13/03/05

Ainda há Tinocos!, por Inspector Martelada

Parece que querem construir um condomínio de luxo na antiga sede da PIDE, em Lisboa. Sinal dos tempos. Há quem se insurja e, como estratégia de insurreição, convidam um insígne da Paróquia, chamam uns amigos da imprensa e alardeiam as memórias da luta antifascista. Desta vez, foi a Drª Maria José Morgado. A senhora acedeu ao convite e, em frente ao edifício em ruínas, por entre protestos contra os interesses imobiliários que ali se querem instalar, não hesitou em lembrar as suas memórias mais íntimas quando, entre os fins de 73 e os inícios de 74 foi presa e esbofeteada pelo agente Tinoco da Polícia Política. Barbaramente. Todos admiramos reconhecidos o esforço e o sacrifício de todos os que deram a vida e viram a dignidade ofendida na luta contra a ditadura salazarista. Os métodos usados pela PIDE eram bárbaros e não têm justificação possível. Posto isto, digamos umas verdades: a tortura sofrida não é coisa que se propagandeie. Haja pudor. Ter sido preso, interrogado, torturado pela polícia política não confere nenhuma dignidade pública, não dá direito a um estatuto especial. Haja humildade. A Drª Maria José Morgado não é Jesus Cristo. Todos sabemos muito bem que um dos sinais do provincianismo salazarista era o respeito pelos senhores doutores. Todos sabemos muito bem que os estudantezecos levavam umas bofetadas e uns encostos enquanto os operários, os filhos de ninguém , sem padrinhos e sem conhecidos, esses sim, eram torturados sadicamente até à morte. Eram desterrados e executados sumariamente. Os comunistas foram os que sofreram na pele a mais bárbara tortura dos mais sádicos carrascos.
Por tudo isto, fica muito mal à Drª Mª José Morgado vir para a televisão, com um aquele ar de superioridade moral, lembrar as bofetadas que levava. Dispensa-se aquele indisfarçável sorriso que denuncia o ensimesmamento jacobino da esquerda radical e que eu já ouso adjectivar de louciano. Acham-se donos de uma superioridade cívica que lhes confere o dom da crítica. Vejo esse sorriso no Rosas do cachimbo, na arrogância blasée do Boaventura ou na vacuidade chic da Joana Dias. Vi-o também quando a Procuradora da República dava conta do irritamento que sentia, durante as sessões de bofetada, por ser magrinha e andar de parede em parede com a rota ditada pelo impulso dos estalos, dizendo, no final, como gostaria de ser gorda para não voar. A Senhora Procuradora não é Santa Catarina de Alexandria. Nem quanto à sabedoria, nem quanto ao martírio, nem quanto à humildade. A Senhora Procuradora não é mártir, nem é gorda. Mas é Procuradora da República. Os Procuradores têm dignidade e estatuto especial, não porque levaram uns chapos de um qualquer Tinoco, mas para que evitem que floresçam por aí mais Tinocos a destilar recalcamentos e frustrações íntimas. A uma Procuradora da República pede-se que denuncie o espancamento de Leonor Cipriano. Foi ontem, não foi há 30 anos. Não foi a PIDE, foi a PJ, instituição onde a senhora teve responsabilidades de dirigente ao mais alto nível. Não foi em Lisboa, na António Maria Cardoso, foi em Faro. Leonor Cipriano não é magrinha, é gorda e ficou no estado que a foto ilustra. Não é doutora, nem filha de doutores, nem esposa de doutores. Espancaram-na barbaramente. Pela calada da noite, sem mandato, foram à prisão onde está detida preventivamente e "interrogaram-na". Duvido que alguma vez a gorda Leonor que não voa se venha a ufanar desta má memória, ou um dos muitos presos que em Portugal têm tendência para o suicídio, ou ainda um dos muitos manifestantes que em Portugal chocam de cabeça com uma bala perdida. É que em Portugal, ainda há Tinocos!

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