricas de gajas gordas com volumosas mamas e largas ancas. Para além do seu carácter proto-religioso e místico, símbolos de fecundidade primordial, as figuras seriam objectos eróticos, equiparados, noutra ordem de grandeza, aos fálicos menires, monumentais na sua erecta masculinidade. Não quer isto significar que os nossos antepassados se masturbassem à sombra do menir, mas não deixam de constituir representações de natureza sexual. Uns milhares de anos mais tarde, o surgimento da escrita (e estou a limitar a prosa ao mundo ocidental/europeu, porque o Oriente tem pano para muitas mangas, e alguém, outro, que se ofereça para contar a história condensada da pornografia japonesa ou indiana) proporcionou-nos, a nós contemporâneos, uma compreensão mais detalhada dos impulsos pornográficos da espécie ao longo dos tempos. Um dos primeiros e mais celebrados exemplos será O Banquete, do amigo Platão, ao tempo dos filósofos pedófilos, onde surge, pela voz do narrador Aristófanes, a complexa figura sexual do andrógeno, criatura de dois sexos e muita lubricidade. Isto num contexto histórico local de grande paneleiragem e devassidão, sobretudo nas escolas de filosofia. Em termos de representações pictóricas (pinturas ou gravuras, mas representações pictóricas é muito melhor), lembramo-nos, por exemplo, das luxuriosas representações orgíacas pintadas nas paredes romanas, tão a gosto e de moda ao tempo de cavalheiros recomendáveis como Nero ou Calígula.
Arriscaremos, no entanto, que o ofício de fornicar ou mostrar fornicação a fim de entreter/satisfazer terceiros só começou a arrepiar um caminho sério e coerente, no sentido da sua industrialização actual, após a longa noite de casta e evangélica repressão medieval da sexualidade. E arrancou logo no século XIV com um verdadeiro marco literário: O Decameron, do italiano Bocaccio, onde nobres e fidalgos dados à promiscuidade e à corneação expunham as suas peripécias sexuais. Esta obra, de resto, foi séculos mais tarde transposta para o cinema pelo não menos depravado, italiano e paneleiro Pier Paolo Pasolini, que realizou outras fitas também muito engraçadas.
Desde aí até à actual banalização hedonista dos costumes, e à completa desintelectualização (se esta palavra não existir avisem) e ausência de subtileza do erotismo foi um fartar vilanagem, particularmente a partir da abertura cultural providenciada pelos Descobrimentos e pela Renascença. Alguns casos cimeiros: os contos eróticos de Aretino ou os mediáticos Marques de Sade (séc. XVIII), na França, e Leopold Sacher-Masoch (séc. XIX), na Áustria, com o seu seminal e auto-biográfico Venus das Peles, onde se lançam as bases do sadomasoquismo moderno.
Um pouco mais tarde surge outra bíblia do erotismo literário, na Inglaterra: Fanny Hill, de John Cleland e já em finais do século XIX, Oscar Wilde apresenta o seu Retrato de Dorian Gray, que causou grande furor na moralidade vigente. Estas breves referências constituem passos firmes e hirtos em direcção ao processo de massificação da pornografia hoje em vigor. O cinema, a imagem em movimento, veio revolucionar também esta realidade, principalmente a partir da liberalização cultural, social e económica dos pós-guerra, nos anos 50 e 60 do século XX, começando a impor-se, designada e principalmente nos Estados Unidos, onde na literatura pontuavam gajos como o Henry Miller, e onde surgem maravilhas como as casas de strip-tease, as sex-shops, as revistas Playboy, Penthouse ou Hustler. Na Europa surgem fenómenos literários como as novelas do filósofo perverso George Battaille, e as suas histórias do olho (que curiosamente só viram a luz do dia porque o autor foi convencido a isso pelo psicanalista) ou as caralhadas poéticas de esgalhados como Mário Cesariny ou Luiz Pacheco.
Quanto à pornografia, pura e dura, sem alguém a pensar pelo meio, só a partir dos anos sessenta se pode começar a historiar. No contexto europeu, a partir de finais dessa década, é fundamental o papel dos países escandinavos no desenvolvimento desta indústria, onde pontuaram nomes como o realizador de origem italiana Lasse Braunto (pseudónimo de Albert Ferro), na Dinamarca, que aprofundou temas como a vida sexual dos Vikings e a penetração anal («Deep Arse»), ou um ex-vendedor de carros, Berth Milton, na Suécia, que em 1965 lançou a «Private Magazine», a primeira revista do mundo que publicou, legalmente, uma penetração explicita. Depois a rapaziada não precisa de desenhos, e conhece bem a carreira de mulheres como Traci Lords, que ainda antes de fazer 18 anos já cobrava um milhão por fita, produzia, escrevia e financiava os seus projectos ou, na Europa, Cicciolina que popularizoo fungagá da bicharada. Os filmes caseiros, a indústria e as produções manhosas mas arrojadas, a revolução do vídeo, a internet, o cabo e o satélite, a tecnologia de pirataria, conferiram outra dimensão ao universo da pornografia e hoje O Banquete é uma história da carochinha. Mas o menir continua a ser um calhau em forma de caralho.

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